O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 13
Promessas




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— Minhas melancias!

Emma apressou-se a se levantar do poço verde e cor-de-rosa que aquele canto da rua se tornara devido ao brutal esmagamento das frutas de um pobre mercador que agora estava ajoelhado em frente à Assassina, erguendo as mãos para o céu, lamentando. O que era uma barraca agora se reduzira a um amontoado de madeira, pano e frutas esmagadas. Sentindo-se um pouco culpada, Emma jogou algumas libras para o vendedor.

— De pé – ordenou Emma, puxando Wilburn do chão. Ele não era muito mais alto que ela e parecia um pouco atordoado devido à queda. – Não foi sábio correr.

— Sou mais esperto do que compactuar com Assassinos— defendeu-se enquanto Emma o puxava para um beco mais vazio, longe de olhos curiosos, pronunciando a palavra como se fosse uma maldição.

No fim do beco, havia uma pequena vila isolada e sem saída, e as casas cujas portas davam àquele limitado espaço deserto tinham suas janelas fechadas. Vendo que não seriam perturbados, Emma jogou Wilburn ao chão e desembainhou sua espada, direcionado a ponta afiada e brilhante ao meio dos olhos pequenos e amedrontados do homem.

— Bem – disse Emma, com um sorriso sarcástico. – Vamos aos negócios.

Wilburn engoliu em seco, mas ele não olhava mais para a ponta da espada, ou Emma. Algo no topo dos telhados capturou sua atenção. Emma ergueu os olhos para cima a tempo de ver Connor saltar das telhas e pousar firmemente na grama baixa e seca, assustando algumas galinhas, o rosto escondido atrás do capuz. Ele nada disse, apenas passou por trás de Emma e se sentou em uma cerca, com os olhos do capitão acompanhando-o. Ele claramente tinha mais medo de Connor, e Emma não o culpava.

— Não se preocupe – disse Emma, empurrando o rosto de Wilburn de volta para ela com a parte chata de sua espada. – Ele não morde. Não com frequência.

Wilburn deu um suspiro trêmulo.

— Acham que não sei que vão me matar? Eu não nasci ontem, garota. Sei o suficiente para não confiar em quem carrega essa Insígnia Assassina do demônio.

— Você sabe apenas o que os templários lhe disseram – murmurou Emma. – Tenho certeza de que enfeitaram sua própria Ordem de almas corruptas como se fosse a coroa do nosso querido Rei. Mas eu garanto a você, Bradley, que eles não são quem clamam ser. Além do mais, como eu já repeti várias vezes, eu só quero respostas.

O capitão franziu as sobrancelhas grossas e brancas, desconfiado, mas suspirou e apoiou os cotovelos nos joelhos.

— Não vai precisar dessa espada – afirmou.

Emma olhou para Connor, estando ela mesma desconfiada, mas o assassino assentiu uma vez, e Emma embainhou a espada novamente. Algo a dizia que Wilburn não correria mais; talvez ele tomara consciência de que não iria muito longe.

— Eu sei que eles não são o que dizem. Posso já não ser tão jovem como seu amigo esquisito ali, mas não sou cego, muito menos surdo. Esses templários são malucos, e vocês mais ainda por enfrenta-los.

— Por que você fugiu de mim, então?

— Eles não hesitariam em me matar se descobrissem que estou deliberadamente contando coisas a vocês.

— Templários não são loucos, são espertos e engenhosos, e é isso o que os faz perigosos – corrigiu Emma. – Você disse que se demitiu. Não é o que consta nos relatórios deles. Por que fez isso? Ouvi dizer que são generosos em seus salários.

— Por vários motivos – Wilburn tossiu nervosamente, e olhou à sua volta, como se para ter certeza de que não havia ninguém nos arbustos. – Os homens no comando eram brutos como javalis. Há alguns meses, um dos trabalhadores ficou sabendo da entrega de um imã ou algo estúpido assim que viria do sul. Phillips, um dos comandantes, o amarrou na ponta de uma prancha em um dos navios da frota, e cortou sua garganta antes de soltá-lo para as profundezas, para chamar tubarões. O homem é o demônio.

— Phillips está no comando dos mantimentos? – Emma piscou algumas vezes. O homem era um ótimo mentiroso, e conseguira enganá-la perfeitamente no forte, clamando implicitamente que não estava envolvido.

— Não me surpreende – murmurou Connor. – Ele comprou um navio no leilão.

— Vocês estavam envolvidos no assassinato de Rufus Mason? – Wilburn deu uma única risada de deboche. – Vocês estão perdidos. Ele era um peixe grande.

— Ele está morto, já não é um peixe valioso – retrucou Emma. – Me diga: você transportava as mercadorias que eles roubavam dos cidadãos. Para onde você as levava?

— Eu não sei.

Emma pegou sua espada e movimentou-a com destreza em direção ao rosto dele, mas perto o suficiente apenas para fazer-lhe um corte fino no rosto. O homem grunhiu e colocou a mão grande sobre a bochecha recém-mutilada.

— Não minta para mim, Bradley – disse ela, calmamente.

— Eu não estou mentindo, sua cretina!

— Eu vou lhe matar aqui e agora se não responder minha pergunta mais especificamente.

Wilburn olhou fundo nos olhos caramelo de Emma, e deve ter visto que ela não estava blefando. Suspirou e limpou o rosto com a manga do casaco desbotado, finalmente decidindo cooperar.

— É um armazém – revelou, limpando o suor da testa cheia de rugas. Algumas gotas de sangue haviam se impregnado em sua barba branca. –, bem guardado e impenetrável como as pernas de uma freira.

Emma bufou e revirou os olhos.

— Seja mais específico.

— Fica em uma ilha não-mapeada... no meio do atlântico.

Emma piscou os cílios longos, digerindo aquela informação. Ele não podia estar falando sério. Procurou por algum sinal em seus olhos, qualquer evidência explícita de que ele pudesse estar mentindo, mas não encontrou nada. E Connor, aparentemente um perito em ler os olhos das pessoas, teria dito algo.

— Uma ilha? – Connor perguntou por ela, manifestando-se pela primeira vez.

— Sim. Localizada em uma área de calmarias enlouquecedoras. Não estou mentindo quando digo que não sei a localização. Era o contramestre que possuía o caminho decorado e mantinha o curso do meu navio. Eu apenas segurava o timão. E nunca mais vi o homem quando desisti da vida no mar.

Emma fechou os olhos e virou-se de costas para Wilburn e Connor, tentando controlar sua própria raiva. Tanto para nada. Era como andar em um labirinto por horas, seguindo sombras e vozes, para descobrir que não havia saída.

— Sinto muito – disse o capitão. – É tudo o que eu sei. Deixe-me ir agora. Matando Mason, vocês marcaram um alvo em suas costas, e eu não quero estar perto quando os acharem.

Emma virou-se de uma vez, fazendo Wilburn dar um pequeno pulo de susto, e o homem quase teve um enfarto quando Emma agarrou-o pela gola do casaco, e iria descontar sua frustração nele, mas seus olhos encontraram os de Connor. Ele a perguntava silenciosamente se ela realmente deveria mata-lo. Emma suspirou e jogou Wilburn para o chão novamente.

— Vá – disse ela, nem um pouco feliz. – Antes que eu mude de ideia.

Wilburn tropeçou na tentativa de se levantar rapidamente, claramente desejando mais do que tudo sair dali, e correu como uma raposa assustada para fora da vila. Mas Emma já não se sentia tão ameaçadora e no controle da situação. Na verdade, ela sentia-se enjoada. De fato, desapontada com o que agora sabia, ela se afastou, sentando-se em um muro baixo e abraçando os joelhos. Sentiu seu peito se encher de angústia e desolação. Não é justo, pensou.

— Emma – chamou Connor. – Está tudo bem. É um ótimo começo. Faulkner conhece esses mares como ninguém. Talvez precise de um tempo, mas vamos encontrar esta ilha.

— É uma ilha não-mapeada, Connor – Emma respondeu em um murmúrio quase inaudível. – É chamada assim por não haver intenções de ser encontrada.

Emma ouviu os passos de Connor indicando que ele se aproximava, e logo então sentiu seu braço à sua volta. Então, ele abaixou-se em frente a ela, e Emma finalmente conseguiu ver seu rosto por trás do capuz. Ela notou com um pouco de surpresa que ele segurava as costas de sua mão, tentando confortá-la.

— Acredite em mim quando digo que sei que é frustrante – disse. – Mas nós vamos pensar em alguma solução.

Emma sorriu, um pouco envergonhada. Como ela poderia resistir àquele tom tão gentil? Sabia ele, realmente, como era aquilo que ela estava sentindo? Ela iria questioná-lo mais tarde, sem dúvidas. Aquela brandura com que ele agora interagia com ela apenas instigava sua curiosidade sobre o passado daquele assassino tão estoico e misterioso.

— O que faremos? – perguntou ela.

Ele puxou sua mão, ajudando-a a se levantar do muro.

— Infelizmente, Willburn está certo. Com todo o exército procurando por nós, tudo o que podemos fazer é sair de Nova York e voltar para casa – Ele olhou as roupas molhadas dela. Ela gostou do modo como ele disse casa, como se ela estivesse incluída naquilo. Como se a Fazenda fosse agora sua casa também. – E talvez trocar esses robes, ou vai atrair algumas gaivotas.

Emma fechou os olhos e sorriu outra vez, triste e cabisbaixa. Mas o mesmo sorriso desapareceu tão rapidamente quanto aparecera, e ela fitou os tijolos imundos sob seus pés sujos de cascas.

— Tudo parece se complicar mais a cada momento – desabafou ela, com um suspiro impaciente. – Por que não podemos simplesmente encontrar o caminho mais fácil?

Connor olhou para baixo, escondendo os olhos por baixo do capuz pontiagudo, mas seus lábios ainda eram visíveis, e eles se curvaram em um sorriso enquanto ele colocava as mãos na cintura.

— Não temos esse tipo de sorte – respondeu ele, simplesmente, então, olhou para ela de novo, fazendo um gesto de cabeça para o sul. – Vamos voltar para o Aquila e aproveitar o vento. Achilles provavelmente está esperando notícias nossas.

Emma assentiu, e seguiu Connor para fora do beco, em silêncio e distraída com suas próprias mãos. Mas uma surpresa atingiu-a quando eles pisaram para fora do corredor úmido; e atingiu-a bem na cabeça.

Ela não viu quem a golpeou, apenas sentiu a pancada na testa e sua visão ficou turva por alguns segundos. Ela caiu para trás, mas Connor a segurou antes que ela pudesse cair no chão e causar mais estragos. Quando sua visão tentou voltar, uma linha de fogo de três fileiras, talvez cinquenta homens ou mais, os cercava com mosquetes e pistolas apontados em sua direção.

Connor ajudou Emma a se manter de pé e ela tocou sua testa, e quando olhou seus dedos, estavam com uma pequena mancha de sangue. Ela correu os olhos pelos guardas que os cercavam, com a visão borrada, ponderando em uma brecha para escapar, mas ela se sentia tonta demais; Connor ainda a estava apoiando para que ela não vacilasse.

Então, foi a vez dos Assassinos de surpreender; até mesmo a Connor e Emma.

Quando o capitão do esquadrão ergueu sua espada e estava prestes a ordenar fogo, uma pequena bola de metal caiu de algum dos telhados, atraindo todos os olhos ali, mas antes que o capitão pudesse saber do que se tratava e reagir, o dispositivo explodiu, lançando uma fumaça densa em um raio de seis metros que cheirava a pólvora queimada.

Emma sabia que se tratava dos amigos de Connor, ajudando-os como podiam, e antes que Emma pudesse começar a pensar para que lado correr, o assassino segurou-a pela mão e guiou-a pela névoa artificial, para longe dali.

Mas, para o desespero de Emma, a única saída que Connor encontrara fora pular no mar, provavelmente em algum lugar do porto, e ela só soube disso quando a água salgada e fria envolveu todos os seus membros e a impediu de respirar.

Seu coração se acelerou e ela começou a se debater, sua inabilidade de nadar revelada. Ela balançou os braços, procurando algo em que se agarrar, mas foi algo que se agarrou a ela. Ela só conseguiu enxergar novamente quando Connor a puxou para fora da água, segurando-a acima da superfície. Emma tossiu a água para fora de seu organismo.

Ele estava escondido atrás de um dos muitos píeres do porto, encostando-se contra a madeira. Emma apressou-se a segurar-se nele, passando os braços por seu pescoço, tremendo de frio e completamente ensopada; ela não queria afundar outra vez.

— Você não sabe nadar? – sussurrou ele, observando os arredores por algum sinal de perigo, soando levemente surpreso.

— Nunca precisei aprender – ela sussurrou de volta, perguntando-se se o estava machucando com a força com que estava se apoiando nele.

— Acho que os despistamos – disse ele, erguendo um pouco a cabeça para olhar o porto. – Vamos embora, acho que eles não vão se deixar enganar na próxima vez.

Connor escalou o píer, e Emma segurou-se na madeira com tanta força que a ponta de seus dedos ficaram brancas. Mas Connor ajudou-a a sair, e a rua realmente estava vazia, uma vez que as pessoas na rua haviam se dissipado com toda aquela confusão, e não abusaram da sorte; usaram aquela brecha para correr dali, ansiosos para retornar ao Aquila.

A viagem de volta pareceu durar décadas, apesar de o vento estar a favor, e Nova York lentamente era deixada para trás, como uma lembrança ruim. Emma passou as primeiras horas nos aposentos de Connor, observando o imã que conseguiram roubar das mãos dos templários – aparentemente o único lucro na viagem, além da morte de Mason. Estudava a peça como se aquela ordinária bola de metal polido e manchado fosse lhe dar as respostas que ela queria.

Mas ao pôr-do-sol, ela se encontrava sentada na amurada belamente esculpida da popa do navio, bem acima do nome “Aquila” na madeira, observando as nuvens que lentamente iam tomando um tom rosado e laranja, deixando mais um dia para trás. Logo outra semana começaria e eles não haviam conseguido o que queriam. Era a única coisa que ocupava a mente de Emma que, apesar de a assassina manter-se em silêncio, zumbia com pensamentos como uma colmeia de vespas. Sua testa ainda doía, e o risco de sangue que deslizara por seu rosto secara, mas ela não se importava muito.

Emma ouviu alguns passos subindo em direção ao convés superior, e ela automaticamente virou o rosto para ver quem se juntara à sua solidão.

— Cuidado para não cair – avisou Connor com um tom firme, mas Emma podia ver que ele não estava falando completamente sério. – Eu não vou pular para salvar você.

Ela deu um pequeno sorriso, estendendo a mão para fora do navio e sentindo as gotas geladas de água que espirravam devido ao atrito do casco de madeira com o mar. Era relaxante, de certo modo.

— Imaginei que estivesse descansando – comentou ela, baixando o capuz. Havia soltado seus cabelos outra vez, já que eles eram uma boa cobertura contra o vento que corria pelo convés. – Foi um dia estressante.

— De fato – concordou, e estendeu um pedaço de bandagem para ela, juntamente com um pano embebido em álcool. – Para sua testa.

— Obrigada – murmurou Emma, e começou a trabalhar em seu machucado recente.

— Eu estava estudando as rotas próximas com Faulkner – disse. – Mas achei apropriado agradecê-la.

Emma franziu as sobrancelhas, mantendo ainda seus olhos no horizonte, onde o último resquício de luz do sol havia acabado de se esconder atrás do mar. Pensou vagamente no dia em que fora a Londres, e ficara sentada observando o nascer do sol. Parecia ter acontecido décadas atrás, e como ela agora estava em outro país com aliados novos, sua casa, sua terra natal, amigos, pareciam um sonho distante.

Ela lembrou-se de que Connor estava falando com ela.

— Agradecer-me? – questionou.

— Sim – Connor se aproximou e apoiou os cotovelos contra a amurada, ao lado de onde Emma estava sentada. Ele usava suas roupas de capitão novamente, mas outro marujo controlava o leme, que ignorava a presença dos Assassinos ali, e assoviava uma música qualquer. – Por me contar a verdade, na pousada. Sobre o que realmente aconteceu. Eu tive muitas pessoas escondendo coisas e mentindo para mim bem em minha cara. Aprecio sua honestidade.

— Você merecia a verdade.

— De qualquer forma. Obrigado.

— Não foi nada.

— Aqui. Eu fiz isto para você.

Emma virou o rosto outra vez para ver Connor pendurando um objeto artesanal em frente a ela. Era um arco do tamanho de sua mão revestido de couro cujo interior era decorado por fios marrons trançados em um belo padrão que lembrava uma flor. Dele pendia um círculo menor, idêntico ao maior. Penas de águia e contas coloridas balançavam suavemente com o movimento do navio, também presos aos arcos de madeira.

— Connor, é lindo – disse ela, com sinceridade, tomando o objeto delicado nas mãos e segurando-o em frente aos olhos. – O que é, exatamente?

— É um apanhador de sonhos – explicou. – Pelo menos acho que essa seria a a tradução apropriada. Meu povo os faz para as pessoas da tribo que têm muitos pesadelos à noite. Você deve pendurá-lo acima de sua cama, e os sonhos ruins ficam presos nele.

— E você o fez? Para mim?

— Sim. Você gostou?

— Muito. Ninguém nunca me deu um presente antes. Obrigada.

— Há muito pesar em seus olhos, apesar de você conseguir esconder – comentou, tirando o chapéu tricorne momentaneamente para correr a mão pelos cabelos negros como carvão. – Mas eu aprendi a ler as pessoas há muito tempo. Achei que se não tivesse mais pesadelos, você não pareceria tão triste.

Emma observou-o, um tanto tocada por aquele ato simples, mas tão significativo. Apesar de tudo – sua estatura imponente e forte, um rosto repleto de segredos e olhos penetrantes e, nas situações oportunas, ameaçadores, Emma agora via que Connor tinha um coração do tamanho de toda a Fronteira.

— Você fez isso por que não quer me ver triste? – perguntou ela, docemente, segurando o apanhador de sonhos junto ao peito, seu mais novo amuleto.

— Parece... errado, de certa forma. Ver você tão infeliz. Não acredito que mereça a dor que ser um Assassino traz.

Emma sorriu com afeto. Ele realmente se importava com ela.

— Não acho que ninguém mereça, mas vivi com isso minha vida inteira – Emma deu de ombros. – Todos acabam se acostumando, creio eu. Sofrimento não é novidade para nenhum Assassino. Eu, pelo menos, fui criada assim.

— Assim como?

— Treinada duramente com bases no comprometimento e devoção de meu pai – Emma correu o dedo pela cicatriz fina e clara que atravessava seu olho esquerdo. – Vê isso? Um lembrete constante de que meu pai não aceita erros.

Connor observava seu rosto com atenção. Mesmo na escuridão, ele não fez esforços para ver melhor; claramente já havia notado aquela cicatriz discreta.

— Pensei que fosse uma marca de batalha.

— Bem que eu queria. Mas foi um pequeno presente de meu pai quando lhe contei a mesma história que contei a você.

— Eu esperaria isso de meu pai, mas o seu... é um Assassino.

— Ele pode ser um pouco exigente, mas por dentro é um bom homem. Ele nem sempre foi assim. Começou após a morte de minha mãe.

— Sinto muito.

— Passado – Emma tentou esconder seu desconforto atrás de um sorriso desajeitado, mas que logo desapareceu. – Ele não está errado em me punir. Ele morreria pelo bem da Ordem e apenas espera que eu tenha o mesmo comprometimento.

— O que está dizendo?

— Quero minha honra de volta. Não quero ser lembrada por falhar.

— Isso não vai acontecer. Você não vai precisar ser lembrada por sua vitória, você irá vive-la.

— Estou disposta a pagar o preço que for. Se eu viver para ver o verão novamente, ótimo. Mas se não... Bem, não fará qualquer diferença.

— Você está ouvindo a si mesma? – Connor estava começando a ficar revoltado e irritado; era evidente em sua voz como nanquim em pergaminho. – É esse o preço de sua honra? De que adianta todo o nosso esforço se você está tão disposta a morrer no final?

Emma deveria ficar ofendida, mas não aconteceu.

— Você não entende – respondeu, simplesmente.

— Não, Emma. Não entendo.

— Ninguém se importa, Connor – Emma desceu da amurada, parando em frente a ele. – Ninguém, a não ser talvez minha amiga Kara. Sou tratada como uma estranha, uma forasteira, em minha própria casa. Meu pai me odeia, e eu só tenho uma chance de consertar as coisas. Para eles, meus mestres— pela primeira vez, Emma pronunciou a palavra com desgosto. –, o Diamante deve voltar, comigo ou não. Achilles pode não ter te treinado dessa maneira, mas naquele país – o berço da Ordem Templária – os membros do conselho não podem se dar ao luxo de se apegar a seus Assassinos. Somos descartáveis. Se eu pudesse... mostrar a meu pai que não é bem assim... lembrá-lo do homem bom que ele uma vez foi... talvez ele... – Emma foi incapaz de terminar a frase, mas Connor era inteligente o suficiente para deduzir onde ela desejava chegar.

Com um suspiro, ele concluiu:

— Você quer deixa-lo orgulhoso.

Emma começou a pensar em alguma desculpa esfarrapada, mas não tinha forças mentais para fazê-lo; então simplesmente assentiu quase imperceptivelmente.

— Quero que ele pare de me odiar. Mesmo que seja sobre minha lápide.

— Por que toda essa obsessão com a morte, Emma? Por favor, clareie minha mente.

— Eu... – Emma fechou os olhos e tampou-os com as mãos enluvadas. – Eu não sei o que esperar à frente, Connor. Nada, absolutamente nada, tem sido como eu imaginava. Pensei que seria fácil, mas agora vejo que foi apenas uma ilusão. Apenas estou disposta a seguir qualquer caminho, já que é o que meu pai espera de mim.

Connor hesitou em suas palavras por um segundo, como se tentasse as escolher sabiamente.

— Você está com medo?

— Não – o modo como Emma respondeu imediatamente apenas a fez parecer ainda mais insegura sobre sua abrupta resposta.

Connor pôs sua mão sobre o ombro de Emma, e deslizou-a até seu cotovelo.

— Ninguém está acima do medo, Emma.

— Eu só gostaria de ter um pouco da coragem que tinha em meu coração quando pisei neste lugar – desabafou.

— Coragem não significa não ter medo – Connor segurou o queixo de Emma e ergueu seu rosto para que ela olhasse em seus olhos. – É ter medo, sim, mas fazer o que tem de ser feito de qualquer maneira. Por que é o certo. E é exatamente o que você está fazendo, e eu a admiro por isso.

Ela abriu a boca – sem ter muita certeza do que iria dizer, mas os dedos de Connor sobre seus lábios a impediram de dizer qualquer outra coisa.

— Você não vai morrer, Emma – prometeu. – Eu vou ter certeza disso.

Emma ficou olhando em seus olhos, perdida neles. Ela abaixou o rosto, soltando-se dos dedos de Connor. Por um momento, ela não conseguira respirar normalmente. Sentia seu peito se carregando, seu coração lentamente se metamorfoseando em algo novo. Então, um arrepio percorreu seus braços, obrigando-a a olhar à sua volta.

O que deveria ser chuva se congelara, e agora pequenos flocos de neve flutuavam como pedaços de algodão pelo ar. Os que caíam no mar, eram perdidos, mas o convés do Aquila ficava repleto deles, molhando a madeira encerada. Emma ergueu os dedos, deixando os pequenos flocos grudarem no couro de sua luva.

Ela olhou para Connor mais uma vez, e percebeu que ele não tirara os olhos dela. Ela viu a si mesma refletida naquele marrom caloroso e que parecia guardar tanta dor. Sentindo uma estranha fraqueza nos braços, ela sorriu timidamente.

— Obrigada, Connor – murmurou, abraçando a si mesma, com o seu pequeno presente ainda em mãos. – De verdade. Vou deixa-lo descansar. Boa noite.

Se Connor respondeu, Emma não ouviu – ou pelo menos não teve tempo de ouvir, uma vez que ela rapidamente começou a andar para longe dele. Mas ela não seguiu para a cabine do capitão; ela desceu para o nível inferior do navio, onde havia a armazenagem de tudo o que carregavam. Cordames, munição, comida, e tudo mais. Parecia vazio e pacífico o suficiente; ninguém a incomodaria ali.

Emma correu para o fundo do depósito e encontrou montes de feno. Nem se importou em saber o que aquilo fazia ali, apenas apressou-se em pendurar seu apanhador de sonhos sobre sua cama provisória e deitou-se no monte. Rezou para que o presente de Connor funcionasse.

Então, esperando que a viagem terminasse logo – tendo o sentimento de que queria estar na Fazenda, em casa— ela fechou os olhos, e algo que não acontecia em muito tempo aconteceu. Lágrimas brotaram em seus olhos como pequenas cachoeiras, o pesar em seu peito tornando-se doloroso e insuportável, e Emma chorou a noite inteira.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥



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