A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 14
Ruptura


Notas iniciais do capítulo

"— Vamos ao trabalho, então. — Sorriu, e os gritos começaram." Damon, o Larápio.



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— A culpa é de vocês! — gritou Frey, apontando na direção de Damon e Anne. Seu rosto se contorcia de fúria e as palavras saltavam de sua boca como projéteis em chamas. — Se não tivessem ocupados demais naquela carroça, teriam percebido uma criança sendo sequestrada por sei lá quem!

— Como se atreve?! — Anne rebateu, completamente indignada. — Ocupados demais? Não seja ridículo! Damon sequer estava na carroça, ele saiu logo depois de você porque eu queria ficar um tempo sozinha para organizar meus pensamentos, seu grandíssimo idiota!

Não, isso vai acontecer mais tarde, Doyle. Por agora, fique quieto. Um clima de tensão se formou entre os três. Mark franziu o cenho e deu um passo atrás; só iria interferir caso aquilo chegasse a um ponto crítico. Algumas pessoas pararam para olhar no começo da gritaria, mas agora já voltavam à caminhar e seguir a Estrada Real, afinal, três jovens discutindo por um motivo qualquer não era a preocupação maior de pessoas recém-atacadas por forças sobrenaturais.

— Vejamos pelo outro lado, cabeça-de-salgueiro. — Damon deu alguns passos à frente com um sorriso sarcástico delineado em seus lábios finos e sem-cor. Os olhos demonstravam frieza e à uma vista menos cuidadosa, maldade. — Se nem mesmo você cuida de seu precioso irmãozinho, porque nós dois deveríamos cuidar?

Era o suficiente para Frey. O rapaz avançou com tudo na direção do mercenário e agarrou-o pelo pescoço, levantando seu corpo até que os pés deixassem de tocar o chão. Damon se retorceu até soltar as mãos de Frey, dando-lhe um gancho de direita fortíssimo na têmpora de mesmo lado. Aproveitou enquanto ele andava para trás, atordoado, e correu em sua direção, lançando o joelho em seu estômago e obrigando-o a se curvar para a frente, mas o carpinteiro lançou seu peso sobre o outro e ambos caíram no chão.

Já erguia o braço para finalizar Damon quando o elfo lhe deu um golpe certeiro no ligamento entre o ombro e o pescoço. Frey desmaiou instantaneamente, mas Mark também não aliviou para Damon. Pisou em seu peito e apontou o dedo para seu rosto, ameaçador, enquanto Anne observava tudo de seu canto, aterrorizada com a briga dos rapazes.

— Escuta aqui, mercenário. Eu não sei exatamente o que você fez ou deixou de fazer pela criança, mas não vou tolerar esse tipo de provocações em um grupo que possui como intenção acabar com o mal que anda assolando as terras do norte e agora, aparentemente, as do sul também! Caso não queira cooperar, não se preocupe, eu não vou insistir, mas... — aproximou-se de seu rosto para dizer as últimas palavras que encerrariam a discussão — não deixarei que viva, você sabe demais sobre nossa missão.

Tirou o pé de seu peito e se afastou, virando as costas e caminhando rumo à floresta em busca de rastros do garoto. Quem esse desgraçado pensa que é?, pensou Damon, que se erguia irritado. Estapeou as vestes para tirar a terra que se espalhara por sua superfície e também saiu caminhando à passos largos, em direção oposta.

— Onde você vai?! — gritou Anne, correndo para acompanhar o rapaz. — Não vai nos abandonar, não é? Você ouviu o que o Mark disse, não tem medo de que algo aconteça?

— Você acha que eu tenho medo de um elfo qualquer? Vá para os demônios, eu sou o melhor caçador desse continente, se estivesse comigo por mais tempo saberia disso. Poderia achar o garoto em uma hora se quisesse, mas não vou fazer isso pra um lenhador qualquer que não cuida da própria família. Espero que se danem os dois, e que o garoto não esteja tão na merda quanto eu penso que está. — Ele falou com outras palavras, mas vamos deixar assim. Havia um cavalo amarrado em uma árvore à cinco metros de onde estava e foi até ele que Damon seguiu. Seu dono não estava por perto, e mesmo se estivesse, não seria problema. O mercenário sacou seu punhal e um lampejar prateado veio em sequência. A corda não ofereceu resistência à lâmina bem afiada.

O cavalo já estava selado, o que facilitou ainda mais. Damon saltou no dorso do animal e gritou algum tipo de ordem para o animal, que desatou a galopar arduamente. Anne chamou seu nome algumas vezes, mas não mudaria sua decisão. Era só uma garota qualquer, em uma missão qualquer. Continuou, sem olhar para trás. O arco em suas costas se movia suavemente à medida que ganhava velocidade, ao passo que as flechas vibravam dentro da aljava, embora seguras pela fivela que comprimia o couro ao seu redor para que não escapassem quando o portador estava em fuga.

Qualquer outro cavaleiro não teria percebido a movimentação entre os galhos de uma árvore altíssima no limite direito do campo de visão de Damon, mas era um caçador experiente e um detalhe como esse não passaria batido. Puxou as rédeas de um lado só e o cavalo se moveu naquela direção imediatamente. A suspeita do mercenário se confirmou quando o ser em questão foi obrigado a sair de seu esconderijo, pois seria encontrado se lá permanecesse.

Os galhos se moveram ruidosamente sob o peso da criatura em fuga. Não era acostumado com esse tipo de coisa, mas precisava tentar. Levou a mão até as costas e armou o arco, estalando o cordel uma vez para deixá-lo pronto. Desafivelou a aljava, sem tirar os olhos de seu alvo e pegou uma flecha, posicionando-a no armamento de forma impecável. Atirar sobre um cavalo não era fácil, a movimentação natural do animal correndo seria o suficiente para errar um tiro perfeito, mas não havia tempo para uma perseguição longa. Respirou fundo, e tudo aconteceu.

O tempo ao seu redor pareceu parar. Prendeu a respiração e sua visão entrou em foco ao redor de onde precisava atirar. As cores se acentuaram e os barulhos sumiram, deixando audível apenas o barulho ritmado de seu coração bombeando o sangue. Seus dedos escorregaram pela haste da flecha intencionalmente. O projétil cortou o ar vagarosamente em direção ao alvo, cortando o vento com sua ponta prateada. Um assobio suave indicava que sua fatal trajetória se iniciava, e o barulho de carne dilacerada e um objeto pesado caindo no chão, que ela terminara.

O cavalo ergueu-se, ficando sobre duas patas quando Damon chegou até o alvo caído. Era uma criatura asquerosa, esverdeada, fedorenta e repugnante. Era de baixa-estatura e sua barriga compunha a maior parte do corpo. Suas pernas eram curtas e em uma delas, o projétil atravessado era coberto por um líquido viscoso verde-limão. Seja lá o que fosse, tentou se arrastar para longe do mercenário, mas quando este colocou outra flecha no cordel, o outro se aquietou.

— Paz, deixar eu! Goblin indefeso, ser bom com crianças! — fazia gestos, colocando as mãos no peito e tentando sorrir. Acreditem, crianças, o sorriso de um goblin é mais feio do que a mãe daquele guri ali. A demonstração de inteligência lhe custou um chute na testa que o forçou a ficar no chão por mais alguns minutos.

— Então você é bom com crianças? Procuro uma em específico. Que tal começar a me dar as informações que eu procuro? Só lembrando que caso você não coopere, eu tenho meios de consegui-las ainda mais facilmente, embora você não vá gostar nem um pouco. — Afastou a capa de viagem para que o goblin visse o punhal em sua cintura.

— Criança? Não saber, milorde! Não saber, não saber! — o desespero do monstrinho era contagiante, mas seus olhos amedrontados não enganavam o caçador. Ele sabia que a criatura sabia de algo, e arrancaria essa informação dela. Deslizou a lâmina para fora da bainha. O sol banhou-a com um reflexo que não durou mais do que alguns segundos. As sombras e a maldade implícita no olhar de Damon falavam mais alto do que a luz do entardecer.

— Vamos ao trabalho, então. — Sorriu, e os gritos começaram.

***

O goblin jazia amarrado em uma árvore. Damon limpava sua lâmina com um trapo surrado qualquer, ensopando-o com o líquido esverdeado. Estava em silêncio, afinal, já havia escutado o suficiente, e já decidira o que faria em seguida. Seus planos foram traçados no momento em que o goblin abriu a boca.

— Eu vou te soltar agora, seu pedaço imundo de merda, mas com um propósito — guardou o punhal na bainha. — Você contará aos seus amiguinhos que eu estou indo, e é melhor eles se prepararem, porque a noite mais densa de vocês está prestes a chegar.

Desamarrou as cordas e a criatura correu por entre as árvores, mancando com a sua perna ferida pela flecha de Damon. Ele sabia que matar o goblin não iria adiantar, por isso o deixou viver. Seria melhor se estivessem psicologicamente abalados quando chegasse. Ajeitou a capa de viagem e seguiu até seu cavalo, montando-o mais uma vez. Puxou o capuz para que seu rosto afundasse na escuridão, mas o sorriso permanecia iluminado.

Tinha um trabalho à fazer.


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