A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 9
Demônios ao Anoitecer


Notas iniciais do capítulo

"— Quero que escute com atenção antes de provar o gosto do meu aço, demônio. — Sua voz estava firme, assim como seus olhos, que jaziam fixos em seu alvo." Mark, o Espadachim.



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Mark arregalou os olhos quando o caos se espalhou pela rua principal da cidade. Sete turbilhões negros de fumaça desceram dos céus, furiosos, implacáveis. As janelas dos estabelecimentos bateram furiosamente contra as paredes, abrindo-se para que todos contemplassem a personificação do medo, do terror, de todos os pesadelos e coisas ruins. Sim, eram os sete, mas não os sete que eu estou revelando para vocês. Estes são os que surgiram junto com a criação do mundo, o verdadeiro mal. Eles foram a causa da devastação de Sarkon, e agora, da extinção destas pessoas.

Pelos humanos, eram conhecidos como Flagelo, simbolizando a dominação e o tormento causado a todos que possuíam terras em Sarkon. Para os elfos, a palavra usada para designá-los seria Mor'Math, que em sua língua nativa, significa "os que caçam e destroem", ao passo que Drak'Tar é o termo criado pelos anões para nomear os "Filhos da Noite".

O elfo estreitou o olhar para ver o que estava entre o grupo e notou que era uma garotinha loira, trajando um vestidinho preto e segurando um par de bonecas. Um par de feixes de luz escapava de seus olhos, eram de um azul intenso, revelando uma possível possessão demoníaca. Um dos membros se aproximou e tocou sua testa. Suas feições não estavam muito visíveis pelo fato de estar de costas para a lua, mas era óbvio que era algum tipo de guerreiro, seu corpo denunciava isso, mas caso não fosse o suficiente, a espada em suas costas reforçaria a ideia.

— Vão embora daqui, rápido. Levem o Pete com vocês, eu atrasarei eles. — Seus dedos tremiam sobre o punho da espada, mas aquilo precisava ser feito. Ele daria sua vida para que a dos seus companheiros fosse salva, se preciso fosse. Damon, Frey, e até mesmo o próprio Pete, nenhum deles sabia como reagir àquilo, e foi esta perplexidade a última coisa que o espadachim viu quando saiu do quarto. Anne estava com a porta aberta, olhando para ele com os olhos marejados. No fundo, ela gostaria de impedi-lo, mas sabia que não funcionaria. Esse era o problema dos homens, eram inflexíveis demais em suas decisões cruciais.

Mark saiu da pousada e parou no meio da rua. O homem que tocava a testa de Lúcia pousou o olhar sobre ele imediatamente. Seus lábios se curvaram completamente, arreganhando os dentes em um sorriso insano. As pupilas verticais e afinadas contrastavam com o rubro de suas íris.

— Quero que escute com atenção antes de provar o gosto do meu aço, demônio. — Sua voz estava firme, assim como seus olhos, que jaziam fixos em seu alvo. — Eu seria tolo em não temê-los, mas o medo é a minha força, e a de todos os elfos. Enfrentamos as suas criaturas vis em Sarkon, e agora vocês vêm até mim. Isso facilita o meu trabalho, porque se eu acabar com este legado sangrento deixado pelos Mor'Math aqui e agora, os outros poderão viver em paz. Largue a criança, eu sou o seu oponente aqui.

— Não demore com isso, Ragnar. — Afirmou o que se encontrava no meio, provavelmente o líder do grupo.

— Não enche. — Envolveu os dedos entre os cabelos dourados da garotinha, segurando sua nuca carinhosamente. Sussurrou algo para ela, que acenou com a cabeça, concordando com o que foi dito. Seus olhos permaneciam azuis, brilhando contra a escuridão penetrante. O demônio levou a mão até o punho de sua espada e desembainhou-a, provocando o agourento som do metal raspando o couro. A lâmina reluziu por um breve momento contra o luar, mas o sangue a deixou opaca logo em seguida. Com uma das mãos, segurava a espada, com a outra, a cabeça decepada de Lúcia. — É com você, Gromn.

Jogou a cabeça para um de seus aliados, um homem enorme, com uma barriga ainda maior. Não é hora para brincadeiras, moleques. Esta é a parte mais séria dessa história, a parte onde o elfo confrontou, sozinho, os sete demônios que assolaram um continente inteiro. O silêncio de vocês é o mínimo sinal de respeito para com sua memória. Gromn abriu sua boca, e tal qual uma cobra, deslocou sua mandíbula para que a abertura fosse ainda maior. O pedaço da pobre garota caiu entre seus dentes pútridos e pontiagudos, como os de um tubarão, sendo dilacerada por eles de forma implacável. O sangue e os miolos se misturaram violentamente naquela grotesca mastigação, criando a cena mais horrível que o espadachim poderia presenciar em toda a sua vida.

Mark abaixou a cabeça. Estava atônito, mas se recuperou rápido o suficiente para que não se descontrolasse... pelo menos, não completamente. Seus olhos demonstravam uma ira tremenda, inigualável, absoluta. Ragnar ainda sorria, e isso provocou ainda mais o psicológico do elfo. Sua mão foi imediatamente para a espada, desembainhando-a completamente em uma fração de segundo. Flexionou os joelhos, arrastando os pés suavemente nas pedras mal assentadas que compunham a rua principal.

— Ei, vocês, vão para o próximo vilarejo. Esse aqui é meu. — Disse Ragnar para os seus companheiros, exalando todo o desprezo pela equipe em sua voz desanimada. Gromn riu, colocando as mãos sobre a barriga. Era uma risada gutural, profunda. Os seis desapareceram do mesmo jeito que haviam chegado, em turbilhões negros e tempestuosos de fumaça.

Sem esperar mais nem um minuto, Mark desatou a correr na direção de seu oponente, segurando a espada com firmeza. Sua lâmina estava abaixada, direcionada ao solo e foi assim que executou o seu primeiro ataque. Efetuou um corte diagonal, de baixo para cima, procurando atingir o flanco direito do demônio à sua frente, mas não foi bem sucedido. Ragnar aparou o golpe com destreza e agilidade incomparáveis, dando um passo ao lado e erguendo sua espada contra a cabeça do elfo, que se afastou rapidamente e voltou à guarda.

Iniciaram uma intensa troca de golpes. Mark estava determinado a vencer seu inimigo, mas força de vontade não lhe daria a vitória. O demônio era praticamente imbatível, podia perceber isso em cada defesa que fazia. Seu corpo se movia de forma natural, como se tivesse nascido para matar, para aniquilar os que se opusessem a ele. O espadachim élfico usava toda a sua perícia para tentar encaixar bons cortes em Ragnar, mas era tudo em vão. Teria que mudar sua estratégia se quisesse sobreviver à luta.

Recuou e baixou a lâmina, ofegante, e o inesperado aconteceu.

Um risco prateado cruzou o ar, cortando-lhe uma dúzia de fios de cabelo em sua trajetória ameaçadora. Seu inimigo se jogou para o lado, desviando-se do projétil com uma feição de surpresa, os olhos arregalados e as sobrancelhas arqueadas. Mark olhou para trás, também surpreso pelo que havia acontecido, se deparando com Damon. O mercenário estava com o arco em mãos, já lançando outra flecha na direção de Ragnar, obrigando-o a se jogar para a esquerda.

O demônio fez exatamente o que Damon previu que faria e então, encontrou-se frente à frente com o porrete recém adquirido de Frey, sendo atingido em cheio com a força imensurável do rapaz. Sem tempo para reagir, foi lançado para trás, colidindo diretamente com a parede do que parecia ser algum tipo de residência. O elfo abriu um enorme sorriso ao perceber que seus companheiros haviam ficado para ajudá-lo. Empunhou sua espada novamente e avançou contra seu oponente.

Ragnar percebeu que estava encurralado e não demorou para agir. Ainda estava atordoado, mas aquilo não o impediria. Seu corpo foi translocado através de uma cortina de sombras até Frey. Tudo aconteceu tão rápido que o irmão de Pete não conseguiu se defender. Os dedos do demônio envolveram seu pescoço e lançaram o rapaz na direção de Mark, atingindo-o em cheio. Ambos caíram no chão, ao passo que Damon encaixava outra flecha no cordel de seu arco. Desapareceu novamente, mas o mercenário havia antecipado seu movimento. Usando o projétil como se fosse uma adaga, cravou a ponta prateada no abdômen de seu inimigo no exato momento em que ele surgiu ao seu lado através da mesma translocação sombria utilizada anteriormente para atingir seu companheiro.

— Desgraçado! — Gritou o membro do Flagelo, afastando-se com as mãos no ferimento. Arrancou a flecha e lançou-a na direção de Damon, que segurou-a pela haste e colocou-a novamente no arco.

Os olhos de Ragnar brilharam, e isso fez com que o mercenário desse mais um passo atrás. A aura do ambiente mudou completamente, se tornou tão escura e cruel quanto o momento em que a música fora cantada. O ferimento em seu tórax foi imediatamente cercado por uma minúscula chama amarelada enquanto a carne se reagrupava, regenerando-se de forma rápida e efetiva. Cerrou o punho direito e avançou na direção de Damon, que estava tão atônito a ponto de não conseguir revidar o golpe. Acertou-o com precisão no queixo, utilizando um gancho fortíssimo que foi capaz de nocauteá-lo na hora. Seu corpo desabou contra as pedras frias e o demônio sabia que era uma oportunidade para acabar com ele.

Mark saltou contra ele, efetuando um giro com a espada e movendo-a horizontalmente na direção de sua cintura. Cortou o ar com a força imposta sobre a lâmina, fazendo-a viajar à uma velocidade que acabaria com a luta caso aquele golpe atingisse o local desejado, mas aquilo não seria tão fácil. Ragnar bloqueou o golpe com o seu braço, que repentinamente se tornara tão rígido quanto aço. Faíscas saltaram, e em meio à surpresa do bloqueio, o elfo foi agarrado pelo pescoço. Os dedos de Ragnar apertavam a sua traquéia, erguendo-o do chão.

Frey correu para tentar resgatar o companheiro, erguendo o porrete de carvalho para acertar novamente o demônio, mas este usou o corpo de Mark para bloquear o ataque. Jogou o espadachim no chão e avançou contra o irmão de Pete, que efetuou outro golpe contra o demônio e conseguiu acertá-lo no ombro. Seu armamento estilhaçou-se completamente quando tocou o corpo daquela criatura sobrenatural e o rapaz não soube mais o que fazer. Começou a caminhar para trás, buscando apenas se afastar o suficiente para que sobrevivesse ao encontro.

— Vocês são tolos em pensar que podem me vencer! — Gritou, com raiva. — Como podem ter sido insolentes a esse ponto? Vocês sabem quem eu sou?! Ragnar, o Devastador! Mas eu sinto algo diferente envolvendo suas auras... sim, vocês não são humanos normais, é fato. — Farejou o ar, como se estivesse identificando o que eles tinham de tão especial. Franziu o cenho e olhou novamente para cada um deles, pousando demoradamente o olhar sobre os rapazes que havia enfrentado.

— E o que te faz pensar que... argh! V-Venceu...? — Murmurou Frey, ferido demais para falar claramente. — Ainda não morremos, seu babaca...!

— Não seja por isso. — O demônio apontou na direção de sua espada e abriu a mão. A lâmina atravessou o ar em sua direção, como se estivesse sendo atraída por um imã. Seus dedos se encaixaram perfeitamente ao redor do punho do armamento, então, girou-o uma ou duas vezes, preparando-se para finalizar Frey. — Esses Guardiões... eles acham que podem ajudar a salvar o mundo! — Jogou a cabeça para trás e gargalhou, um som que arrepiou os pelos da nuca do irmão de Pete. — Vocês tiveram algum tipo de sonho, não é? Vou dar um aviso prévio: não vai funcionar! Eles já tentaram uma vez, escolheram sete guerreiros pra tentar acabar com a gente e não deu certo! Eu mesmo acabei com todos eles sozinhos, e dessa vez, aparentemente teremos o mesmo resultado, afinal, três já foram!

Ergueu a espada para ceifar a vida de Frey, que não tinha condição alguma de desviar. O sangue seco de Lúcia ainda se encontrava em sua lâmina, removendo todo e qualquer tipo de reflexo que poderia produzir. O vento tornou-se selvagem, como se previsse algum tipo de acontecimento ruim ao redor daquele local, e realmente, estava certo.

— Não! — Mark gritou, arrastando-se para impedir que aquilo acontecesse, mas não chegou à tempo.

O irmão de Pete ergueu os braços em uma tentativa falha de se defender de Ragnar, mas foi tudo em vão. O demônio atravessou a espada em seu peito, e como se não bastasse, girou-a lá dentro, dilacerando seus pulmões em uma grande área ao redor do ferimento inicial. Sangue escorria das roupas de Frey, e também de sua boca. Não conseguiu dizer nada, seus olhos ficaram abertos mesmo depois de a vida ter deixado seu corpo. Essa era a morte, tão cruel e silenciosa.

O elfo estava novamente de pé. Cambaleou na direção de Ragnar e ergueu sua lâmina élfica para cortar-lhe o pescoço, mas seu braço estava pesado demais. A exaustão o dominava da cabeça aos pés, e isso lhe custou caro. Ragnar desviou-se de seu ataque apenas dando um passo para o lado e moveu a espada para a direção oposta, criando um movimento-pêndulo. Mark sentiu o aço se aproximar e levantou o seu para tentar bloqueá-lo.

Abriu os olhos. Estava na pousada novamente, e a música estava sendo cantada. Vem os sete, vem dançar. Tudo não passava de um presságio. Damon, Frey, Pete e Anne jaziam nos quartos. Olhou para eles, atônito. Corre chuva, foge agora, eles vêm para brincar. Um raio cortou os céus, deslizando por entre as nuvens até tocar o chão e produzindo um som ensurdecedor.

— Peguem Anne em seu quarto, temos que sair daqui, AGORA!


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