A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 19
Labaredas Dançantes


Notas iniciais do capítulo

"— Todas as ruivas tem os cabelos de fogo e pele marcada pelas sardas que são respingos da saliva do próprio Comedor de Almas! São bruxas... são fogo, e são a morte!" O Discursante.



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— Me desamarra, Mark! — gritou Frey para o elfo, que negou com a cabeça e franziu o cenho em sua direção.

— Você iria entrar correndo naquela floresta e procurar a esmo o seu irmão, até que seja lá o que fosse te enfiasse uma lança na nuca e tudo acabar sendo em vão.

— É o meu irmão, merda!

— E você acha que eu não sei?! — desembainhou a espada em um movimento súbito e praticamente invisível de tão rápido, sendo que ao mesmo tempo as cordas que prendiam Frey se partiram. — O meu pai morreu nas mãos de um monte de monstros que faziam o mesmo com os outros bem na minha frente! Eu simplesmente não pude, mas sei que hoje derramaria o sangue de todos eles em segundos, porque você precisa PENSAR antes de AGIR!

Frey ainda estava atordoado pela velocidade em que Mark cortara suas amarras. Só conseguira enxergar o lampejo prateado caindo sobre seu corpo. A princípio, pensara que o elfo iria matá-lo, mas ficou aliviado em saber que não era este o caso.

— Meu irmão... — não tinha mais forças para resistir. Havia levantado e caminhava em direção à floresta, passo por passo, arrastando os pés.

— Frey. — Disse para o amigo. — Se ficar conosco, eu e Anne ajudaremos você. Sabe que não o deixaríamos na mão, só espere até o anoitecer. O sol já está indo embora e logo teremos a lua a nosso favor!

— Vamos investigar o acampamento! — Anne marchava na direção dos dois, determinada e com os olhos vermelhos. — O desgraçado do Damon foi embora, não precisamos dele, vamos fazer o que for preciso pra achar o Pete e depois disso, caçar esse mercenário imundo, infeliz e... argh!

Ela chegou mais perto de Frey e abraçou-o. Não era um abraço do tipo "ah, sinto muito pelo seu irmão", mas um abraço carinhoso e protetor. O rapaz passou os braços ao redor dela por um breve momento, até que perguntou:

— E qual é o plano, Anne?

— Devemos perguntar às outras pessoas se elas não viram nada, é crucial para que descubramos alguma coisa. Vocês já fizeram isso? Suponho que não, estavam aí emburrados um com o outro e perdendo tempo com futilidades. Mas eu não vou tolerar isso também, Senhor Elfo Mark e Senhor Madeira Frey. Agora nós temos que... — seus olhos se arregalaram e o espadachim pôde ver o reflexo alaranjado neles.

Fogo.

Virou-se e conseguiu enxergar as chamas. Não muito longe e claramente sob controle, subiam mais alto do que as carruagens dos comerciantes ricos que agora se tornavam combustível para a aterrorizante fogueira. E falando em fogo, os cabelos ígneos de Anne já avançavam em meio à confusão para saber o que estava acontecendo. Por que tão impulsiva?!, refletiu, já indo atrás dela com Frey em seu encalço.

Havia um aglomerado de pessoas em círculo, um número enorme delas gritava e brandia os punhos ao passo que apenas um falava, em pé sobre um carregamento de frutas aparentemente roubado.

— O que tá acontecendo aqui? — Anne abriu caminho em meio à roda e ficou frente à frente com o discursante.

— Vejam aqui, o exemplo perfeito daqueles que nos trazem a desgraça! — o homem estava cego pela sua fúria. Apontou o dedo em riste na direção do rosto da ruiva e continuou a gritar. — O povo dela raptou as nossas crianças, todas elas! A essa hora, se já não morreram, estão muito bem encaminhadas! — o povo rugiu em aprovação, chamando-a por nomes tão feios quanto aqueles ouvidos em tavernas após longas horas de bebedeira.

— Eu não fiz nada! — sua voz era abafada pela multidão, mas ainda sim continuou. — Por que diabos vocês estão me culpando? O irmão do meu amigo também sumiu, acham que eu não estou triste por isso?!

— Calada, bruxa!

Bruxa...

Bruxa?

Bruxa!

A garota deu um passo atrás, atônita. O homem aproveitou o seu momento de confusão para agarrar-lhe pelos cabelos, puxando-a com força em sua direção e erguendo seu rosto para que todos pudessem ver.

— Conseguem ver a cor dos cabelos dela? É a cor do demônio! — jogou-a ao chão de joelhos e pisou em suas costas, colando-a contra a lama que enchia e umedecia suas vestes. — Todas as ruivas tem os cabelos de fogo e pele marcada pelas sardas que são respingos da saliva do próprio Comedor de Almas! São bruxas... são fogo, e são a morte!

A fogueira tremulou e sua chama de mais de cinco metros de altura desapareceu completamente, dando lugar à uma totalmente azul e ainda mais alta. O fogo dançou sobre a madeira e saltou para o chão, afastando todos os que estavam presentes imediatamente. Os olhos de Anne estavam fechados, como se a garota estivesse em transe. Seus cabelos esvoaçavam para os lados, mesmo sem haver vento nenhum e o homem que a segurava caiu no chão de costas, se arrastando para trás e tentando sair dali.

O fogo saltou da pilha de gravetos de salgueiro e das carruagens destruídas e caiu sobre o homem que ferira a ruiva, consumindo-o em uma fração de segundo. Seus gritos puderam ser ouvidos entre o rugido das chamas que faziam sua carne borbulhar e os músculos se desfazerem, até que nem mesmo os seus ossos escaparam do castigo final e deram lugar às cinzas.

Mesmo com os olhos fechados, Anne se ergueu e apontou na direção de uma das pessoas que apoiavam o discursante e as chamas sobre o corpo do homem saltaram para atingir esta outra, que se encolheu e esperou o seu julgamento.

Silêncio.

As chamas desapareceram, e os outros correram. Mark estava à frente de Anne com dois dedos encostados em sua testa. Sua boca se movia agilmente, sussurrando as palavras que conteriam tamanha energia ao redor da garota. Era élfico antigo, coisa que apenas o alto-escalão dos Reinos do Oeste conheciam.

A ruiva desabou nos braços do espadachim, que a deitou no chão. Só então Frey conseguiu alcançá-los. Se ajoelhou ao lado dela e tomou seu rosto entre as mãos.

— Ela tá bem? — sua voz demonstrava a preocupação que jazia explícita em seu rosto.

— Eu não tenho certeza, tem algo maior acontecendo aqui e provavelmente nem mesmo ela saiba o que é.

— As chamas...

— Sim, era ela controlando o fogo, mas estava em transe, desacordada. Não fez em sã consciência, mas não duvido que consiga se tentar. — Respirou fundo e afastou-se um pouco. — Leve-a nas costas, agora eu tenho certeza de que Pete não pode esperar nem um minuto a mais.

— É só isso? — perguntou Doyle para o velho.

— Só isso o quê? — respondeu o outro.

— Acabou a história?

— É lógico que não, guri! Ora essa... Não contei nem um sétimo de tudo que aconteceu com eles! — riu do seu próprio trocadilho, mas ao ver que era o único, deu de ombros e resmungou. — Só estamos dando uma pausa, que fique bem claro.

— Afinal, que diabos tá acontecendo com a ruiva?

— É mais do que a sua mente pequena pode entender, guri. Algo grande... Anne não é exatamente o que parece ser, não é só uma guriazinha fresca que fica irritada e gosta de mandar nos outros. A complexidade da história dela é maior do que provavelmente todos os sete, e vocês vão ver isso em breve.

— Em breve? Muito breve ou não tão breve?

— Em breve, pentelho.

— Não me chama de pentelho!

— Quieto, pentelho!

Ergueu-se e foi em direção à porta. O taverneiro apagava as lamparinas do recinto e guardava as canecas de cerveja do velho. As crianças deram um "aaaaaah" de tristeza e começaram a ir embora também. Era a hora do Velho dormir, e ninguém podia reclamar disso, até porque já era tarde para eles também. O lugar se esvaziou e o contador de histórias se despediu.

— Até amanhã, Walter.

— Até, senhor!


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