Desconexão escrita por Jafs


Capítulo 17
Traição




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Dizem que quando uma pessoa morre ela parece que está dormindo.

Homura sabia que isso não era verdade. Estando de pé ao lado do corpo de Nagisa, ela observava a face pálida e acinzentada da garota caída. Não havia o movimento no peito proveniente da respiração, assim como o movimento dos olhos sob as pálpebras.

Nessa hora Homura se lembrou de como Nagisa roncava! Era uma pessoa que realmente anunciava quando estava dormindo.

Apesar do céu noturno limpo, flocos de neve começaram a cair sobre a planície, fazendo companhia a um choro velado.

Mesmo que Nagisa não estivesse dormindo, mesmo com todo aquele sangue seco e escuro, ela tinha um semblante de paz.

“Onde quer que esteja indo, eu espero que você encontre a sua mãe.”

sÓ SE eLa EsTIveR nO iNfeRNo!”

Homura semicerrou os olhos, em direção a uma coluna de líquido azul, que se erguia em meio aquele monte de entulhos metálicos. “vOcê DeVIa sABeR diSso, Pois DIssE Que EsTAva LÁ.”

Homura se aproximou, deixando o corpo de Nagisa para trás.

A coluna foi ganhando volume e tamanho, um par de grandes olhos azuis escuros, que pareciam ser pintados com tinta guache, surgiram. “uMA tRAiDoRA SofREnDo pOR oUTra...”

Homura desviou o olhar. “Ela era... uma bruxa...”

E nÃO eRa sÓ iSSO pARa vO. eU siNTo o cHEIro E o GostO dE sUAS lÁGriMas dAquI, DIabO. ELAsO dEliCIoSaS.”

Homura apertou os lábios.

NuNCa paROu PaRa pEnSAr qUE aS peSSoAs pRÓxiMaS a Vo sEmpRe MoRRem?”

A coluna alcançou a altura de quinze metros, as peças metal começaram a deslocar através do líquido para os seus devidos lugares.

“pOIs ESsA É A MisÉriA qUE sUa vIDa mEReCe, hOmURa aKeMI.”

“A miséria ama companhia.”

Homura voltou a fitar para aquela monstruosidade que estava se reconstruindo. “Eu não sei se você é a Miki-san ou se há ao menos algum resquício, mas vou lhe contar algo.” Sorriu. “Eu sei que Kyouko Sakura recuperou as memórias.”

Os olhos azuis ondularam, assim como toda a coluna de líquido azul.

“Eu acreditei que ela pudesse convencer você a melhorar seu comportamento, mas vejo que não.” Homura começou a estralar os dedos. “Ela não tem mais utilidade em ficar contigo, acho que vou mandá-la para Kazamino. Não... Quem sabe com a Tomoe-san? Elas viviam juntas... hum... ah! Já sei!”

A coluna foi ganhando braços e nas pontas começou a despontar espadas. O conjunto de peças de metal já representava uma armadura.

“Que tal ela morar comigo?” Homura franziu a testa. “Será que você mataria ela também?”

As peças que formariam o elmo já haviam tampado aqueles monstruosos olhos, mas eles não eram necessários para expressar a raiva. “mESmO QUe EU MOrRa, vO eScoNDeNaDA!”

“Fufu. Mas você vai viver, ah... vai sim...” Então Homura ficou com uma expressão bem séria. “Eu já lhe dei muitas chances. Acha sua vida ruim? Eu vou garantir isso.”

Oktavia ainda não havia se recuperado totalmente, faltava a cauda e as manoplas de ferro, porém não esperou mais: ergueu suas duas grandes lâminas.

.acarf átse adnia alE

Homura não hesitou, seus olhos brilharam. Estendeu sua mão esquerda aberta para Oktavia e gritou. “DESAPAREÇAAAAAAA!!!”

No mesmo instante, a gigante não estava mais lá. Nem sua armadura, nem aquela tinta azul. Nem sua voz, nem sua ira.

A planície foi adquirindo tons brancos com a neve caindo.

Agora Homura estava só, realmente só.

...Você não precisa mais segurar Homura-chan. Eu estou contigo...

“Você... não está mais...”

Homura escondeu o rosto com as mãos e a neve passou a ser uma chuva torrencial, lavando um pouco do sangue impregnado em suas vestes.

.oãçneb amu é etrom A

Homura protestou, chorosa. “Não para quem é responsável por isso.”

Foi um risco calculado. Era certo que Sayaka ficasse hostil, assim como era provável que ela atacasse Nagisa. Era incerto se Sayaka aceitaria sua oferta, assim como havia uma pequena chance de ela virar uma bruxa. Até a possibilidade de Nagisa perder a vida foi considerada, mas era ínfima, era para ser ínfima...

“.somedrep odnauq ogla ed rolav somad ós sóN

“Eu... não quero mais ouvir você.” Disse Homura enquanto revelava a face, fazendo suas lágrimas misturarem com a chuva. A neve que jazia no chão fora substituída pela lama.

No entanto foi outra coisa que chamou sua atenção.

Seu vestido estava evaporando, não, não era o vestido. A água? Não, o vapor era negro...

O sangue.

Homura virou e olhou para o corpo da Nagisa, tanto ele quanto o vestido ensangüentado estavam pretos e desintegrando. A fumaça negra gerada começou a se concentrar em um ponto do ar acima do corpo.

Nesse ponto se formou um objeto. Homura correu e pegou antes dele cair no chão.

O objeto cabia na sua mão, era um globo metálico com um longo pino saindo da base. No topo despontava um adorno em forma de bombom. Dentro do globo era possível enxergar pequenas esferas negras e entre elas havia uma maior, bem... na verdade esse tinha uma forma que lembrava um bombom também.

A chuva parou.

Uma semente da aflição! Pensou Homura, exultante. Se havia uma possibilidade de trazer Nagisa de volta, era exatamente o que ela tinha. Seria preciso coletar aflição, mas nada que uma caçada de demônios...

O objeto começou a vibrar e pequenas trincas surgiam sobre o metal, para o espanto de Homura. Ela sabia muito bem que aquilo não era normal, se a semente se quebrasse...

“Meu desejo prevalecerá!”

Ela segurou com força a semente com ambas as mãos. A lua, em resposta para aquilo, ficou roxa e linhas violetas atravessaram o céu a partir dela, conectando as estrelas, que ficavam roxas também. O céu, agora, tinha um aspecto de uma grande teia de aranha.

Sob aquele novo céu, a gema em forma de coroa saiu de seu local de repouso. Flutuando elegantemente, a gema se posicionou sobre as mãos e começou a brilhar tão intensamente que envolveu Homura completamente.

A terra estremeceu, como se tivesse temor quanto ao poder do demiurgo. Talvez, que seja dito a verdade, nunca testemunharam algo similar.

Quando aquele domo de luz se foi, quando o céu e a terra se acalmaram. Homura ainda estava concentrada, segurando com força aquela semente, ansiosa em saber o resultado da sua vontade.

Relaxando as mãos, a semente deu um salto e ficou parada no ar, bem acima de Homura. Girava com grande velocidade como um peão e pulsava uma luz branca. De repente a luz passou a ser contínua e começou a ganhar forma.

Logo o brilho se dissipou e uma boneca de pano caiu lentamente. Homura recebeu em seus braços. Era realmente a Charlotte, mas a boneca estava com os seus olhos escuros e sem expressão.

Homura a chamou. “Charlotte? Você me ouve?”

A boneca estufou e de sua boca saiu a grande serpente, que subiu aos céus. Curvou em pleno ar e seguindo direção ao chão. Quando estava próximo, abriu sua grande boca e de dentro saiu uma garota. Ela pousou com firmeza no solo enlameado.

A boneca e a serpente murcharam e se desfizeram. A garota estava de costas, mas Homura tinha certeza, pelas roupas de garotas mágicas e pelos longos cabelos brancos sob aquela toca de orelhas pontudas, que era Nagisa.

Nagisa estava olhando para si própria e apalpando. Depois virou. Seus olhos laranja indicavam a perplexidade.

Homura começou a se aproximar, chegou a estender a mão, mas hesitante. Não tinha palavras e não sabia se expressava alegria, pelo milagre, ou pesar, pela culpa.

Quem quebrou aquele momento foi Nagisa. “H-homura-chan?”

Homura tocou, com as pontas dos dedos, o rosto de Nagisa. Sentindo que aquilo era real, ela segurou aquela cabeça e a trouxe junto ao seu corpo.

Nagisa continuou, cheia de dúvidas. “Eu achei que ia morrer, senti muito medo. Você me curou? Por que está toda molhada?”

Homura afastou Nagisa e se abaixou para ficar frente a frente. “Eu não curei. Você... bem... quando uma bruxa é derrotada, ela deixa para trás uma semente da aflição. Houve uma época que nós usávamos isso para purificar nossas gemas, mas como o próprio nome já diz, a bruxa poderia nascer de volta a partir dele.”

“Semente...” Nagisa abaixou o olhar. “Se refere a isso?” Ela levantou a mão esquerda. Como se atravessasse a pele e o tecido da sua luva, a semente da aflição saiu de dentro da mão e ficou equilibrado sobre a sua palma. “Madoka me disse que a gema da alma fica assim depois que somos levadas pela Lei dos Ciclos. Isso quer dizer que sou imortal?”

“Não creio.” Homura respondeu. “Se considerar que sua semente seja semelhante a uma gema da alma, você deve ter cuidado com ela, deve protegê-la.”

Nagisa reabsorveu a semente e disse sorrindo. “Eu vou fazer isso.” Porém voltou a perguntar. “Mas por que está tudo molhado?”

Homura soltou Nagisa. “Eu sinto muito.” Ela virou o rosto e fechou os olhos com força, queria segurar as novas lágrimas. “Eu fui estúpida, deveria ter intervindo antes, jamais deveria ter colocado sua vida em risco.”

“Tudo bem Homura-chan.” Nagisa passou a mão no rosto de Homura, para coletar uma lágrima que havia conseguido escapar. “Eu que fui uma imbecil. Você mesmo disse. Eu queria ajudar, mas você consegue resolver tudo sozinha. O que posso fazer? Não tenho relevância alguma.”

“Não!” Homura abriu os olhos, as lágrimas caíram. Ela segurou os ombros de Nagisa com força. “Jamais diga isso! Você é importante como é. Não precisa provar nada para mim.”

“Homura-chan...” Nagisa expressou surpresa.

Homura não disse mais nada, apenas se levantou. “Nós devemos nos separar.”

“O QUÊ! NÃO!” Nagisa balançou a cabeça.

“O caminho que escolhi só tem um destino e eu devo trilhar sozinha.” Homura ignorou o protesto. “Eu posso conseguir uma família para te adotar, eles irão amar muito você. Desde que se comporte, poderá viver em paz.”

Nagisa disse chorosa. “Não! Eu gosto de você.”

“Não deve!” Homura exclamou. “Não faça isso ser mais difícil.”

Nagisa ficou cabisbaixa.

“Não significa que estará livre de mim. Eu irei checar você periodicamente, bruxa. Se estiver feliz, eu estarei feliz. Entendido?”

“Ok.” Disse Nagisa, ainda de cabeça baixa e formando um leve sorriso. Contudo o termo ‘bruxa’ lhe trouxe algo em mente. Ela ergueu a cabeça e olhou para os lados. “Onde está a Sayaka?”

Aquela pergunta fez Homura desanimar. “Ela está... isolada.”

Nagisa ficou mais apreensiva. “Você vai fazer algo ruim com ela?”

“Se ela quer tanto voltar para Lei dos Ciclos como você disse, eu até a baniria. Porém Madoka, mesmo que não se lembre, sentirá que há algo faltando, que há algo errado neste mundo.” Homura ponderou. “Eu posso trazer a mente da Miki-san de volta, alterando as memórias dela, mas quando ela recuperar...” Então semicerrou os olhos e deslizou os dedos sobre seu queixo. “...não, talvez não tenha solução... talvez...”

“O que pretende fazer?” Nagisa ficou curiosa.

Homura parecia que iria responder aquela questão, mas, de repente, virou o rosto para esquerda, assustada.

“O que foi?” Nagisa olhou para a mesma direção que Homura, mas não havia nada além da planície e o céu noturno.

Então uma lufada de vento atingiu Nagisa. Ela fechou os olhos e quando abriu viu os grandes prédios de Mitakihara, entre as grades de proteção do topo da escola. A cidade também já estava sob a luz do luar. “Homura-chan?”

Homura cambaleou.

“Hã?! Tudo bem com você?”

“Volte para casa.” Recompondo-se, com a mão na cabeça, Homura armou as suas asas negras.

Nagisa agora estava completamente confusa. “Não vamos juntas? O que...”

“Eu vou dizer só mais uma vez.” Interrompeu Homura, tensa. “Volte para casa e me espere por lá.” Então saiu voando.

Nagisa logo a perdeu de vista. “Eu irei...”

/人 ‿‿ 人\

Tomohisa Kaname era um literal pai de família. Ainda que Junko os amasse tanto quanto, era nos ombros dele que ficava a responsabilidade de cuidar dos filhos.

Hoje estava sendo uma noite difícil.

Tomohisa, segurando um inquieto Tatsuya no colo, olhava para o relógio na parede da cozinha, preocupado. Já está muito tarde, isso não pode ser um atraso.

Pegou o celular e discou o número da sua filha.

Enquanto aguardava ansiosamente a cada toque, Tomohisa desviava das tentativas de Tatsuya em retirar seus óculos.

Enfim uma voz no outro lado da linha.

“Madoka? Onde você está?” Tomohisa foi direto ao assunto.

“Madoka! Madoka!” Tatsuya tentou alcançar o celular, mas Tomohisa foi mais rápido.

“Hum? Com uma amiga da escola?” Tomohisa ficou contente. “Que bom minha filha, mas devia ter avisado.”

A próxima vítima de Tatsuya foram os lábios de seu pai, segurando e puxando.

Tomohisa se esforçava em manter a voz coesa. “Uhum. Uhum. Entendo. Não foi planejado...” Sentindo uma estranheza, talvez motivado pelo instinto ou meramente por este fato incomum envolvendo sua filha, ele decidiu perguntar. “Está tudo bem mesmo?”

Vendo que seu filho se debatia, Tomohisa colocou ele no chão, mas continuou segurando ele pelo braço para não escapar.

“Se está tudo bem, então fazemos o seguinte: venha antes da sua mãe chegar em casa. Espere...espere...” Tomohisa havia percebido o erro que cometera. Ele voltou a olhar para o relógio. “Melhor você voltar antes das dez da noite.”

Tatsuya brincava de cabo de guerra com o braço de seu pai.

“E qualquer coisa me ligue. Ok? Tchau, eu te amo filha.”

Desligando o celular, Tomohisa estava mais aliviado, porém logo se deu conta. Ele fechou os olhos e pressionou o celular contra a testa. “Ah! Ela me disse que estava com uma amiga, mas não me disse onde.”

“Madoka?” Tatsuya indagou diante daquela reação.

Tomohisa olhou para o seu filho, sorrindo. “É... Parece que a nossa Madoka está virando uma mocinha. Será que ela vai ser que nem a sua mãe?”

Tatsuya ficou surpreso. “Madoka vai ser a minha mãe?”

“Haha! Não é bem isso.” Disse Tomohisa, enquanto colocava o celular no bolso.

/人 ‿‿ 人\

Ao desligar o celular, mãos trêmulas deixaram ele cair.

“Oh não.” Disse Madoka ao ver seu celular se perder no meio daquele mato e entulhos. Aquele lugar era muito escuro, se o visor se apagasse...

Ela começou a se abaixar.

“Cê não vai mais precisar disso. Já foi bem convincente.”

Madoka sentiu o metal frio da ponta de uma lança em seu queixo. Aquilo arrepiou todo o seu corpo e não tardou em se levantar. Ela voltou novamente sua atenção para a sua raptora.

Kyouko Sakura, em seu uniforme de garota mágica, dava um sorrisinho de lado, revelando seu dente canino.

“Boa garota.”


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Sacrifício