Estava sentado lá, afastado das outras crianças há horas enquanto elas brincavam animadamente. Por que não havia sido chamado? Estaria ele doente? Seus pais não o deixavam se misturar com os outros? Não. Simplesmente não era chamado, nunca... Suas perninhas balançavam no banco alto e o nó em seu peito apenas aumentava. As lágrimas caíram, e mais uma vez, riram dele.

Não importava o quão inescrupulosas fossem aquelas crianças, ele só queria um amigo e até isso lhe fora negado. Ele tinha um irmão e um pai, mas recebia os mesmos olhares em casa também. "Aberração!", o pai gritara uma vez, quando fora dar-lhe um tabefe por derrubar um quadro da parede e misteriosamente perdera o equilíbrio, caindo de costas no chão. Erguera-se e lhe aplicara a pior surra de sua vida, gritando que nunca deveria ter colocado uma cria tão perversa dentro de sua falecida mãe. "A culpa é sua, monstro!" Toda sua!", e tudo que conseguiu fazer para repelir as palavras do pai foi fechar os olhos. ”A culpa é toda sua", ecoou em sua mente.

Seu irmão fingia que não escutava nada, porque no fundo, apoiava o pai, e ele sabia disso. A maldição que matara a sua mãe sussurrou novamente em seu ouvido, como vinha fazendo há anos, confirmando o seu maior medo. "Nunca serão seus amigos, asseguro, e também, amado nunca será", disse ela. A mágoa e o desespero eram demais para aguentar e ainda com os olhos fechados, ele gritou e sentiu o mundo reagir ao seu poder. Ele escutava os berros do pai e agora também os do irmão, mas não queria parar, não podia parar, e em alguma hora, talvez muitas, talvez poucas, o silêncio reinou.

Não restava nada, apenas destroços. A casa desabara sobre os corpos dos seus agora falecidos familiares e um círculo jazia ao seu redor. Nem mesmo a poeira o tocara em meio a tanta destruição. O momento em que se deu conta do que havia feito, para ele, para eles, foi quando percebeu que a maldição havia vencido. A raiva e a angústia tomaram a sua alma, causando um furor perverso que ele nunca poderia controlar.

Damon. A palavra brotou em seu fim, contradizendo o que uma vez dissera a maldição. ”Nunca serão seus amigos", e Damon talvez não fosse. Talvez só tivesse interesse em seus poderes, mas ainda sim, significava que precisava dele. "Ele precisa de mim...", pensou, e as cores voltaram ao seus olhos, ainda que difusas. Novamente, ele gritou, e mais uma vez o plano físico se alterou perante a sua vontade.

A dor que assolava seu tórax se deslocou enquanto a vida que não mais estava dentro de seu corpo voltava com toda a sua força. Olhou para o seu próprio abdômen e notou que o corte agora era um simples raspão próximo ao flanco direito e não mais o ferimento mortal de antes. Sentia o campo de realidade ao seu redor forçando para voltar, mas impediu-o de fazê-lo. Havia sido necessário alterar a própria realidade para evitar a sua morte, mas era por uma boa causa. Levantou-se, com dificuldade, e caminhou até a garota de cabelos escuros caída no chão. Com algumas chacoalhadas, ela finalmente se moveu, e de testa franzida pela confusão, aceitou a sua ajuda.

— Como eu... — Ela começou, mas ele pôs um dedo em seus lábios e pediu silêncio.

— Apenas levante-se, Damon precisa de ajuda, e nós somos os seus amigos. — A Megera de Ferro engoliu em seco e acenou, concordando, embora duvidasse que o mercenário os considerasse amigos.

E foi sob o luar melancólico que ele e a companheira fizeram o caminho de volta, trôpegos, mas determinados. Todos conheciam o seu nome... não, não o seu nome. Nem mesmo ele conhecia o seu nome, e talvez essa fosse a sua sorte. Tinha mil rostos e ao mesmo tempo nenhum, mil nomes e só conheciam aquele que dizia respeito à sua história.

Era um conto de sorte e azar, e o seu infeliz protagonista, um simples e solitário garoto azarado.