A 100 Heartbreaks escrita por Juliiet


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente!
Bom, aqui está mais um capítulo :3
Vou postar toda semana, não necessariamente no mesmo dia.
Lembrem-se que essa história é totalmente aleatória e sem pretensão nenhuma, é só uma coisa que surgiu na minha cabeça.
Boa leitura :)



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Antes daquele dia, tudo era meio nublado, minha existência era desbotada e as memórias são pouco claras, embaçadas como se fossem produto de sonho. Os dias se confundiam com meses, que se transformavam em anos que passavam indefinidamente sem que eu os percebesse. Anos incontáveis que passei escondida, isolada, segura.

Sem sofrer, mas também sem viver de verdade.

Ouvi uma batida na porta e subitamente parei o que estava fazendo. Não consigo nem me lembrar do que era, porque até aquele momento minhas memórias não eram coloridas, nítidas. Mas lembro que resolvi ignorar o que quer que fosse, afinal, deveria ser apenas mais um dos ruídos que aquela velha casa emitia, ou um animal qualquer. Mas então aconteceu de novo.

Levantei-me, incerta. O caminho até a porta começou a parecer mais real a cada passo que eu dava. Os raios fracos do sol de fim de tarde infiltravam-se pelas janelas, iluminando a superfície de madeira do aparador do corredor, em que havia um vaso de vidro com margaridas. A luz fazia a água dentro do vaso brilhar como pedacinhos de diamante, fazia as flores ainda mais amarelas e fazia as minúsculas partículas de poeira parecerem dançar no ar. Passei a mão pela parede, sentindo a textura ligeiramente áspera do papel de parede alegre sob meus dedos. Olhei para minhas próprias mãos, sentindo que as via pela primeira vez. Eram magras, ossudas, e as unhas estavam sujas. Não as reconheci, mas eu raramente reconhecia a mim mesma.

Eu podia entrever um vulto na frente da porta através da janela coberta com uma cortina diáfana. Eu nunca tivera visitantes em meu refúgio antes. Não tinha visto outra pessoa desde que me escondera ali e pensara que era exatamente o que eu queria.

Então por que minhas mãos se apressaram para a maçaneta com urgência? Por que a pulsação em meus ouvidos era tão alta que eram tudo que eu podia ouvir? Por que minha respiração estava presa na garganta e eu não podia pensar em nada que quisesse mais do que pousar meus olhos em outro ser humano?

Abri a porta de uma vez, totalmente, e fiquei parada, deixando meus olhos se acostumarem não só à luz que banhava o lado de fora, mas à forma da pessoa parada no vestíbulo.

Era um homem. Um homem jovem o bastante para ser chamado de garoto. Ele não era bonito, ou pelo menos não seria considerado bonito para a maioria das pessoas. Para mim, ele era a mais linda criatura que eu lembrava de já ter visto em anos, apenas porque eu não vira outra pessoa além de mim mesma por todo esse tempo.

Ele tinha dois braços, duas pernas, uma cabeça. Mãos grandes e magras, com dedos longos e finos. Mãos que ele não conseguia manter quietas e que ficavam entrelaçando-se, os dedos se abrindo e fechado, um sinal claro de nervosismo.

Fiquei esperando que ele dissesse algo, mas ele não disse. Nem ao menos olhava para mim.

Então eu quebrei o silêncio, perguntando:

– Quem é você?

Finalmente deixando de encarar o chão, o garoto fixou seus olhos em mim. Olhos grandes, limpos, cálidos com simpatia, suaves com inocência.

– Eles disseram que você não existia, mas eu sabia que não era verdade – sua voz estava ligeiramente esganiçada, denunciando o quanto estava nervoso. – Eu sabia que você estaria em algum lugar.

– E quem sou eu? – perguntei quase em um sussurro, olhando-o de lado, apoiando-me na porta.

Ele puxou uma respiração profunda e secou as mãos – provavelmente úmidas – nos jeans, antes de dar dois passos na minha direção.

– Ceri – sussurrou, como se tivesse medo da palavra. – Você é o Amor.

...

O garoto chamava-se Dai e tinha várias objeções em ser chamado de garoto, já que afirmava que era um homem adulto. Bom, ele podia ser, embora parecesse terrivelmente jovem, mas eu não podia me vangloriar de ser boa julgadora de idades, não depois de tanto tempo afastada de todos. Então me privei de chamá-lo de garoto e passei apenas a chamá-lo por seu nome, como ele pediu.

Sabia que não devia, mas o convidei a entrar. Eu não era tão estúpida para não perceber que meu próprio comportamento era errado mesmo enquanto eu continuava me comportando daquele jeito. Eu nem devia ter aberto a maldita porta. Mas estava tão sedenta por contato humano, por ter outra pessoa por perto, outra voz para ouvir. Ou melhor, uma voz, já que eu nunca tivera o hábito de falar sozinha. Pensei até que perderia aquela capacidade em especial, mas ela voltou imediata e naturalmente enquanto eu servia um chá de hibisco para o jovem Dai.

– Você obviamente não é daqui – comecei, virando o bule e vertendo a bebida quente em sua xícara. – E minha casa é bastante longe da cidade mais próxima. O que o fez vir? E como me achou?

Dai parecia maior do que realmente era em minha pequena cozinha. Talvez porque ele tivesse pernas longas que não pareciam servir adequadamente embaixo da mesa baixa ou talvez por eu simplesmente não estar acostumada a ver ninguém no pequeno espaço além do gato que aparecia de vez em quando na esperança de ganhar um pouco de leite. De qualquer maneira, ele parecia muito fora de lugar em seus jeans e camiseta preta larga na minha cozinha com armários de madeira branca. Aquilo eram flores desenhadas? Eu não lembrava de tê-las feito nem de ter reparado nelas antes. Balançando a cabeça, coloquei um pouco do chá na minha própria xícara e me apoiei no balcão, de onde podia observar meu incomum visitante.

Vendo que eu não o tinha expulsado a pontapés, ele parecia um pouco mais relaxado, tomando calmamente seu chá – depois de ter adicionado quase metade do meu estoque de açúcar nele – e observando minha casa despretensiosa.

Toda decorada em tons pasteis, não havia nada de muito excitante sobre ela. Brancos, azuis, amarelos e rosas pálidos aqui e ali, nas paredes, nos móveis, nas cortinas. Todos os meus móveis eram antigos e haviam vindo com a cabana. Alguns estavam literalmente se desfazendo, como a poltrona da sala de estar que ficava perto da janela e as colunas do corrimão da escada.

Mas mesmo assim, eu ainda conseguia enxergar aquela mesma qualidade quase fantástica que me havia feito amar aquele lugar à primeira vista. Não, não era um lugar de grandes emoções, era um lugar onde as coisas permaneciam as mesmas para sempre. Acolhedor, calmo, confortável. Uma casa que não interrompia o cenário ao redor, mas era extensão dele, completava-o. Fadas, duendes e sereias poderiam facilmente aparecer por ali e, embora eu nunca tivesse visto nenhum, não me surpreenderia em saber que, se eles existissem, estariam por perto.

– Sua casa é muito...charmosa, srta. Ceri – Dai finalmente falou, fitando as canecas díspares penduradas no balcão ao lado da pia.

Fui até a mesa, apoiando minha xícara nela e parando na frente dele, querendo olhá-lo de perto.

– Eu acho que lhe fiz uma pergunta. Duas, na verdade.

Ele também colocou sua xícara na mesa e apoiou as duas mãos nela, com as palmas para baixo. Depois me fitou, determinação colorindo seus olhos.

– Todos dizem que você não...não faz mais o que fazia – começou, parecendo ainda tentar organizar as palavras na sua mente. – E sei que eu não posso pedir isso, mas peço mesmo assim.

– O que você quer, Dai?

– Amor.

Suspirei e me virei de costas para ele.

– Não posso lhe dar isso – minha voz foi dura e determinada.

Eu havia jurado. Havia prometido a mim mesma.

Ouvi o ruído da mesa no piso, indicando que Dai havia se levantado.

– Sei que não – ele riu, meio envergonhado. – Nunca tive a pretensão de pedir pelo...pelo seu amor, srta. Ceri. Não mereço tanto. Eu só queria que...que talvez você fosse capaz de achar alguém que pudesse me amar.

Queria rir, mas não era engraçado. Ele não queria o meu amor. Ninguém nunca queria.

Ele não tinha nem ideia...que precisava do meu amor para ter qualquer outro.

Senti sua presença ao meu lado, mas não me movi nem o olhei. Sentia a esperança em sua voz, o desejo. Um desejo puro de ser amado, mas também de amar, de pertencer a algum lugar, a alguém. De ser completo e não vagar mais sozinho pelo mundo, cansado e perdido.

Eram desejos que eu conhecia, que eu vira e sentira inúmeras vezes. Desejos que eu concretizara para todos os que me procuraram, exceto para mim.

– Eu não posso – fechei os olhos enquanto as palavras saíam, desejando poder colocar toda a dor das lembranças de volta na parte escura e trancada da minha alma, mas sentindo que elas se elevavam. – Eu não faço mais isso, Dai.

Ele se deteve na minha frente, fazendo-me abrir os olhos, e só então eu percebi que era alto, bem mais alto que eu.

– Por favor... – pediu, os olhos cheios de um desespero que eu não ousava encarar, por conhecer tão bem. – Você não sabe, não imagina como é...eu...eu nunca fui amado. Eu sempre fui sozinho. Eu me sinto morrer um pouco mais a cada dia. Lentamente. Dolorosamente. A solidão está me consumindo e logo...logo não vai restar nada de mim.

Ouvi suas palavras, absorvi-as, provei-as com um prazer masoquista, saboreando-as em minha boca, em minha garganta, em meus pulmões. Respirei-as, como se estivesse respirando um gás venenoso de boa vontade. Ele era sozinho, tão sozinho.

Eu era sozinha. Tão sozinha.

Ele dizia que eu não entendia, mas eu era provavelmente a pessoa que mais seria capaz de entender. Ele achava que sabia o que era solidão, mas isso só provava o quanto era ingênuo, inocente. Dai queria amar, mas não sabia o que era o amor. Eu sabia amar, eu vira o amor uma centena de vezes, o havia segurado em minhas mãos nuas, e o tivera arrancado de mim com um sorriso e um agradecimento.

Dai achava que sabia o que era ser sozinho. Mas era diferente de ser sozinho sabendo que você pode acabar com a solidão de todos ao seu redor, menos a sua.

Talvez eu fosse egoísta, talvez eu continuasse cansada de me machucar, de ter a mesma ferida aberta tantas vezes que ela não parecia mais capaz de cicatrizar. Minha natureza, apesar da minha promessa, lutava por romper minhas reservas e ajudar Dai. Amar Dai. Mas eu não podia. Eu era como um animalzinho ferido, assustado, cauteloso.

E eu sabia que, mesmo que aquele homem meio estranho, com mãos grandes e olhos de menino não tivesse consciência disso, ele me machucaria. Se eu permitisse, ele me quebraria.

– Acho que você precisa ir embora agora, Dai – sussurrei.

Ele me fitou, angustiado, e se aproximou mais, como se fosse me tocar.

– Não, Ceri, eu...

– Saia!

– Mas... – seus dedos tocaram a manga do meu vestido, que chegava até meus cotovelos.

Eu estava tão sedenta por contato humano que aquele singelo toque – que nem havia sido diretamente em minha pele – doeu como o espinho de uma rosa. Uma lágrima involuntária escapou dos meus olhos e eu gritei:

– Saia! Vá embora! AGORA!

Meus ouvidos começaram a zumbir e me agachei no chão, apertando-os com as mãos, como se quisesse enfiá-los dentro da minha cabeça. Apertei os olhos, cerrei os dentes. Percebi que Dai chamava meu nome com uma voz tranquilizante, como se falasse com um cavalo indomado. Ignorei-o e continuei gritando para que ele fosse embora, apertando ainda mais meus ouvidos, para não ter que ouvir sua voz.

Depois do que me pareceu uma eternidade, senti sua presença sumindo, o senti ir embora. Abri os olhos a tempo de ver seu contorno passar pela porta da frente. A porta bateu atrás dele com um baque alto. Percebi que estava chorando.

Envergonhada, assustada e frustrada, deitei no chão, derramando lágrimas que eu não sabia de onde vinham, murmurando que era sempre melhor ficar sozinha.

Ser solitária é o único jeito de não morrer de amor.


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Notas finais do capítulo

Se houver algum erro, por favor me avisem.
Muito obrigada a todo mundo que comentou no capítulo passado, vocês são lindos *.*
Beijos e até o próximo :*