O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 32
O Preço da Honra




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James POV 

 

James respirou fundo, encarando a fenda bloqueada no gelo. Havia chegado às geleiras havia pouco tempo, e mal conseguia controlar a ansiedade, ou até mesmo seus braços que tremiam com o frio daquele lugar abandonado por deus, mesmo estando usando um grosso casaco de peles que comprara em Boston. Tinha as intenções de fazer outra viagem antes de seguir para o norte, mas seu instinto o fizera bem; claramente ele e sua tripulação eram necessários ali.

Ainda não conseguia acreditar que os homens de Faulkner haviam deixado Connor e Emma seguirem sozinhos para um local onde, sem dúvidas, haveria dezenas de inimigos. Imaginou a princípio que, sem dúvida alguma, Emma teria algum dedo naquilo. Estava começando a adaptar sua mente ao fato de que a mulher sempre se metia em situações de onde ela dificilmente sairia ilesa. Aparentemente, os membros desta irmandade tinham esse problema: o desejo insaciável de conflitos.

“Capitão Connor insistiu que ficássemos aqui, caso algum reforço templário viesse pelo mar”, explicara o contramestre, mas não interessava a James. Faulkner dissera que haviam entrado por uma fenda no gelo, e quando o capitão a inspecionara, vira que estava bloqueada por alguma espécie de deslizamento. Por um buraco no gelo, vira que não havia ninguém ali, então decidira agir de imediato. Posicionara o Mockingjay paralelo à entrada, passando por cima de todos os destroços com o novo casco reforçado. Havia comprado muitas melhorias para o navio, mas não pensou que usaria os lança-chamas do antigo navio de seu avô, o Vingança da Rainha Ana, para algo, mas naquele momento viriam a calhar.

Faulkner prometera a ele que os assassinos da Ordem de Emma tinham habilidades inumanas, e conseguiriam se virar sozinhos, mas o fato de que nenhum dos dois estava na passagem, esperando por ajuda, o preocupava, e fazia a angústia revirar suas entranhas, algo que não sentia havia tempos. Haviam muitas possibilidades, mas se os assassinos houvessem achado outra saída, já teriam feito contato com Faulkner.

— Fogo! — Ordenou. 

Os lança-chamas na proa do navio se acenderam, acertando em cheio a passagem bloqueada. A força do fogo era tão fenomenal que James sentiu o calor mesmo dali, de trás do timão. Todos no convés recuaram, mas olhavam com admiração enquanto as chamas derretiam o gelo, deixando para trás apenas algumas rochas. Após um ou dois minutos, comandou que cessassem, e as chamas que haviam iluminado todos os arredores se extinguiram, e o ambiente foi embebido em escuridão novamente.

— Vamos lá — murmurou o capitão, ainda mais sério. 

Uma dezena de marujos seguiu James, saltando do Mockingjay para o que restava de icebergs, e, juntos, entraram na fenda, vendo o gelo derretido gotejar quando passaram pelo enorme buraco recém feito. Os archotes levados pelos tripulantes iluminavam apenas alguns metros à frente, mas a saída se revelou depois de alguns minutos de caminhada, James sendo o primeiro a vê-la. 

Os marujos saíram da passagem, banhados mais uma vez pela lua, e encontrando ali uma paisagem congelada e inteira tomada pela neve, cercada por montanhas e geleiras, alguns pinheiros e até mesmo um lago congelado que ocupava grande parte da planície nevada que se estendia à frente dele, em um vale cercado por montanhas.

Era uma bela vista, mas apenas uma coisa chamava a atenção, desde o primeiro passo dado para fora da passagem: uma espécie de castelo construído algumas centenas de metros acima na encosta de uma das montanhas que cercava o lugar. Os tijolos escuros se desmoronavam como um monte de areia que era lambido pelo mar, fazendo com que destroços rolassem ladeira abaixo. Dali, era difícil ver se havia um acesso seguro à mansão, e, conhecendo Emma, ela provavelmente havia subido e descido pela forma mais perigosa.

— Emma?! — James gritou, alto o suficiente para fazer sua garganta doer, correndo através do vale nevado em direção ao pé da montanha onde vários pinheiros tinham suas raízes. Se recusava a acreditar que ela ainda estava lá em cima. Seus homens o imitaram, chamando os assassinos. — Emma?! Connor?!

De repente, um som alto e claro se ergueu sobre as árvores invernais, sendo captados pelos ouvidos de todos ali; o som de um disparo de pistola. Quando James se virou em direção ao ruído, o rosto tomado por preocupação e ansiedade, viu corvos voarem para longe de algumas árvores mais à frente. Sem pensar duas vezes, correu pela neve o mais rápido que lhe era permitido, seguido pelos marujos. Suas pernas travaram quando viu, perigosamente perto da encosta, duas pessoas quase totalmente enterradas na neve. 

— Não — Thatch disparou até ela, caindo ao seu lado e tirando a neve de cima da mulher com uma pressa pouco cautelosa. — Por favor, não esteja morta. 

Ao lado de Emma havia uma pistola fumegante, mas ela não estava mais acordada. Segurou seu rosto entre as mãos; estava gelado, e seus lábios cheios haviam assumido um tom doentio de azul. Sua perna esquerda estava com um rasgo terrível na bota, onde havia um corte profundo que ainda sangrava, e por onde a ponta de seu osso se projetava. Sem dúvida ela havia caído montanha abaixo, quebrando a perna no processo. Um cajado dourado e de aparência estranha e exótica estava pendurado em seu cinto. Não era muito grande, talvez menos de um metro de comprimento; James pegou-o, pendurando-o em seu próprio cinto.

No entanto, não tudo; quando tirou toda a neve, viu que havia um buraco em sua coxa, além de o abdômen estar manchado de vermelho. Olhando com mais cuidado, encontrou uma enorme abertura em seu estômago. Era um corte limpo e comprido, claramente feito por mãos humanas. Abaixou-se para pressionar o ouvido contra seu peito; apesar de fraco, seu coração ainda pulsava. 

— Fique comigo, Emma — James soltou-a para tirar seu casaco de peles e a levantou devagar para embrulha-la nele. O frio era terrível, mas ele não conseguia se importar. Olhou para Connor, a quem seus homens ajudavam. Foram necessários quatro para erguê-lo. — Ele está bem?

— Parece não estar muito machucado, capitão — respondeu um dos homens. — Está apenas desacordado. 

Quando os homens finalmente conseguiram tirar Connor da neve, algo caiu das vestes do assassino; um diamante oval, opaco e amarelo. Os homens olharam, e apesar de toda a sede por riquezas que James sabia que possuíam, a situação dos dois assassinos os deixou inquietos, pensando duas vezes antes de pegar a joia. 

— É o Diamante de Emma — James não conseguiu evitar um sorriso fraco. — Ela conseguiu — sacudiu a cabeça, voltando-se para ela novamente e passando os braços por baixo da mulher. — Ricko, pegue a joia, mas não use as mãos. Não perca isso de vista, vale mais que a vida de todos nós.

— Sim, capitão — o marujo removeu seu chapéu tricorne e correu para o diamante. 

— Precisamos voltar para o navio — James se levantou, levando Emma consigo, e segurou-a extremamente próximo de si. Thatch rezou para qualquer deus que estivesse ouvindo, pedindo que não houvesse chegado tarde demais.

 

 

A viagem de volta foi quase tão pesarosa quanto todo o resto; assim que chegara aos navios com Emma, Connor e os homens, James ordenou a partida de imediato. Os tripulantes de Connor o levaram para o Aquila enquanto Emma era trazida a bordo do Mockingjay. Ouviu Faulkner gritando perguntas desesperadas sobre o que poderia ter acontecido, mas James ignorou-o; tanto não tinha respostas, quanto tinha de levar Emma para um local aquecido de imediato. 

Após gritar ordens para que os tripulantes seguissem o Aquila, James chutou a porta de sua cabine, entrando com dois de seus homens em seus calcanhares. Ordenou que acendessem a lareira e todas as velas, depois que fossem para o deque inferior buscar água fresca. Colocou Emma delicadamente sobre sua cama, seguindo depois para sua escrivaninha, por onde correu seu braço, empurrando tudo que havia ali para o chão. Então, pegou a mulher novamente e a colocou deitada ali; poderia cuidar de seus ferimentos com mais facilidade.

A princípio, não foi tão difícil tratar do ferimento profundo aberto no abdômen de Emma. No entanto, conforme a cabine do capitão ficava mais quente, a circulação de sangue em seu corpo voltava ao normal, e as bandagens que James improvisara não conseguiam conter o sangramento. Seu coração batia timidamente; ele mantivera sua mão sobre seu peito, e a qualquer segundo que o órgão ameaçava falhar, ele o pressionava repetidamente para mantê-lo funcionando. 

"Não desista, Emma", ele dissera a ela inúmeras vezes. "Não ouse desistir agora."

***

Chegaram à fazenda após horas de pura tensão, e assim que se aproximaram da baía, o contramestre de James, Weasel, desceu até a cabine para avisa-lo de que havia um navio desconhecido aportado ali, e seria requerido certo esforço para descer Emma até o píer. Assim que desceram âncora, enrolou Emma novamente em seu casaco e saiu com ela, levando-a em um bote até o pequeno porto, depois até a casa grande, onde logo o médico da vila, um senhor de meia idade chamado Lyle, tendeu aos seus ferimentos. 

Connor estava em um estado menos crítico, mas como ninguém parecia ser capaz de acorda-lo, seus homens o carregaram para um quarto no segundo andar da mansão. James esperou ao lado de fora da sala de estar no andar térreo enquanto o médico fazia seu trabalho em Emma, batendo os dedos nervosamente nos braços cruzados, e tentava manter qualquer pensamento pessimista longe de sua mente. Emma não poderia morrer; ela simplesmente não merecia, depois de todo o esforço que fizera. Ela tinha de viver.

Um movimento no fim do corredor chamou a atenção de seus olhos ansiosos, e ele observou em silêncio enquanto via uma forma encapuzada sair do cômodo que James acreditava ser o escritório de Achilles, acompanhado do próprio dono da propriedade. Pelas roupas típicas, também era um desses lunáticos que pertenciam à ordem, mas sendo Connor e Emma os únicos assassinos que conhecia, aquele lhe era um estranho. 

— Obrigado por sua hospitalidade, Mestre Achilles — a voz do visitante era profunda e discreta, e apesar de ser imponente, parecia tratar o velho com o maior dos respeitos. 

James não passou despercebido; antes que Achilles pudesse prolongar o diálogo, seus olhos cansados voltaram-se para o capitão, e este movimento chamou a atenção também do outro. O velho andou pelo corredor, seguido pelo assassino, e parou em frente à James, estudando-o com cuidado, seus passos reverberando na casa silenciosa.

— Capitão Thatch — murmurou o velho, seguindo com as apresentações. — Retornaram de sua empreitada? Não os ouvi chegando. Timothy, este é James Thatch, associado de Emma e Connor. James, Timothy Frye.

Poupando um aperto de mãos, James apenas assentiu uma vez, e o assassino imitou seu movimento.

— Não trago boas notícias — Thatch se desencostou da parede, virando-se para dar uma espiada para dentro da sala. O médico terminava de enrolar o abdômen de Emma em bandagens novas. — Emma está gravemente ferida, e Connor está lá em cima, desacordado. 

Passos soaram por trás de James, e quando ele se deu conta, Timothy estava entrando na sala e parando ao lado da mesa. A lareira estava acesa, e as cortinas fechadas, escondendo a manhã que raiava lá fora. Seus olhos pararam em Akwe por um segundo; a águia estava quieta, apoiada em seu pedestal perto da janela, observando o estranho com seus atentos olhos amarelos. Pelo que ouvira, Emma não levara o pássaro para o norte com medo de que a perdesse, e a deixara com Achilles na fazenda. 

O assassino abaixou seu capuz, e um rosto levemente estupefato foi revelado. Era mais jovem que James esperava, apesar de claramente ser mais velho que Emma; talvez estivesse perto dos trinta. Era dono de cabelos marrons arrumados para trás e uma barba rala no maxilar forte. Dr. Lyle, que terminava de guardar seus instrumentos em uma maleta de couro, suspirou, virando-se para Achilles e James, o pequeno par de óculos quase escorregando para fora de seu nariz comprido e vermelho. 

— A situação é grave, eu diria — o médico deu seu veredicto. — Seu corpo retornou à temperatura normal, mas o frio era o menor de seus problemas. As bandagens segurarão as costelas quebradas, a perna, e manterá o ferimento no abdômen fechado, mas ela já perdeu muito sangue, sem contar o ferimento da bala. Só o tempo dirá, eu temo. Connor, por outro lado, deve ficar bem em poucas horas. 

Achilles suspirou; não era a primeira vez que ele ou James tinham de ouvir o médico dando notícias sobre o par de assassinos que sempre requeriam de seus cuidados.

— Obrigada, Dr. Lyle. 

— É terrível vê-la assim — Timothy murmuro quando Lyle fechou a porta da frente, permitindo que uma corrente de ar deslizasse antes de fazê-lo. — Como isso aconteceu?

— Não tenho certeza — James andou pela sala, sondando o homem com cautela. Por algum motivo, não confiava muito nele. — Eu a encontrei assim. 

— Mestre Achilles disse que haviam ido atrás de Eberus Fitzgerald — o homem finalmente o olhou, encarando Thatch com ansiosos olhos verde-oliva. — Ela... conseguiu? Ela o matou?

— Pelo estado em que encontrei a mansão onde acredito que estiveram, imagino que sim. 

— Ótimo — assentiu, e seus olhos vaguearam por um instante antes de voltar a James. — E o Diamante? O Diamante de Kalista?

James estreitou os olhos, recostando-se contra o sofá em frente à lareira enquanto o homem ainda o seguia com o olhar. De repente parecia mais interessado naquele maldito Diamante do que na mulher moribunda na mesa. Achilles parecia confiar nele, mas o homem já era de idade avançada e poderia facilmente ser convencido se ouvisse por tempo suficiente. Não faria mal saber um pouco mais sobre o sujeito. 

— Quem é você mesmo? — Perguntou James. 

— Timothy faz parte de nossa Ordem — Achilles interferiu. — Foi enviado pelo conselho de Londres para ajudar Emma a recuperar o diamante. 

— Chegou um pouco atrasado, temo informa-lo — James repreendeu em um tom sarcástico. 

— Onde está o Diamante? — Timothy claramente estava começando a perder a paciência. — Não acredito que alguém como você entenda o valor daquele artefato. 

— Está seguro — Thatch disse, simplesmente. — Em meu navio. 

Thatch e o assassino trocaram olhares uma última vez antes de finalmente guardarem as garras, até que o único som era o do crepitar do fogo na lareira. Achilles deu passos preguiçosos e lentos até o sofá, onde se sentou em frente ao fogo, apoiando a bengala no assento. Timothy andou ao redor da mesa, e ergueu uma das mãos para acariciar o bico de Akwe, que, surpreendendo James, permitiu-o. Perguntou-se se aqueles animais reconheciam Assassinos quando viam um. 

— O pássaro? — Perguntou. 

— É de Emma — James observou Akwe com tristeza. 

— Temos de colocá-la em um lugar mais confortável — Timothy virou-se novamente, referindo-se a Emma. — Precisamos partir o mais rápido possível, ela tem de estar em condições decentes para suportar a viagem de volta. 

— O quê? — James, abismado pelas palavras do assassino, ergueu os olhos de Emma para o homem. — Perdoe-me, mas acho que falhei em entender suas palavras.

— Ouviu muito bem. Levarei Emma de volta para Londres.

— Realmente acredita que ela sobreviverá a uma viagem de dois meses em alto mar?

— Ela tem de voltar — continuou, e parecia mais sério que antes. — A situação na mansão onde Emma mora está desestabilizada. Desde sua partida, a saúde de seu pai apenas piorou, e ele está à beira da morte. Quando Ahberon se for, todos terão de abandonar a Casa. Londres não é mais segura para a guilda dos Pierce, e eles precisarão do apoio de Emma. 

James decidiu parar de discutir, surpreso e irritado pela audácia daquele homem. No fim, ele entendia que a família de Emma precisava dela, mas era impossível ignorar os perigos daquela decisão. Sabia melhor que ninguém que um navio não era exatamente o melhor lugar para recuperação, mas Timothy já parecia ter feito sua escolha.

Logo após o fim daquela conversa, quando todos se silenciaram, passos foram ouvidos na escada, e Connor apareceu na sala. Estava com uma aparência terrível, cheio de cortes finos no rosto, e ele parecia mais cansado que nunca. Sem dizer nada, pegou Emma com gentileza da mesa e a levou para o segundo andar. A dor em seus olhos era quase líquida.

***

Durante a semana que se seguira, o inverno dera uma pequena e merecida trégua, poupando as florestas da Fazenda Davenport por alguns dias. Todos estavam pesarosos e ansiosos. Diana ficava sempre que podia com Emma, mantendo vigilância, uma vez que era aprendiz de Lyle. Catherine também fora à casa, tentando alimenta-la com sopas leves e quentes, mas era difícil fazer a mulher engolir qualquer coisa que fosse.

Thatch falhou em ter paciência com as insistências de Timothy em levar Emma para a Inglaterra, e o assassino tinha o navio preparado para partir desde sua chegada. Apenas quando Achilles determinara que Emma apenas partiria quando estivesse consciente, o assassino se aquietou. Ele ficava em seu navio, na maior parte do tempo, e raramente subia a colina para interagir com qualquer uma das pessoas da fazenda.

Dr. Lyle visitava durante as manhãs, quando a temperatura era mais fria, e à noite para trocar as ataduras de Emma, que cobriam todo seu torso, desde o pescoço até a base do estômago, mantendo-as sempre limpas e livres de infecções. Thatch notara que a respiração de Emma havia adotado um ritmo mais estável perto do quarto dia, e o ferimento estava perto de se fechar, sangrando menos a cada dia. No entanto, sua perna ainda estava inchada, e o rosto não voltara à cor natural.

Apesar de tudo, fora Connor quem ficara com ela durante a maior parte dos dias, se recusando a deixá-la sozinha. Apenas quando James subia do porto e entrava no quarto para checar seu estado, ele saía e desaparecia um tempo na floresta, voltando apenas algumas horas depois com carne e outros frutos da caça. Fora isso, foram raras as vezes em que Connor fora visto saindo do quarto, e mais raras ainda às vezes em que dormia. 

Connor apenas relaxou um pouco quando, para o alívio geral, na sexta manhã, Lyle anunciara que Emma se encontrava mais estável, fisicamente. A notícia se espalhou rápido e o clima ao redor da propriedade ficou mais alegre. Lyle dissera que, apesar da melhora, Emma nunca mais se sentiria como antes, mas saber que ela estava fora da zona de perigo fora suficiente para James esvaziar sozinho cinco garrafas de rum na cabine do capitão no Mockingjay.

Naquela noite, James fora até a mansão novamente, mas com as intenções de falar com Connor. Encontrara-o fora da casa, soltando Akwe para um voo matutino, e puxara-o para uma conversa, querendo saber sobre o que acontecera na noite em que os haviam encontrado. "É minha culpa", ele dissera num tom obscuro. "Eu a ataquei. Ela está nesse estado por minha causa".

James perguntara como aquilo poderia ser possível, e então o assassino recontou a história do Diamante que Emma havia dito a ele tantas noites atrás. Não entendera muito bem, a princípio, apenas que Connor fora forçado a atacar Emma, e que não se lembrava de como haviam saído da mansão. Satisfez-se com aquilo, pois sabia que apenas teria uma história mais detalhada quando a ouvisse contada por Emma.

No sétimo dia, numa manhã clara e sem nuvens, James subira as escadas da mansão outra vez, levando consigo a caixa de madeira com o Diamante de Kalista e um diário que haviam encontrado em Emma para dar a Connor, além do cajado dourado. Os homens estavam nervosos, assustados com a presença da joia no barco, e pediram ao seu capitão que o levasse para outro local. Malditos supersticiosos, o capitão reclamara para si mesmo. 

No entanto, assim que subira as escadas, seus olhos encontraram Timothy, que estava parado ao lado de fora do quarto, encostado na parede, girando uma pequena faca nos dedos. Ergueu os olhos claros para James, e colocou um dedo sobre os lábios, indicando que deveria fazer pouco barulho. 

— Ela acordou — contou num sussurro. — Estão conversando. 

James se aproximou em silêncio da porta, espiando pela pequena fresta aberta. Dali conseguia ver as costas de Connor, agachado ao lado da cama, que ficava encostada à parede oposta à da porta. Descansava a mão sobre a bochecha de Emma, cujos olhos âmbar estavam finalmente abertos, com pouco brilho reaparecido neles. No entanto, aquilo só poderia significar uma coisa: Timothy pretendia partir logo, e James sabia que era por isso que ele estava ali. 

— Você confia neste homem? — James ouviu; Connor murmurava num tom médio, mas graças ao silêncio que parecia sempre dominar a casa nos últimos dias, não foi difícil ouvi-lo. Claramente estavam no meio de uma conversa. Emma o olhava com uma mistura de tristeza profunda e aceitação, e ela não parecia sentir qualquer rancor em relação a ele. Ambos tinham uma conexão que James nunca vira, e imaginava que a partida de Emma seria dolorosa. — Não hesitarei em levá-la para casa eu mesmo. Tudo que tem de fazer é me pedir. 

— Confio nele com minha vida, é um velho amigo da família — a voz de Emma estava tão rouca e baixa que parte de sua frase James teve de adivinhar lendo seus lábios. — Não posso pedir que vá. Achilles precisa de você aqui, e sua missão não acabou. 

— Ela nunca acabará. 

— Eu sei. Mas há coisas que você precisa fazer. Precisa proteger estas terras, proteger as pessoas que a chamam de lar. Você é responsável pela defesa deste novo país que crescerá. Precisa reviver a irmandade deste lado do oceano. Todos estes assuntos requerem sua atenção. Prometo que ficarei bem.

Connor se silenciou, acariciando de leve os cabelos de Emma que estavam espalhados pelo travesseiro e caiam como uma cascata de ondas marrom avermelhadas pela lateral da cama, chegando a tocar o chão. Claramente, apenas aquela promessa não era suficiente para Connor, e James entendia que se sentisse dessa forma; Emma não era um exemplo de autopreservação. Podia vê-lo tremendo de leve; se esforçava para não deixar que suas emoções transparecessem. 

— Não desperdice sua raiva — Emma estendeu a mão para correr os dedos longos pelo rosto dele. — Direcione-a para a estrada à sua frente. Use-a para lembrá-lo do que tem de ser feito — Thatch se perguntou de qual missão de Connor estavam falando. — É uma estrada difícil, mas caminhe por ela de qualquer forma. Pois, além da esperança, eu também estarei ao seu lado. Basta materializar-me em seus pensamentos, e eu estarei aqui. 

Connor baixou a cabeça, e deitou-se no peito de Emma com cuidado, e ela acariciou o cabelo negro do homem, fechando os olhos outra vez. Além de aquilo estar entristecendo-o, James resolveu dar a eles alguma privacidade, então recuou, segurando a caixa embaixo do braço com cuidado. Pobres tolos apaixonados. É por isso que nunca fico com uma mulher por mais de uma semana, pensou para si mesmo.

— Emma nunca foi tão intensa — Timothy murmurou, e James virou a cabeça para olha-lo. — Sempre foi extremamente focada, e se o dia de hoje estivesse acontecendo alguns anos atrás, ela teria insistido em ser levada de volta à Inglaterra, mesmo que estivesse sangrando baldes. Poderia até mesmo saber que morreria no meio do caminho, mas preferiria voltar como um cadáver e ter sua honra reconquistada a viver sem completar sua missão. Este lugar fez algo a ela, e este homem também. 

— Este lugar a ensinou a ser humana, não apenas uma marionete — James murmurou de volta, e mudou o peso de uma perna para a outra, desconfortável. Lembrou-se do que Emma lhe contara de sua experiência nas colônias, e de como as pessoas na Fazenda Davenport a viam com afeto. — Aqui ela se aventurou, viu novos horizontes, um novo céu. Conheceu pessoas que não se importavam com seu passado, e a trataram com hospitalidade. Aqui ela sorriu, e se apaixonou — James estudou com pesar a porta do quarto. — Priva-la disso é realmente um crime. 

— Emma está ciente de seus deveres com a Ordem — respondeu Timothy, como se aquilo fosse a desculpa perfeita. — Até então, era tudo o que ela conhecia. 

— Vou pedir-lhe uma coisa, Sr. Timothy, meu camarada, se não se importa — James virou-se para o homem novamente. — Este seu Conselho já se divertiu o bastante jogando Emma de lado, tratando-a como se ela houvesse jogado um monte de carniça nos robes deles — Timothy estreitou os olhos claros. — Sim, ela me contou a história. Ela lutou, sangrou, e quase morreu por esta Ordem estranha de vocês, e mais de uma vez eu ouso dizer. Emma salvou o mundo; garanta que as poucas pessoas que saberão disso a tratem novamente com o respeito que ela merece. Ela conquistou esse direito. 

Timothy piscou algumas vezes, refletindo. Então, estendeu a mão em direção à James, claramente querendo o que o capitão carregava. Havia ouvido Emma dizer que confiava no sujeito com sua vida, e estes assassinos eram bem sensíveis em relação aos estranhos artefatos, e também à suas ordens. Então, andou até ele, entregando-o a caixa. O assassino baixou a cabeça em uma reverência simples. 

— Tem minha palavra. 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥