A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 6
Cabelos de Fogo


Notas iniciais do capítulo

"Anne ficou olhando toda aquela cena com o cenho franzido, com a raiva aumentando cada vez mais dentro dela. “Esses dois... Esses dois idiotas...” Ela chegou ao limite." Anne, a Ruiva.



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Anne, como era mesmo a história dela? Se não me engano, ela era alguma coisa de Sarkon. Ah sim, Anne a Perdida, a herdeira do trono de Sarkon. Sim, não havia mais nenhuma Sarkon, mas existia a profecia. Vocês crianças já a conhecem mais que eu, algumas devem ter ela inteira na ponta da língua. É toda aquela baboseira sobre “De onde viestes e para onde retornarás”, e “Do túmulo erigido, o mal destroçar”, não vou fala-la inteira agora, vocês vão escutá-la mais para frente.Não adianta olharem para mim assim, vocês não vão me ganhar dessa vez.

Anne a Perdida. A herdeira do trono de Sarkon. Um dia quando foi pequena, pois agora era grande, tinha todo o luxo do mundo. Lembrava-se vagamente do palácio de prata e ouro na Colina do Carvalho, que o pai chamava de o Solar. Anne o chamava de Casarão de Luz. Por falar nela, riu quando lembrou-se desse detalhe. Mas logo voltou o rosto a expressão impaciente, enquanto olhava os dois logo afrente.

Dois estranhos completos, e um deles é um elfo, pensou. E por causa de um sonho, estou seguindo eles. Deuses, eu já até esqueci o nome do carpinteiro, mordeu o lábio inferior. Analisava a companhia que havia arranjado. Os dois eram altos, um parecia ser forte como um touro, e a armadura do outro podia muito bem bloquear uma chuva de flechas. Como era a armadura? Bem... Era feita de algum mineral diamantado, ou pelo menos, brilhava feito diamante contra a luz. Era toda formada de placas, e cobria o corpo todo. Menos a cabeça, a armadura não tinha elmo. Nas luvas, os dedos se assemelhavam a garras, e no peito estava moldado a cabeça de um leão. Quase não chamava atenção — disse o velho zombeteiro. — Pelo menos, Anne sentia-se protegida com aqueles dois. Se eles fossem protege-la, é claro. A ruiva já tinha aprendido a não confiar em ninguém, muito menos em homens. Que me queimem. Se tentarem algo contra mim, atravesso uma adaga em cada um deles.

O trio adentrou a taverna, uma placa presa logo acima da porta indicava que era uma taverna. Pouca gente ocupava bancos, a maioria estava vazio, e o taverneiro estava bebendo um caneco de vinho, enquanto conversava com um dos fregueses. Quando viu o grupo entrando, tratou de firmar-se ereto, olhando os três com um sorriso.

— Bem vindos ao Marco de Bronze! — tinha uma voz um tanto embriagada. — Três moedas, um quarto. Oito moedas, três quartos. E por trinta moedas, a esposa do Bill! — e riu quando o homem com quem conversava olhou-o com sangue nos olhos.

— Dois quartos, taverneiro — falou o de armadura. Já disse que esse é o Mark? Deixem que eu me corrija então. Falou Mark. — Um do lado do outro.

— Dois quartos são cinco moedas! — abriu uma gaveta no balcão. — O pagamento por favor! — estendeu a mão aberta, sorrindo.

Mark tirou de um bolso que estava sabe-se lá onde as cinco moedas de cobre. Largou sobre a mão do taverneiro, e o taverneiro entregou uma chave ao elfo. Eu também não disse que o Mark era elfo? Pois é, ele é um elfo. O taverneiro depositou as moedas na gaveta e fechou-a tão rápido que parecia que os três iriam roubá-las dele. Então pousou o olhar na ruiva, mais especificamente no cabelo dela. Anne não gostava nada que ficassem encarando o cabelo dela.

— Perdeu alguma coisa? — ralhou, franzindo o cenho. O taverneiro tossiu, envergonhado, mudando o foco para o elfo.

— Bem, desejam mais alguma coisa? Cerveja, vinho? Algo para forrar o estômago? — sorriu, juntando as mãos.

— Eu quero — manifestou-se Frey. O taverneiro sorriu para ele. — Tem ovos com bacon?

— Escolha estranha para almoço, mas vou mandar preparar — e foi indo até uma porta nos fundos, gritando. — Laia, minha bela, prepare dois ovos com bacon! — e entrou porta adentro, sumindo.

Agora estavam os três parados, em silêncio. Apesar de que ao redor não fosse tão silencioso, algo como uma cúpula de silêncio rodeava os três. Era mais um silêncio de estranheza. Nenhum deles se conhecia, e o mais desinibido parecia ser o Frey. Ele estava encostado no balcão, virado para os dois e sorrindo. Ele NÃO era bobo. Só não tinha medo, ele conseguia sentir quando as pessoas eram boas ou más. Anne o olhou, e não respondeu o sorriso com outro. Muito menos Mark.

— Vocês também tiveram o sonho? — perguntou Frey, de repente. Anne quase pulou com a pergunta.

— Será que você pode ser mais discreto, cabeça de madeira?

— Por que? Ninguém está prestando atenção — e estava certo, ninguém prestava atenção.

— Você é um tonto — repreendeu ela, com um aceno negativo de cabeça. Arrancou a chave da mão de Mark. — Eu vou para o meu quarto.

E antes que qualquer um dos dois pudesse falar algo, seguiu rápida até o andar de cima, justamente onde ficavam todos os quartos. A numeração na chave indicava que era o quarto doze, e foi nele que entrou e, se trancou. Era um quarto pequeno, mas estava nos padrões da cidade. Pelo menos, nos padrões que ela havia se acostumado a viver nos últimos tempos. Uma cama dura de palha e um pão por dia. Pelo menos, o elfo parece disposto a esvaziar os bolsos. Ela não tinha um tostão furado no bolso fazia muito tempo. Largou a bolsa que carregava sobre a cama e foi até a janela. E então...

O velho tossiu, arqueando o corpo para frente, quase caindo do banco. Ergueu a cabeça e viu a criança com olhares de expectativa. Recompôs-se no banco, e voltou a falar.

E então... Eu esqueci.

Um coro de “aaaaaahh” subiu na taverna, vindo das crianças e até de alguns adultos. O velho ergueu a mão, indicando para que ficassem em silêncio, balançando a cabeça.

Acalmem essas bocas! gritou, levando a mão até o interior do seu grande casaco. De lá tirou um livro surrado e velho, todo rasgado pelo tempo e pelas traças. Deixe-me ver... Aqui! disse, apontando para uma parte do livro.

E então, pela janela, Anne viu duas figuras vindo na direção da taverna. Ela tinha bons olhos para identificar coisas estranhas, não que aquela fosse estranha, o que havia demais em um homem andando junto de uma criança? Nada, o estranho foi o homem. Desde que aprenderá a viver nas ruas, aprendeu a identificar facilmente pessoas perigosas. E aquele rapaz emanava perigo. Viu os dois entrando, e desceu as escadas.

A situação lá embaixo continuava a mesma, com exceção que Mark conversava com o taverneiro e Frey almoçava ovos com bacon. Olhou para a porta e lá estava a dupla, caminhando de mão dadas. O homem parecia um bandido, talvez um mercenário. E o garoto magricela parecia ter saído do campo, e por algum motivo tentava se esconder atrás do homem.

— Ah, aí está ele — o homem caminhou até Frey, cutucando-o duas vezes no ombro. — Ei, cuida que é teu.

Frey virou a tempo de ver o homem puxar Pete de trás de si. O garoto assustado, engoliu em seco e deu um sorriso, descarado. Frey engasgou-se quando viu o irmão ali, e teve que ser amparado por um tapa nas costas que levou do taverneiro. Quando recompôs-se, encostado no balcão, arfando e olhando para o alto, baixou a cabeça e encarou Pete.

— Mas o que você está fazendo aqui? — perguntou Frey, com o cenho franzido. Não era raiva que tinha na voz, era mais desaprovação.

— E-e-e-eu — gaguejou, tentando achar uma resposta —, e-e-eu fui colher frutas na floresta e — foi interrompido por Damon, que começou a falar.

— Certo, certo — largou Pete, cruzando os braços —, o moleque te seguiu e eu salvei ele de uns bandidos. — E estendeu a mão aberta, como se esperasse algo de Frey.

— O que é isso? — perguntou o grandalhão, encarando a mão de Damon. Sim é o Damon, deixem eu continuar.

— Pagamento — respondeu —, por ter salvo seu precioso irmãozinho.

— Eu não vou pagar coisa nenhuma! — exclamou o marceneiro.

— Então vou levar ele de volta — e botou a mão no ombro de Pete e virou-se na direção da porta, começando a caminhar enquanto Pete ia junto.

— Solte o meu irmão! — berrou Frey, agarrando Pete pelo braço.

Damon virou o rosto, com o cenho franzido, agarrando o outro braço de Pete. Os dois começaram a discutir, enquanto Mark balançava a cabeça e o taverneiro ria. Anne ficou olhando toda aquela cena com o cenho franzido, com a raiva aumentando cada vez mais dentro dela. Esses dois... Esses dois idiotas... Ela chegou ao limite.

— Dá para os dois calarem a boca?! — berrou de repente, arrancando olhares de todos. Inclusive de Frey e Damon, que pararam de discutir e puxar Pete um para o outro. — Será que dá para vocês agirem feito homens decentes, e pararem de discutir?! E você! — apontou para Damon, que se empertigou. — Mercenarismo é proibido por lei nesse reino, então ele não tem que te pagar coisa nenhuma! — o ladrão engoliu em seco. — E se insistir, eu chamarei os guardas, e tenho certeza que eles te “conhecem”. — Voltou-se para Frey, também apontando. — E como você não percebeu uma criança te perseguindo?! Você não tem nada na cabeça?! — Frey iria falar algo, mas ela franzir mais o cenho o fez calar a boca.

A taverna toda observava o grupo agora. Anne arfava, e ainda estava cheia de raiva. Mas baixou o dedo e fechou os olhos, inspirando profundamente e soltando o ar. Olhou Pete, deu um sorriso e pousou a mão na cabeça dele, acocorando-se para a altura do pequeno.

— O bandido te machucou? — Damon abriu a boca para protestar quando ela disse "bandido", mas Pete, assustado com a garota, negou com a cabeça o mais rápido que pode. — Ótimo — e voltou-se para o taverneiro, que também a encarava assustado. — Prepare ovos com bacon para esse garoto também, e depois leve um jarro de vinho para meu quarto. — O taverneiro aquiesceu, indo para a cozinha apressado. Ela olhou para o trio de adultos. — Eu vou me retirar, se ouvir um chiado sequer de vocês... — deixou a ameaça no ar.

Os três só balançaram a cabeça, em afirmativa. Satisfeita, ela deu um último sorriso para Pete e dirigiu-se para a escadaria, sendo seguida pelo olhar de todos no recinto. Entrou no seu quarto e trancou a porta, largando-se na cama. Bufou e pousou a mão na testa. Homens..., então levantou-se, indo até a janela. O sol brilhava forte, enquanto a população andava de um lado para o outro cuidando de seus afazeres. Mas no horizonte, Anne viu uma nuvem de tormenta se formar. Franziu o cenho, não com raiva, mas com preocupação.

— Vem vindo uma tempestade — foi a última coisa que falou, antes de ir deitar-se na cama outra vez e pegar no sono.


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