Dúbia escrita por Wolfie A


Capítulo 7
Capítulo 7




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“Tearing apart, tearing apart”, eu sussurrava sob o chuveiro. As palavras em inglês pareciam me descrever melhor. Eu não estava apenas em prantos, prantos invisíveis e discretos, prantos internos; eu estava desmoronando com cada lágrima salgada que eu me proibia de derramar, com cada instante que deveria ser forte. Eu estava internamente machucada, ferida por escolhas minhas das quais eu era a única responsável. O casamento, o cigarro, o novo lar. O marido protetor e divertido, mas ainda assim odiável.

– Querida, – ele diz do outro lado do Box. – já decidiu onde vamos almoçar?

– Não conheço Viena para escolher lugar algum – eu respondo calma. – Escolha um lugar agradável.

Ele puxa a porta de vidro fumê que nos separa e me olha nos olhos. Eu paro de lavar os cabelos sentindo essa ação como uma invasão. A privacidade morreu?

– Tem certeza?

– Sim, Thomas. – Dou as costas.

Ele sorri, os dentes brancos a mostra, os olhos verdes me observando. Fico feliz quando ele fecha a porta atrás de mim. Sussurro novamente, com um sorriso nos lábios. “Tearing apart”.

Uma parte de mim planeja mentiras, mentiras e mentiras, idealiza a dama de honra que serei, pensa nos vestidos e calças e blusas de marca. Eu poderia me tornar alguém com qualidades, visto que não tenho nenhuma, ainda.

A dor só é verdadeira quando a gente expõe ou quando sufocamos também é real?

Eu mentiria.

Saio do chuveiro quente, visto o roupão e me olho no espelho tentando me identificar. Estou sóbria, tenho a certeza de que estou bem. Pelo menos por fora, como a porcelana. Coloco uma toalha nos meus cabelos, sento-me em um banco de madeira ao lado da pia, abro uma pequena maletinha e começo a disfarçar imperfeições, como um escultor. Não demoro muito, logo estou bem organizada. Saio do banheiro e me visto. Uma calça preta, uma blusa vermelha de seda. Calço sapatos de crocodilos, os ectodermas esquentando-me os pés. Amarro os cabelos no alto da cabeça, em um coque frouxo.

Ele entra na suíte e para por alguns segundos para se recompor. Fixa os olhos em mim, como se eu fosse uma obra de arte em um museu famoso, e não diz uma única palavra. Está imóvel. Eu o observo também; olhos vidrados, como vidraças, refletindo-me.

– Você está ainda mais linda.

– Obrigada. – Sorrio.

Quando dou as costas para pegar meu batom sobre a mesa de cabeceira, ele solta um suspiro alto. Viro o pescoço sem virar o corpo e olho para ele, para entender.

– Sua nuca é... tão linda.

Arqueio as sobrancelhas.

– Minha nuca?

– É que ela é delicada, igual você. Ainda não acredito na minha sorte. – Ele avança devagar. Conheço aqueles passos, vai colocar a mão na minha cintura ou segurar meus braços. Acerto. Ele segura meus pulsos com cuidado e me puxa até ele. Quando meu corpo se choca no dele, ele coloca o rosto no meu ombro e puxa o ar com força. Eu sinto pena. Ele tem ausência. De alguém. De alguma coisa. De algum lugar. Ele precisa de mim, ainda assim não posso salvá-lo. Nem mesmo salvá-lo de mim.

– Thomas?

Ele me abraça.

– Eu te amo.

– Acho que estamos um pouco atrasados – eu digo, beijando seu queixo e apressando os passos. Deixo o batom para trás, não será necessário. Preciso fugir desse momento. Ele me segue porque puxo sua mão com força. Quando atravessamos o portal do quarto, o telefone dele toca. Ele atende.

– Thomas Clouther, pois não? Frank, seu idiota! Eu esperei você na igreja e você não foi! Você sabe o quanto é importante para mim... você ainda nem conheceu ela. Linda? Maravilhosa! Educadíssima. Não sei, pretendo em Londres, mas ela está em dúvida. Vou deixar ela pensar um pouco... Só mais quatro dias, o voo está marcado no domingo. Sim. Claro, não é. Não, não precisa, o apartamento eu comprarei. Claro que não, Frank. Você me deve, claro, mas um apartamento não é a melhor forma de pagar uma dívida emocional. Sim, por favor! Tudo bem, direi para ela. Obrigado, te amo, imbecil.

E o telefone desligou. Fiquei concentrada na conversa e supus tudo que o homem dizia do outro lado da linha.

– O Frank disse que teve problemas na empresa e não conseguiu um voo para nosso casamento, mas que quer muito conhecer você e que está ansioso para que voltemos de viagem.

– Frank?

– Meu irmão. Ele quer nos dar nossa casa, ou um apartamento, para compensar a ausência.

– Que graça. – eu digo, o tom suave. É indiferente, ambos recebem da mesma herança. Presentes de valores monetários não significam nada porque saem da mesma empresa, do mesmo bolso. A única diferença é quem assina. Bobagem.

– Ele é um pouco imbecil, mas tem bom coração. Sei que não veio porque não conseguiu. Ah, ele quer nos visitar quando voltarmos de viagem.

– Voltaremos no domingo?

– Sim, domingo à noite.

– Domingo à noite vai estar chovendo – aviso, meu coração acelerado.

– Sim, e o que tem?

– Você não acha arriscado? Sei lá. É mesmo, aviões são ultra seguros, que bobagem a minha! – eu digo, tentando me convencer. A verdade é que estou morrendo de medo começando agora.

– Fica tranquila. Está com medo de ficar com o estômago ruim de novo?

– É. Você sabe, fico meio entristecida quando meu estômago bagunça.

– Vou ligar para o Pedro e pedir que ele compre alguns remédios de mal estar. Quando desembarcarmos você já os toma e tudo fica bem, certo?

– Aham.

Entramos no carro, fechamos a porta, ele pisa no acelerador e dirige até um amplo restaurante com lustres italianos. Peço carne branca enquanto ele come frutos do mar. Tomamos vinho rosé. Meu coração palpita. “Domingo”. Sinto um revirar no estômago, lembro da minha primeira viagem de avião e tento disfarçar meu nervosismo com um sorriso. Observo os rostos no salão, observo os olhos verdes olhando para o prato, observo o topete espesso na cabeça, os lábios cerrados, e percebo que nada é tão ruim quanto parece. “Não seja boba, Estela”, eu me digo, quase fechando os olhos, “você vai se acostumar. Quantas vezes seu pai já decolou? Inúmeras. A quanto tempo seus pais são casados? Mais de 30 anos. Você sabe, basta mentir. Calma, Estela, calma”.


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