A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 26
Prioridades


Notas iniciais do capítulo

" — Escute Zen, estamos falando de Balran — ela abriu os braços —, onde metade da população é bandida ou moradora de rua. Aqui as pessoas desaparecem e reaparecem toda hora. Não vai demorar para o Rey entrar por aquela porta e te encher o saco como sempre faz. "



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Vocês devem estar apressadas crianças, porque finalmente a história está chegando em um de seus ápices. Acreditem, eu também estou, por isso, vamos logo com isso. E você aí no canto cale a boca.

— Comece a falar — ordenou a Loira, com os braços cruzados.

Ela estava de frente para Damon, que estava sentado em uma cadeira com os pulsos atados por uma corda. Zen, encostado no canto do pequeno cubículo com os braços também cruzados, observava a cena com certo desinteresse.

— Falar? Falar o que mulher? — disse ele, enquanto tentava se soltar daquelas amarras.

— O que você queria com o Assassino? — respondeu a loira.

— Vender tâmaras, mas ele não gostou do preço — e tomou um soco na boca do estômago. Ela não é nem um pouco de conversa, não é? Pensou o ladrão.

— Não vou tolerar brincadeiras, bandido — ela estralou os dedos. — Agora fale, o que queria com Zael?

Damon deu um sorriso, soprando uma mecha de cabelo que caiu sobre seu olho. Puxou a garganta e cuspiu para o lado. Não faria diferença naquele calabouço em que estavam, no meio daquela monotonia cinzenta de pedras.

— O que todos querem com o Assassino, Loira? — ele olhou-a direto nos olhos, mantendo seu sorriso com um toque de deboche. — Informações. Aquela múmia sabe de tudo.

Lillian apenas deu um aceno de cabeça, indicando para que Damon continuasse. E ele o fez.

— Estou atrás de uma mulher há um tempo, e minha única chance de conseguir essa informação sobre ela foi por ralo abaixo quando você e esse seu ajudante de araque me atrapalharam — ele olhou para Zen por um instante.

— Verdade? Me pareceu que você estava para ser mais uma das vítimas do assassino quando cheguei lá — ela disse, dando uma risada de desprezo.

— Escute doçura, eu tinha tudo sobre controle, era tudo parte do meu plano — e tomou outro golpe na boca do estômago.

Não me chame de doçura, bandido — ela cruzou os braços outra vez.

— Os boatos — disse, se recompondo —, não mentiam. Você é mesmo fria como gelo. Normalmente as mulheres caem pelo meu sorriso.

Ela ia soca-lo outra vez, mas uma mão segurou seu pulso. Quando a Loira olhou quem a havia impedido, era Zen. Continuava com a mesma expressão de desinteresse, mas olhava na direção de Damon.

— Eu tenho uma pergunta — largou a mão de Lillian, e enfiou as duas nos bolsos da calça. — O que você sabe sobre a criminalidade daqui de Balran?

Damon surpreendeu-se, mas não demonstrou isso, é claro que nunca mostraria algo assim. Apenas apagou seu sorriso do rosto e respondeu a pergunta daquele que era estranho para ele.

— Sei de muitas coisas — disse ele. — Mas você devia perguntar para sua chefe, ela deve saber mais do que eu.

Lillian interrompeu a conversa dos dois.

— Não atrapalhe Zen. — Então esse é seu nome, pensou Damon. — O Rey não é importante agora, o importante é descobrir o que esse Ladrão aqui quer.

— O Rey não é importante? — Zen ergueu uma sobrancelha, intrigado. — Do que você está falando? Ele é um morador de Balran.

Lillian suspirou, virando-se para o Atormentado. Seu rosto era de impaciência, em ter que explicar aquilo. Era como se ela fosse ensinar algo óbvio para uma criança.

— Escute Zen, estamos falando de Balran — ela abriu os braços —, onde metade da população é bandida ou moradora de rua. Aqui as pessoas desaparecem e reaparecem toda hora. Não vai demorar para o Rey entrar por aquela porta e te encher o saco como sempre faz.

E então ela voltou-se para Damon, que observava a conversa com divertimento nos olhos.

— Agora volte para seu posto e vigie a porta, Zen. Eu tenho que terminar com esse aqui antes de ir cuidar minhas outras tarefas.

Zen suspirou, saindo da linha de visão de Lillian. Encostou-se na parede, com os braços cruzados, enquanto vigiava a porta. Guarda das portas, essa é a minha profissão, guardar uma porta. Oh grande lorde das portas, veja como sigo bem teus ensinamentos. Os dois voltaram a conversar qualquer coisa, Lillian com sua voz autoritária e Damon com suas palavras debochadas. O Atormentado coçou a sobrancelha, e suspirou outra vez. Uma noite, e você vai embora Zen. Por que não seguiu sua maldita consciência e foi embora quando teve chance? Suspirou outra vez, dando de ombros. Tanto faz, vamos logo com isso.

— Sua última chance, Damon — disse Lillian. — Quem é a mulher que você está atrás?

— Você realmente não tem nada para fazer — Damon ignorou a pergunta dela. — Em vez de caçar os verdadeiros bandidos, está aqui interrogando um viajante.

— Um conhecido meu disse que você veio aqui para derrubar o chefe desses bandidos — ela cruzou os braços outra vez. — Então?

— Então o que? Quer que eu diga que esse seu contato falava a verdade? Você devia aprender a não confiar em todo mundo.

— Estou pensando nisso — ela puxou uma adaga. — Acho que vou começar não acreditando em você. — E aproximou a arma de Damon.

— Ei, muito cuidado com essa lâmina, eu não preciso fazer a barba — ele engoliu em seco, dando um sorriso.

— Fale quem é a mulher que você está atrás, bandido — ela apertou a lâmina contra o pescoço dele.

— Não acho que você deva se preocupar com isso agora — ele recuou o pescoço levemente. — Por que não vê primeiro para onde seu soldado foi?

Lillian ergueu uma sobrancelha, intrigada.

— O que? — ela olhou para trás. Zen havia desaparecido. — Onde está ele?!

— Saiu assim que você o mandou vigiar a porta — Damon respondeu, sorrindo. — Pensei que você tinha percebido.

— Aquele imbecil! — ela gritou, correndo para a porta e a abrindo. Olhou para os lados e não viu ninguém. Voltou a olhar para Damon. — Isso não acabou ainda.

E saiu, deixando Damon sozinho. Dois guardas entraram, sobre ordem da Loira. O bandido ajeitou-se na cadeira e olhou para o teto.

E agora, o que eu vou fazer?

***

Era perto da meia-noite quando Zen adentrou aquela rua na Baixada dos Miseráveis. O cheiro pútrido dali não o incomodava nem um pouco, era acostumado a odores piores, de corpos que já abandonaram a vida. Seus pés afundavam pouco na lama que se formava naquela rua. Mais para frente, estava seu objetivo. A Última Gota, a taverna mais movimentada daquele lugar. Era frequentada por todo o tipo de escória daquela cidade, e normalmente era ali que os homens com informações e reuniam. E era um daqueles homens que o Atormentado estava atrás. Um com cara de rato.

Alguns homens nos becos olhavam para Zen, eram poucos, mas pareciam aumentar cada vez que desviava o olhar. Não arranje problemas. Entre, faça suas perguntas, e saia. Era esse o pensamento que tinha quando adentrou o lugar. Foi como se houvesse atravessado alguma barreira invisível, consistente como água. O clima ali era diferente. Assim que botou os pés ali dentro, sentiu os olhares focarem todos nele. Esqueceu-se por um instante que estava usando as roupas de recruta. Mesmo assim, seguiu caminhando, até o balcão.

Um homem careca e gordo, cujos dentes da frente não existiam, era o taverneiro. Ele não prestou-se em ir atender Zen, ficou conversando com outros clientes que nosso herói supôs que eram bandidos. Olhando para os lados, reconheceu uma figura entre a clientela, que o olhava amedrontado. Veja só, pensou. Era o mesmo que havia tentado roubar ele dias atrás. O estranhozinho atarracado. Zen deu um aceno, e o sujeito soltou um grito amedrontado, correndo para a saída da taverna. O Atormentado deu de ombros, e em seguida olhou para o taverneiro.

— Ei, careca — ele disse, e tornou-se o centro das atenções outra vez. O barulho que ainda havia na taverna cessou com as palavras de Zen. O taverneiro olhou para ele. — Vem aqui.

Com uma expressão nada amigável, foi até a frente de seu ilustre cliente, bufando. Olhou o Atormentado, medindo-o de cima abaixo.

— E o que é que tu quer? — falou, com um sotaque que só aqueles que vivem entre os bandidos adquirem. Um jeito amedrontador de falar.

— Tem um homem, ou um rato que eu estou procurando. Se chama Jaene. Sabe onde eu posso encontrar ele? — e deu um sorriso.

— Eu não conheço nenhum Jaene — o careca respondeu. — Agora é melhor que tu sai daqui.

— Ah, mas eu acho que você conhece — falou Zen, ignorando o conselho do careca.

Esse se curvou, apoiando as duas mãos no balcão, curvando o corpo para olhar nos olhos do Atormentado. Era dois palmos maior que ele, e seu corpo gordo o fazia duas vezes mais largo.

— O que é que tu falou? — ele virou a cabeça, aproximando a orelha de Zen, para escutar melhor.

— Eu acho que você sabe onde está o Rato, mas não quer me falar — respondeu.

O taverneiro bateu o punho no balcão. Seu rosto ficou vermelho como uma pimenta.

— Tá me chamando de mentiroso?! — ele gritou com raiva.

A mão de Zen foi mais rápida que a reação do gordo. Bam! Seu rosto bateu contra a tábua, seu nariz quebrou. O Atormentado ainda segurava seu rosto contra a madeira do balcão. Os outros ali se levantaram imediatamente do balcão. Mas que merda você está fazendo, Zen? Ele pensou, enquanto olhava para os lados sorrindo.

— Opa, minha mão escorregou — e deu uma risada. Os gritos de raiva explodiram.

Primeiro de tudo, uma banqueta voou na direção de Zen. Ele foi ágil, e conseguiu se abaixar, enquanto ela ia encontrar seu alvo em qualquer um que surgisse em seu caminho. Então veio o primeiro oponente.

Zen nem perdeu tempo gravando na mente o rosto daquele homem, logo iria se esquecer como fez com tantos outros. Desviou de um soco e acertou a mão espalmada no pescoço do homem, e o finalizou com uma pancada na têmpora. Outros dois surgiram, e Zen recuou. Mas não havia muito espaço ali para recuar, pois três surgiram logo atrás dele. O Atormentado agarrou uma banqueta e virou-se violentamente, partindo para cima dos três. Não ofereceram uma batalha muito interessante, não demorou nem cinco segundos para estarem desmaiados no chão.

Ele largou a banqueta e virou-se para trás. Ainda haviam quinze ali, quinze homens fortes e raivosos. Zen ergueu a mão e acenou, indicando para que eles viessem, dando um sorriso. Dois avançaram, um com um cutelo e o outro com a perna de uma cadeira. O do cutelo era mais perigoso, e foi desse que Zen tomou conta primeiro. Enquanto os dois ainda estavam no meio do caminho, para a surpresa dos dois, ele avançou, agarrando uma caneca meio cheia. Jogou a bebida no rosto daquele que segurava a madeira, e a caneca bateu contra a cabeça do que segurava o cutelo. Ele era rápido demais para eles, forte demais. Um golpe no pulso foi suficiente para desarmar o que segurava a lâmina, e um chute no peito lançou o que segurava a perna de cadeira contra uma mesa, quebrando-a. Mais treze. Ele olhou para o restante. Decidiu testar sua sorte.

— Então — ele pôs a mão na empunhadura da espada. — Qual de vocês garotinhos que sentem nojo de meninas será o próximo? Podem vir todos de uma vez, o grande espancador de ladrões Zen vai cuidar de vocês.

Todos olharam para ele, receosos. Que raio de recruta é esse?, eles pensavam. Um decidiu tentar, e puxou a própria espada. Não era nada comparada com a de Zen, mas dela eu vou falar mais tarde crianças. Era um pedaço de ferro velho e enferrujado, perfeita para ameaçar pessoas, horrível para batalhas. De maneira alguma era uma arma feita para matar. Mas o bandido ligava para isso? Não mesmo, avançou às cegas contra nosso herói, e Zen quase riu quando partiu aquela lâmina velha em duas. Foi um golpe rápido. Retirou a espada da bainha, atacou, e retornou-a para a bainha. Seu oponente não entendeu direito o que havia acontecido, mas saiu correndo assim que viu o que havia sido feito de sua arma. Medo era o que havia no resto dos ladrões.

— Treinem mais cem anos e então voltem para lutar comigo — ele falou, soltando a mão da empunhadura. — Até lá, voltem para as suas mães e peçam desculpas por serem filhos horríveis — todos ali acenaram positivamente. Zen apontou a mão para um. — Menos você, eu gostei de você — o apontado se assustou, recuando dois passos. — Você sabe onde está o Rato, não sabe? Por favor, me diz que você sabe.

— Se eu falar, você me deixa ir? — ele estava realmente amedrontado.

— É, é, claro, fale de uma vez.

— Ali, naquela porta atrás do balcão — apontou para a tal porta

— Obrigado — e caminhou na direção da porta.

— Não vai me surrar? Me prender? — perguntou o rapaz. Zen olhou para ele, e deu um sorriso largo, abrindo a porta.

— Eu não sou um cara da violência — e entrou, batendo a porta atrás dele.

Era escuro o corredor em que se enfiou. Escuro e estreito. Seguiu caminhando com sua expressão habitual de desinteresse, parecia ignorar a armadilha mortal que aquilo podia ser. Quando chegou num ponto onde havia um pequeno afundamento na parede, nem prestou-se a olhar, apenas estendeu o braço para o lado e sua mão agarrou um pescoço.

— Você tem um fedor distinto, de um medroso bêbado — olhou para o lado, e em sua mão havia um rato que não era rato. Era Jaene, em lágrimas.

— Não me mate, por favor — ele suplicou, meio falando, meio soluçando. — Eu tenho filhos, uma penca deles! Mais de dez!

— Você gosta mesmo de fazer filhos, é bom que me diga o que quero saber, ou vou arrancar essa capacidade de você — ele olhou-o nos olhos. — E com isso, quero dizer que vou arrancar suas — foi interrompido por Jaene.

— E-e-eu já entendi, não precisa explicar — o desgraçadinho já não estava mais chorando, era um maldito gênio da arte de fingir. — O que quer saber?

— O garoto chamado Rey, onde eu acho ele?

— Rey? O que você quer com o... Espere. — Ele apertou os olhos levemente. — Espere, eu sei quem é você. Você estava com a Loira.

— Rey, Jaene, Rey — Zen ignorou o bandido.

— Eu já disse, procure aquele tal de Danon, ele sabe — foi interrompido bruscamente pelo Atormentado, que o encostou contra a parede.

— Desculpe, minha mão escorregou, ela está fazendo muito isso hoje — ele disse. — Acho que minha espada vai escorregar pela sua barriga se não me falar onde acho o garoto.

— C-c-calma! Não vamos nos precipitar — ele engoliu em seco. — Escute, tem esse lugar, chamam de A Gruta. Não é muito longe daqui.

— Eu vou encontrar o Rey lá?

— É, você vai encontrar um monte de pessoas lá — ele deu um sorriso, para tentar aliviar a tensão. Não deu certo, Zen levantou a outra mão num punho. — Sim, você vai achar o Rey lá! Eu prometo pelos meus vinte filhos!

— São dez, seu idiota — e deu o soco, desmaiando o Rato.

***

Meia hora mais tarde, depois de algumas perguntas, encontrou A Gruta. Era uma pequena porta, na parte mais profunda da Baixada dos Miseráveis. Literalmente profunda, quase como se houvessem feito alguma escavação ali. Essa foi a primeira impressão de Zen, mas logo notou que aquilo era um calabouço, ou fora, num passado que ficou muito tempo para trás, quando os bandidos ainda eram presos em Balran. Um Calabouço Subterrâneo.

Se ele soubesse que aquilo não era um simples calabouço, não teria entrado sozinho, mas cruzou aquelas portas sem hesitar um segundo. Elas se fecharam sozinhas atrás dele, dando o parecer de que não abririam nunca mais. Em sua frente, o breu absoluto. O frio o envolveu, espantou todos os seus sentimentos e pensamentos.

Ele avançou pelo meio da treva, tendo a morte incerta como guia.


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