O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 31
Acerto de Contas




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A surpresa maior veio quando Emma despertou. Apesar de cada centímetro de seu ser clamar por ajuda, e de a dificuldade de respirar ter aumentado exponencialmente, não sabia como ainda estava viva. Devagar, começou a recuperar os sentidos, e sentiu um cheiro de mofo antes de perceber que suas mãos estavam atadas, atrás das costas.

Abriu os olhos, que mais uma vez encontraram um ambiente desconhecido; uma grande sala circular que imitava uma arena de tamanho razoável. Era mal iluminada, com paredes revestidas com uma tapeçaria velha que provavelmente era a fonte do cheiro forte. Colunas rodeavam todo o pequeno perímetro do ambiente, sustentando o nível superior de onde podia-se ver dentro da arena. A plataforma projetava uma sombra densa nos contornos da arena. 

Tentou se mexer, mas seu corpo se rebelava contra ela, recusando-se a obedecer seus comandos. Tudo de que precisava era alguns segundos para se recuperar; seja lá o que a havia atingido, era forte, e ela não conseguia ver Connor em lugar algum. Olhando para baixo, viu-se sem qualquer armas. Acima da sala circular, talvez dez metros acima, pendia um enorme candelabro de ouro onde algumas dezenas de velas queimavam. Claramente a arena ficava dentro da mansão.

— Emma Pierce — a voz sombria que conhecia tão bem veio de cima, e Emma ergueu imediatamente o rosto, que foi iluminado pela luz amarelada do candelabro. Sua visão estava um pouco embaçada, mas após alguns segundos conseguiu vê-lo. 

Eberus a observava com arrogância e desdém, com uma mão apoiada na cerca de madeira bem trabalhada que limitava a plataforma de observação. Vestia sobre um único ombro uma capa de veludo escura com detalhes em dourado, por baixo, vestimentas negras como sua alma. O cabelo branco estava amarrado em um pequeno rabo de cavalo, e um sorriso apareceu em meio à barba e bigodes também grisalhos. Em sua outra mão, nada menos que o cajado de Seth que ornava o próprio Diamante de Kalista em seu topo, e a joia emitia um brilho estranho e opaco, como se estivesse enfraquecido. 

— Me deixou esperando por tempo demais — disse Eberus, então, sua voz rouca e envelhecida, mas intensa, soando com facilidade naquele espaço aberto. — Isso não foi muito cortês. Surpreende-me que tenha chegado tão longe, dado seu histórico.

— O que fez com Connor? — A voz de Emma parecia normal, apesar de seus membros ainda latejarem e de sua raiva aumentar mais a cada palavra que deslizava pelos lábios dele. 

— Vai vê-lo em breve — Eberus abanou a mão com desdém, e, mesmo daquela distância, seus olhos de vidro azul pareceram ler a alma da assassina. Encarou-a profundamente, e o sorriso aumentou quando percebeu a preocupação no rosto de Emma. — Ah, mas é claro — continuou. — Você o ama. E não negue o que está em explícito em seus olhos.

Emma virou a cabeça furiosamente para todos os ângulos, varrendo a sala em busca dele, mas não parecia haver outra alma ali além dos dois. O silêncio era afiado a ponto de ser possível ouvir, vindo de algum lugar da casa, o som da neve atingindo as muitas janelas daquele lugar; a tempestade que Emma previra mais cedo estava a caminho, se já não estivesse ali. 

— Sinceramente, Emma? — Os olhos de Eberus se estreitaram em deboche. — Chegou tão longe para, em meio a todos os seus problemas, cometer o mesmo erro em que a humanidade ainda insiste? Apaixonar-se? — Eberus bufou. — De qualquer forma. Isso deve tornar as coisas ainda mais interessantes. 

Emma quase rosnou, cerrando seu maxilar e tentando se levantar, mas tudo o que conseguiu fazer foi dobrar uma única perna. Ele exalava uma aura de superioridade, como se o cajado em suas mãos o tornasse um rei. Por tantos anos, Emma sonhara com aquele momento, mas não imaginou que fosse se sentir tão incapaz quando ele finalmente chegasse.

— Claro, sem seus erros nada disso teria sido possível — as palavras dele ecoaram as de Thomas, e a fúria rugiu dentro de Emma. — Terei certeza de mencioná-la em minha história como a assassina que entregou-me todo meu poder. O mundo se curvará diante os templários mais uma vez. 

Os olhos ferozes de Emma encararam Eberus enquanto ele se afastava lentamente; conseguiu equilibrar-se, finalmente, em duas pernas. Não iria falhar ali, de forma alguma. Era seu dever, como jurada do Credo dos Assassinos, impedi-lo. Ela se recusava a assisti-lo andar para longe dela mais uma vez; o sangue dele seria derramado, ela teria certeza disso. 

— Você não escapará, Eberus! — Ela berrou, dando um passo esforçado para frente. Seus braços agora tremiam, e suas unhas cravavam na pele da palma de sua mão sem luvas.

— Terá um fim apropriado, assassina — O templário desapareceu; apenas sua voz era ouvida.

Um brilho dourado iluminou o nível superior, provavelmente vindo do Diamante, mas foi rapidamente extinguido juntamente com o bater de portas. Com um salto, Emma passou as mãos amarradas por baixo dos pés, colocando-os na parte da frente de seu corpo. 

— Eberus! — Berrou novamente, correndo até uma das colunas, mas parecia impossível subir com as mãos amarradas. 

Parou e colocou a corda de sisal entre os dentes, puxando-a em várias direções enquanto tentava se soltar. No entanto, ouviu um grunhido atrás de si, e virou-se com os olhos âmbar e arregalados olhando rapidamente cada ponto da sala. Então, um par de olhos amarelo brilhou na escuridão. O coração de Emma, já acelerado em uma velocidade nada saudável, disparou quando Connor avançou alguns passos para fora das sombras. Tinha a machadinha em mãos, e os estranhos olhos dourados observavam Emma com nada menos que o desejo de matar. 

— Connor? — Chamou ela, abaixando as mãos, mas sabia que era inútil. Já havia ouvido falar dos poderes do Éden, e como a mente de alguém conseguia ser controlada através de seu uso. 

Obviamente, não houve resposta. Connor apenas avançou e tentou atingi-la com sua machadinha. A assassina deu um pequeno salto para trás, desviando-se. Sua mente zumbia enquanto ela tentava pensar em algo para poder escapar e ir atrás de Eberus, uma vez que ele, sem dúvidas, tentaria fugir dali; seu plano cruel era que Connor a matasse, uma vez que não conseguia atacá-lo de forma letal. Desviou-se de outro golpe, curvando as costas para trás. 

— Tem de se libertar disso! — Emma exclamou enquanto ele ativava o mecanismo de sua lâmina-oculta, girando-a e segurando-a na palma da mão. 

Ele não parecia registrar qualquer palavra que ela dizia, e agora Emma tinha de se movimentar rapidamente para esquivar-se de duas armas, acelerando seu ritmo enquanto trabalhava nas amarras em suas mãos. Em um de seus desvios, rolou por baixo do braço de Connor, finalmente livrando-se das cordas e jogando-as para o lado. Disparou para longe dele e começou a escalar uma das colunas que levava ao andar de cima. 

— Argh! — Emma grunhiu quando sentiu Connor agarrando-a pelos robes antes que ela pudesse ir muito longe, puxando-a e tentando força-la a descer das paredes. 

Emma segurou-se com força, prendendo as pontas dos dedos de uma mão no topo da coluna enquanto usava o outro braço para se despir da vestimenta. Assim que se viu sem ela, conseguiu se mover e subiu mais um pouco. No entanto, quando estava próxima da cerca, o aperto de Connor, que havia escalado atrás dela, se firmou ao redor de seu tornozelo. Com sua força brutal, ele não teve dificuldades em arranca-la dali e derruba-la de volta à arena. Rolou duas vezes no chão, grunhindo, antes de erguer os olhos novamente e desviar-se a tempo de outra investida do machado, que desta vez se fincou profundamente no assoalho. 

Enquanto ele se esforçava para remove-la dali, Emma moveu-se rapidamente por trás dele e saltou sobre suas costas, laçando sua cintura com as pernas e passando um dos braços ao redor de seu pescoço. Ela não podia dar a ele a chance de acerta-la, uma vez que sua força era vezes maior que a dela. Connor parou de se preocupar com a machadinha e começou a se debater, andando sem rumo pela sala enquanto tentava tira-la de suas costas. Emma engasgou quando ele lançou sua mão para trás, em direção a ela, e ativou uma de suas lâminas, que por pouco não furou o olho da assassina. 

Emma agarrou as fivelas de couro do suporte da lâmina, impedindo-o de usá-las enquanto ela apertava com força seu pescoço. Na tentativa de mexer-se novamente, Connor deslizou o pulso para fora do suporte, e Emma foi forçada a jogá-la para longe quando ele segurou seu cabelo. Grunhiu de dor e usou a mão livre para segurar a outra mão que bloqueava a respiração dele, visando colocar mais força no aperto. Estava perdendo as forças quando Connor finalmente enfraqueceu, seu punho soltando-se do cabelo de Emma enquanto ele lentamente parava de tentar agarra-la. Alguns segundos depois, ele caiu de joelhos, e Emma soltou-se quando ele finalmente desmaiou.  

Sem perder um segundo sequer, e vendo-se desprovida de qualquer arma, correu até a lâmina de Connor que atirara, pegando-a. Rapidamente, ainda levemente ofegante, escalou finalmente as paredes, chegando à cerca e saltando para o andar superior, que era decorado por várias armaduras e cadeiras acolchoadas, iluminado pelo próprio candelabro. Havia uma única saída além das janelas, um par de portas massivas de madeira. Estavam trancadas, mas Emma não levou muito tempo em destrancá-las com a lâmina recém adquirida de Connor – que era na verdade uma de suas lâmina-dardo.

Encontrando mais um desafio à frente, assim que abriu as portas, outra armadilha a esperava, e era a mesma que os derrubara antes: diversos fios estranhos que brilhavam estavam espalhados pela extensão de uma das sacadas da mansão, por onde o vendo dilacerante da tempestade soprava. Estando sem seus robes, Emma sentia mais ainda o frio, e cobriu o rosto, protegendo os olhos, e ergueu a cabeça. Lustres de vidro pendiam do teto, mas as velas dentro estavam apagadas. Então, Emma escalou metade da parede antes de saltar e agarrar os lustres, usando-os para chegar ao outro lado da sacada, onde havia outra porta que levava novamente ao interior da mansão.

Assim como a outra, esta também estava trancada, mas a fechadura parecia mais instável. Após puxar uma ou duas vezes a maçaneta para ter certeza, Emma optou por chutar a porta, fazendo o som do impacto de sua bota contra a madeira ecoar por toda a casa. A fechadura resistiu por alguns golpes, no entanto, eventualmente cedeu, e as portas se arreganharam, deixando a tempestade entrar. 

Não teve tempo de observar muito o cômodo onde entrara, pois teve de se jogar ao chão assim que deu o primeiro passo adiante, pois vira Eberus à frente, com uma arma, e o disparo do rifle passou centímetros acima de sua cabeça. Estava no mezanino de um escritório, cujas paredes eram repletas de estantes e livros velhos e empoeirados, e teve de se esconder atrás de uma amurada que ligava duas escadas, as quais levavam ao andar inferior, onde teve certeza de ter visto uma espécie de escritório antes de jogar-se ao chão. Eberus sem dúvida ouvira seus golpes contra a porta, e preparara sua arma, percebendo afinal que não fugiria sem uma luta.

— Maldita, escória! — Emma ouviu Eberus amaldiçoando.

— Você estava errado — Emma disse. — O maior erro e a maior maldição da humanidade é a ganância, e foi ela quem escureceu sua alma e queimou seus ideais, e a ordem que você lidera não é nada além de um grupo de tolos que acreditam que o poder é a chave para a paz — colocou os olhos sobre a amurada para dar uma olhada no templário, mas abaixou-se de novo quando ele terminou de recarregar a arma e disparou novamente, acertando o cimento.

— Calada!

Ouviu com atenção o mecanismo da arma enquanto ele recarregava outra vez, e, sem pensar demais, levantou-se e saltou sobre a amurada, caindo no escritório, atrás de uma mesa redonda que ficava bem no centro, entre as escadas curvas, sobre a qual havia uma bela adaga de coleção exposta em um simples pedestal de prata. Mais à frente, uma escrivaninha de cerejeira ocupava um espaço grande sobre um belo tapete. Poucas luzes estavam acesas, e a única colaboração externa era a luz pálida da lua que entrava por um par de janelas panorâmicas entreabertas.

Emma correu, seus olhos furiosos não vendo nada além do templário, mas quando estava perto da mesa no centro, as janelas panorâmicas atrás da escrivaninha se abriram totalmente graças ao vento extremamente forte que soprava ali em cima, e ela foi obrigada a cobrir o rosto, parando onde estava, e mesmo assim, sentiu cortes se abrirem em suas bochechas e mãos, abertos pelos afiados pedaços de gelo, enquanto seu cabelo voava para trás.

Ouviu o tiro ecoar junto à ventania, tão alto quanto, lançando no ar o cheiro de pólvora queimada que logo foi levado embora. Acreditou que Eberus poderia ter errado, mas foi provada errada quando uma dor perfurante a atingiu no músculo já enrijecido da coxa. Grunhiu de dor, e caiu de lado atrás da mesa, batendo o ombro no assoalho, seus cabelos caindo de volta ao redor do rosto quando o vento diminuiu um pouco. 

Eberus riu novamente, mas dessa vez um pouco mais desesperado — uma risada desequilibrada e levemente insana. Ele se aproximou devagar de Emma, que apertava o buraco em sua perna tentando estancar o sangue, enquanto recarregava pacientemente seu rifle. O rosto do templário ficava ainda mais obscuro sob a luz fraca das velas, e ele sem dúvidas se sentia no controle. No entanto, seus olhos vítreos eram hesitantes e, apesar do frio ali, suor escorria por sua testa incessantemente. Seu cabelo grisalho havia se soltado do rabo-de-cavalo, e estava agora espalhado em volta do rosto em pequenos fios ralos de cabelo oleoso.

— Ganância é o que move este mundo — murmurou ele, como o silvo de uma cobra. — É da natureza do homem conquistar, e controlar. No entanto, alguns lideram, outros se curvam. Não há posição mais apta para você, Emma Pierce do que bem onde está: aos meus pés.

O grão-mestre ergueu a arma em direção à Emma, mas, a assassina, lembrando-se da única arma que possuía, ergueu seu pulso e disparou a lâmina-dardo de Connor. Talvez graças à adrenalina que corria em seu corpo, acertou um disparo perfeito, fazendo com que a adaga na ponta do fio penetrasse as costas da mão de Eberus que segurava o cano do rifle e perfurasse toda a extensão de seu braço até a dobra do cotovelo. Puxou o fio, fazendo com que ele errasse o tiro ao mesmo tempo que gritava e olhava seu braço com terror. A arma deslizou para a direita, parando aos pés da escadaria de mogno. 

Com dificuldade, Emma se levantou e correu debilmente até à mesa, pegando a adaga de coleção que estava exposta ali, uma bela arma ornada feita de ferro esverdeado. Virou-se a tempo de ver o templário correndo até a arma, o sangue escorrendo pelo fio vindo do terrível ferimento em seu braço, e lançou com força a adaga pelo ar, acertando-o no osso do joelho. Eberus caiu de joelhos, gritando ainda mais enquanto segurava o punho da faca em sua perna.

Mancando, Emma apressou-se até ele, acertando-o no queixo com seu joelho da perna machucada, fazendo-a latejar, e o grão-mestre foi lançado para trás, sangue escorrendo por seu nariz até o bigode branco. Emma movimentou-se até a arma e agarrou-a, virando para apontar para Eberus.

— Quer discutir sobre nossas ordens? — Eberus berrou, tossindo devido ao frio em que agora a sala se encontrava. — Você se curva diante de um conselho de estúpidos e velhos que seguem palavras escritas em pergaminhos de um milênio atrás. Os Assassinos deveriam estar extintos.

Emma grunhiu, o sangue de seus arranhões no rosto escorrendo até seu pescoço, cansada de ouvi-lo falar. Antes que ele pudesse respirar mais uma vez, apertou o gatilho. O mecanismo chiou, falhando; a arma estava descarregada. Eberus então soltou uma gargalhada alta e falha, debochando da assassina. 

O sangue de Emma ferveu em fúria, mas seus membros latejavam com a temperatura que caía cada vez mais. Avançou, jogando o rifle de lado, com os punhos coçando para acerta-lo sem misericórdia, no entanto, ele usou sua perna intacta para passar uma rasteira pelos tornozelos dela. Emma caiu em cima de sua coxa e gritou de dor novamente, cravando as unhas no assoalho. Eberus teve tempo de se arrastar até ela e jogar-se sobre seu corpo, e enterrou os dedos de sua mão boa na garganta de Emma, apertando-a com o que lhe restava de forças. 

— Porque você... — começou ele, ofegante, com suor escorrendo pelas laterais de seu rosto ensanguentado e enrugado. Emma podia ver seus olhos gelados de muito perto. — Se recusa a morrer?! 

Emma se agarrava à mão dele, tentando tirá-la de seu pescoço, e sua visão começava a ficar turva devido à falta de oxigênio, sua cabeça latejava. O que a mantinha viva era seu ódio e sua determinação; apenas uma pessoa morreria naquela noite.

— E-eu nunca... p-pararei de... lutar — A voz de Emma era quase inexistente. — A c-cada momento de... m-minha vida miserável... eu lutarei.

Os olhos vidrados de Eberus tomaram uma expressão de sutil surpresa e o aperto no pescoço de Emma se afrouxou levemente. A assassina moveu com dificuldades sua mão para o peito, onde o colar de Ko'kuo pendia, revelado devido ao fato de estar sem seus robes. Agarrou o cristal afiado que servia de pingente.

— D-deveria t-ter me matado... a-anos atrás — terminou ela. 

Emma arrancou o colar de seu pescoço e ergueu-o. Quando Eberus viu quais eram suas intenções, no entanto, era tarde demais, e o cristal límpido já perfurava a pele fina e enrugada do pescoço do templário. Emma cortou com força a garganta do homem, abrindo um talho enorme de um lado até o outro. O sangue escorreu, quente, dali até as mãos de ambos, e o grão-mestre templário se engasgou em seu próprio sangue, antes de a vida se esvair de seus olhos e ele cair sobre Emma, morto. 

Respirando fundo, dando as boas-vindas ao ar gelado que passava para seus pulmões, Emma empurrou-o para fora de si. Sorriu, mesmo apesar dos muitos focos de dor em diversas partes de seus membros. Eberus se fora. Queria ficar ali, encarando o teto alto de madeira, para sempre, mas sabia que não podia. Muitíssimo devagar, apoiou-se nos cotovelos e se ergueu, colocando o cristal ensanguentado no bolso das calças. 

O frio começava a afeta-la novamente, mas com toda a dor era fácil ignora-lo. Estava prestes a vasculhar as vestes de Eberus em busca do artefato, mas seus olhos detectaram o brilho do outro lado da sala, que agora se destacava devido à falta de luz no ambiente, exceto pela aura fraca da lua que entrava pelas janelas. Mancando, foi até o objeto. 

O Diamante de Kalista estava encaixado em alguns aparados de metal juntamente com o cajado de ouro de Seth, cercados por diversos itens científicos e globos de vidro. Emma reconheceu-os como pertencendo a Benjamin Franklin; eram os mesmos que ele tentara recuperar no navio onde Emma fora encarcerada. O intelectual não havia voltado à Inglaterra, afinal. Ali também se encontravam diversas esferas de metal, idênticas à que haviam roubado em Nova York tempo atras. Estavam apoiadas em cuias de vidro, e uma delas estava vazia; aparentemente haviam tentado realizar os experimentos com uma faltando. 

No entanto, Emma não queria nem tinha tempo para ficar apreciando itens cujas funções ela nem mesmo conseguia começar a compreender. Agarrou o cajado de Seth, enfiando-o por dentro do cinto. Também havia um diário ali, o qual pegou e enfiou em sua bota. Hesitante, estendeu a mão para o Diamante, que era maior que toda sua mão. Segurou-o em frente ao rosto, seus olhos refletindo o brilho que ele emitia. Da última vez que o vira, era apenas uma joia amarela e sem graça; agora até mesmo uma espécie de líquido dourado parecia bruxulear dentro do artefato. 

Pegando-a de surpresa, a luz se estendeu, projetando-se em uma forma circular ao redor dela, vários feixes dourado dançando e envolvendo-a numa cúpula que parecia ser feita de ouro em pó. De repente, chocando-a ainda mais, um par de rostos se formou no brilho. Era difícil distinguir, mas sem duvidas eram duas pessoas; um homem usando uma espécie de chapéu alto e uma mulher com o cabelo preso por tranças nas laterais. 

— "Somos Jacob e Evie Frye" — uma voz feminina ecoou, parecendo vir de todas as direções. — "Acabamos de chegar a Londres."

— Frye? — Emma sussurrou de volta, o nome lhe soando familiar aos ouvidos. 

Piscou, atônita, e estendeu sua mão, prestes a perguntar mais coisas às pessoas, mas seus rostos se desfizeram repentinamente, desaparecendo na poeira dourada. No entanto, outro apareceu, um homem com expressões fortes e um maxilar demarcado. 

— "Arno Dorian" — disse esta voz, desta vez masculina, e possuía um forte sotaque francês. — "Mestre assassino, ao seu dispor."

— Arno — Emma chamou, dando um passo à frente, mas o rosto também desapareceu no pó. — Espere!

Antes que pudesse pronunciar outra palavra, algo se agarrou à blusa de linho de Emma, girando-a e fazendo-a olhar para trás. Por um milésimo de segundo, ficou feliz ao ver Connor. No entanto, seus olhos ainda brilhavam dourados. Momentaneamente, havia se esquecido daquele pequeno detalhe. Ainda atordoada por toda a luz que os cercava, Emma não conseguiu raciocinar para desviar do ataque que ele desferiu, e sua machadinha foi enterrada com força no abdômen da assassina.  

Cada centímetro do corpo de Emma tremia, e o Diamante de Kalista escorregou de sua mão para o assoalho. Assim que ele atingiu o chão, sua luz e a cúpula ao redor de Emma se extinguiram, e os olhos de Connor espelharam o acontecido; fecharam-se, e ele caiu no chão, desmaiado. Emma sentiu o sangue subindo por seu esôfago, e tossiu-o para fora para que pudesse respirar. Caiu de joelhos ao lado de Connor, apoiando uma das mãos no chão enquanto usava a outra para arrancar a machadinha e joga-la para longe. Olhou para o ferimento, observando enquanto o linho bege encardido tingia-se de negro. A dor era tão profunda que a visão de Emma se embaçou, e sua cabeça girou. 

Como se as punições divinas ainda não houvessem cessado, houve um estalido alto atrás de Emma, e ela virou a cabeça para ver os aparatos de Franklin começarem a se destruir. Labaredas azuis ergueram-se e os fios de cobre se entortaram em padrões irregulares. Então, as esferas de metal começaram a vibrar, acompanhado de uma pressão terrível que fez os ouvidos de Emma apitarem e começarem a sangrar. 

As enormes janelas que decoravam o escritório se estilhaçaram, derrubando o vidro por todas as superfícies possíveis. O assoalho rachou em diversas áreas, e quando os olhos exaustos de Emma detectaram que as fendas se aproximaram dela e de Connor, ela decidiu que era hora de sair dali. Agarrou o Diamante, enfiando-o nas vestes de Connor, e puxou-o para longe dali, para longe dos aparatos que pareciam que iriam explodir a qualquer momento. 

Connor era extremamente pesado, e tudo piorava com o fato de Emma estar completamente sem energias. Cada passo que dava arrastando-o era como uma chibatada em seu estômago. Apesar disso, deixá-lo ali estava fora de questão, principalmente quando ela era tudo o que ele tinha para sair dali vivo. Ela sabia que, se ele pudesse, diria a ela que confiava sua vida a ela. 

No entanto, Emma falhou em ir muito longe. Naquele momento, as decorações das paredes começaram a cair enquanto toda a estrutura entrava em colapso. Livros caiam das estantes e quadros despencavam até o chão; as fendas agora ocupavam quase toda a extensão do escritório, prendendo Emma entre a queda da janela e o cômodo em destruição. Suas pernas falharam, e ela desmontou-se ao lado de Connor, que ainda estava no chão; seus olhos estavam quase fechados, seu rosto mais branco que a neve lá fora. No entanto, não tinha tempo para respirar fundo; mesmo que se matasse no processo, não podia deixar que Connor morresse ali. 

De repente, todo nível superior da biblioteca se desabou, levando consigo o teto, os candelabros e tudo mais. Os olhos quase mortos de Emma se arregalaram e em uma explosão de adrenalina, se levantou e agarrou as vestes de Connor, puxando-o para que os destroços que caíam não o atingissem. No entanto, estavam perto demais da queda aberta pela janela panorâmica que se quebrara; todo o peso de Connor a fez se desequilibrar, e ambos caíram para fora da mansão, rolando montanha abaixo. 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥