A menina que falava com os pássaros escrita por O Viajante


Capítulo 14
Dylan e seus dilemas


Notas iniciais do capítulo

Não tenho muito que dizer aqui, prefiro deixar pro final. Vou deixar uma música, que para mim se encaixa bastante na situação. Se você consegue ler ouvindo, então ouça. Se não, então leia o capítulo e escute a música em seguida. Nos vemos lá embaixo.



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As horas passam vagarosas quando se espera muito por algo e não se tem nada para fazer. Muito menos naquele corredor de hospital. Dylan estava sentado em um dos bancos de espera, jogado para trás. Os olhos inchados de choro encaravam as mãos enfaixadas sobre o colo. Sentia o rosto inchado, a cabeça doendo, as mãos latejando. O peito apertado, ardendo. O cansaço no corpo.

Dylan estava exausto. Morto, acabado, destruído e moído. Vez ou outra aparecia um médico ou uma enfermeira, e passavam por ele, como se já estivessem acostumados com aquela imagem. Sentia o tempo pesar em suas costas. Meu Deus, ele estava se sentindo tão velho. Como se tudo que ele era ao acordar, tivesse sido sugado por alguma entidade. E quem garante que não?

A figura solitária do doutor veio andando lentamente até ele, sentando-se ao seu lado. Silêncio.

— Oi.

— … Oi. – Dylan virou os olhos inchados para ele.

— Dylan, não é?

Ele fungou e assentiu com a cabeça.

— Eu… sinto muito pelo que aconteceu.

Dylan assentiu de novo, ainda o olhando. Falaria algo importante ou apenas tentaria consolá-lo?

— Olhe… ainda não podemos te dar qualquer notícia sobre Jennifer.

Aquilo fez o coração do rapaz apertar mais, se é que isso ainda era possível.

— Eu… espero.

O médico o olhou. Era um homem de olhos claros, barba bem curta. Estava numa transição de idade entre Dr. House e um vovô.

— Há dez anos eu perdi minha esposa. Foi num acidente de carro, também.

Dylan ergueu as sobrancelhas.

— Eu passei a madrugada toda no corredor, esperando a notícia de que ela estivesse bem. Ela morreu antes do amanhecer.

Ele não estava gostando nada daquela conversa. Não, nem um pouco mesmo.

— Nunca pude ter minha última conversa com ela. Guardo as palavras até hoje, e sei que as levarei para o túmulo.

Aquilo era um desabafo?

— O que quero dizer, Dylan, é que… sei que isso vai contra o protocolo. Tudo isso de ética, e que se eu for culpado posso entrar em sérios apuros aqui nesse hospital. Mas eu prefiro correr esse risco do que lhe deixar adoecido pelo resto da vida, carregando algo preso em seu peito.

Dylan olhava para o chão. O médico não sabia se ele ainda estava o ouvindo, mesmo assim continuou.

— Eu vou te dar cinco minutos para conversar com ela. E se você for pego, nunca me viu, certo?

— Está me dizendo que ela vai morrer? – a voz saiu grave, embargada.

— Não. Seria incerto lhe dizer algo agora.

— Eu… quero.

Jennifer estava deitada na cama. Uma máquina apitava constantemente, e ela tinha uma máscara de oxigênio em seu rosto. Olhos fechados, supercílio esquerdo com um curativo. A roupa azul claro do hospital. Dylan entrou pela porta, a fechando em seguida. Usava um jaleco por cima de sua roupa, uma máscara no rosto e uma touca azul. Se aproximou devagar, os olhos se fixaram nela e seu rosto se retorceu. Fungou, engolindo o choro e segurou a mão dela entre as dele, enfaixadas e castigadas.

 

— Jenny, oi.

Ficou em silêncio, pois ele já não estava muito normal da cabeça e parecia que ainda nutria a esperança efêmera de que ela o respondesse. Mas não o fez, então continuou.

— Preciso ser rápido. Só tenho cinco minutos. Eu…

Havia passado por tanto, havia sentido tanto, mas agora não sabia como fazer. Que palavras dizer. Qual parte Dylan queria falar primeiro? Ela estava ouvindo? E se fosse tudo em vão?

— Essa é a pior forma de como isso poderia acontecer. Você… estava me odiando, não estava? Por tudo que eu fiz, por tudo que eu deixei de fazer…

Inspirou fundo e continuou.

— Será que precisava mesmo ter sido assim? Será que eu não merecia ao menos ser desculpado?

A voz ficou trêmula, e mais lágrimas desceram.

— Será que o que eu fiz foi tão errado que a última lembrança que tenho da minha mulher tem que ser ela me dando as costas? Será que tudo que eu fiz hoje… tudo que eu passei… será que nada disso foi suficiente para eu ser merecedor de mais cinco minutos de atenção sua?

O choro se descontrolou e ele levou o pulso até o rosto. Tentava se recompor.

— Jennifer, Jennifer… eu estou tão desesperado… eu estou tão machucado… estou com tanto medo de ficar sozinho…

Seu peito apertava, e por um instante ele pensou que seu coração explodiria. Talvez fosse melhor assim.

— Você me perdoa, meu amor? Me perdoa por tudo que eu fiz? Por tudo que eu não consegui fazer? Me perdoa por não ter corrido o suficiente? Me perdoa por não ter te achado alguns minutos mais cedo? Por favor, você precisa me perdoar…

E parou de falar, o soluço convulsivo, as pernas bambas. Fez um esforço que não tinha para não chorar alto.

— É que eu sinto tanto sua falta. Eu estou com tanto medo… eu preciso de abrigo e não tenho para onde ir. Jennifer, Jennifer, eu te imploro…

A máscara já estava encharcada, e seus olhos nem pareciam mais humanos.

— Me diz que ainda há tempo. Me diz que você não vai me deixar. Me diz que somente dessa vez… que somente essa vez… eu fiz algo certo por você… me diz que ao menos hoje eu fui um bom companheiro. Eu preciso tanto disso… eu não suportaria em te ver morta pela segunda vez...

Demorou alguns instantes para notar que sua mão doía. Bem… porquê tudo nele estava doendo. Dentro e fora. Olhou para a própria mão.

A mão de Jennifer se apertava contra a dele.

— Dy-Dylan…

Ele não estava preparado para uma enxurrada de tantos sentimentos contraditórios. O choro parou, afinal, estava sem reação. A soltou e saiu correndo, abrindo a porta de forma desajeitada e avançou pelo corredor.

— Doutor! Doutor! – a voz saiu esganiçada, mas foi ouvido. — Ela acordou! Ela acordou!

E enquanto o médico passava correndo por ele, seguido por um enfermeiro, o choro convulsionado voltou. Suas cordas vocais já estavam espancadas. Mal conseguia puxar o ar. Se encolheu no corredor e chorou o resto de água que tinha em seu corpo.

O telefone tocou, porém Dylan não ouviu. Tocou e tocou, até que ele entendeu quem poderia ser. Levantou e disparou até o fim do corredor, na direção do aparelho. Escorregou e caiu no chão, batendo na parede, e se levantou. Ainda chorava esganiçado quando atendeu.

— Dylan?

O rapaz tentou falar, mas não conseguiu.

— Ah, tudo bem, eu sei que é você.

— S-Sim… eu…

— Isso mesmo, Dylan. Você conseguiu. Você a salvou.

E a ligação caiu.

Dylan buscou fôlego, se deixando cair no chão. Retirou a máscara, mostrando que seu choro se misturava com um sorriso gigante, dolorido e trêmulo. Não precisa mais correr, Dylan. Não precisa mais ficar desesperado. Você conseguiu.

Você a salvou.


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Notas finais do capítulo

Então? Alguma crítica, elogio, ou apenas o silêncio?