A 100 Heartbreaks escrita por Juliiet


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Hey, gente, tudo bem?
Vou ser rápida e agradecer a Eves, pela recomendação linda e pelos comentários, muito obrigada mesmo < 3
E bom, eu disse que esse era o último capítulo, mas na verdade vai ser o penúltimo, porque quero que todos os caps tenham menos de mil palavras. O próximo (e último) vai ser bem curtinho.
Espero que gostem :)



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   A garota ficou na cidade por alguns meses, apenas. Ela era bem combativa – acostumada a ter o mundo sempre lhe passando a perna – e, a princípio, não gostou nada de ter alguém perguntando sobre ela por aí, que era o que eu havia começado a fazer alguns dias depois de tê-la visto pela primeira vez.

   Não consegui me forçar a mencioná-la a ele. Não naquele primeiro dia, quando voltara para casa, pálida e trêmula.

   Havia sido recebida por um Dai sorridente, que logo ficou preocupado ao me ver abalada. Fizera-me entrar e comer um pouco do jantar que havia feito para nós enquanto eu o alimentava com as minhas mentiras.

   “Não se preocupe, não é nada”.

   “Estou apenas cansada”.

   “Sabe que não gosto da cidade”.

   “Eu estou bem”.

   Eu estou bem.

   Talvez essa tenha sido a pior de todas que lhe contara.

   Eu não só não estava bem. Eu nunca estivera pior.

   Naquele primeiro momento, eu sequer pensava que podia sobreviver.

   Porque eu sabia que não poderia esconder aquilo para sempre, que não podia fechar os olhos e fingir que nada tinha acontecido, não podia voltar no tempo e nunca ter saído de casa. Não podia passar o resto da vida mentindo, porque eu sabia como as mentiras enfraqueciam o coração e manchavam o amor. Não era assim que funcionava. Não era algo do que eu pudesse correr. Mesmo horas depois, com os braços de Dai ao meu redor, sentindo seu cheiro de terra e sol e ouvindo as batidas firmes do seu coração, eu sabia que estava me segurando a algo que não mais me pertencia. Que a outra metade da sua alma nos encontraria de qualquer maneira, porque almas partidas anseiam por se encontrar, por ser um.

   E mais uma vez eu ficaria sozinha.

   O medo parecia me sufocar, principalmente nas primeiras noites. Era como dormir com duas mãos se fechando em minha garganta, com uma escuridão úmida crescendo em meus pulmões, como aspirar água e senti-la queimando todo o caminho dentro de mim. Eu observava Dai em seu sono tranquilo, seus lábios entreabertos, seus cílios repousando sobre as maçãs do seu rosto, seu cabelo bagunçado no travesseiro, sua mão quente e suada que nunca largava a minha, mesmo quando ele estava tão perdido em sonhos que eu não podia alcançá-lo. Pensava no quanto o amava enquanto tentava lutar contra aquela escuridão dentro de mim. E no quanto ele me deu por simplesmente me amar de volta, sem sequer perceber.

   No quanto eu sofreria se nunca pudesse vê-lo completo.

   E foi isso, mais que qualquer outra coisa, que me fez começar a descer daquela nuvem de pânico.

   Foi isso que, dias depois, me fez voltar à cidade e procurar saber mais sobre a moça. Para falar a verdade, eu gostaria muito de poder odiá-la, queria ter por ela aqueles sentimentos humanos mesquinhos, queria poder querer vê-la sumir da face da terra.

   Mas como eu podia desejar mal a alguém que era parte de quem eu tanto amava?

   Ela era parte de Dai. Ela era Dai.

   E ver as pessoas na cidade falando sobre ela como se fosse uma mulher problemática e detestável, fofocando sobre sua vida amorosa desastrosa e sobre todas as suas falhas, fez crescer em mim um profundo sentimento de proteção, como eu teria se o nome nos lábios dessa gente fosse o do meu Dai. Mesmo naquele momento eu já tinha começado a vê-la pelo que ela era. Uma garota perdida num mundo que não a entendia, que não a amava. Que queria apenas ser verdadeira consigo mesmo, que lutava com tudo e todos para poder ser quem era. E que estava cansada.

   Que queria desistir.

   – Eu não sei quem é você, mas se quiser saber algo sobre mim, pergunte a mim, não aos abutres dessa cidade.

   Eu estava pensando que já era hora de voltar para casa, andando preguiçosamente para fora da cidade, quando a ouvi atrás de mim. Virei-me para ela, sentindo-me intimidada e, de certa forma, fascinada. Como se estivesse vendo um lado novo em alguém que conhecia há muito tempo.

   – O que você quer comigo, de qualquer jeito? – perguntou, com a testa franzida e o corpo visualmente tenso, na defensiva. – Quem raios é você?

   Senti como se minha língua estivesse presa dentro da boca e eu não pudesse movê-la para falar se minha vida dependesse disso.

   O que eu era? Quem eu era? Eu não era uma amiga, nunca poderia ser. Mas também não queria seu mal, não queria machucá-la, não queria vê-la sofrer. Não queria vê-la ao lado do meu amor, ao mesmo tempo em que doía sequer imaginar que nunca o veria completo.

   – Ninguém – foi minha resposta baixa. Não deixava de ser verdade. Eu não era ninguém ali. Nunca haveria lugar para mim entre ela e sua outra metade.

   A moça bufou e rolou os olhos, murmurando enquanto se afastava:

   – Outra fofoqueira nessa cidade de merda...

   Eu baixei os olhos, chutei uma pedrinha no meu caminho e continuei andando para casa.

   Sequei as lágrimas antes de chegar.

...

   Enquanto certas coisas permanecem gravadas a fogo em minha memória, outras são tão irreais que não consigo medi-las. O tempo é uma delas. Eu posso lembrar perfeitamente do sol em minha nuca enquanto trabalhava no jardim, da aspereza do papel de parede do corredor sob meus dedos, do cheiro do café de Dai enquanto eu descia as escadas todas as manhãs. Também é fácil recordar dele, é quase como se nunca tivesse partido. Sua pele quente, seu cabelo nos olhos, suas mãos com unhas sujas, sua voz ao sussurrar em meu ouvido, o formato que seus lábios faziam ao dizer “eu te amo”.

   Mas não saberia dizer quanto tempo se passou até que eu revelasse que havia encontrado sua outra metade. O tempo ora parecia se arrastar, como se adivinhasse que cada segundo ao lado de Dai doía por saber que ele não era mais meu, ora parecia ir embora com o vento, levando com ele cada dia e cada noite em que eu ainda podia ter o homem que amava. O tempo, que havia sido meu aliado ao me recuperar de cem corações partidos, agora me machucava e zombava de mim. Fazia-me sofrer por cada momento roubado que tinha com Dai. Fazia-me temer o dia em que nem isso teria.

   O sol em sua pele. O ruído do seu sorriso. O peso do seu corpo. Seu coração batendo em minhas mãos.

   – Eu não gosto quando você fica distante, Ceri. Sinto que a estou perdendo.

   – Seus braços estão ao meu redor, Dai. Sua cabeça repousa em meu ombro.

   – Mas seu coração não está aqui. Você está fugindo de mim.

   Talvez fosse a saída covarde, mas afastar minha mente e alma dele enquanto meu corpo ainda segurava-se ao seu, parecia ser o único jeito de não morrer ao deixá-lo ir.

   Eu era feita de amor. Eu era amor. Eu sou amor. Sem o dele, eu não pensava que podia existir.

...

   – Quero lhe dizer algo.

   Dai estava deitado na cama, era tarde e neve caía lá fora, podíamos ver os flocos pelo vidro da janela. A luz bruxuleante do fogo na lareira parecia brincar com a pele dele, colorindo-a enquanto ele esfregava o sono dos olhos e se sentava, apoiando as costas na cabeceira e olhando para mim.

   – Aconteceu alguma coisa? – perguntou, franzindo o cenho.

   A moça já havia ido embora da cidade àquela altura, mas eu havia feito minha pesquisa. Coloquei um envelope em cima da cama com cuidado. Dentro dele havia tudo o que ele precisaria para encontrá-la.

   Minhas mãos tremiam.

   – Você se lembra do que veio procurar aqui, naquele primeiro dia? – foi o que consegui dizer.

   Dai se empertigou, sua expressão deixando claro que ele não sabia onde eu queria chegar com tudo aquilo. Olhou do envelope para o meu rosto antes de responder:

   – Você, Ceri.

   – Não – e apenas essa palavra saiu afiada dos meus lábios, como se viesse cortando desde meus pulmões. – Você queria alguém que pudesse amá-lo.

   – Por que você está falando sobre isso agora? Está tarde...

   – Eu disse que não podia dar o que você queria – continuei, ignorando-o. – E não podia. Mas agora eu posso.

   Eu já havia ensaiado aquele momento tantas vezes na minha cabeça que ele não parecia mais de verdade. Parecia apenas uma projeção dos meus pensamentos, dos meus pesadelos. Talvez fosse a razão para eu estar tão calma enquanto eles tomavam forma e vida.

   – Dentro desse envelope tem tudo o que você precisa para encontrá-la – cada palavra era como uma rachadura se abrindo em mim e, naquele momento, eu me perguntava se haveria o suficiente do meu coração para se recuperar. Eu sabia que não.

   – Não faz isso – ele pediu, roubando as lágrimas dos meus olhos secos, levantando-se e se afastando do envelope como se o papel fosse machucá-lo. – Não faz isso comigo. Com você.

   Eu não queria que ele me tocasse, justamente por querer demais. Por querer me esconder em sua pele até que deixássemos de ser o que éramos e nos tornássemos uma só criatura. Afastei-me alguns passos, abraçando meu próprio corpo, com a falsa ilusão de que isso poderia protegê-lo. A destruição era por dentro, onde ninguém podia vê-la e só eu podia senti-la.

   – Ela esteve aqui por um tempo, mas não está mais – continuei, porque era o que precisava fazer. – Ela –

   – Eu não quero saber! – Dai gritou, pegando o envelope com nojo e jogando-o no fogo. – Eu não quero saber...

   Aproximei-me dele, ainda sem ousar tocá-lo.

   – Ela é forte. Ela está sozinha. Ela está sofrendo.

   Dai caiu de joelhos e agarrou minhas pernas, segurando-me como se nunca fosse me soltar.

   – Ela precisa de você – sussurrei tão baixinho que não sei se ele me ouviu.

   – Eu amo você – ele murmurou contra minha pele.

   – E você vai amá-la – eu não consegui tirar a tristeza das minhas palavras.

   Ajoelhei-me a sua frente, segurando seu rosto em minhas mãos, sentindo o caminho de suas lágrimas nas palmas.

   – Você precisa ir – murmurei – ou nunca será completo.

   – Eu amo você – ele repetiu.

   – Mas algo vai sempre faltar.

   – Algo sempre falta. A vida é assim.

   – Não precisa ser.

   Encostei minha testa na dele e não ousei fechar os olhos. Eu não queria perder um segundo que fosse do seu rosto. Eram os últimos que eu tinha e eu não fecharia os olhos.

   – Ceri – meu nome. Apenas meu nome. E eu sentia que meu coração ia quebrar.

   Senti suas mãos em minhas costas, aproximando meu corpo do dele. Permiti. Deixei-o me sentir tão perto, apenas mais uma vez, até não existir nada ao meu redor que não fosse ele.

   – Eu não me importo – sua voz raspou em meu pescoço, sua dor arrepiou minha pele. – Eu não me importo de ser incompleto. Eu prefiro ser incompleto com você que inteiro com qualquer outra pessoa. Se você me pedir, eu nunca a deixarei. Se você quiser, eu ficarei para sempre ao seu lado.

   Voltei a segurar seu rosto e toquei seus lábios com os meus. Como da primeira, como da milésima vez. Senti-me aquecer por dentro. Suas palavras entrando por cada poro, acariciando, curando. Ele não me abandonaria. Ele não quebraria meu coração.

   Naquele momento, eu lembrei de todos que já havia amado. Homem ou mulher, todos haviam ido embora. Eu os amei como amei a Dai, entregando-me completamente, oferecendo tudo o que havia em mim. E apenas Dai havia me amado de volta. Apenas ele havia sido meu milagre.

   Eu o beijei aquela última vez, sentindo meu coração inteiro e forte em cada batida. Sentindo-o em minhas mãos ao abraçar aquele que havia me ensinado mais do que imaginava. Que havia me curado de um mal que eu nem sabia que tinha cura.

   Ele ficaria. Por mim.

   – Eu te amo, Dai – falei enquanto meus lábios ainda tocavam os seus. – E, por isso, você precisa ir. É só o que peço. Vá e seja completo. Por mim.

   Seja completo.

   Seja um.

   Mesmo que eu só possa vê-lo de longe.


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Notas finais do capítulo

É isso, gente bonita.
Espero que vocês tenham gostado e vejo vocês logo logo no último capítulo.
Muito obrigada, beijão!