A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 4
A Garota da Carruagem


Notas iniciais do capítulo

"Agora, era oficial, estava numa aventura. Fora de Bravia, tudo era novo para ele, não sabia nada de cidades, reinos ou países."



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É certo que Frey tinha seus motivos para partir, e motivos muitíssimo justos. Mas como poderia saber disso o pequeno Pete? Ele não era dos garotos o mais astuto, e nem tinha a mentalidade suficiente para aceitar uma coisa dessas, e claro, não podia ler mentes. Se pudesse ler mentes, teria lido a mente de Frey, e assim saberia sobre o sonho e os motivos do irmão mais velho. Mas, não sabia. Já havia perdido pai e mãe, e não iria perder um irmão assim. Não enquanto se chamasse Pete, o... O... Bem, não enquanto ele se chamasse Pete. É por isso, que assim que Frey saltou pela janela para ir embora, Pete já estava acordado, arrumando-se para segui-lo.

Vou embora uma ova, pensou Pete. Agarrou as pouquíssimas roupas que tinha e botou dentro de um lençol que enrolou e fez de mochila. Ele acha que vai conseguir se livrar de mim assim? Não mesmo, agarrou seu par de botas novas (que aliás, foi a senhora dona da pensão que o deu de aniversário) e enfiou os pés dentro. Vestiu um casaco grosso de lã e um gorro verde. Pronto as vestimentas, abriu a porta do quarto e correu corredor afora. O casal de idosos, dono da pensão, já estavam quase surdos, então não se preocupava em fazer barulho. Parou na cozinha para pegar alguma comida para a viagem, e finalmente sentiu-se pronto para seguir o irmão. E assim o fez, abriu a porta da estalagem e pronto, estava começando sua aventura!

Se bem que não podemos chamar de aventura, apesar de que ele gostaria que chamássemos assim. Entendam, Pete é um garoto muito emotivo, inclusive, na trocha que segura sobre o ombro, está também o livro que comprou no dia anterior, e que o causou tantos problemas. Por tanto, até mesmo acompanhar o irmão até fora da cidade para ir comprar pregos é uma aventura. E aquela certamente seria a maior de todas.

Mas vamos parar de perder tempo com essas minúcias, mesmo que eu tenha dito que iria falar delas, estou animado demais agora. Vamos voltar à perseguição. Sim, Pete sabia exatamente para onde devia seguir, já que Bravia tinha apenas um portão de entrada e saída. E para lá foi, furtivo no meio da rua vazia na direção do portão. Não demorou para alcançar, e quando lá chegou, viu o irmão com a mochila nas costas, conversando com os guardas sonolentos no portão. Abaixou-se atrás de um barril e ficou observando. O que eles tanto conversam?, pensou o garoto. Viu Frey e os guardas rirem em conjunto, enquanto abriam passagem para o irmão. E assim que Frey saiu, Pete contou cinco minutos. Sim, ele é bom em contar Louis, deixe-me continuar. Pete contou três minutos. Cinco, três, tanto faz Louis, cale a boca. Ele contou dez minutos e então seguiu para o portão, rápido como um raio. Como já os disse antes, Pete é muito bom em correr. Bem, se não disse estou dizendo agora, vocês não conseguem ficar de bico fechado em? Pete era rápido como um raio, e por isso os guardas não viram que era ele, e mal tiveram tempo de fechar os portões quando ele atravessou e seguiu correndo para fora de Bravia. Os guardas deviam ir atrás, mas sabe, aqueles não eram os guardas mais diligentes, por isso, com dois minutos de corrida Pete já sentia-se seguro o suficiente, e parou de correr.

Agora, era oficial, estava numa aventura. Fora de Bravia, tudo era novo para ele, não sabia nada de cidades, reinos ou países. Só sabia que a cidade natal dele ficava ao leste de Bravia, mas não era para lá que iria agora. Agora, iria achar Frey e persegui-lo até seu destino. E assim, seguiu pela única estrada que havia, deixando o único lar que tinha para trás. Não demorou nem dez minutos para alcançar Frey. Ele não tinha um ritmo muito rápido, parecia apreciar a viagem. Bem, aí está ele. O que você vai fazer agora, Pete?, disse uma voz na sua cabeça. Ora, vou seguir ele como o planejado., respondeu. Certo, e depois? Vai chegar do nada falando: Irmão! Eu fui na floresta colher frutas e acabei chegando aqui!, a voz falou outra vez. Claro que não! Eu vou... Ora, por que tenho que te dar explicações?!, perguntou Pete a voz em sua cabeça quando percebeu quão estranho era conversar com ela. E nesse meio tempo Frey já havia sumido da visão de Pete, então o que ele fez foi apressar o passo e logo estava novamente em seu encalço.

O sol já estava no meio do céu, quando Frey parou. Até o presente momento, Pete ainda não tinha sido descoberto pelo irmão mais velho. Como era tolo esse Frey, não? Nem olhou para trás, se tivesse olhado viria o pequeno Pete o seguindo, mas não o fez. Agora estava parado ao lado do que parecia ser uma caravana. Pete contou seis carroças e três carruagens. Não sabia para onde estavam indo, e nem iria perder tempo descobrindo. Frey tinha terminado de conversar com o dono da caravana e estava subindo na primeira carroça. Pete, vendo a oportunidade, agarrou ela. Correu até a última carruagem, que também ocupava o último lugar da fila e entrou lá dentro, sem ligar para os passageiros. Enfiou-se lá e aguardou que voltassem a se mover, silencioso, não arriscando respirar para que o condutor escutasse. Só quando sentiu a carruagem se mover, que soltou o ar e sentou-se, olhando para os lados. Era um tanto diferente o interior, não havia dois assentos um de frente para o outro como é comum nas outras carruagens. Era apenas uma grande almofada macia e vermelha que cobria todo o chão. As paredes também eram vermelhas, e as janelas não se faziam presentes. Seria escuro se não fosse um candelabro dourado pendurado no teto. Eu sei, parece impossível pendurar um candelabro no teto de uma carruagem, mas aquela era mais alta e larga. Quer saber? Apenas aceitem que existe uma carruagem assim e pronto. O que importa não é o tamanho da carruagem, o que importa é que dentro dela já havia alguém.

Esse alguém era uma garotinha loira, usando um vestido preto coberto de detalhes que vocês menininhas adoram ter em suas roupas. Vocês sabem, aqueles laços, aqueles bordados e babados, todos esses frufrus. Ela estava sentada no centro da almofada, com duas bonecas no colo. Tinha lábios de um vermelho vivo, e a pele alva como neve. E a íris de seus olhos era negra como a noite. Olhava para Pete muito intrigada, e Pete a olhava muito espantado. Ela deve ser um pouco mais nova que eu, pensou Pete. E devia ser mesmo, talvez tivesse uns dez anos. O que eu faço agora?

— Menino – falou a garota de repente, dando um susto no menino. – Qual é seu nome?

— Me-meu nome é Pete – respondeu ele.

A loirinha estava com a cabeça levemente curvada para a direita, mirando o estranho a frente. O que será que ela está pensando?, voltou a voz a atazanar os pensamentos do garoto. Certamente acha que você é um larápio, que veio roubá-la!, prosseguiu. Silêncio!, e Pete percebeu que outra vez estava falando consigo mesmo em seus pensamentos. E quando voltou a prestar atenção ao seu redor, viu que a loirinha estava com o rosto próximo do seu, olhando-o direto nos olhos. Pete engoliu em seco e recuou, se arrastando até encontrar a parede da carruagem. E ela ficou ali parada, olhando-o.

— E o seu nome? — perguntou Pete, tentando quebrar o gelo.

— Meu nome? — disse ela, e então seu olhar se iluminou. — Meu nome, Lucia é o meu nome. E você é o Pete — e sorriu.

E o garoto ficou em silêncio, engolindo em seco, olhando-a sorrir. Era muito estranha, realmente, e a voz em sua cabeça também achou isso. E que diabos era aquela carruagem estranha? Era de algum nobre, para ser daquele jeito e carregar uma garotinha loira de uns dez anos? E agora ela estava ajoelhada, novamente com a cabeça levemente curvada para direita enquanto olhava para Pete. E ele engoliu em seco outra vez. Seus olhos foram rápidos e certeiros quando encontraram as bonecas como alvo.

— Belas bonecas! Posso ver? — e também sorriu.

O olhar de Lucia iluminou-se mais uma vez e ela agarrou o par que havia deixado de lado. Aproximou-se caminhando de joelhos, entregando as duas bonecas na mão do menino. O garoto ergueu ambas em frente ao rosto, sorrindo, segurando uma em cada mão. Eram bonecas de porcelana, muito bonitas por sinal. As duas usavam vestido preto, uma era loira e a outra tinha cabelos negros. Aliás, a loira parecia muito com a garota em sua frente.

— Ei, essa aqui parece você — e recebeu da loira um aquiescer silencioso.

— Essa sou eu — apontou para a boneca loira. — E essa é minha irmã. —Apontou para a de cabelos negros.

— E onde está sua irmã? – prosseguiu Pete.

— Hum... Longe – respondeu Lucia.

— Muito longe?

— Muitíssimo longe! – e ela riu. Pete também, só que mais contido.

— E qual é o nome da sua irmã? – sentia-se agora mais tranquilo, até relaxou os ombros.

— Margareth, mas ela gosta que chamem ela de Maggy. Você não acha um apelido bobo? – ela perguntou, e Pete acenou confirmando e sorrindo.

E assim prosseguiram ambos, conversando sem parar, rindo e brincando, até perto das cinco da tarde, quando a carruagem parou. Pete, vendo que era hora de ele partir, olhou para Lucia e deu um beijo em sua bochecha. Ela recuou na hora, parecendo assustada. O garoto, arrependido, murmurou um pedido de desculpas e saiu, antes que o condutor fosse ver lá dentro. Quando saiu, descobriu-se dentro de uma cidade. Não sabia que cidade era, mas tratou-se de se misturar com a população que andava por ali. Mais para frente, na primeira carroça, Frey também descia, com sua mochila gasta pendurada no ombro. Só então Pete percebeu que havia esquecido sua “bagagem” dentro da carruagem, e quando virou-se para ela, viu a garota loira na porta sorrindo, com a trocha em mãos. Ela deu uma risada e jogou o projeto de mochila para Pete, e ele agradeceu com um aceno após agarrar seus pertences. Ela deu outro sorriso e fechou a porta. Ela é bem diferente das meninas de Bravia, pensou Pete sorrindo. Lembrou-se então de seu objetivo ali, e tratou de ver onde estava o irmão.

E mais adiante, no meio de uma multidão, Frey se destacou mais alto que todos. Vendo ele, Pete foi atrás, escondendo-se entre as pessoas adultas que não prestam atenção em crianças. Não precisou segui-lo por muito tempo. Logo Frey parou no que parecia ser uma praça, e lá junto dele, duas pessoas se destacaram. Uma era uma garota com cabelos vermelho fogo, coisa que Pete nunca havia visto antes. A outra figura era de um homem, um pouco menor que Frey, usando uma armadura que Pete só havia visto em sonhos. Era toda esmaltada, com adornos e tudo mais. Certamente, só pela armadura, aquele homem poderia facilmente ser confundido com algum grande general de exércitos. De qualquer forma, Frey parecia estar conversando com os dois, e os dois confirmavam de tempos em tempos. Alguns minutos, e logo estavam os três indo na direção de uma taverna ali mesmo na praça.

— Finalmente, Frey. Vamos ver o que são esses negócios do Winston que você tem aqui — pensou Pete.

O garoto nem podia imaginar no que iria se meter por ter seguido o irmão.


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