Tríplice escrita por Catiele Oliveira


Capítulo 2
Cavalaria do Rei




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Capítulo 2

Anna

Quando amanheceu, as três irmãs foram acordadas por sua madrasta, que abria a janela deixando que o sol da manhã inundasse o quarto. Apesar de estarem habituadas acordarem cedo, sempre ficavam irritadas com a luz matinal, mas Mary parecia apreciar isso.

— Damas não ficam na cama até depois das sete — Disse ela, como se fosse alguém superior. Anna fora a primeira a abrir os olhos e encarar a madrasta — Você está horrível, cheia de olheiras! Assim o seu pretendente vai desistir de fazer-lhe a corte.

Assim que soltou seu veneno para Natalie, Mary deixou o quarto cantarolando feliz. Anna observou a irmã e franziu o cenho ao constatar que era verdade. Pensou que deveria indicar um pouco do pó, que perfeitamente cobriria aquilo, mas também pensou na reação do pai. Da última vez que uma delas resolveu pintar o rosto, ouviu xingamentos e levou uma grande tapa na face. De acordo com os ingleses, aquilo não passava de vulgaridade. Mulheres decentes não usariam pinturas no rosto.

— De forma não exagerada, é possível cobrir — Anna disse. Natalie assentiu — De qualquer forma, não encare nosso pai.

As irmãs lavaram seus rostos e ajudaram uma a outra a se vestir, Agnes apertou o corset de Anna até deixa-la sem ar. Logo ela estava dentro de seu vestido rosa, em um tom bem claro. Tinha seu acabamento com rendas e fitilhos. Suas anáguas pinicavam a pele, mas as mulheres deveriam ignorar isso.

Logo as três estavam prontas para o desjejum em família. O pai e a madrasta já estavam à mesa, Anna, Natalie e Agnes desejaram bom dia, sentando-se em silêncio. Serviram-se com café, um pouco de bolo e pão.

— Minhas queridas filhas — Mary disse, chamando atenção das três, Anna sentiu seu estômago revirar com a voz fingida da madrasta. Perguntou-se se o pai não percebia — Estava falando com seu pai antes de vocês descerem e ele nos permitiu ir à cidade assim que terminarmos o café!

Comemorou. As meninas assentiram, em silêncio, mas Anna sabia que a madrasta esperava uma comemoração mais animada. Assim como o pai, que encarava as filhas. Estava completamente apaixonado pela jovem mulher, que o enfeitiçara por completo, e as filhas agora estavam em segundo plano na vida do homem.

— Nós podemos ter um novo colar? — Natalie perguntou, Mary olhou em expectativa para o marido.

— Tudo para você, querida — O pai tinha um olhar iluminado. Estava fazendo um ótimo casamento para a filha mais velha e alguém deveria ficar orgulhoso disso — Agradeçam a suas irmãs por terem vestidos e joias novas.

— Em breve Natalie terá tantos vestidos que ela ficará indecisa sobre qual usar! — Mary declarou. Anna observou Natalie corar, e pensou na fortuna do futuro marido da irmã. Natalie moraria no palácio e nunca repetiria um figurino. Estaria adornada de joias e presentes.

O pai pareceu não gostar do comentário da esposa, que ficou calada com o olhar repreensivo. O resto da refeição foi um silêncio completo. Agnes fora a primeira a pedir licença e se retirar, Anna sabia que se dependesse da irmã, ela ficaria em casa tocando o dia inteiro. Até gostava da ideia, se Mary também ficasse. Ela simplesmente odiava o barulho do piano. E era um prazer observa-la fazer caretas enquanto grita por silêncio.

Em meia hora as três estavam prontas, sentadas na carruagem, esperando por Mary, que recebia instruções do marido. Elas contorceram o rosto ao ver o pai beijando a esposa e fingiram não reparar. Mary entrou na carruagem com a ajuda de Sebastian, que dessa vez falava com o homem que controlava os cavalos. As meninas não puderam ouvir a conversar, mas acenaram em despedida para o pai.

A carruagem seguiu rumo à cidade, dali onde moravam, para o centro comercial daria quase vinte minutos a cavalo. A estrada de areia sacolejava a carruagem e os cavalos relinchavam a cada chicotada do homem que os guiava. Anna manteve seus olhos abertos, vidrados na campina. O trigo estava quase no ponto de colheita e logo seria vendido para o castelo. Seu pai era um cultivador e era disso que viviam. Fora isso que fizera sua pequena riqueza e lhes sustentara a uma vida confortável. Os longos equitares de terra pertenciam a sua mãe, fora dada ao seu pai no dia do casamento. Nenhuma das filhas herdaria suas terras. Com sorte, Mary teria um filho homem e este ficaria com tudo.

Anna encarou Natalie, as duas sorriram e seguraram a mão uma da outra. Certamente tinham o mesmo pensamento, não se consideram como as outras mulheres de sua idade. Tinham pensamentos e opiniões diferentes sobre casamentos e vida adulta. Mas, ainda assim, ambas tinham expectativas para o baile no castelo. Ver o Rei pessoalmente. Príncipes. Princesas. As músicas, a comida. O próprio castelo em si. Havia expectativa sobre tudo. E Anna até deixava seu estômago retorcer. Talvez lá, ela conheceria o homem com quem pudesse se casar. Odiava a hipótese de nada ser como os livros de romance que lia... Que não conseguiria amar o homem a quem iria prometer lealdade e amor eterno.

Entre devaneios, mal percebeu quando a carruagem parou e cocheiro abriu a pequena porta ajudando-a a descer, assim fizera com suas irmãs e madrasta. As ruas da cidade, apesar de cedo, já estavam inundadas de pessoas. Dali, Anna conseguia ver duas das suas lojas favoritas: a de flores, da sua querida amiga Dores, e também a que vendia os mais deliciosos doces.

Começou a seguir as irmãs, que andavam, sorriam e acenavam para as pessoas que passavam. O sol já estava quente e ela sentiu a vontade de tirar as luvas, mas não o fez. Abriu o pequeno guarda-sol e logo Natalie fora se abrir junto a ela. Essa tinha seus pensamentos longes e assim como Anna, preferia o desfrutar o silêncio e desperdiçar sorrisos com desconhecidos.

— Senhora Ratcliff! — Exclamou Effy Clark, a maior e mais famosa estilista de Londres — É um prazer tê-la aqui novamente! — Mary sorriu por ser reconhecida. Gostava disso e era uma cliente fiel. Somente nesse ano passou da sua marca de dez vestidos, enquanto suas enteadas estavam no terceiro cada uma.

— O prazer é todo meu, senhora Clark! — As duas trocaram beijos e abraços forçados.

— E vejam se não são as três solteiras mais cobiçadas de toda a Londres — Bajuladora como sempre. As meninas riram para Effy, que as cumprimentou com um beijo no rosto — Eu espero que estejam aqui para um vestido de gala!

— Ah sim, estamos! Como adivinhou? — Mary disse entusiasmada, tomando fôlego.

— Com o baile, estou com uma remessa de pedidos gigantescos! Mas sempre há uma exceção para as damas Ratcliff.

Todas elas sabiam que aquilo era mentira. Effy agradaria qualquer mulher com dinheiro para pagar por suas costuras. Mas como boas damas, aceitaram os galanteios e fingiram acreditar, totalmente esquecidas das mentiras contadas assim que começaram a olhar os desenhos de todos os modelos. Agnes fora a primeira a escolher o seu. Era um azul simples, puro cetim e seda. Qual Natalie prontamente discordou, não seria nada elegante, de acordo com ela. Anna concordou. Então Mary tomou à dianteira, dizendo que o seu deveria ser o mais bonito de todos. Em tom de vermelho. Após sua declaração, a costureira riu e concordou. Decidida, ela deixou que as enteadas escolhessem por contra própria, dizendo que iria procurar por um novo colar.

Anna apontou para o desenho de um vestido que tinha um decote provocante. Ela pediu para que Effy apenas modificasse essa parte, fizesse em tom de azul marinho com o cetim mais delicado. Ele deveria ter detalhes de pedras preciosas. E sua echarpe e luvas deveriam ser do mesmo tom. Natalie ficou completamente encantada com o vestido da irmã, e considerou que ficaria ótimo, já que Anna tinha a pele clara e os cabelos negros, como sua mãe. Os olhos verdes água, que daria um grande contraste com o azul. E claro, os lábios pigmentados, vermelhos vivo. Anna era como uma pintura. Muitas vezes comparada a anjos.

— Eu encontro vocês no ourives? — As irmãs assentiram — Certo. Eu vou falar com Dores e então estaremos prontas para comprar anéis e sapatos!

Anna se despediu de Effy animada. Caminhou pela rua, dessa vez andando em passos largos, segurando sua pequena bolsa e o guarda-sol, que combinava com o rosa de seu vestido. Ao longo da via, perto da loja de flores, observou homens a cavalos. A qual deduzira que eram soldados do Rei. Ela os encarou, quando estavam mais próximos, e teve seu olhar preso a de um rapaz em especial. Ele lembrava um pouco ao duque de Norfolk, com seus cabelos negros caindo em sua testa e sua armadura reluzente. O homem sorriu para ela, fazendo com que Anna arfasse e sorrisse de volta.

Ela observou ele se distanciar, ambos sustentaram olhares até serem obrigados a olharem para frente e seguirem seus caminhos. Mas ela ainda podia sentir seu coração palpitar um pouco mais forte. Sabia que não era aquele o rapaz que a desposaria, mas era um sentimento semelhante que desejaria sentir.

— Dóres? — Chamou ao entrar na loja. Encontrou a adorável senhora Beckham regar algumas roseiras.

— Oh, jovem Anna! — Ela sorriu para avó da amiga — Dolores acabou de sair em disparada assim que viu sua madrasta atravessar a rua em direção ao ourives.

Se desencontraram, Anna suspirou decepcionada. Realmente imaginou que se a visse, a amiga a procuraria.

— Bom... A senhora está bem? — Perguntou gentilmente, não querendo deixar perdida a caminhada até ali.

— Sim, vá encontrar com ela. Está afoita em lhe contar as novidades!

Anna sorriu, assentindo e saiu em disparada à procura da amiga. Enquanto corria de volta para o ateliê de Effy, encontrou Dores acenar e gritar por elas. Ambas se abraçaram na rua e riram do modo desesperado que corriam.

— Estava te procurando. A bruxa da Mary fez aquela cara de nojo quando disse que você não nasceu grudada nela.

— Amém por isso! — Anna exclamou, rindo um pouco mais — Encontrei sua vó! Ela parece melhor — Lembrou que da última vez que vira a amiga, a jovem se queixava que a avó estava muito frágil e ela só tinha a pobre velha na vida.

— Ah sim. Ela está ótima...

Dores observou o ponto que Anna encarava, eram suas irmãs, que deixavam o ateliê de Effy e andavam para o ourives. Ela sabia que deveria estar junto, Mary provavelmente contaria ao pai que ela ficou andando pelas ruas sozinha. Mas a saudade da amiga era maior.

— Eu não vou te prender por muito tempo! Tenho novidades... Eu vou me casar! — Dolores parecia animada, apesar de Anna encontrar alguns traços de tristeza no olhar da amiga.

— Como? Casar? — Questionou, perguntou-se o que havia perdido desde sua última vinda à cidade.

— Estou com quase vinte e cinco, Anna. Se eu perder minha avó...

— Não pense nisso — Anna compreendeu, segurando a mão da amiga — Mas quem é ele?

— Não é ninguém — Dolores suspirou — O filho do fazendeiro que fornece carnes para o palácio. Vou me casar com o filho de um açougueiro.

Anna apertou o aperto na mão da amiga, se compadecendo. Dolores tinha sonhos de se casar com algum nobre e Anna compreendia que aquele não era seu sonho. Era só mais um dever.

— O que eu posso dizer? — Perguntou, a amiga sorriu — Natalie também irá se casar — Comentou a ponto de distrair Dores.

— Não me diga?! Mary finalmente conseguiu... — Essa fora a vez de Dolores consolar Anna, que suspirou tristemente pela irmã — Mas diga como Natalie está com isso? Ele é bonito ao menos?

— Dolores! — Ambas riram, Anna revirou os olhos com o comentário bobo da amiga — De acordo com Agnes, ele não vale nada. Mas na verdade... Vale muitas moedas de ouro.

— Oh! É um nobre?! — Anna assentiu — Sortuda! Eu o conheço?

— Duque Norfolk. Dono de olhos castanhos e um charme inegável. Ministro do Rei!

— Oh meu Deus! — Dolores arfou surpresa — Se eu soubesse! Não teria concordado com este arranjo que minha vó me fez... — Comentou tristemente.

— Não tem volta?

— Eu posso arriscar... — Dolores teria muito a perder. Não era um nobre, mas ainda assim era um homem rico — Mas você estará bem arrumada. Quem sabe também não se casará com um nobre e viverá no castelo? Quem sabe o próprio Rei, não? Ele ainda não desposou ninguém!

As duas riram com o pensamento. Aquele era o sonho de todas as mulheres. Mas ainda era um sonho distante.


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