Aprendiz do mal escrita por slytherina


Capítulo 4
O dia seguinte




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Anton Arcane ficou sabendo do acontecido na Universidade, pela manhã. Foi acometido de uma crise de vômitos e falta de ar, que o levou a passar um dia inteiro na enfermaria do hospital local. Só não recebeu mais atenção da equipe médica, porquê a quantidade de alunos feridos, e mulheres em crises de nervos, redobrou naquele dia. A notícia de que um monstro havia invadido o dormitório de estudantes universitários, e matado meia dúzia deles, se espalhou como rastilho de pólvora. Anton ouviu tudo, entre transtornado e fascinado.


O sentimento de autoimportância, sensação de poder e desforra sobre seus desafetos, era nauseante e asfixiante. Por outro lado, o conhecimento de que ele era o responsável pela morte daquelas pessoas, mesmo que não tendo a intenção, o fazia ter dores no estômago. A verdade o esmagava e prejudicava sua respiração. Ele poderia ficar dias e dias de cama, vomitando tudo o que comia, sem conseguir aproveitar inteiramente o ar dos pulmões, mas ele sabia que para si a vida continuava. Ele estava vivo, e descobrira que tinha o poder de ressuscitar os mortos. E usá-los como seus escravos.


Seu professor particular o procurou após alguns dias. Parecia doente, envelhecido, como se a idade de repente pesasse em suas costas, envergando-o.


– Como está, Professor Heftig?


– Como acha que eu estou?


– O senhor não parece bem.


– A notícia, de que o... monstro matou tantas pessoas, não te perturba? Eu mal consigo me alimentar e me olhar no espelho. Essa história toda me dá engulhos.


– A mim também. Estive internado no hospital por 24 horas. Agora estou melhor.
O velho mestre não se conteve mais e agarrou o aluno pelo colarinho.


– Você está melhor? Como pelos diabos você pode estar melhor? Nós criamos um monstro sanguinário. Isso não te pesa na consciência?


– Claro que pesa! Claro que pesa! O senhor estava lá, mestre, o senhor viu tudo. Eu só segui os seus conselhos. O Senhor me mandou despachar o monstro. O Senhor me mandou dar-lhe ordens. Eu não sabia o que fazer. O Senhor temia que o monstro se voltasse contra nós, pois não tinha certeza se poderíamos controlá-lo. Não me culpe por algo que fizemos juntos.


O ex mestre largou o colarinho do aluno. Deu dois passos cambaleantes pra trás.


– Eu o levei a fazer isso. A culpa foi minha.


– Posso assumir minha parcela de culpa nisso tudo, mestre. Não precisa me poupar. - Anton falou seco.


– Você... você não sente remorsos? Que espécie de homem é você?


– Sou seu aluno, mestre. Este é o tipo de homem que eu sou. Tudo que eu sei e aprendi neste curso eu agradeço ao senhor. - Anton salientou irônico.


O velho mestre virou as costas lentamente e se afastou cambaleante do seu melhor aluno. O peso da verdade nunca lhe pareceu mais terrível e difícil de suportar. Naquela mesma noite disparou uma pistola contra sua própria fronte. Os conhecidos atribuíram seu gesto ao desgosto de ser afastado da universidade, e expulso da cátedra no curso de medicina.


Anton sabia melhor. Entretanto, não se sentiu responsável pela morte do ex-professor. Ele havia dado a vida ao monstro, e partira dele a ordem para destruir os dormitórios, mas ele nunca pretendera que seu velho mestre tirasse a própria vida. Entendia que o remorso e sentimento de culpa foram demais para o pobre homem. Ele, Anton, era mais forte e tolerante quanto a seus próprios erros. Sentia-se mal quanto aos colegas mortos, mas não iria em hipótese alguma matar-se por causa disso.


Ele tentou sem sucesso continuar com o curso de medicina, mas algo, talvez um resquício de decência, talvez escrúpulos que ele nem sabia que tinha, não lhe permitiram continuar frequentando as mesmas aulas, que antes fazia em companhia dos colegas mortos. Comunicou ao tutor, sua intenção de transferir-se para outra universidade, o que não foi recebida de bom grado. Seu tutor expôs-lhe inúmeros problemas que sua decisão acarretaria, sendo o maior deles, a escassez de fundos para custear seus estudos em outra cidade. Anton estranhou tudo isso. Resolveu então fazer uma auditoria nas contas de seu pai, contra a vontade de seu tutor.


O que descobriu foi o que já suspeitava há algum tempo. Ele fora vergonhosamente roubado pelo tutor, que enriquecera ilicitamente desviando montantes vultosos de sua herança, para a própria conta bancária. Anton raciocinara que a simples prisão de seu tutor não lhe beneficiaria em nada. O homem tinha filhos afinal de tudo, ele deveria continuar livre para continuar a tomar conta deles. Não, nada mudaria. As coisas continuariam como antes, mas o tutor pagaria por seu curso universitário e aumentaria sua pensão mensal. Anton fez questão de redigir um documento formal que foi assinado por seu tutor, legalizando a transação. Ele não tinha ilusões quanto à moral de seu representante legal. Sabia que na primeira oportunidade aquele cavalheiro iria lhe dar o bote, como uma cascavel.


Nos anos seguintes, Anton Arcane concluiu seu curso de medicina, embora tenha se decidido pelo campo da pesquisa, sem nunca clinicar ou exercer o ofício de Hipócrates. Trabalhava durante o dia na pesquisa dos efeitos termoquímicos em estruturas unicelulares, enquanto durante a noite fazia experimentos com cadáveres e rituais judeus.


Seu caráter e moral não melhoraram com o passar do tempo, tendo se moldado em tantas outras situações e decisões polêmicas, nem sempre para o bem maior. E estas são outras estórias a serem contadas.


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