A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 27
Da Terra do Gelo Eterno


Notas iniciais do capítulo

"— Esse é algum tipo de acasalamento com árvores? Você não prefere mulheres, homem-do-martelo?" Sarym, a Indomável.



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Balran era muito mais do que ele esperava. A fama da cidade dos ladrões era completamente caótica e quem não a conhecia já ia logo imaginando um lugar sujo, fedorento e destruído, mas quando chegavam a fazê-lo, percebiam que ela era tudo isso, mas não em tanta quantidade. Tá, talvez um pouco... Esqueçam, Balran é realmente fedorenta e destruída. Mark, Anne, Frey e Pete haviam chegado por volta do meio-dia. O sol estava alto e a ruiva reclamava frequentemente do calor e de como o suor estava fazendo seus cabelos grudarem. Frey e Mark tinham a testa franzida por causa das reclamações insistentes e Pete estava totalmente absorto olhando ao seu redor.

— Então essa é Balran, a Casa de Todos os Ladrões?! — perguntou o pequeno, todo animado.

— Sim, mas... — Mark arqueou uma sobrancelha ao respondê-lo. — Ao meu ver você deveria se ocupar mais em agarrar a sua bolsa do que ficar empolgado em conhecer o lar dos bandidos.

Balran estava mais agitada do que o elfo se lembrava. Muitas casas estavam sendo reconstruídas e havia alguns feridos nas ruas, sem ter onde morar. Um deles gemia baixo, um som arrastado e penoso de quem sente dor há dias. Seu corpo estava cheio de bandagens, fazendo com que Pete pensasse se tratar de uma múmia e caminhasse mais próximo de Frey do que nunca.

Desde o momento em que atravessaram os portões, Anne olhava frequentemente para os lados, como se procurasse alguma coisa... ou alguém. Mark sabia que a garota vasculhava os arredores atrás de Damon, mas os outros não haviam percebido. O irmão de Pete encarava os que se aproximavam demais com um olhar frio e assustador, fazendo-os recuar imediatamente. Houve uma agitação próximo de onde eles estavam e a ruiva arregalou os olhos com a visão que teve em seguida.

Podiam ser dragões, monstros marinhos ou até mesmo um dos membros do Flagelo, mas não, era algo ainda mais assustador que isso: era outra ruiva.

Outra ruiva?! — Perguntou uma das crianças que ouviam a história, tão espantada quanto Pete e sua múmia.

— Sim, ora essa! Nunca viu uma ruiva na vida?

— Não, senhor. — O menino coçou o queixo e fez outra pergunta. — Mas, senhor, as ruivas não são raras e filhas do demônio?

— Ora essa, guri, cale esta boca e escute o resto da história! É cada uma...

As duas ruivas se encararam, sem dizer uma palavra. A que haviam acabado de encontrar ainda segurava o colarinho de um ladrão que não estava em condições muito boas. Seu rosto estava praticamente irreconhecível e o punho da garota, cheio de sangue. Ela largou o homem no chão e se aproximou de Anne com um enorme sorriso no rosto.

— Ora essa, o que temos aqui! — Abraçou-a e deu-lhe um beijo em cada bochecha. — Duas fhayas, seria o Deus da Sorte ao nosso lado? Com certeza essa pocilga que chamam de cidade está bem mais protegida agora!

— F-Faya...? — Anne perguntou, hesitante e desconcertada.

Fhaya. Veja como o som sai do fundo da garganta: fhaya! — Ela pronunciou a palavra novamente, e não parecia ser nenhum idioma que a garota conhecesse. Os cabelos das duas eram diferentes, apesar da cor. O da recém-chegada era encaracolado e enorme, ao passo que o de Anne era extremamente liso e chegava apenas até a metade de suas costas. Ambas tinham olhos verdes, e tanto verde deixava Mark desconcertado. Elas são um paraíso élfico, pensou, o queixo levemente caído.

Frey e Pete também estavam boquiabertos. A novata era extremamente bonita e até mesmo sensual, se olhasse com atenção. Suas medidas eram fartas e as curvas muito bem delineadas, mas suas mãos não eram delicadas como as de Anne, o motivo estava estampado em suas costas: era uma guerreira e sua companheira, uma lança. Tendo aproximadamente dois metros de comprimento, a arma possuía um aspecto envelhecido em sua haste, mas a ponta era impecavelmente preservada, pronta para matar. Faixas estavam enroladas por toda a sua extensão, proporcionando um pouco mais de conforto ao manipulá-la sem luvas.

— Espera aí... — começou ela, arqueando uma sobrancelha. — Você é bonequinha demais pra ser de Kruns'Righ.

Era de se esperar que Mark saísse de seu transe e começasse a explicar o que diabos era Kruns'Righ, mas isso não aconteceu. Os três rapazes ainda jaziam atordoado pela beleza da desconhecida, então a pergunta partiu de Anne mesmo.

— Que diabos é Kruns'Righ? E como diabos você é ruiva? — uma pequena ruga de raiva se formara em sua testa. Primeiro: não gostava de desconhecidos interrompendo sua viagem. Segundo: ela era ruiva, e só havia espaço pra uma ruiva naquele lugar. Terceiro: ELA TINHA SARDAS. Sempre quisera ter sardas e seu rosto era livre delas.

— Ei, mais respeito com a minha terra, skraj. — Cuspiu para o lado e continuou. — Kruns'Righ é a Terra do Gelo Eterno, onde as crianças já nascem aprendendo a sobreviver e as mulheres são selvagens como nunca visto antes em qualquer outro lugar! Lá, os homens só são respeitados depois que provam seu valor com uma lança e espada na mão. Guris magrelos como esse não tem vez no Olho Invernal.

Pete balançou a cabeça, como se houvesse levado um tapa na cara. Seu rosto exibiu uma tristeza profunda ao ser descartado pela ruiva e ele abaixou a cabeça.

— Em compensação... Você me parece mais do que adequado para gerar filhos, homem-do-martelo. — Piscou para Frey e deu-lhe um tapinha no braço. O martelo em sua cintura deixava claro que era algum tipo de ferreiro ou qualquer outro trabalhador braçal. Ele parecia prestes a desmaiar quando a mulher virou as costas e seguiu andando um bocado para a frente. Ela deu uma olhadela para trás e disse para o grupo: — Vocês não vêm? Eu pago a primeira rodada, e depois se virem.

— Tô dentro! — disseram os três rapazes em uníssono, e se Mark estivesse usando seus olhos de elfo, veria que no corpo de Anne estava agora um demônio ancestral e perigosíssimo chamado pelos humanos de "mulher com ciúmes".

— Ei! Vocês não podem estar falando sério, né? Nem sabemos quem ela é! — Sua voz estava esganiçada, demonstrando apenas uma parcela da histeria que bagunçava seus pensamentos.

— Relaxe, garota, se eu quisesse matá-los já teria feito isso. — Começou a seguir seu caminho com a enorme cabeleira ruiva balançando às suas costas. — E a propósito, eu sou Sarym. — Fez um sinal com a mão. O grupo seguiu atrás dela, embora Anne estivesse completamente contrariada e evitasse trocar qualquer palavra com os rapazes, até porque eles nem mesmo queriam conversar com ela. Só tinham olhos para Sarym, e com razão.

Após vários minutos de caminhada, a garota foi a primeira a falar.

— Você pelo menos sabe pra onde estamos indo?

A guerreira virou-se para ela e coçou a nuca por um momento, pensativa.

— Ué, eu achei que vocês estavam guiando.

Anne estava prestes a ter um ataque de nervos. Pete se aproximou de Frey e cochichou em seu ouvido por um breve instante. Frey deu um sorriso e fez a sua melhor pose de galã, ajeitando um pouco os cabelos com a mão e se aproximando de Sarym.

— Observe com atenção, mulher. Talvez nunca mais veja algo parecido. — A ruiva fitou-o com seus olhos-esmeralda e o irmão de Pete se aproximou da árvore mais próxima. Era enorme, possuía galhos frondosos e largos, aparentemente pesados. O mesmo podia-se dizer do tronco, que era quase tão largo quanto uma parede. Abriu os braços e agarrou a árvore. Seus músculos se retesaram imediatamente, obrigando algumas veias a saltarem por dentro da pele. Era perceptível a força que o rapaz fazia, mas a árvore permanecia inerte.

— Esse é algum tipo de acasalamento com árvores? Você não prefere mulheres, homem-do-martelo? — Arqueara uma sobrancelha e agora estava com as mãos na cintura. Seus lábios estavam levemente curvados, expressando uma espécie de desapontamento.

Frey se afastou da árvore, envergonhado. Foi até Pete e lhe deu um cascudo tão forte que pareceu quase arrancar a cabeça do garoto. Os olhos do pequeno marejaram e ele ficou de cara feia para o irmão por um bom tempo. Anne balançou a cabeça, formando silenciosamente a palavra "idiota" em seus lábios. Olhou ao redor e percebeu que não havia nada de exuberante no local onde estavam, apenas uma pousada que não aparentava estar em bom estado.

— Ali deve ter alguma coisa pra beber! — Sarym bradou, erguendo o braço como se ordenasse que suas tropas avançassem para a batalha. Frey, Mark e Pete, seus fiéis soldados, seguiram atrás dela.

O ambiente não era nem um pouco luxuoso, mas também não era ruim. A pousada, apesar de um pouco suja, era organizada e o dono bem educado. Recebera-os com os braços abertos e dera uma bebida para cada por conta da casa, como uma espécie de agrado para hóspedes que chegavam em grupos. Sarym tomara a frente e arranjara uma mesa para eles, e Anne resolveu perguntar algo que a estava deixando mais do que aflita.

— Você é a ruiva de Adria? — sua expressão era de determinação. Precisava saber se teria que dividir espaço com ela por muito tempo.

— Quê?

— Você é a ruiva do continente de Adria? Só há uma ruiva por continente.

— Não seja ridícula, garota. — A guerreira bebeu um longo gole da sua bebida, que posteriormente julgou ser uma cerveja mal feita perto das que fazem em Kruns'Righ, e continuou. — Há centenas de ruivas de onde venho. Tolas, é como chamo vocês por acharem que são exclusivas. — Anne estava visivelmente incomodada com a resposta e se levantou em seguida, indo até o balcão e pedindo a chave de seu quarto. Passou um par de adryns para o dono da pousada e subiu as escadas.

Aquilo havia, de certa forma, acabado com o clima amigável do ambiente e Mark decidiu ir atrás da ruiva para verificar se estava tudo bem. Na verdade, era mais uma desculpa para se afastar da mesa do que realmente ver se a garota precisava de ajuda. Ela geralmente preferia a companhia de Frey, então aproveitaria o momento para ir até o seu quarto e descansar. Embora ainda fosse apenas meio dia, todos estavam com sono, à exceção de Sarym, que já estava na cidade. A caminhada da estrada até Balran fora cansativa sem os cavalos.

— Er... Eu e o Pete vamos lá tomar um banho e dormir um pouco. Não é, Pete? — o garoto começou a balançar a cabeça negativamente, mas após o beliscão nada amigável de Frey, ele começou a concordar. — Vai ficar na cidade?

— Sim, eu preciso conversar com um certo alguém sobre certas coisas. Agradeço pela preocupação, homem-do-martelo. Nos vemos em breve. — Seu sorriso agora não era tão amplo quanto os primeiros, mas não simbolizava tristeza ou algo do tipo, ela apenas não era o tipo de mulher que vive sorrindo por qualquer coisa.

— Que assim seja, ruiva. — Fez um aceno com a mão e seguiu na direção das escadarias. — Aliás... — virou-se para dizer uma última coisa, mas a mulher já havia sumido. Deu de ombros e voltou a subir as escadas. Homem-do-martelo, é?


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