A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 33
A Pedrastrada


Notas iniciais do capítulo

"Era o som do vento, que vinha do mais escuro de todos os lugares, lá no interior da Gruta, num lugar tão profundo, que a escuridão que lá existia causaria espanto no próprio Sol. E pelo meio daquele escuro, caminhava a Cavaleira, armada de sua espada e um punhado de coragem. "



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E da Gruta, veio um barulho tão assustador, que acordou toda a cidade.

Era o som do vento, que vinha do mais escuro de todos os lugares, lá no interior da Gruta, num lugar tão profundo, que a escuridão que lá existia causaria espanto no próprio Sol. E pelo meio daquele escuro, caminhava a Cavaleira, armada de sua espada e um punhado de coragem.

Seu caminho tinha sido decidido assim que ela atravessou aquela porta velha de madeira. Era assim que funcionava lá dentro. Um caminho diferente para cada um que entra, e aqueles que entram em grupo, a Gruta dá seu jeito de separar. Mas das rotas, a de Lillian era muito conhecida pelos moradores da Gruta. Uma trilha de pedras amontoadas marcava a direção para onde ir, e era nessa direção que Lillian seguia. Aquela era a chamada Pedrastrada.

A Loira esticou a mão e agarrou uma pedra que escapava para fora da parede, se apoiando nela para se puxar para fora daquele buraco apertado em que havia se enfiado. Estava coberta de terra e poeira, e era evidente a raiva que estava sentindo pelo cenho franzido e os dentes cerrados. Foi dar um passo, mas algo a prendeu. Olhou para trás e viu uma mão segurando sua capa.

— O que?! Larga! — ela puxou, mas a mão não cedeu. Pelo contrário, ela puxou Lillian, e a capa da Cavaleira soltou, e junto da mão elas sumiram da vista dela. — Minha capa! Aquilo foi caro, seu desgraçado!

Resolveu que seria melhor não perder tempo ali gritando com aquela mão estranha, e decidiu voltar a seguir a Pedrastrada. Um musgo estranho brilhava nas paredes em azul claro, providenciando uma luz parca que clareava seu caminho. A mulher apoiou a mão na empunhadura e foi seguindo os montinhos de pedra, que ficavam cada vez mais distantes à medida que ela caminhava.

Uma hora, o caminho sumiu, pois em sua frente havia um imenso abismo. Olhou para os lados, e o abismo prosseguia, parecendo eterno para ambas as direções.

— O que é isso agora? — ela olhou para frente e estreitou os olhos.

Lá distante, do outro lado do abismo, viu o marco que determinava o caminho a seguir por Pedrastrada. Ficou pasma por um instante, no instante seguinte abriu um sorriso, e então deu uma risada. Apoiou as mãos na cintura, balançando a cabeça.

— Quem fez essa trilha acha realmente que eu vou pular para o outro lado? — ela riu, cruzando os braços, olhando para o escuro do abismo aos seus pés. — Não, não, tem que ter outro caminho.

Ela olhou para os lados, e sentiu que mesmo andando por dias, não encontraria outra maneira de chegar do outro lado. Riu mais uma vez, voltando a olhar na direção do montinho de pedras do outro lado.

— Não, não tem como, é impossível alguém pular essa distância — disse determinada. — E mesmo que ele conseguisse, ele matou uma besta gigantesca!

A Loira deu meia volta e seguiu caminhando para o meio do escuro, balbuciando qualquer coisa. Então parou de se mover, em sua frente estava uma figura magrela e negra, com olhos grandes e brilhantes. Vestia-se em trapos, mas isso não fazia muita diferença para aquele ser. Na mão direita, segurava uma capa, a capa de Lillian.

— Olá? — a Loira disse, dando um sorriso inseguro.

Ele ou ela, urrou, soltando um barulho esganiçado. A mulher sacou a espada e a criatura avançou. Um golpe largo, mas rápido. A criatura caiu no chão, sem a cabeça. Sangue algum saía dela.

— Que coisa era essa? — ela cutucou com a ponta do pé o corpo morto.

Mais um grito esganiçado surgiu, e então outro, e mais outro. Olhou para frente, e pode contar pelos berros quantas mais bestas talvez iguais àquela aos seus pés, estavam vindo. Vinte no mínimo, e a Loira estava de costas para um abismo. — Péssimo dia para acordar, péssimo dia para acordar! — ela disse, apertando a empunhadura da arma.

As bestas chegariam em dez, quinze segundos. Tinha que pensar rápido, mas as opções não eram muitas. Ou ficava e enfrentava aquela onda de monstros, ou virava-se e deixava sua vida ser decidida pela sorte. Infelizmente, ela nunca contou com a sorte em sua vida.

Ergueu a espada rente ao rosto, segurando a arma com as duas mãos. Aguardou, e viu o primeiro deles se aproximar. Parecia com um babuíno sem pelos, e veio pulado e babando na direção dela.

“Ziing”, foi esse o barulho da espada de Lillian, quando cortou o ar e o corpo da criatura em dois, num golpe limpo. O monstro caiu logo atrás dela, partido em dois. Um segundo monstro veio, e a lâmina da Cavaleira voltou a sussurrar sua palavra mortal. Agora eram dois corpos atrás dela, e o terceiro deles estava para aparecer, assim que mais um surgisse em seu caminho. Passou um segundo, passou dois, e ele veio, mas acompanhando de muitos outros. Vinte?! Que sonho alegre foi esse?!, ela pensou, enquanto uma horda de pelo menos cinquenta daqueles seres estranhos vinha correndo na sua direção. Balançou a arma de um lado para o outro às cegas, e mesmo assim ela foi partindo corpos em dois. Um, dois, quatro, oito, já havia perdido as contas de quantos havia assassinado, e eles não paravam de vir.

Foi forçada a recuar, seus pés se movendo sempre que podiam para trás. Golpeava, recuava, e golpeava outra vez. E nisso, não havia se passado nem meio minuto desde que matou o primeiro deles. Sentiu a dor de um corte na perna direita, e outro no braço esquerdo, mas não podia desviar a atenção de seus inimigos adiante. Foi golpeando e recuando, a espada sempre encontrando uma vítima ou duas. Então, eles pararam.

Todos, ao mesmo instante, pararam de se mover, assustados. A Cavaleira, arfante, mantinha a espada erguida em frente ao rosto.

— Então?! — ela gritou. — Venham seus desgraçados! Eu ainda não terminei com vocês!

Mas nenhum atendeu sua ordem, permaneceram parados ai na borda do abismo, olhando para Loira arfante, borda do abismo?! Ela olhou para baixo e viu que estava parada, no meio do escuro, em pé sobre nada. O que raios esta havendo aqui?! Ela instintivamente deu um passo para trás, e continuou encontrando lugar para firmar o pé, mesmo não vendo nada ali.

— Invisível? Um caminho invisível?! — ela falou espantada, baixando a espada.

Olhou para seus oponentes, e eles continuavam no mesmo lugar, encarando-a sem compreender que tipo de bruxaria aquela estranha estava usando para flutuar no meio do nada. Aproveitando-se disso, ela virou-se na direção do monte de pedras e seguiu correndo, dando as costas para aqueles monstrinhos, e provavelmente, para a morte súbita. Pois assim que ela sumiu e as pequenas criaturinhas, chamadas Graunts deram meia volta para retornar, encontraram uma enorme besta barrando o caminho. Ela olhava diretamente na direção que Lillian havia seguido, e parecia ignorar a presença daqueles monstrinhos tão mais fracos que ele. Mas um Graunt não é esperto o suficiente para perceber isso, e soltou seu grito agudo, atacando com suas garras inutilmente o corpo da besta adiante.

Esta, por sua vez, baixou seu único olho e soprou, e o sopro tornou-se morte, que se espalhou por todo aquele bando de Graunts. O monstro então voltou a olhar para a direção que Lillian havia seguido, e recuou, sumindo no escuro.

***

Já devia ter passado uma ou duas horas desde sua entrada na Gruta. A noção de tempo que ela tinha havia se perdido por completo, mas isso não abalava a Cavaleira. Estava descendo um terreno íngreme, numa superfície ligeiramente escorregadia. Por vezes, suas passadas falharam e ela teve que enfiar a espada no chão para não escorregar para o desconhecido. Mas a trilha de pedras que a conduzia por Pedrastrada continuava impecável, mesmo naquele lugar inclinado.

— Zen você me paga. Espere só eu te achar — outra vez ela escorregou, e desceu alguns metros antes de enfiar novamente a espada no chão para se segurar. — Que lugar maluco é esse?!

Ela prosseguiu em sua descida, escorregando de tempos em tempos, mas sempre se segurando. Pouco tempo depois, encontrou o final de sua rota, outro abismo. Mas dessa vez a trilha não seguia do outro lado dele, estava logo à direita dela, seguindo pelo pequeno espaço que existia ali para caminhar. Pé ante pé, ela foi andando, com os dois braços abertos para se equilibrar. A sua direita a subida íngreme coberta de cascalhos, a esquerda uma queda para a morte.

Mais alguns marcos de pedra, e chegou noutra ponte. Essa era uma ponte de corda e madeira, daquelas bem velhas que rangem quando você pisa. E quando Lillian deu o primeiro passo nela, não foi um rangido que ela ouviu, mas um bramido. Foi um uuuur tenebroso, que fez os pelos da Loira se arrepiar, e sua alma gelar. Todo o lugar começou a tremer, e a ponte a balançar. Ela se agarrou nas cordas da ponte, e por um segundo pensou que ia cair. De repente, o tremor parou e o silêncio tomou conta.

Lillian ficou parada, arfando, as mãos não usando soltar as cordas da ponte. Sentiu-se aliviada, apenas por um instante, e então veio outra vez o barulho aterrador, e mais uma vez o mundo da Cavaleira tremeu. Olhou na direção de onde tinha vindo, e viu aquela coisa se movendo lentamente na sua direção.

Tinha um único olho, que era branco e negro, e mesmo com toda a escuridão da caverna, o negro que formava o corpo daquela criatura se destacava no escuro. Era um escuro que devorava os outros. Mediu com base no olho do ser que devia ter pelo menos três metros de altura, e o tremor era causado pelo seu arrastar, pois era dessa forma que ele vinha até ela, se arrastando.

A Cavaleira ficou paralisada. Outra vez estava se deparando com algo que fugia de sua compreensão, e outra vez, achou que a culpa daquilo estar acontecendo com ela era de Zen. Se ele simplesmente não tivesse aparecido nessa cidade, se ele simplesmente não tivesse derrotado aquele monstro!, ela pensou, e o tremor parou, assim como a criatura. Uma voz veio falar em seus pensamentos. É assim que a aclamada Cavaleira de Balran vai enfrentar seus problemas? Jogando a culpa deles nos outros? Zen aparecer, ou deixar de aparecer não muda em nada o fato de você ter se borrado de medo contra aquele monstro na cidade. Foi você que escolheu essa vida para você, então pelo menos enfrente seus problemas de frente, e não bote a culpa deles nos outros.

A voz sumiu, e o espaço que ela deixou na mente de Lillian foi preenchido por coragem. Ela soltou a mão das cordas e sacou a espada. Nesse meio tempo em que estava paralisada, o monstro havia se movido, e agora estava a poucos metros dela. E dessa distância, pode ver quão aterradora era a figura daquela criatura. Tinha o formato de uma lesma, mas não era gosmento ou coisa assim. E dois dedos abaixo do enorme olho que vigiava o escuro, estava sua boca cheia de dentes afiados.

O olho, que até então mirava reto, baixou lentamente na direção de Lillian, encarando-a. A Cavaleira percebeu naquele instante que nem mesmo Zen, que se gabava tanto de sua habilidade, conseguiria derrotar aquela criatura. Sentiu medo, viu o medo começar a dominá-la, mas prontamente, ela que se tornou a dominadora. Prendeu o medo numa pequena caixinha e a escondeu num canto bem distante de sua mente, sob uma montanha de tantos outros pensamentos.

O monstro começou a se mover, e o chão voltou a tremer. E nisso, a Loira também fez seu movimento. Saiu correndo pela ponte, e essa tremia e se agitava. Duas vezes, a Cavaleira pareceu que ia cair, sentiu isso, mas sua vontade de sobreviver, e também suas habilidades acrobáticas a impediram de encontrar a morte na queda. Alcançou o outro lado do abismo, e quando se voltou para trás, viu que o monstro já estava na metade do caminho, e a ponte estava estática com seu movimento agora que ele estava sobre ela. Porém, a Loira já estava preparada, e com um sorriso no rosto, cortou as duas cordas que prendiam a ponte com um movimento único de sua espada.

A ponte caiu, e junto dela foi aquela criatura, que soltou um último urro antes de sumir, o barulho se perdendo à medida que ia caindo, até não restar som algum.

— Um para a Lillian, zero para a Gruta — ela deu um sorriso, devolvendo a arma à bainha.

Virou-se, e depois de uns segundos de procura encontrou o marco que guiava Pedrastrada, se bem que agora sem a ponte para alcançarem o outro lado, já não existia mais nenhuma Pedrastrada.

A Loira seguiu caminhando, e por um longo tempo, não ouviu um barulho sequer. Por um momento até, achou que a Gruta, de alguma forma, havia tornado ela em surda, mas descartou a ideia quando o silêncio foi quebrado por sussurros.

Onde é que ele foi? Eu sei lá!, os donos daquelas vozes pareciam estar discutindo sobre o paradeiro de alguém, e uma delas parecia até familiar. Lillian foi seguindo o barulho, até chegar num pequeno túnel na parede. Foi andando curvada por dentro dele, que ficava mais largo a medida que ela caminhava.

Então chegou a outra queda, mas essa não era para um abismo. O chão estava a uns cinco, seis metros abaixo, e iluminados pelo mesmo musgo que havia clareado seu caminho em suas andanças nas horas anteriores, estavam duas pessoas. Uma mulher, com uma enorme espada e um homem, vestido em roupas que pareciam as de um nobre.

Esse dois não são?, ela pensou, franzindo o cenho, e então saltou, pousando em frente aos dois sem nenhum problema. Botou as duas mãos fechadas na cintura, olhando-os com uma cara pouco amigável. Eles por sua vez devolveram um olhar de espanto.

— Vocês... Tenho umas perguntinhas a fazer.


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Notas finais do capítulo

Finalmente voltamos!
Agora com as datas de publicação alteradas, na realidade, excluídas. Percebemos que dois capítulos por semana exigia demais, e acaba diminuindo a qualidade. Então os capítulos serão postados assim que terminados!
Prometemos não demorar mais três meses para postar o próximo, hue.
Até a próxima!

~Ookuna



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