A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 15
Luzes na Floresta


Notas iniciais do capítulo

"Pete aprendeu a lição: nunca confie em luzes na floresta."



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Sobre o Pete ter sido sequestrado, vocês podem esperar um pouco! A pressa é inimiga da lentidão, guris! Ou seria da perfeição? Tanto faz! Contarei agora como o corajoso Pete sobreviveu à uma ameaça grotesca e assustadora envolvendo criaturas inimagináveis e cruéis! Voltemos, meus ouvintes, à preciosa Lenda dos Sete!

Pete aprendeu a lição: nunca confie em luzes na floresta. Havia tirado alguns minutos da tarde para dar uma volta ao redor da caravana, procurando algo que não fosse tristeza e morte, mas parecia que aquela era a única opção por ali. Os danos causados pelo Flagelo eram colossais e o garoto tinha a impressão de que Aileen não era a única cidade atacada naquele dia. O pressentimento o levou a abraçar o próprio estômago, ao passo que o pão endurecido que havia comido subiu pela garganta. Não vomitou, mas o mal estar permaneceu lá.

Entenda, nem sempre faz bem para uma criança caminhar em uma caravana de sobreviventes, pois nunca haverá coisas bonitas para ver. Pessoas se encontravam deitadas em macas, outras em carroças. Algumas era irremediáveis, mas os familiares choravam sobre seus corpos desprovidos de vida. Era uma visão extremamente triste, mas Pete se obrigava à olhar, afinal, se quisesse ficar forte aquele era o caminho. Tinha que sentir a dor alheia para poder aguentá-la junto à sua. Engoliu em seco, e continuou a andar.

Onde estaria Lúcia?, era sua maior preocupação. A garota também estava em Aileen quando tudo aconteceu, e podia jurar que a canção assustadora do Flagelo saía de seus lábios, mas não chegou a vê-la, nunca poderia saber. Seus olhos marejaram, e... Calem a boca! É só um garotinho, ele tem emoções e ao invés de chorar, vocês estariam se cagando no lugar dele! Continuemos... e as primeiras lágrimas rolaram por seu rosto sujo de fuligem e poeira da Estrada Real.

— Ei, guri! — um homem chamou da sua esquerda. Estava debruçado sobre o corpo de uma garotinha que não aparentava ser mais velha do que Pete. Um pedaço de pano úmido estava posto sobre sua testa e o rosto corado denunciava uma febre consideravelmente alta. O rosto do pai aparentava preocupação e suor pingava de seus cabelos, sem saber mais o que fazer para ajudar a filha. — Pode me dar uma mãozinha?

— C-Claro! — aproximou-se do homem em uma corridinha rápida, parando ao seu lado para saber no que poderia ajudar. — Você precisa de algo...?

— Sim, por favor! — o homem apontou para as árvores mais próximas da estrada. — À leste daqui, nesta direção, você deve seguir em frente até encontrar o rio! Suas águas têm poder medicinal, ou pelo menos era o que minha velha mãe dizia. Poderia me buscar um pouco desta água? Não é difícil, você só precisa ser rápido! — fuçou uma mochila surrada de couro por um momento e retirou de lá um cantil revestido do mesmo material. — Salve minha filha, rapaz, é tudo que lhe peço!

Pete engoliu em seco. Havia suor em suas mãos, um suor frio e incômodo. Tinha medo de ir sozinho à floresta, mas a urgência exigida pelo homem não lhe deixaria procurar o irmão para lhe pedir ajuda. Era algo que precisava fazer sozinho. Não podia negar o pedido, a garota estava em péssimas condições e não era um monstro para deixá-la continuar assim, faria o que precisava ser feito.

— Eu vou! — agarrou o cantil e correu na direção apontada pelo homem, sem hesitar. Correu tanto que suas pernas teriam reclamado de dor se tivessem bocas, mas como não tinham, Pete aproveitou um pouco. O cantil estava em seu ombro, preso por uma enorme tira de couro gasto que parecia prestes à arrebentar, mas que estava aguentando bem por enquanto. Não via nem sinal do rio, e isso o preocupava. Começou a caminhar porque não aguentava mais correr. Era pequeno e leve, mas tinha suas limitações.

A floresta era ameaçadora, de certa forma. Ao mesmo tempo que possuía uma beleza estonteante, o silêncio que perdurava entre as árvores era assustador. Pete caminhava, agora, hesitante. Seus olhinhos varriam toda a extensão do local, com medo de que algum animal selvagem aparecesse. Cogitou voltar agora, mas tinha ido longe demais para simplesmente desistir. Prosseguiu, mesmo que isso lhe custasse toda a coragem que podia reunir, até que ela desapareceu completamente.

Pete arregalou os olhos quando uma pequena orbe iluminada surgiu à sua frente. Estava longe, mas brilhava de forma tão intensa que seria impossível não vê-la. Sua coloração alaranjada contrastava com o verde das árvores, enfatizando-a de uma maneira que até mesmo um cego enxergaria sua luz. O garoto se escondeu rapidamente, jogando-se atrás de um arbusto túrgido e cheio de galhos, que lhe arranharam ao primeiro contato. Não havia som algum ao redor da esfera, e teve certeza que as batidas de seu coração poderiam ser escutadas à quilômetros. Respirou fundo e arriscou outra olhada.

Agora eram duas orbes iluminadas, e antes de registrar tudo direitinho, mais outra surgiu no horizonte. Uma laranja, outra verde, e a terceira azul. Giraram em torno de um epicentro invisível, em sincronia perfeita. Foram descendo suavemente até que desapareceram, como se tivessem sido sugadas por algo que estava no chão. Pete esperou alguns segundos antes de se aproximar e quando chegou à uma distância segura do local, percebeu que o que havia absorvido os espectros luminosos era uma belíssima flor de pétalas brancas, mas manchadas por um líquido tão escuro quanto os espectros de Sarkon enfrentados por Zen.

As gotas escuras pingavam e tingiam a vegetação ao redor da flor, formando uma pequena poça. Pete chegou perto dela e se abaixou para dar uma olhada. Suas pétalas se moviam suavemente, como se balançadas por um vento fantasma do qual o garoto não partilhava. Os filetes se retorciam como os tentáculos de uma enorme lula, exalando uma hipnotizante cortina de retículos cristalinos.

Abaixou-se ainda mais, ajoelhando-se na grama. Estava encantado com tamanha beleza. A planta se contraiu, fechando-se dentro de suas pétalas e se tornando inchada, robusta, como se estivesse cheia de algo. Pete colocou o indicador em seu topo para tentar abri-la novamente e desfrutar de sua beleza, mas a flor se moveu rápida e inesperadamente, liberando uma cortina esfumaçada no rosto do garoto, que teve a visão escurecida imediatamente e os sentidos apagados.

Horas se passaram até que finalmente acordasse. Que diabos havia de errado com aquela flor? Sua maldita curiosidade o colocara em apuros. Por quanto tempo ficara apagado? E a garotinha que precisava ajudar? Sentiu um nó em sua garganta e tentou levantar. Os músculos estavam rijos e doloridos, mas tinha que sair dali logo e voltar para a caravana. Provavelmente, Frey já estaria procupado com ele ou procurando pelas carroças. Tentou levar as mãos para a frente do corpo e tentar se impulsionar para trás, mas os braços não responderam ao chamado.

Estava amarrado.

Pete entrou em desespero. Começou a se debater freneticamente, rolando pela grama. A expressão de terror em seu rosto era mais do que suficiente para mostrar o quanto o garoto estava com medo e isso provocou risadas de sua platéia invisível. Parou no exato momento em que escutou-as, prendendo até mesmo a respiração para tentar não ser visto, embora soubesse que já era tarde. Olhou ao seu redor, o máximo que seu corpo amarrado permitia, mas nada viu. Mais risadas, mais medo.

— O que fazeremos com porco, chefe? — disse uma voz entre as árvores. Era aguda e rouca, assim como as gargalhadas anteriores. — Esse ser osso, não ter carne boa! — um coro de aprovação se seguiu à afirmação.

— Era esse que o chefe queria, não importar o gosto! — murmurou um mais esperto. — Talvez não ser pra comer, chefe tem negócios com andadores! Ouvi que precisar mais seis, amigos do porco! — palmas homenagearam o falador atual, como se fosse o mais esperto do grupo. E aparentemente é, Pete pensou. Tentou se desamarrar silenciosamente, mas os nós eram extremamente apertados e estavam ligeiramente fora do alcance de seus dedinhos. Só conseguia tocá-los, mas não desfazê-los.

— Apareçam, seus covardes! — abordou-os de forma agressiva. Era provavelmente a única chance de fazê-los se revelarem, mesmo que furiosos e foi exatamente isso que aconteceu. Os goblins saltaram das árvores empunhando lanças improvisadas e machadinhas de pedra mal feitas. Gritavam para o garoto, insultando-o de todos os nomes possíveis e rodeando-o. Os chutes começaram, mas eles não eram fortes. Eram pequenos e gordos, nojentos e asquerosos com os corpos esverdeados besuntados por algum tipo de líquido viscoso.

— PAREM! — Rugiu alguém, se aproximando do grupo à passos largos. Era bem maior do que os outros e não aparentava ser fraco como eles. Se apoiava em um enorme cajado retorcido de madeira, mancando violentamente até chegar perto de Pete. Sua mão direita era coberta por uma enorme manopla, ao passo que a esquerda, que segurava o cajado, estava nua. Um manto rasgado e calças de couro eram sua vestimenta. — Você se acha inteligente, não é, garoto? Não o culpo. Esses goblins não são nem um pouco pensantes. Deve estar se perguntando "o quê estou fazendo aqui?", não é?

— Sim! Eu não fiz nada a você e nem aos seus globins... goblins, tanto faz! Só queria um pouco de água do rio!

— Rio? — a criatura gargalhou, completamente encantada pela história do garoto. — Então nem todos os meus lacaios são burros, pelo visto. Não há nenhum rio por aqui, garoto! Sua cabeça está no topo da lista de procurados, junto com seus seis amiguinhos, mesmo que só três estejam por perto agora! Por agora, fique aí quietinho com seus novos amigos. Preciso fazer os preparativos para os nossos convidados.

Virou-se e começou a caminhar para fora da clareira.


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