Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 2
Rumores




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Soluço correu seus olhos pela carta pela terceira vez naquela tarde. A letra caprichosa e o papel refinado fizeram muito pouco para acalmá-lo:

Para Estóico, o Imenso, Chefe da tribo de Berk e governante dos povos vikings do norte,

De Fergus, chefe do clã Dunbroch e rei da Escócia,

Saudações calorosas,

Esperamos que essa epístola encontre seu povo bem e próspero. Nossa filha mais velha, Merida atingiu a idade de se casar e esperamos ajudá-la a encontrar um marido adequado, aquele que será um consorte apropriado e aliado de nosso povo tanto em tempos de paz quanto em dificuldades, e um companheiro para o resto dos dias de nossa estimada filha. Para isso, convidamos-lhe e ao seu herdeiro para um reunião com a finalidade de proporcionar aos dois jovens a oportunidade de se conhecerem e também para discutirmos os termos de uma futura aliança. É nosso desejo que tanto você como seu filho possam juntar-se a nós na próxima lua cheia.

Com esperanças de uma nova e duradoura amizade,

Fergus,

Pela mão de Sua Majestade, a rainha Elinor.

O treinador de dragões correu as mãos pelos cabelos revoltos com um suspiro. Ele olhou para a carta onde as palavras marido adequado pareciam maiores e mais destacadas que todo o resto. Soluço não tinha certeza de como se sentia exatamente. Algumas vezes ele se pegava desejando ser o inútil ao qual ninguém confiava nada importante. Seu pai o olhava, expectante, mas surpreso pelo filho não ter explodido em uma reação raivosa ou algo assim. Um silêncio desagradável cresceu entre eles. Estóico mudou o peso de um pé para o outro, nitidamente desconfortável. Quando falou, seu tom era baixo e cauteloso:

– O que você acha?

– Acho que eles devem estar um pouco desesperados para buscar um pretendente em um lugar tão longe quanto Berk. Com certeza deve haver escolhas melhores e mais próximas deles.

– Mais próximas com certeza, mas não melhores. - Estóico observou. - Você não precisa aceitar.

– É uma grande oportunidade de expansão, pai. Não faria mal algum para nós ter uma ligação com o continente.

– Nós ainda podemos dizer não, de uma maneira que não ofenda ninguém.

– De verdade, não há nenhum problema, pai. Eu aceito.

– Se você tem certeza...

– Sim.

– Então eu acho melhor responder a carta e avisá-los de que estamos a caminho. - o chefe viking salientou, saindo.

Soluço sentou-se, ainda segurando a carta. Banguela entrou em casa nesse exato momento, e sentou-se de frente para ele, imóvel, fitando-o com seus grandes olhos verdes. O olhar de Soluço fitava algum ponto vazio, perguntando-se como seria essa jovem princesa. Nunca pensara em se casar, embora soubesse que esse dia chegaria. Não era segredo para ninguém em Berk que muitos pais de jovens moças vikings haviam oferecido suas filhas para se casarem com o futuro líder de Berk, alguns até de ilhas mais distantes, mas Soluço nunca se mostrara interessado em nenhuma delas, nem mesmo as mais bonitas. As vezes ele se pegava se questionando se o verdadeiro interesse dessas garotas estava realmente nele ou se elas queriam se casar com o "herói" que salvara os povos vikings da destruição. E ele tinha medo da resposta.

Uma lambida babada no lado esquerdo do rosto interrompeu imediatamente o fluxo de seus pensamentos. Ele afastou Banguela, com um dos lados do cabelo espetado e para cima com a saliva e tirou um lenço do bolso, limpando o rosto. Três batidas suaves fizeram-se ouvir na porta.

– Entre. - ele falou.

Astrid entrou e acariciou Banguela, evitando o olhar de Soluço ao falar.

– Quando vocês irão partir? - ela perguntou, sem rodeios.

Ele olhou para ela, surpreso com a questão e a aparente indiferença que ela dava ao assunto. Soluço e Astrid eram grandes amigos, uma amizade que às vezes deslizava para beijos escondidos e visitas secretas no meio da noite, mas que não passava disso. Amizade. Eles não se amavam, mas sentiam um carinho especial um pelo outro. Se ele tivesse que escolher uma esposa, seria ela. Astrid, que crescera com ele. Astrid, que caçoara dele quando ele fez a barba pela primeira vez. Astrid, que cantava baixinho quando achava que ninguém estava ouvindo. Astrid, não uma princesa estrangeira que ele nunca vira e não conhecia. Mas Astrid já deixara claro que a responsabilidade de ser a esposa do futuro chefe não era algo que ela queria para sua vida. Ele temeu que a notícia do casamento arranjado fosse magoá-la, mas agora ela calmamente abordava o assunto, como se não fosse nada.

– Em breve. Eles nos querem lá na próxima lua cheia. - Ele pensou por alguns segundos, imaginando o que diria a ela. - Astrid... Eu...

A guerreira o interrompeu bruscamente:

– Não pense que você pode ir até lá e estragar tudo para que ela não te escolha por estar preocupado comigo ou algo assim.Há muito em jogo. Eles precisam ver que somos tão bons quanto eles, ou melhores.

– Então talvez seja melhor escolher outro viking. - ele suspirou, cansado.

– Não há mais ninguém. Você é o melhor de nós. - ela disse, com uma expressão séria, dessa vez olhando em seus olhos.

_____________

Dunbroch - Alguns dias depois.

Merida cutucava o conteúdo do prato com o olhar perdido, enquanto do outro lado da mesa seus irmão comiam tudo, menos o Haggis que sua mãe queria que eles comessem. Fergus olhava para a filha, preocupado com a brusca alteração de humor de sua primogênita. No fundo ele tinha medo de que, se esse casamento se concretizasse contra a vontade de Merida, a princesa caísse em uma tristeza tão profunda que ninguém poderia ajudá-la a ser a mesma novamente. Fergus, o pai, queria poder fazer alguma coisa, qualquer coisa para impedir esse casamento e manter sua filhinha perto de si para sempre, onde ela era feliz e estaria segura. Mas Fergus, o rei urso, estava de mãos atadas, pois sabia que essa era a única escolha aceitável para o futuro dela. Nenhum pai queria realmente entregar sua filha, especialmente a um viking, mas apesar da insistência de Elinor, ele não hesitaria em negar a mão de Merida a qualquer homem que não se provasse digno dela. O rei mastigava uma perna de cordeiro, pensativo, quando Maudie entrou na sala carregando uma pequena bandeja com uma carta. A criada esboçou uma vênia suave e entregou a carta a Elinor, que agradeceu e rompeu o lacre do selo, atraindo a atenção de Merida com o gesto.

A rainha correu os olhos pela carta, onde se lia apenas uma única linha. O garfo ricamente adornado caiu no prato com um aviso sonoro, chamando a atenção de todos na mesa. Ela rapidamente se ergueu e levou a carta ao marido, mais pálida do que a alguns segundos atrás, se é que aquilo era possível. Merida observava atentamente as reações dos pais. Fergus olhava da carta para Elinor e de Elinor para a carta, com os olhos arregalados em uma expressão surpresa. Quando não suportou mais Merida foi até eles para ler o conteúdo da carta. Os olhos azuis da princesa encontraram nela uma única frase e as palavras que ela leu gelaram seu sangue:

Meu filho e eu estamos a caminho e viajaremos com nossos dragões.

O coração da princesa foi parar nas botas e ela soltou um arquejo. A rainha observava atentamente as reações da filha, lutando também para esconder o assombro o melhor que podia.

É claro que Elinor e Fergus haviam ouvido rumores sobre dragões entre os povos vikings. Ouviram que eles os montavam como cavalos, que eles dormiam em suas casas e suas camas e que dividiam com eles até mesmo sua comida. Mas eram apenas rumores na época, e todos sabiam que os rumores aumentavam proporcionalmente à distancia que percorriam. Mas aquilo era diferente, não era apenas um rumor, mas uma confirmação. Por um momento, Elinor temeu pela segurança da filha. Se um homem podia domar um dragão, uma fera mítica que podia cuspir fogo, o que ele faria a Merida se ela se rebelasse contra ele?


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