A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 32
Entre Bandidos e Aberrações


Notas iniciais do capítulo

"— Tenho fome, mas ela não me aflige. Não como faz anos." Tormus, o Faminto.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/555177/chapter/32

— Já passamos por aqui, tenho certeza. — O Azarado estava intrigado com a extensão da gruta. Eles andavam, andavam, andavam e não chegavam a lugar algum. Que algo estava errado, os três já sabiam, mas o que era? As paredes pareciam aumentar a essência enigmática já fortemente presente no local.

Damon sabia que eles estavam andando em círculos e seus neurônios queimavam como brasas na tentativa de descobrir o porquê. Haviam conseguido uma vela durante essas andanças. Não exatamente "conseguido", porque a Megera na verdade tropeçara nela e fora direto ao chão, e por sinal, estava reclamando até agora sobre isso.

— Vocês só ficam andando e não avisam os perigos que tem pela frente... — sua voz possuía um tom rabugento e incômodo a quem ouvisse. Todo o medo e o receio de entrar na gruta havia sido substituído por um rancor mais do que desagradável.

— Dá pra ficar quieta um minuto? Ou quer ficar aqui nessa porcaria de lugar pra sempre? — Damon estava extremamente nervoso com os dois parceiros. Ele trabalhava melhor sozinho nesse tipo de situações e as reclamações deles não estavam ajudando em nada, muito pelo contrário. Aproximou-se da parede à sua esquerda e encostou o ouvido nela. O som que reverberava pelas pedras era pulsante, como um enorme coração. Tutum, tutum, tutum... era constante e grave. "Passos, talvez?", pensou o caçador, mas de quem seriam? Ou melhor... Do que?

Continuaram a caminhar, e pelo canto do olho, Damon percebeu uma mudança no ambiente. Olhou para o lado e fez sinal para que a Megera e o Azarado parassem. Seus olhos novamente varreram o novo corredor e ele franziu o cenho. "O caminho mudou...", concluiu, e desatou a caminhar pela nova passagem. As paredes pareciam ser todas iguais e era exatamente isso que confundia qualquer um ali em baixo. "Preciso encontrar Zen antes que o pior aconteça", e como se a Gruta soubesse o que ele estava pensando, um grito ecoou pelos corredores sem fim.

Era longo e sofrido, como se o seu dono estivesse sob excruciante agonia. Um novo corredor se criou logo à sua frente e desta vez, ele viu. "Esse lugar tá brincando comigo...". Avançou pelo novo corredor e sentiu alguma coisa percorrer a sua espinha. Um frio anormal, sobrenatural demais para ser considerado uma coisa simples. Olhou para trás e percebeu que estava sozinho ali. Nem sinal da Megera e do Azarado.

— Ótimo. — A nota de sarcasmo em sua voz era evidente, mas no fundo, se garimpasse profundamente o seu tom, haveria medo.

— Ei, Dammy! Como você consegue ser tão lento?! — A voz fez Damon virar a cabeça tão abruptamente que parecia prestes a ter o pescoço quebrado. No fim do corredor recém-criado, uma sombra virava a primeira entrada à direita, correndo. O Caçador correu atrás, com o coração aos pulos. A voz soou novamente, ecoando. — Vem logo, vai perder o show!

Estava mudo de pavor. "A voz... o apelido... não, não pode ser!". Estava perdendo a sanidade, precisava se controlar, mas... Era impossível. Essa situação era mais do que inesperada. Apertou com firmeza o cabo da adaga e correu ainda mais rápido. Outra curva, a sombra continuava a correr.

— Lars! — Conseguiu gritar para ela, finalmente. A forma escura parou, sem olhar para trás. Damon tinha a voz embargada, parecia prestes a chorar, mas se segurava com todas as forças. — Sou eu, Damon!

— Eu sei. Eu sei que é. — Riu e voltou a correr, desaparecendo em mais uma curva fechada. — Vem, Dammy!

Damon voltou a correr, desesperado. Seu peito queimava e sua respiração estava ofegante, mas ele precisava continuar correndo. "Se fosse mesmo ele, ele teria parado... Droga, Lars!". Correu ainda mais rápido e quando viu que o corredor era extenso o suficiente para que não houvesse outra curva tão cedo, lançou sua adaga.

A vela em sua mão se apagou por um momento, a lâmina se tornou opaca, sugando toda a escuridão do ambiente para ocultar o brilho que antes havia ali. A parede na frente da sombra foi acertada, atravessando-a e isso arrancou um comentário do ser.

— Qual é, Damon... Você já foi melhor nisso. — E desapareceu. As chamas novamente dançaram no pavio da vela que agora derramava cera quente sobre os dedos do caçador, como se fosse uma paródia macabra das lágrimas que percorriam suas bochechas e pingavam no chão depois de se juntarem no seu queixo.

"Lars...", esfregou os olhos com a manga de suas vestes. "A Gruta está fazendo isso comigo... Mexendo com a minha cabeça, revirando meu passado". Trincou os dentes e voltou a caminhar. A hora lá em baixo era praticamente incalculável, visto que não havia luz solar e a correria intensa o fizera perder a noção do tempo.

Muitas curvas e corredores depois, Damon percebeu que havia deixado algum detalhe para trás. Balançou a cabeça para desanuviar os pensamentos e voltou alguns passos. Sentado em um buraco escavado na parede, estava uma criança. Seus olhos brilhavam na escuridão, uma luz suave e esbranquiçada, como se dois pequenos faróis estivessem dentro de suas orbes oculares.

— Oi. — Disse, com simplicidade. Parecia não se importar com o fato de estar na Gruta, ou de que havia um estranho com uma adaga empunhada à sua frente.

— O que faz aqui? E quem é você? — Perguntou Damon, impressionado pelo garoto estar aparentemente bem em um lugar daqueles.

— Sou Tormus, ou Torm. Como preferir. Vamos andar, você está perdido, eu não. — Ele saltou do buraco na parede e começou a caminhar, tranquilamente pelo corredor. A vela na mão de Damon estava quase no fim e pouco iluminava. — Você não come há quanto tempo?

— Desde... — Agora que o garoto tocara no assunto, percebera quanto tempo havia se passado desde sua última refeição antes de caçar Zael, ou seja, cerca de oito horas atrás. Seu estômago roncou em sincronia com seu cérebro. — Faz tempo. E você? Acredito que aqui embaixo não tem um cardápio muito variado.

— Tenho fome, mas ela não me aflige. Não como faz anos. — Seus olhos eram encovados, como se o garoto estivesse eternamente entediado e a expressão acabasse sendo esculpida em seu rosto. A voz era arrastada e sem emoção.

— Anos? — Damon perguntou, cético.

— Sim, desde que eu nasci. Só fiz uma refeição até hoje, e ela não é muito comum nas suas terras.

— E o que era?

— Isso é um segredo de família, desculpe. — Ele virou a cabeça para Damon e sorriu, voltando a olhar para a frente em seguida. — Vou te levar aonde você quer ir, até o homem de cabelos espetados.

— Zen?! Você sabe onde ele está?

— Sim, eu sei de tudo. A Gruta é minha casa, eu já disse isso, não? Acho que não. — Apressou o passo, reclamando um pouco ao ver que Damon estava cansado. — Se não for mais rápido, seu amigo não estará inteiro quando chegarmos.

Damon avançou atrás do garoto e juntos, caminharam alguns minutos, em silêncio. Tinha mil perguntas para fazer a ele, mas simplesmente não sabia se era certo dizê-las ali. Era óbvio que aquela criança não era normal, seu corpo inteiro dizia isso e a sensação ruim que tomava conta de si aumentava a cada instante.

— Chegamos, ele está logo à frente. Os corredores não vão mais mudar, eu asseguro. — Inclinou a cabeça de lado e olhou para o chão por um momento, como se escutasse algo. Levou a mão até a parte de trás da cintura, revirando um bolso e entregou uma vela nova para Damon. — Até mais, preciso ir. — O garoto saiu andando como se nada tivesse acontecido, sem dizer nada. Lá pra frente, quando sua silhueta já havia sumido na escuridão, Damon escutou uma canção que já havia ouvido em algum lugar, só não lembrava onde.

Decidiu continuar o trajeto, seguindo as orientações recebidas. O som pulsante era ainda mais alto naquele lugar, podia ser ouvido como se a origem estivesse logo à frente. "Mas que merda é essa?", pensou, enquanto caminhava. A adaga em sua mão parecia estar mais pesada, devido à sensação de impotência em meio à tanta escuridão. Pegou a vela que o garoto lhe dera e revirou o chão em busca de alguma pedra áspera o suficiente para criar o atrito ideal e gerar as faíscas necessárias para acender o pavio. Quando achou, bateu-a duas ou três vezes contra a parede e o fogo logo estava dançando sobre a cera.

Chegou, finalmente, a um espaço mais aberto. O barulho de água correndo era óbvio, e estava logo abaixo dele. Alguns passos a mais e a vela revelou o que parecia ser uma pequena ponte de pedra. Seu aspecto era péssimo, secular. O musgo cobria toda sua extremidade e apenas algumas falhas revelavam o material que a compunha. Atravessou-a rapidamente, sem mais delongas, mas parou assim que pisou do outro lado. Havia alguém ali. O som pulsante tinha parado há alguns segundos, mas o caçador estava tão absorto com a exploração do local que sequer percebera.

— Apareça! — Bradou, movendo a vela até a frente de seu corpo na tentativa de iluminar o ser presente ali. Um punho veio em sua direção como um raio, rápido e forte. Jogou o corpo para o lado e deu um tapa no braço do agressor, afastando-o e abrindo a brecha para ganhar distância em segurança. Damon deu alguns pulinhos, como se estivesse se aquecendo. Apertou a vela contra a ponte e fixou-a ali, após a cera grudar em sua superfície. — Eu não falei pra aparecer nesse sentido, que pessoal agressivo! Revela-te, homem! Ou mulher, sei lá... Depois de conhecer aquela lá eu não duvido de mais nada.

Uma enorme figura surgiu na luz. Seu corpo era desprovido de qualquer tipo de pelo e seu rosto era marcado por inúmeras cicatrizes. Os trapos que vestia não passavam de alguns tecidos sujos e rasgados, suficientes apenas para dizer que ele estava vestindo algo. Seus braços eram imensos, na verdade, seu corpo todo era colossal. O homem era semelhante a uma montanha de músculos e o seu olhar revirou o estômago de Damon. As pupilas eram de um lilás mais do que peculiar, único. Não tinha sobrancelhas, e isso aumentava ainda mais a sua capacidade de intimidação.

O caçador girou a adaga entre os dedos e empunhou-a em posição de combate.

— Cai dentro, Muralha! — como se estivesse atendendo ao chamado, o inimigo misterioso avançou em sua direção. Lançou novamente o punho contra o rosto de Damon e assim como da última vez, ele se esquivou, mas agora estava preparado. A adaga percorreu todo o antebraço do brutamontes, abrindo um enorme talho em sua pele. Pouquíssimo sangue escorreu, e aquilo enfureceu o outro. — Mas que merda você é? Tá pior que o zumbi da cripta! Eu tô com algum tipo de imã pra brutões? Cadê a Megera?

Mais um soco, mas desta vez, o adversário emendou outro ataque e criou uma sequência de golpes. Um destes acertou Damon no peito e ele foi jogado bruscamente para trás, colidindo com o chão. Não perdeu tempo, avançou e ergueu a perna para pisar no peito do caçador, que rolou para o lado e mais uma vez, com a adaga, efetuou um corte profundo no corpo de seu inimigo, desta vez na perna que ele usaria para esmagá-lo.

— Eu sei que sou bonito, mas eu prefiro as garotas menos musculosas! — abaixou-se para não levar um gancho e ergueu a lâmina contra o abdômen do misterioso lutador, perfurando-o uma vez antes de recuar e voltar à posição de combate. — Olha, eu não sou açougueiro, mas você é uma bela peça. — Piscou para o gigante à sua frente e após outra esquiva com sucesso, perfurou-o novamente um pouco do lado do ferimento anterior.

Damon estava ofegante e mesmo todo cortado, o grandalhão ainda tinha a mesma expressão ameaçadora e inerte de antes. O mercenário ergueu a mão e lançou a adaga na direção do adversário, perfurando seu peito no lugar onde supostamente estaria seu coração.

— É agora ou nunca, desgraçado. — E começou a correr em sua direção. Pulou no guarda-peito da ponte e avançou rapidamente por cima dele, saltando uma segunda vez e lançando os dois pés na direção da lâmina cravada na criatura à sua frente. O chute duplo voador atingiu em cheio a adaga e ela atravessou com toda a pressão possível o enorme corpo do adversário. Damon caiu de costas no chão, com um sorriso. — E então? Já pode cair. — Arregalou os olhos quando nada aconteceu. O homem agarrou-o pela perna e lançou-o contra a parede, onde algumas grades de ferro bloqueavam o que parecia ser uma janela. Colidiu com força e caiu novamente no chão, sem ar.

— Filho da p... — outro soco, dessa vez no rosto. Tudo escureceu por um momento, e logo percebeu que não podia mais abrir o olho direito. O golpe fora tão forte que o hematoma havia surgido imediatamente, fechando-o e impedindo que enxergasse através dele. Damon rolou para longe, cuspindo enorme quantidade de sangue. Seu lábio inferior abrigava um corte digno de olhares assustados. Pelo olho intacto, viu que o adversário já estava logo à sua frente. Girou o corpo com agilidade e chutou-o atrás do joelho. As pernas do brutamontes eram para supostamente terem se dobrado e ele caído, mas isso não aconteceu. Agarrou o caçador pela cabeça e puxou seu rosto para muito perto, encarando-o olho no olho por alguns segundos. — Me larga, desgraçado... — Os dedos apertavam o crânio dele com uma força imensurável. Carregou Damon por alguns metros, até a borda do que parecia ser um enorme poço.

Lançou-o de costas até lá, e última coisa que o mercenário enxergou foi a escuridão abraçando-o.

Onde eu fui me meter?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Lenda dos Sete" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.