A menina que falava com os pássaros escrita por O Viajante


Capítulo 13
Sonho de uma manhã de outono — Final do Final


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, aqui está mais um capítulo. Obrigado a quem leu até aqui, e espero que goste. Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/554376/chapter/13

O Sol despontava alto quando o exército de Jena chegou aos limites da floresta. Ao longe havia o castelo da inimiga, e entre eles uma grande planície. Estavam escondidos pelas árvores e arbustos, mas não por muito tempo. No meio do caminho, Jena começou a ficar cansada, então lhe arrumaram um pônei azul, onde estava montada até agora. Ela encarava o castelo de forma séria. Uma seriedade que não pareceria muito normal para alguém de sua idade. Bom, talvez fosse, mas só quando ela tentava entender aqueles quadros estranhos que vez ou outra via em algumas exposições que seus pais a levavam.

Por vezes, era muito mais fácil encontrar formas nas nuvens que em alguns quadros. Um dia perguntou à sua mãe como aquele tipo de arte se chamava. Margareth encarou a garotinha, depois para os quadros. Deu de ombros e simplesmente respondeu: são artes conceituais.

Isso fez a mente de Jennifer entrar em um loop por dois dias. Conceituais… conceituais… Bem, ela não sabia o que significava ser uma arte conceitual. Mas é de consenso que não sabemos o que significa uma arte conceitual até nos depararmos com uma, ou então quando tiramos uma foto, talvez até pintamos um quadro, e na falta de alguma classificação que se encaixe, temos um insight, aquele estalo na mente que vem não sabemos de onde e pensamos: nossa, fiz uma pintura conceitual.

Além do mais, por que elas se chamavam assim? Artes conceituais… já tinha ouvido esse nome em algum lugar. Sim, havia. Aquele remédio que impedia novas criancinhas de aparecerem no mundo. Pílulas anti-conceituais, algo assim. Com o dedo no queixo, ficou raciocinando se ao comprar um daqueles quadros, as mulheres automaticamente ficariam grávidas.

— Está ciente da estratégia e das táticas, princesa? – perguntou o Lobo, a encarando fixamente. Tinha olhos amarelados, brilhantes, afiados. Como quem sempre sabe o que fazer, e que está pronto a todo momento para agir. Usava uma armadura dourada e bela.

Ela o olhou, ainda imersa em pensamentos, e lentamente ajeitou o elmo, agora tendo a visão com os dois olhos.

— Estou sim. Podemos começar.

O semblante do lupino enfureceu, e apontou sua espada para o exército atrás de si. A girou no ar na direção do castelo, e nada mais precisava ser dito. Camaleões de três metros de comprimento apareceram, logo se tornando invisíveis. Debaixo deles, a tribo dos macacos guerreiros se pendurava, escondidos na camuflagem natural de seus transportes. Logo dezenas de camaleões começaram a correr pela planície. Em seguida, o lobo uivou, e os demais guerreiros, espécies de animais e mestiços tão numerosos que seria difícil catalogar todos naquele momento, começaram a correr, esbravejando.

No castelo, um soldado humano chegou correndo até o trono, cansado.

— Que barulho anormal é esse? – Normalidade o encarou, desconfiada e afrontada.

— O exército… – o soldado arfava.

— Que… exército…? – a voz saiu entredentes.

— O exército de… – uma hesitação surgiu. — de Jena.

— Não! – Normalidade gritou, ficando em pé no trono, balançando os braços em todas as direções fisicamente possíveis. — Não, não, não! Eu não deixei que ela recrutasse ninguém! Eu não deixei que deixassem! Aaaaargh!

 

A fúria fazia o rosto da garotinha se retorcer, que pulou para o chão e saiu correndo pelo tapete vermelho que ia do trono até a porta do grande salão.

— Juntem todo o exército, preparem as armas! Pegue o meu cavalo! Peguem a bomba anatômica!

— Mas não existem bombas anatômicas, alteza. – dessa vez, quem falou foi um dos guardas que ficavam parados na entrada da porta. — Somente atômicas.

Normalidade estreitou o olhar, as bochechas macias coradas de raiva.

— Então peguem a bomba atômica, oras!

— Não temos bomba atômica.

— Inúteis!

Ela saiu esbravejando pelo corredor, repetindo a palavra sem parar.

— Não conseguem nem explodir alguns continentes sem que eu ensine tudo!

Do lado de fora, o exército furioso se aproximava cada vez mais. Ao longe, duas catapultas eram puxadas, até que pararam e as carregaram com dois tatus-bola gigantes. Enrolados, foram catapultados para longe, próximos do castelo. De dentro da enorme construção, leões apareceram no topo dos muros, arqueiros do lado, e soldados saindo do portão da frente. Várias fileiras, em formações bem organizadas.

Pássaros escuros, gaviões e corvos vinham do lado de Normalidade, e besouros brilhantes, cobras voadoras, esquilos voadores que se jogavam de cima dos pássaros vinham em nome de Jenny. O choque entre os dois exércitos aconteceu primeiro no céu, e em seguida na terra. Os camaleões, habilidosos, conseguiram desviar – ao menos a maioria – e invadiram o castelo. Os macacos guerreiros saltaram, tornando-se visíveis e usando o susto para atacarem. Esbravejavam, grunhiam e tudo mais que um macaco poderia fazer, mostrando suas enormes presas e dentes perigosos.

— Eles entraram!

Os camaleões apareceram, atacando fortemente os soldados. Ao longe, chegava o reforço de Normalidade. Outros animais, aos montes e apressados. Aquela era definitivamente, a maior guerra que Jena já havia presenciado. Normalidade estava em seu trono, em pé, segurando sua espada.

— Achem a garota! Ela é a nossa vitória! Achem-na!

De lá era possível ouvir os gritos, as espadas se chocando, o barulho do fogo crepitando. As catapultas lançando pedras contra os muros do castelo. Vez ou outra um tremor aparecia, derrubando um pouco de poeira. Uma hora depois, um soldado machucado e sujo apareceu.

— Não achamos a princesa Jena em nenhuma parte. – parou para tomar fôlego. — Rodeamos o campo e nenhum sinal dela.

Normalidade grunhiu e rangeu os dentes, enfiando a ponta da espada no trono.

— Ela tem que estar aqui! Ela tem que estar!

— Eu estou aqui, Normalidade.

A pequena ditadora arregalou os olhos, olhando em volta.

— Jena?

— Sim.

— Apareça, sua pirracenta!

E foi isso que Jenny fez. O camaleão estava ao lado do trono, e se fez visível. Jena estava pendurada embaixo. Se soltou, rolou e se levantou, brandindo a espada contra a sua inimiga. Normalidade foi ágil, defendeu-se e o aço se chocou. O camaleão então pulou em cima do soldado, o agarrando com a boca pela perna, e o arrastando para fora dali. Em seguida um macaco guerreiro apareceu, viu o que estava acontecendo, e fechou as portas do salão. Agora era apenas Jena e Normalidade.

— Você não triunfará, Normalidade! – pela primeira vez, Jena tinha um olhar furioso, emburrado. Balançava a espada contra a garota que na verdade era ela mesma, porém normal.

— Eu já triunfei, Jena! Esse mundo inteiro é meu! Você e eu logo seremos uma!

— Nunca! – gritou a princesa, que soltou a espada e pulou contra a vilã. Ambas fizeram o trono cair para trás, e rolaram pelo chão. Jena se livrou do elmo que atrapalhava um dos olhos, e logo teve que se jogar para trás, para não ser espadada. Lançou o elmo na direção do rosto de Normalidade, que ficou zonza e caiu para trás. Jena foi rápida, pegou a espada e chutou seu queixo, fazendo a garotinha normal cair para trás, com um pé em seu peito. Ela começou a rir. Uma risada histérica, zombeteira.

— Você não tem coragem… – ela estreitou os olhos, as palavras sibilando, venenosas. — Não sabe fazer nada disso.

— É claro que eu sei! – gritou Jena, segurando a espada acima da cabeça, que oscilava pelo peso.

— Não! Seu coração é bom! Você nunca faz nada ruim!

— Não! Meu coração é negro! Negro como uma… uma… jabuticaba!

E dito isso, a golpeou na cabeça. No instante que a espada tocou aquela que era o oposto de Jena, tornou-se fumaça. Segundos depois, um grito de triunfo foi ouvido. Ela correu para a janela e chegou a tempo de ver fumaças subindo para o céu. Os animais de Normalidade agora estavam se tornando o mesmo que ela.

— Conseguimos! Conseguimos!

E correu serelepe para fora dali. Abriu a porta com esforço, e correu pelas escadas, tropeçando e rolando até o fim delas. Levantou-se meio zonza e continuou indo veloz para fora do castelo. Tinha um sorriso enorme no rosto. Lá fora, dois gorilas carregavam a pesada gaiola onde os pássaros da dina—limite estavam. O cadeado foi quebrado, e os pássaros foram voar em volta dela. O exército comemorou, Jena ria e pulava, e no fim, a estranheza havia vencido.

— Jennifer?

Ela parou de súbito e olhou na direção da voz. Era um homem de terno e gravata. E Jena não era mais Jena, e sim Jennifer. A mulher adulta e fotógrafa.

— Sim?

— Precisa vir comigo.

— Para… onde?

O estranho se virou e apontou para uma porta logo atrás dele, que era sustentada no vazio. Sem paredes ou qualquer suporte, apenas estava lá.

— Quem é você? – perguntou, temerosa.

— Digamos que… sou um amigo do Dylan.

— Dylan? Onde ele está?

— Não posso responder, mas precisamos mesmo conversar.

Jennifer hesitou um pouco, contudo, assentiu. Começou a caminhar lentamente na direção da porta, e quando ele girou a maçaneta e a abriu, ela inspirou fundo com o que viu lá dentro.

— Vamos?

— Eu… estou com medo.

— Eu sei, é algo natural. Mas pode confiar em mim, não existe outra escolha.

E sabendo que aquilo era verdade, entrou.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que acharam? Não sei se alguém aqui esperava uma guerra maior, mais eletrizante... mas eu achei que não fosse necessário, pois não era o foco, e sim seu significado. Afinal, foi uma guerra conceitual. Obrigado por lerem!