Solemnia Verba escrita por Blitzkrieg


Capítulo 14
Capítulo 13: A Revelação Sutil.


Notas iniciais do capítulo

Godard decide seguir com o plano de seu mestre. Vai à procura de Sorrow. Não sabe se obterá êxito e acaba tendo que contar com a sorte. Enquanto isto, Hiro se esforça para conseguir conjurar seu cantio. O garoto realmente deseja o poder. Possui fortes razões para isto. Mesmo sem perceber, o estudante acaba confiando algumas declarações ao seu novo amigo. E parece que o mesmo o compreende bem. Não o vê com olhos de desprezo e sim com olhos escarlates de compreensão.



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“ Aqui estou eu. Nunca pensei que viria a tal lugar. Que estranho. Me parece completamente diferente do que eu esperava. O céu aqui é vermelho, da cor do sangue. E existe vegetação. Parece uma imensa floresta. O solo é pedregoso e o líquido incolor que é a água no mundo humano aqui é substituída por este líquido esverdeado e brilhante. Bem na minha frente posso ver um imenso rio preenchido com este líquido. Ouço sussurros o tempo todo. As vezes ouço gritos. É um lugar pavoroso. Este lugar conhecido como cemitério das almas é simplesmente um lugar pavoroso.”



Godard caminhou em direção ao penhasco para melhor avistar o imenso ambiente. Enxergava uma densa floresta silenciosa. Silenciosa em vida animal. Não fazia idéia de como encontraria o devatã exilado. O Sorrow poderia estar em qualquer lugar daquele vasto mundo. Pelo menos, tinha o plano na mente do que faria quando o encontrasse. Seria impossível o ex-aluno de William negar assistência ao seu mestre. O pequeno ser com seu cajado deveria ser rápido, pois o tempo corria e não sabia como se procedia a manipulação do tempo naquele local. Poderia demorar alguns minutos e passar anos no mundo de seu mestre que tinha o tempo correspondendo ao mundo dos humanos, assim como também o mundo de Hecate. Godard não tinha habilidades que lhe davam o direito de viajar no tempo por isto isso seria um problema.



Cessando o pensamento, saltou do penhasco. Sua túnica tremulava durante a queda e a medida que avançava em direção ao solo segurava mais firme o seu cajado para que o mesmo não o abandonasse. Iria cair dentro do rio com o líquido esverdeado. Porém, antes que chegasse ao mesmo, juntou suas mãos criando uma esfera violeta que expulsou alguns raios negros de seu interior.



Translatio dis dimensio.



A esfera frente ambas as mãos se expandiu dominando o corpo de Godard e logo em seguida se desfigurou em feixes que se impulsionaram por cima do líquido esverdeado disparando em direção retilínea por cima deste causando uma perturbação no líquido.



“Preciso ser rápido. Vou viajar por todo este lugar até sentir algum aliquid poderoso.”



Em alta velocidade, a medida que prosseguia dispersava o líquido esverdeado em várias ondas.



“Mas que coisa será esta?”



Pensou a pequena criatura e com uma de suas mãos esticou seu dedo indicador, passando o mesmo sobre uma alíquota do líquido que havia viajado consigo em seu cajado. Provou o líquido brilhante logo depois constatando imediatamente que possuía um gosto desagradável que lembrava a putrefação de algum cadáver. Tociu forte. Prosseguiu a viagem mais rapidamente.



“Que gosto horrível, com certeza não se parece com a água. Que criatura viva iria conseguir sobreviver neste lugar? Não é atoa que não vi um ser vivo até agora. Mas o que são esses sussurros, choros e gritos que eu ouço?”



Enquanto Godard divagava sobre sua situação, uma explosão ocorreu atrás do mesmo, expulsando várias almas com aspecto vermifoide e translucido do rio que logo trataram de persegui-lo.



“Eu sabia. Estava calmo demais. Com certeza os ruídos vieram destas almas.Bom, elas não podem me atingir.”



As almas prosseguiram velozmente em direção ao fiel subordinado de Hiero que teve dúvidas se as mesmas poderiam atingi-lo. Procurando descobrir se elas poderiam lhe fazer algum mal com algum contato físico, cessou sua magia, desconfigurando sua esfera que logo o revelou. Parou. Aguardou em seguida as projeções se aproximarem.



“ Vou atingi-las com algo e esperar para ver o que acontece. Se eu conseguir atingi-las significará que elas poderão me ferir, pois poderão fazer contato físico. “



Junctio ad caligo. ­­– disse Godard, esticando seu cajado para que uma esfera negra com raios circundantes se projetasse na ponta. - Efflari!- exlamou, expulsando a energia que com um tiro se expandiu em alta velocidade em direção as almas.



O espectro de energia dilacerou as criaturas de aspecto curioso disparando seus resíduos que desapareceram no ar como fumaça.



“ Definitivamente corri o risco. Bom, também corri o risco ao ingerir o líquido deste rio. Estou me tornando cada vez mais descuidado. É bom me precaver.”



Antes mesmo que o pequeno devatã conseguisse refazer seu cantio para prosseguir com a viagem, uma vasta penumbra dominou o rio logo abaixo. E este fenômeno fez Godard estremecer.



Animus Ambulandi!– gritou.



Seu corpo se desconfigurou após uma insígnia se projetar subitamente abaixo de seus pés e em seguida desapareceu junto com a mesma. Quase no mesmo instante, a porção do rio aonde se encontrava a penumbra explodiu, jorrando o líquido a uma altura imensa. De dentro dele uma infinidade de almas se dirigiu velozmente ao céu.



Godard reapareceu próximo de uma árvore qualquer, já apoiando seus pés sobre o solo áspero e enxergou a imensa massa de almas invadir o céu, se dissipando por todo o local, dispersando as criaturas.



“Eu sabia que algo assim iria ocorrer. Não seria simplesmente chegar, bater numa porta e conversar com o Sorrow. Eu não posso ficar o dia todo correndo dessas almas penadas, eu preciso achar ele urgentemente. Ora, mas o que é isso!?”



O pequeno servente de Hiero se concentrou numa sensação estranha que havia sentido.



“Isto é um aliquid. Mas, está muito fraco.”



Translatio dis dimensio! – gritou, desaparecendo com uma irradiação negra e violeta de energia.



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Hiro convicto de que conseguiria manifestar um cantio começou a iniciar o recito. Vlad não tinha dúvidas de que não iria funcionar. Seria muito improvável um humano qualquer conseguir conjurar uma magia de um devatã. As leis que regiam seu mundo não permitiam tal coisa. Esta atitude do garoto até poderia soar um insulto para algum devatã conservador, pois um cantio simples ou o desenvolvimento de uma técnica particular tomavam considerável tempo daqueles devas que desejavam realizá-la. Muitos passavam por um treinamento para dominar os cantios e dependendo do ensino, desenvolver técnicas específicas. Existiam também os cantios primordiais que possuíam relações diretas com as regras estipuladas pelos membros da classe mais alta que se encarregavam deste meio. Eles deveriam ser aprendidos através de um processo metódico de ensino. Até mesmo os imperitus deveriam ser corretamente instruídos de tudo isto, pois um contrato não era nada mais nada menos que o consentimento dado pelo devatã contratador de realizar magias. Portanto, era temporário devido a curta expectativa de vida humana comparada a de um devatã. Havia rumores de que um imperitus era membro dos 13 aliados, mas tal assunto era considerado vergonhoso de ser debatido em uma conversa qualquer, pois se assemelhava até mesmo a uma piada de mau gosto. Além disto, até mesmo a existência dos aliados era duvidosa.



Enquanto o Chernobog refletia sobre os imperitus, o garoto ousado continuava com o recito.



Oris...



Vlad o observava fixamente.



Súlfur. – o estudante desviou o olhar para o devatã, fitando seus olhos escarlates que refletiam o reflexo da lua cheia no céu acima de ambos. - Efflari!– exclamou o garoto, fechando os olhos, serrando os punhos logo depois.



O devatã de cabelos prateados, com as mãos no bolso, aguardou qualquer anomalia no ambiente. Não houve nada. Apenas uma brisa gélida passou por ambos. Só era possível ouvir os barulhos dos carros, suas buzinas assim com uma porção de outros sons desconexos.



– Consegue enxergar agora? – o devatã perguntou em tom inquisitivo. – Consegue enxergar a realidade de que é impossível um ser humano materializar um cantio? – reformulou a pergunta com frieza.



O garoto pareceu desapontado por um instante, mas assim que abriu seus olhos o Chernobog conseguiu enxergar uma centelha de determinação que acendeu naqueles olhos castanhos e tão jovens.



– Ensine-me a materializar um cantio, por favor. Eu preciso disto. – pediu o jovem, fitando o olhar cor de sangue.



– Precisa? Por que você precisa disto? – indagou Vlad, retirando as mãos de seus bolsos para cruzar seus braços logo em seguida.



– Estou cansado. – Hiro desviou o olhar. – De ser apenas um mero humano. Frágil e vulnerável. – explicou.



– O que você realmente deseja?



– Vida. Eu desejo viver. Há muito tempo eu não sinto mais a vida fluir em mim. Você me entende? Eu me senti vivo quando fui ameaçado por aqueles marginais. Foi como um estalo de consciência. Mas foi curto e passageiro. – o estudante começou a expressar emoções fortes e suas gesticulações comprovavam tal coisa. – Me senti vulnerável naquele momento. Eu, como humano, estava indefeso! E aquela sensação, aquela sensação de vida no meu corpo, pulsante, acabou me fazendo perceber o quanto seria fácil, perder este sentimento, devido a minha vulnerabilidade. Eu estou agradecido com a sua ajuda. Mas não sei se consegue me entender. Eu gostaria de ter feito algo com minhas próprias mãos.



“Um discurso interessante. Imprevisível“



– Está querendo me dizer que pretende se tornar um devatã apenas para preencher o buraco de sua existência vazia? – indagou Vlad, não perdoando no tom crítico.



Hiro pareceu atordoado por um momento. Parecia estar reformulando todos os seus pensamentos. Tentando condensá-los em algo mais apresentável. Pretendia convencer o seu agora suposto novo amigo. Sua preocupação era visível, pois começou a caminhar lentamente pelo local, com uma das mãos no queixo e um dos braços dobrado, com o antebraço apoiado acima do quadril.



– Isto lhe soou ousado demais? – indagou.



– Arrogante e pretencioso também . – respondeu o Chernobog.



Hiro cessou seus passos, direcionando o olhar ao devatã subitamente.



– Pois este sou eu. Exatamente quem eu sou. Não irei renunciar a mim mesmo. Ser eu mesmo é o primeiro passo para a busca do “tato do fluxo vital”. – disse, meio impaciente, como se abandonasse algo que o estava deprimindo há muito tempo.



– “Tato do fluxo vital?” – Vlad pareceu saborear as palavras. – A busca do pulso da vida, auto carpus vitalis. – acrescentou, parecia ter sido dominado por um tipo de nostalgia. – Você me parece um garoto comum. Possui emoções como qualquer pessoa. Geralmente pessoas com este tipo de percepção autônoma são pessoas retraídas, sem emoções.



– Não é que eu não tenha emoções. Mas sinto um vazio indefinido, sem precedentes. Pelo menos que eu conheça. – explicou Hiro.



– Isto me parece dramático demais. Você viveu pouco para ter certeza disto.



– Posso ter vivido apenas 16 anos, mas parece que vivi 10 décadas.



“ Tenho certeza que você não faz idéia do que seja viver tanto tempo.”



– Que absurdo. Não diga isto. Você não tem idéia.



– Mas o que vale na vida de um ser vivo é a quantidade de tempo que ele sobrevive ou a qualidade do que se acumula extraindo informações desta vida? Eu posso ter vivido apenas 16 anos, mas eu possuo uma interpretação que atinge a qualidade da de um homem velho.



– Hum..



– Isto não é narcisismo. Apenas estou sendo claro em explicar o que julgo ser verdadeiro.



“Até que ponto vale viver uma vida preso no casulo da ignorância? Se há essa extração de informações. Se ele realmente faz isso, trata-se de um investigador astuto. Buscando respostas e acrescentando qualidade em sua vida.”



Ambos permaneceram em silêncio por um breve momento, até que Vlad tomou a palavra:



– Está bem. Irei lhe ajudar. Existe uma forma de você conseguir conjurar cantios.



– Sério? – sorriu o garoto, com um brilho nos olhos.



– Mas primeiro preciso dar um jeito nestas roupas. – disse o Chernobog, segurando uma porção de sua vestimenta abrindo-a um pouco.



– Como fará isto?



– É fácil. Observe. – disse o devatã, assumindo uma expressão séria. – Restituere.



Suas roupas se renovaram, readquirindo a cor assim como o formato original. Uma poeira de cada peça foi emanada, com a cor respectiva de cada parte da vestimenta, desaparecendo misteriosamente no ar após alguns instantes.



– Mais um cantio? – indagou Hiro calmamente.



– Vejo que você já está se acostumando com tudo isto. – comentou o devatã.



– Não há motivo para me impressionar mais e, além disto, detesto escândalos.



– Não me pareceu isto. Você me pareceu muito surpreso com os cantios no começo.



– Você me conhece realmente agora. Aquilo foi apenas uma curiosidade com uma manifestação um tanto exagerada. – disse o estudante abanando uma de suas mãos no ar. – Poderia me dizer seu sobrenome? Fiquei surpreso por não tê-lo dito quando nos conhecemos.



“Quanta arrogância desta pequena criatura. Mas esta sinceridade me atrai de uma maneira curiosa.”



– É Chernobog. Vladimir Chernobog. Lhe contei que pertencia a família Chernobog, lembra? Não sou japonês, por isso meu sobrenome vem depois. Creio ter dito quando falamos sobre as classes.



– Certo. É mesmo. Havia me esquecido.



“Não esqueceu. Estava me testando para saber se eu estava mentindo sobre algo. Dificilmente uma mentira pode se reformulada exatamente da mesma forma.”



Hiro enxergou uma embalagem de um doce qualquer presa no chão. Estava rasgada parcialmente. Com os olhos fixos no material a retirou do solo. Ergueu-a logo depois no ar.



Restituere. – disse, quase sussurrando.



Não aconteceu nada com a embalagem plástica.



– Calma. Em breve você será capaz. – confortou o devatã.



O garoto suspirou profundamente meio desanimado. Explicou para seu amigo que precisava ir embora porque estava muito tarde. O devatã se despediu, conjurando a magia de tele transporte apenas para o estudante. Durante o processo, o Chernobog explicou que o estava enviando a algum local próximo da fábrica. Houve um sutil agradecimento com um balançar de rosto. A embalagem voou e rasgou por completo quando o estudante desapareceu.



Alguns instantes depois, o Chernobog estava sozinho. Segurava os dois fragmentos da embalagem. De repente, algo lhe chamou a atenção. Sentiu um cheiro estranho e forte. Parecia que algo estava queimando. Assustou-se. A imagem do garoto ousado dominou sua mente.



“Não é possível!”



Com os olhos de espanto, olhou ao redor examinando o local, tentando identificar a origem daquele odor enigmático.



Seus músculos faciais se relaxaram. O alívio correu pelo seu corpo quando finalmente avistou que aquele outdoor com o relógio digital havia perdido sua luminosidade. Havia um pequeno filete de fumaça sendo expelido do mesmo.



O devatã riu sozinho por alguns segundos, pensando ter perdido completamente o juízo. Quando se deu conta de que não havia mais nada interessante naquele lugar, decidiu partir. Soltou os fragmentos da pequena embalagem no ar. Logo depois caminhou em direção a uma das bordas do prédio. Decidiu correr para saltar com a intenção de conhecer a cidade. Julgou ser uma atitude saudável para sua alma.



Sua mente estava serena. Julgava ter tomado todas as decisões corretas naquele dia. Acreditava que estava a par de todos os fatos referentes ao notável Daisuke Hiro.



Não podia estar mais enganado. Se houvesse olhado para trás um último momento poderia ter visto. Os fragmentos se uniram abruptamente liberando uma pequena poeira de cor avermelhada. A mesma cor daquela embalagem.



Preview:...


Havia folhas avermelhadas no chão que haviam despencado das árvores com formatos curiosos. Tudo para Godard era suspeito, até mesmo aquelas folhas. Deveria ter cuidado, pois um devatã poderia conjurar qualquer tipo sutil de cantio ou solemnia verba que seriam eficientes de diversas maneiras.



Finalmente avistou a silhueta de uma figura humana. Aproximou-se cuidadosamente e se escondeu atrás de um caule. Olhou novamente, não tinha dúvidas. Era um ser humano que cantava. Uma criança loira, com características européias da época moderna. Uma menina que usava um vestido com detalhes condizentes com a de uma filha de um nobre rico qualquer. Ela cantava com um tom agradável. Godard reconheceu o trecho da opereta de Franz Lehár, Die lustige witwe. Quando finalmente tomou coragem, se dirigiu á garota, que o fitou com seus olhos verdes esmeralda. O canto cessou imediatamente.



– Muito obrigado por ter vindo. – agradeceu a menina gentilmente com uma reverência.



– Quem é você? – Godard perguntou rispidamente.



Próximo Capítulo: A Verdadeira Identidade.


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Notas finais do capítulo

Comentem. Please. ^^