A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 29
Faces da Justiça


Notas iniciais do capítulo

" Ela estava com medo, muito medo. Todos haviam escutado pelo menos uma vez a história daquele lugar. Fantasmas, aberrações, demônios, todos os pecados de Balran são jogados na Gruta, e de lá nunca deverão sair. Mas agora eles poderiam sair, pois a porta fora aberta. "



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A Loira estava furiosa. Para onde aquele idiota desmilinguido havia ido? Certo, ele não era desmilinguido, mas ainda era um idiota. Foi algo que eu disse? Pensava a Loira, enquanto subia as escadas para fora da masmorra. Um guarda estava sonolento, encostado no lado da porta.

— Soldado! — ela gritou, fazendo o guarda se assustar e deixar sua lança cair no chão.

— S-s-senhora! — ele agarrou a arma no chão, entrando em posição de sentido. — Me desculpe, eu não estava dormindo, estava apenas — foi interrompido pela mulher.

— Não me importo com o que você estava ou não fazendo. Mas se não puder me responder, aí sim teremos problemas — ele engoliu em seco. — Um rapaz vestido como você, um recruta, um pouco maior que eu. Cabelos negros e olhos amarelados. Viu alguém assim passando por essa porta?

— Há poucos minutos senhora, ele falou alguma piada e saiu — respondeu.

— Disse para onde ia?

— Acho que... Disse que ia caçar ratos, senhora — deu de ombros, ele próprio sem entender o que aquilo podia significar, mas ela entendia.

— Aquele imbecil — e ela seguiu caminhando, deixando um guarda sem entender o que estava acontecendo. — Aquele maldito imbecil, fazendo as coisas sozinho!

Ela começou a correr, adentrou um beco, virou numa rua, desceu alguns lances de escadaria. Quando viu, suas botas estavam atolando na lama e ali estava ela na Baixada.

— Ótimo, agora é só achar um rato num lugar cheio deles.

Lillian começou sua busca, sua Vigília. Entrou de taverna em taverna, e ninguém ousava olhar nos seus olhos ou dirigi-la a palavra. Mas ninguém queria dar uma resposta sincera também. Nenhum deles havia falado a verdade, ela sabia disso, conhecia um mentiroso quando via um. Mas não tinha tempo nem vontade de arrancar a verdade daqueles homens. Se o Zen foi atrás do Rato, é só achar a taverna destruída. E foi com esse pensamento que ela passou a apenas entrar nos lugares, olhar como estava lá dentro e sair. E funcionou, pois na décima quinta taverna, encontrou mesas de cabeça para baixo, pessoas desmaiadas e um gordo careca com o nariz sangrando.

— Achei — ela falou, atraindo a atenção de todos ali dentro. — Muito bem seu bando de patifes, acabou a brincadeira. Cadê o Rato? E é bom falarem a verdade!

— Ali! — todos apontaram para a porta que dava para o corredor, todos amedrontados.

Melhor que o esperado, ela pensou com um sorriso, seguindo por onde eles haviam indicado. Um cheiro rançoso atingiu a mulher, mas ela o ignorou, assim como as pequenas armadilhas deixadas ali para um descuidado tropeçar. Mas uma delas a fez quase cair de verdade, e quando foi ver, era um homem desmaiado. Ou melhor, um Rato desmaiado.

— Que bela toca você se enfiou, não? — ela chutou-o uma vez, e foi suficiente para acordá-lo.

— O que? Não, não, eu já te disse tudo! Não me bata mais! — ele se encolheu, tentando proteger o rosto.

— Se acalme Rato, sou eu — disse a Loira.

— E o que tem de melhor nisso? — ele olhou para Lillian, cheio de raiva. — Já não bastou mandar seu soldadinho de chumbo me bater, veio completar o serviço?

Ela bufou, agarrando-o pela gola e levantando ele a altura dela, encostando-o na parede.

— Escute, coopere comigo e terminamos isso rápido — disse ela. — Para onde você mandou o Zen?

— Ué, ele não falou para você? — seu corpo foi praticamente batido contra a parede.

— Para onde, Rato?! — ela gritou.

— A Gruta! Eu mandei ele para a Gruta! Ele queria achar aquele moleque de rua, e é lá que ele tá! — ele foi largado, enquanto a Loira recuava até encostar na parede.

— Para A Gruta? O Zen vai entrar sozinho lá? — ela parecia amedrontada, e não era para menos. E o motivo veremos mais para frente.

— É! Satisfeita agora, mulher?! Então vá embora daqui! — o Rato gritou, e a Loira milagrosamente fez o que ele disse, deixando-o perplexo. — Ela não me bateu.

Ignorando as palavras dele, ela correu para fora dali, rápida como um raio. Mal viram ela atravessar a porta da taverna. Fez um pequeno mapa mental e definiu sua rota pelos becos e ruas estreitas da Baixada dos Miseráveis. Contou vinte minutos na sua cabeça, quando chegou na entrada daquele malfadado lugar e apoiou-se nos próprios joelhos, arfando.

Zen não estava lá, e para piorar, a porta estava aberta. E pela porta, ela sentiu sair um mal inescrupuloso que devia estar selado há muitos séculos. Era algo tão maligno, que Lillian pareceu vê-lo como se existisse, na forma de um tentáculo negro que se espalhava pelo céu. Isso devia estar trancado! Cadeado! Selado! Como ele abriu?! Quem abriu?! Não havia tempo para respostas, ela correu até a porta e então...

Parou. Tentou forçar-se a entrar, mas não conseguia. Sua mão tremia e o sentiu um embrulho na barriga. Ela estava com medo, muito medo. Todos haviam escutado pelo menos uma vez a história daquele lugar. Fantasmas, aberrações, demônios, todos os pecados de Balran são jogados na Gruta, e de lá nunca deverão sair. Mas agora eles poderiam sair, pois a porta fora aberta. Ela precisava de ajuda, de alguém. Rulthor, tem que ser ele ela pensou, e deu meia volta. Contrariada, correu outra vez.

Seu vice capitão teria que servir.

***

Ela bateu na porta três vezes. Devia mesmo estar ali? Ela era a Cavaleira, não precisava da ajuda de ninguém, enfrentava qualquer um que aparecesse em sua frente, qualquer um que ameaçasse destruir Balran. Eu não posso ter medo de nada. Ela pensava isso, mas desde aquele demônio negro colossal, ela estava insegura. A primeira coisa que veio em sua cabeça quando viu aquela besta, foi: Não consigo, e aquilo era a mesma reação que qualquer um teria ao ver um monstro de tamanha intimidação. Menos aquele imbecil, a primeira coisa que ele fez foi enfrentar aquela besta de frente. E ela ficou perplexa durante cada segundo daquela batalha. Não, aquilo não podia ser chamado de batalha, ela não tinha palavras para descrever o que tinha presenciado. Só recuperou os sentidos, quando viu sua esperança de sobreviver se esvair. Quando o herói pareceu falhar. Foi então que ela arremessou aquela lança, e mesmo que ela não tivesse feito, ainda achava que Zen poderia ter derrotado a besta sozinha. Como ele disse que se chamava mesmo? Aurig?

— Lillian? — uma voz tirou-a de seus pensamentos. Um homem vestido em roupas de dormir olhava-a da porta. Ela enrubesceu, balançando a cabeça.

— Rulthor, vista sua armadura e pegue sua espada. Preciso de sua ajuda — ela disse, voltando ao seu tom imperativo.

— Minha ajuda? — ele levantou uma sobrancelha. — Quer dizer, sim senhora. — E entrou para dentro de casa.

A Loira ficou ali aguardando, não tanto, foram apenas cinco minutos. Rulthor voltou, vestido em luxuosidade. A mulher podia apostar que ele havia gastado cada arryn que ele havia ganho na confecção daquela armadura, e talvez estivesse certa. Era prata e ouro por todo o canto daquela vestimenta, parecia até ter perdido o propósito de proteger.

— Para onde vamos, senhora? — perguntou ele, com a mão na empunhadura da arma.

— Entraremos na Gutra — e antes que ele dissesse algo, completou —, alguém abriu ela, e esse alguém está lá dentro.

Ele fez um leve aceno de cabeça.

— Certo, e quantos mais iremos levar?

— Eu e você apenas, não quero que todos descubram que aquilo foi aberto. Entraremos, encontraremos quem temos que encontrar e sairemos. E eu mesmo irei fechar aquele lugar para que nunca mais seja aberto — ela virou-se e caminhou até o meio da rua. — Agora vamos!

— Sim senhora!

E os dois começaram a correr, um do lado do outro, o clang clang das armaduras cortando o silêncio da noite. Lillian na verdade ia um pouco mais adiante, uns três passos mais a frente, sempre olhando reto. Seu vice chefe podia ir tão rápido quanto ela, mas aquela posição que ela ocupava era a de líder, e ele respeitava isso.

— Tem alguma ideia de quem possa ter aberto a Gruta, senhora? — perguntou, quebrando a monotonia do barulho das armaduras.

— Alguma ideia, mas não estamos apenas atrás do culpado disso — ela disse, atraindo o silêncio de dúvida do acompanhante. — Um... Recruta, entrou lá essa noite, e pretendo tirá-lo de lá de dentro.

— Um recruta? Que tipo de imbecil entraria lá sabendo o que é?

— Um imbecil que não tem medo nenhum de morrer — ela respondeu. — Esse é o tipo de imbecil que ele é. Mas vamos salvá-lo antes que se mate.

— E o garoto? — perguntou Rulthor.

— Ele também — respondeu a Loira.

Então ela deu-se conta da pergunta. E o garoto? Que garoto? Rey? Ela se espantou, procurando a espada. Quando olhou para trás, viu seu companheiro com a própria arma em mãos, pronto para atacar. E o fez, logo depois de ela se jogar para o lado. A lâmina dele atingiu o chão, mas logo estava de volta no ar outra vez, enquanto ela rolava pelo chão, finalmente encontrando a empunhadura da arma.

— Está louco?! — ela gritou.

— Desculpe capitã, mas se não morrer agora... — ele apertou o punho que segurava a espada. — Meu filho é que pagará o preço.

— Seu filho?! Quem?! Quando?! — ela levantou, desembainhando a espada e entrando em posição de combate.

— Desde que foi bisbilhotar com o Rato pela primeira vez nessa semana, desde aquela vez eles já botaram o olho em você. E para quem a corda cedeu? Para mim — ele avançou, lançando um golpe que foi aparado pela mulher, desviando logo em seguida do contra-ataque dela.

— Quem são eles?! — ela recuou dois passos, e o homem avançou junto.

— Isso você não precisa saber, agora — ele golpeou de cima para baixo. — Morra!

A mulher jogou-se para o lado, rolando no chão. A espada de Rulthor bateu contra a terra e já voltou para o alto, enquanto o vice capitão emendava um outro ataque contra ela. Defendeu-se do jeito que pode a Loira, bloqueando com sua fiel adaga. Ele insistiu e deu mais um golpe, que atingiu a braçadeira de metal da mulher. Ela chutou, e ele recuou antes de ser pego, mas isso foi suficiente para ela levantar e voltar para o jogo. Um, dois, três ataques em sequência, e o homem aparou todos. Era talentoso, parente de algum nobre, sempre teve um professor para ensiná-lo, algo que a Cavaleira nunca teve. Mas ainda assim, Lillian tinha um diferencial. Ela aprendera tudo que sabia nas ruas, e as ruas tinham ensinado à ela um truque ou dois. Jogou-se num ataque aberto, e na metade dele, quando Rulthor encontrou a brecha perfeita para um ataque fatal, ela mudou seu movimento. Em vez de um golpe largo horizontal, foi uma cotovelada direta na nuca do traidor. Ele tomou o ataque por completo, e caiu apoiado num joelho, mas não teve descanso. Tomou uma joelhada direto no rosto, e sentiu o sangue escorrer do nariz de imediato. Quando tentou levantar a espada, uma porrada na mão fez sua arma voar longe. A Loira havia o derrotado completamente.

Agora, restava os dois no meio da rua. Ele com sangue no rosto, e ela com a lâmina da espada encostada no pescoço dele. Verme imundo, merece a morte disse uma voz na cabeça dela, e por um segundo ela pensou em seguir o que lhe foi dito. Mas seu senso de justiça foi mais forte.

— Você está preso até segunda ordem — disse ela, uma gota de suor escorrendo pelo rosto. — Por seus serviços prestados ao povo, terá direito a se defender perante um júri. Até lá, pense em seus atos.

Ela devolveu a espada para a bainha e levantou Rulthor pelo braço, levando-o na direção da masmorra. Felizmente, não estavam longe, foram cinco minutos de caminhada, cinco minutos há menos para ela salvar Zen da Gruta.

O guarda na porta cochilava em pé, ela decidiu ignorá-lo. Abriu a porta da prisão com a própria chave e desceu a escadaria de pedra, levando o traidor pelo braço. Foi na primeira cela vazia que encontrou que largou Rulthor. Então teve um pressentimento, um bem ruim. Foi enquanto fechava as portas da cela de Rulthor, que pensou: Onde estão os dois vigias do corredor? E correu na direção da cela de Damon. E seu pressentimento se tornou fato.

A porta arrombada, os dois guardas mortos ali dentro, e as correntes que prendiam o bandido, vazias. Nem uma alma viva ali, nem um sinal de Damon.

Ele havia escapado.


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Notas finais do capítulo

Que novidade, eu atrasei.
Foi mal :P



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