A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 5
No Encalço do Desconhecido


Notas iniciais do capítulo

"— Saiam de perto do garoto, e os deixarei viver. Talvez não inteiros, mas respirar já é o suficiente." Damon, o Larápio.



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O Velho saiu de sua cadeira, esticando um pouco as pernas e abrindo a boca preguiçosamente em um longo bocejo. Olhou para a sua pequena platéia de um metro e meio e deu a sua famosa risada entrecortada, que deu lugar à uma crise incessante de tosse. Curvou-se, ofegante, enquanto um ou dois garotinhos corriam até o taverneiro para que este trouxesse uma bebida ao contador de histórias.

— Não se... — Tossiu novamente. Sua mão foi até a boca imediatamente, ao passo que seus olhos estreitavam ao sentir a umidade entre os dedos. Limpou-os na parte de trás da calça, na região do traseiro. — Não se preocupem comigo. Vamos parar por hoje, amanhã começamos a falar sobre o encontro de Frey com...

— Ei! — uma menininha que aparentava ter onze ou doze anos apontava o dedo para ele, com as sobrancelhas franzidas. Sua postura estava ereta, agressiva, ao passo que seus olhos expressavam a mais completa frustração. — Não está esquecendo nada?!

O Velho olhou-a da cabeça aos pés, erguendo um pouco o rosto para encará-la de forma imperiosa. Encostou-se no balcão, agarrando sua caneca de madeira e levando-a aos lábios, ingerindo toda a cerveja que lá havia (e não era pouca). Bateu-a sobre a superfície de madeira do móvel e pigarreou, perguntando, com a voz rouca:

— Está se referindo à maldita história daquele bandido infeliz?! Não perderei meu tempo glorificando-o para um bando de moleques que mal sabem limpar a própria bunda. Que se dane! — disse, aumentando o tom para que sua voz rouca fosse o suficiente para intimidá-los e desistissem da ideia, mas não funcionou, nunca funcionava. Todos o encaravam com aquele olhar de súplica, o maldito olhar de súplica que sempre faziam. — Ah, sentem-se logo nesses bancos!

Nunca saberei dizer como ele os encontrou, ou desde quando estava os seguindo, mas ele o fez, e isso evitou que muita coisa ruim acontecesse, de certa forma. Logo que Pete desceu da carruagem, fora notado pelo dono da enorme caravana. O garoto podia ser imperceptível para o seu irmão, que era tão burro quanto, mas não era para os outros. O homem trajava um terno de coloração roxa, uma cartola de mesma cor estava perfeitamente colocada sobre sua cabeça, contrastando com seus enormes cabelos que eram de um loiro tão claro que chegavam a refletir o sol. As curvas longas e acentuadas de seus olhos e as orelhas pontiagudas deixavam claro o que ele era: um elfo, aparentemente das ricas planícies próximas à floresta de Erudyn. Ergueu o indicador e apontou na direção do pequeno Pete. Ao redor de seu dedo pálido, havia um belíssimo anel composto por um metal escuro. Não, a visão aguçada do vigilante era mais do que suficiente para que, mesmo àquela distância, percebesse que a joia não era simplesmente escura, era totalmente preta. Sua gema brilhava como uma poça de sangue, o rubro intenso contrastava fortemente com a pigmentação claríssima de seu corpo.

Não há dúvidas, refletiu o observador misterioso, que se esgueirou entre as árvores, aproveitando-se da enorme quantidade de sombras do local para obter uma melhor cobertura. O elfo havia enviado três de seus homens atrás de Pete, tinha que agir rápido. Agachou-se e seguiu nessa postura por alguns metros, passando por trás da maior carruagem da caravana e enxergando seu alvo pelas costas. O anel em seu dedo reluziu, e foi no exato momento em que o larápio atacou. Não sabia como, mas a vítima ergueu o braço pronto para se defender, uma arma escorregando da manga da belíssima vestimenta púrpura. A lâmina do observador se encontrou com a outra, produzindo um som longo e arrastado. Faíscas voaram quando a dança das adagas começou. Trocaram uma dezena de golpes antes de se afastarem, silenciosos, estudando um ao outro.

— Você é o vira-lata daquela que chamam de "Meryna"? — perguntou, provocando-o com o título usado para descrevê-lo. Geralmente, subordinados, por mais inúteis que sejam, odeiam ser chamados de vira-latas de alguém.

— Você é o verme que chamam de Damon? — retrucou o outro, também dando um sorriso sarcástico para o larápio. Se atacaram novamente e a astúcia do outro veio à tona. Quando o elfo ergueu sua lâmina para bloquear o local que supostamente a de seu adversário acertaria, percebeu o erro e tentou recuar, mas era tarde demais.

Aquele que anteriormente fora chamado de Damon arrastou o pé direito para trás e flexionou os joelhos, tomando impulso para saltar sobre o dono da caravana, que perdeu o equilíbrio ao tentar se lançar para trás, recebendo em cheio a adaga do observador misterioso em seu abdômen. Ele ficou por cima do mercador, impedindo que este se movesse, afundando a lâmina até que sentisse tocar o chão.

— Ambos sabemos que eu poupei você com esse ataque. — Sussurrou Damon, bem perto do ouvido do elfo. — Diga-me seu nome, e prometo não ser tão cruel com você.

— M-Mag... — Suas palavras foram interrompidas pela dor lancinante que se alastrou por seu joelho direito. Sentia o frio da adaga do larápio lá dentro. Seu grito de dor cortou o silêncio do crepúsculo que tomava conta dos céus, fazendo com que alguns pássaros próximos voassem para longe. — DESGRAÇADO, POR QUÊ FEZ ISSO?! — gritou novamente quando sentiu o metal girar entre suas juntas.

— Mudei de ideia... não quero mais saber seu nome. Qual a sua relação com essa mulher? — perguntou, mas quando viu que o outro se recusava a responder, torceu novamente o cabo da faca enterrada em seu joelho, provocando outro jorro de sangue para fora da carne dilacerada. — QUAL A SUA RELAÇÃO COM ESSA MULHER?!

— Por favor! Eu d-digo! — o elfo gaguejava, choramingando pela dor extrema a que era submetido. Seu anel emanou uma iluminação sobrenatural quando uma gotícula tocou sua gema de mesma cor. — A garota... Lucia... ARGH!

Damon saiu de cima do dono da caravana no momento em que sentiu o cheiro de carne queimada e viu a fumaça subindo de seu corpo. O acessório do homem estava pegando fogo, percebeu. Foi até ele rapidamente e arrancou a faca de seu joelho, trazendo junto um filete sangrento que limpou no terno do desvalido. Colocou-a na bainha, produzindo o som suave do metal em atrito com o couro. Foi até a carroça mais próxima e checou as mercadorias lá dentro. Um saquinho com cerca de vinte moedas de ouro se encontrava debaixo de um dos bancos, assim como pães e um enorme reservatório de grãos. Ignorou-os, pegando apenas o pão e o dinheiro para que comprasse o que fosse necessário na cidade. Caminhou pela floresta, passando calmamente ao lado do elfo que gritava em agonia, rodeado por chamas que engoliam suas vestes e retorciam seus cabelos. Reze para que chova, pensou ele.

Seu manto esvoaçava para trás, assim como seus cabelos cor de areia. Um arco recurvo ocupava a maior parte de suas costas, ladeado pela aljava que continha uma dúzia de flechas bem colocadas. Suas pontas de prata tornavam o seu custo elevado, mas valiam cada moeda gasta. Não importa o que fosse, se respirasse, sucumbiria à pontaria sobrenatural de Damon, o larápio. Se ele era algum tipo de demônio? Você é burro, rapaz? Um demônio entre os Sete? Algo te acertou na cabeça quando pequeno? Fique quieto e escute, chega de asneiras.

O ladrão seguiu diretamente para a cidade mais próxima. Não fazia ideia do nome que possuía, mas sabia que precisava ir para lá. O garoto corria perigo. Algo no anel do elfo o incomodava fortemente, afinal, se encaixava perfeitamente nas descrições daqueles que viram Meryna no dia em que seu irmão fora brutalmente assassinado por seus lacaios desgraçados. Franziu o cenho e apressou o passo, apertando o cabo da adaga em sua cintura até que os nós de seus dedos ficassem brancos.

Os portões estavam abertos, como suspeitou. A proteção era padronizada, aparentemente. Dois guardas em baixo, próximos à alavanca que fechava as grades e outros dois na parte superior, um em cada torre que ladeava a enorme estrutura de metal. Seguiu adiante, lançando um breve olhar para o soldado da esquerda, que deve ter pensado se tratar de um caçador qualquer e não implicou com a entrada de Damon na cidade. O tráfego de pessoas era intenso, seria difícil encontrar os capangas do elfo ali, na rua principal.

Andou rapidamente até o beco mais próximo, que ficava do lado do que aparentemente seria uma taverna, mas os gemidos nos andares inferiores diziam que o local tinha algo mais para fornecer aos clientes mais desinibidos. O que se passava lá em baixo? Como você acha que nasceu, menina? Sim, é claro, eles estavam brincando de "quem bate mais forte". Você é inteligente, admito.

Olhou ao seu redor. Havia um cachorro fuçando em um enorme caixote de tomates podres, procurando algo comestível. Lembrou-se do pão que havia saqueado na carroça do elfo e tirou-o de um dos bolsos internos de seu manto. Jogou-o para o vira-lata e seguiu até as caixas em que ele mexia em busca de alimento. Havia algumas falhas na madeira, e um pouco mais para cima começava o segundo andar, fornecendo o apoio que precisava. Saltou, usando as caixas para que chegasse mais alto. Encaixou o pé em uma das frestas da parede e impulsionou o corpo, conseguindo segurar-se em uma das barras que compunham o parapeito da sacada.

Lançou-se para cima uma segunda vez, pulando para cima das madeiras da sacada. Correu por elas, desviando-se de um pilar e saltando para a construção ao lado. Esta parecia ser uma casa, e era, de certa forma, menor que a taverna-bordel. Percorreu o seu telhado com agilidade, cuidando para que seus passos fossem suaves o suficiente para não atravessarem o telhado composto de tábuas e palha. Se isso aqui quebrar, eu vou me dar muito mal, refletiu. Suspirou aliviado quando finalmente se agarrou na próxima estrutura. Desta vez, aparentava ser algum tipo de comércio. Pela janela aberta, avistou uma série de prateleiras com potes de conserva e sacos com uma grande diversidade de grãos. Então esse era o disfarce do elfo... vender grãos na cidade, mas ao mesmo tempo disseminar as palavras de sua mestra?, franziu o cenho.

Pensou em atear fogo ao local, mas percebeu que estava indo longe demais com isso. Os comerciantes não tinham nada a ver com o servo de Meryna, lembrou ele. Não seria justo puni-los por algo que não fizeram. Girou o corpo e saltou até o telhado, pronto para dar uma olhada na cidade por cima, procurando pistas, mas não foi necessário. Virou a cabeça imediatamente na direção de um pedido de ajuda. Voz de criança, tem que ser ele. Levou a mão até suas costas, puxando o arco e verificando o seu cordel enquanto corria rapidamente na direção do grito.

— Afastem-se! — Pete berrava para os três capangas, vendo-se na mesma situação que seu irmão o salvara anteriormente. Mas agora Frey não estava ali para resgatá-lo, e não eram apenas crianças, eram bandidos. — Eu não tenho nada de valor, juro!

— Você tem uma memória que pode frustrar os planos do chefe, moleque. Ninguém deveria saber sobre a garota, ordens dele. Isso te coloca na linha de fogo! — proferiu o maior dos três. Era careca, possuindo um símbolo gravado ao redor de seu olho esquerdo. Era semelhante à um vórtice retorcido, mas não chegava a se parecer com nada, já que era totalmente disforme e mal feito.

— E-Eu não vi ninguém, sério, podem perguntar seja lá pra q-quem for! — Pete tocou as costas contra a parede do fundo do beco, percebendo então que era o fim da linha. Essa não!, pensou o pequeno. Seus olhinhos se arregalaram quando uma sombra saltou do telhado do comércio ao lado e se posicionou atrás dos bandidos. Espantados pela reação do garoto, os três se viraram.

Damon estava lá, com o arco em mãos. Seu manto cobria a maior parte do corpo, ocultando a adaga em sua cintura. Não havia pego nenhuma flecha, esperando resolver aquilo de maneira mais fácil e menos desgastante, mas eles aparentemente não cogitavam essa hipótese.

— Saiam de perto do garoto, e os deixarei viver. Talvez não inteiros, mas respirar já é o suficiente. — O canto direito de seus lábios se curvaram em um sorriso sarcástico, mas os capangas não pareciam ter muito senso de humor. Avançaram os três ao mesmo tempo na direção do larápio, que já agia neste meio tempo. Já lançara a primeira flecha quando levara a mão até a aljava para pegar a próxima. O primeiro projétil acertou o torso do careca no exato momento em que se virava para acertar o terceiro alvo. Eles mal conseguiam ver as pontas de prata cortando o ar em suas direções. A segunda flecha atingiu o outro capanga ao mesmo tempo que a quarta era lançada, finalizando o careca de vez com duas delas cravadas no peito. Quatro flechas, três alvos, quase três segundos... dá pra melhorar. Encaixou o arco novamente em suas costas e virou-se para Pete,.

— Vamos, garoto. É hora de encontrar o cara que você estava perseguindo.


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