O Preço da Honra escrita por Julia Nery


Capítulo 14
A Chegada do Inverno




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A semana passou como o brilho de um relâmpago durante uma tempestade. A costa nordeste do país já estava sendo assolada pelas tempestades de dezembro, e manhãs frias e nevadas. Emma passava a maior parte do tempo na Casa ou no Aquila, ajudando Connor e Faulkner com os mapas, apesar de ela não ser de grande ajuda. Isso não mudou na tarde de sábado, onde Emma estava sentada na cadeira de Connor na cabine do capitão, mexendo em algumas cartas e brincando com uma pena suja de nanquim, completamente distraída.

— Emma?

A assassina ergueu os olhos claros ao som de seu nome.

— Sim?

— Você quer dizer alguma coisa? – disse Connor, virando-se para ela da mesa dos mapas. – Os homens estão prestes a partir.

— Sim, claro – Emma correu os olhos pelos homens à volta de Connor, que não pareciam exatamente felizes. – Obrigada pelo esforço de vocês. Boa sorte, que os ventos estejam a favor de suas velas.

A maioria assentiu, alguns sorriram torto e, assim, saíram da cabine, seguidos pelos dois assassinos e Faulkner. A paisagem montanhosa antes verde agora se encontrava coberta por uma camada de neve, suave e lisa como seda. O céu se estava nublado, como nos últimos dias, e o ar estava gelado o suficiente para uma quase invisível nuvem de vapor escapasse para fora da boca de Emma sempre que ela falava ou suspirava.

Connor pegou seu arco e aljava que se encontravam encostados do lado de fora e os pendurou nas costas largas. Emma se sentou em um dos canhões enquanto o observava se afastar em direção ao píer.

— Vai a algum lugar? – perguntou ela.

— Myriam pediu ajuda na caça, a comida é escassa e ela precisa de toda a ajuda que puder – respondeu Connor, puxando o capuz para a cabeça. Myriam era a caçadora da fazenda.

— Isso significa que posso ir?

Connor parou e fitou Emma por alguns segundos.

— Você não sabe caçar.

— Você pode me ensinar.

Pela primeira vez, Emma viu Connor dar uma risada. Mas ela retribuiu com uma cara feia.

— Quem sabe outra hora. Além do mais, tenho outros planos para você esta tarde.

Emma ergueu uma sobrancelha.

— Não está ajudando, só está instigando minha curiosidade. O que quer dizer?

Ele se virou para o porto novamente, ignorando-a. Alguém disse algo lá embaixo, mas Emma não conseguiu distinguir as palavras.

— Sim, ela está aqui – disse ele.

Connor estendeu a mão para ajudar alguém a subir a bordo. Era Ellen, a mãe de Maria e costureira, segurando seu vestido acima dos tornozelos para conseguir subir no convés.

— Obrigada, querido – agradeceu ela, e um par de pequenos olhos verdes voltaram-se para Emma. – Emma, que bom que a encontrei.

Emma suspirou, vendo Connor pular para fora do Aquila com um sorriso de satisfação por conseguir manter seu pequeno segredo.

— O que posso fazer por você, Ellen?

— Bem, antes de qualquer coisa – Ellen estendeu algo dobrado para Emma. Seu robe. – Eu terminei seu casaco. Fiz como você pediu, e adaptei melhor para este frio terrível. Espero que goste.

Emma sorriu, deixando a mente sair de Connor e sua provocação um pouco, e desdobrou o novo pedaço de sua vestimenta de Assassina. O tecido branco foi revelado, e Emma ergueu-o em frente a seu rosto. Ela pedira que Ellen aproveitasse sua capa ao máximo, em memória de sua mãe. Mas o que antes era uma capa, agora era um casaco belo e bem trabalhado em cada delicada costura. Emma não precisaria mais usar seu corpete de couro, uma vez que Ellen havia embutido o espartilho na própria peça, trançando-se em fios claros do peito até o ventre, o que manteria parte da blusa de Emma exposta juntamente com um decote ousado. A parte da frente se abria desde o fim do espartilho em um V invertido, e deixaria a calça à mostra. Além de tudo, o capuz original de sua capa mantinha-se ali, intacto, protegendo sua identidade.

— Ellen, é perfeito – Emma sorriu e checou o avesso do casaco. Era forrado por uma fina e macia pele. – Você até mesmo o forrou.

— Sim, é pele de lobo, vai mantê-la aquecida.

— Muito obrigada, Ellen. Vou deixar o dinheiro em sua casa.

— Na verdade, eu gostaria que você me retribuísse com um favor.

— Claro – respondeu Emma imediatamente. – Qualquer coisa.

— Meu estoque de tinturas chegou ao fim, e eu preciso ir até a floresta colher mais – começou Ellen, com um suspiro. – Preciso que alguém fique de olho em Maria por duas horas ou três. Pensei que você seria a pessoa perfeita, já que ela gosta de você. Se não estiver ocupada, claro.

— Sem problemas, Ellen, será um prazer.

— Se eu a deixasse sozinha, ela provavelmente correria para a floresta em busca de suas pequenas aventuras – Ellen deu uma risada cansada. – Talvez você possa mantê-la distraída.

Emma baixou os olhos, sorrindo de leve. Quem visse Ellen pedindo a uma Assassina para olhar sua filha a pensaria louca, mas Emma ficava satisfeita em saber que Ellen confiava nela a tal ponto. Ela havia desenvolvido uma relação de confiança com as pessoas da fazenda. Eles a viam como uma amiga e protetora, e percebeu que aquilo, em vez de a deixar constrangida, a fazia se sentir como parte daquela família.

— Claro, Ellen – respondeu ela. – Não se preocupe com nada.

— Muito obrigada, Emma, querida – Ellen suspirou aliviada. – Você pode encontra-la com Lance na madeireira. Até mais, Emma. Voltarei logo.


Maria e Emma passaram uma tarde agradável passeando com Sombra pelos prados que ficavam na fazenda de Achilles mais a norte, e a camada de neve que cobria a grama estava grossa o suficiente para que as patas da égua afundassem até os tornozelos. As árvores estavam desprovidas de suas folhas, galhos nus, cobertos de chuva congelada, deixando tudo com uma paisagem fria e cruel.

As duas primeiras horas passaram rapidamente, e após o passeio, Emma estava escovando Sombra e preparando-a para voltar ao estábulo, já livre do arreio, quando Maria veio correndo, com a barra do vestido verde escuro molhando-se enquanto raspava na terra úmida.

— Emma, Emma, Emma.

— O que é, Maria? Disse que esperasse na casa enquanto eu cuidava de Sombra. Aonde você foi?

A menina ignorou a pergunta.

— Você tem que me ajudar – a garota pegou o braço de Emma que estivera escovando Sombra e tentou puxá-lo, mas sem muito sucesso. – Na verdade, alguém precisa de sua ajuda.

Emma virou-se e, parando de escovar sua égua, ergueu uma sobrancelha para a menina que tentava puxar seu braço.

— Você se meteu em alguma encrenca?

— Não – Maria deu de ombros, e tentou novamente puxar o braço de Emma. – Venha, venha. Traga Sombra, pode precisar dela.

Emma franziu as sobrancelhas, ainda mais confusa com toda aquela repentina situação. Então, com um suspiro, acariciou a cabeça de Sombra e estalou a língua, indicando que a égua deveria segui-la, e assim ela o fez. Emma baixou o capuz para coçar a cabeça.

— O quão longe é? – perguntou Emma, acariciando a cabeça de Sombra, que andava de cabeça baixa ao seu lado.

— Não muito – prometeu Maria, apontando. – Logo à frente, naquela árvore.

De fato, era difícil não ver a árvore a que Maria se referia. Tratava-se de um carvalho enorme cujos longos galhos nus estavam cobertos de neve. O campo estava tomado pelo cobertor branco e gelado do inverno, no entanto, nada caía do céu, que mantinha-se nublado. Mas Maria não olhava o topo da árvore; ela correra para o pé do carvalho, abaixando-se perto das raízes.

Emma correu atrás dela e Sombra manteve-se farejando a grama congelada atrás de algo para alimentar-se.

— Maria, o que é? – Emma abaixou-se na neve ao lado da menina, e viu que ela segurava um pequeno animal em suas mãos. – O que você tem aí?

Antes que Maria pudesse responder, Emma ouviu um som de certa forma agonizante. Um choro de uma águia, lá em cima, no topo do carvalho. Ela olhou em volta.

— Maria?

— É um filhote de uma águia-real – explicou Maria, acariciando o filhote de pássaro, que piava, triste em suas mãos. – Myriam me disse sobre eles uma vez... Ele já tem idade o suficiente para voar, mas não conseguiu. A mãe está lá em cima, você deve ter ouvido. Era para eles terem migrado para o sul juntos, mas... bem, acho que ela não queria deixa-lo.

— É uma pena – Emma murmurou, e olhou novamente para Maria. – Por que ela não o ajuda?

— É ela quem precisa de sua ajuda. Myriam me disse que algumas águias ficam presas em armadilhas, e não conseguem voar confortavelmente. Eu vou cuidar do filhote, você pode fazer algo para ajudar a mãe?

Emma suspirou, fitando a árvore da raiz às folhas. A primeira bifurcação por onde Emma poderia possivelmente escalar estava demasiado alta.

— Eu não sei se consigo escalar, nunca escalei árvores. Não muitas.

— Por isso pedi que trouxesse Sombra, pode subir nela.

Emma revirou os olhos, vendo que não conseguiria fazer Maria mudar de ideia, e levantou-se, batendo a neve e terra dos joelhos e foi atrás de Sombra, trazendo-a para perto do carvalho. Fez como Maria sugerira, subindo nas costas de Sombra e pulando para a bifurcação. Emma agarrou-se ao tronco, prendendo os dedos com força na casca gelada e úmida. Ela olhou para cima, tentando encontrar algo no meio de tantos galhos coberto de branco, e bem acima, ela localizou um ninho.

— Estou vendo – anunciou Emma, segurando-se em outro galho e impulsionando-se para cima. Mesmo com as luvas, Emma pôde sentir o frio da neve que deslizou para fora da madeira entre seus dedos.

Emma tentou não olhar para baixo; apesar de não ter medo de altura, manter os olhos na altitude pela qual se movia lhe dava um pouco de tontura, então agarrou-se pelos galhos ramificados da árvore mantendo a cabeça erguida e os olhos no ninho enorme que se situava no topo. Quando estava próxima, escorregou na madeira molhada.

— Cuidado, Emma! – Maria gritou do chão.

Emma agarrou-se no galho do ninho a tempo.

— Estou bem, não se preocupe! – Emma gritou de volta e puxou-se para cima.

O ninho era grande e se encontrava bem posicionado e equilibrado na bifurcação entre dois galhos menores. Lá, encontrava-se a mais bela ave que Emma já vira. Se tratava de uma águia com belas penas mescladas de marrom e cor-de-mel, assim como os olhos de Emma. Ela se encontrava sentada em seu ninho, e abriu as asas quando Emma se aproximou, e as mesmas eram gigantes, dando facilmente dois metros de comprimento.

— Olá – Emma murmurou, aproximando-se lentamente, agachada, equilibrando-se com destreza no galho.

A ave olhava Emma com atenção, grandes olhos brancos observando atentamente cada movimento da assassina. De fato, preso à suas grandes garras amarelas, havia um pedaço de corda preso a um pesado gancho de ferro. Emma viu, também, algo em sua perna, uma espécie de tintura azul cobalto que não parecia natural.

— Precisa de ajuda? – Emma sentou-se em frente ao ninho, com uma perna de cada lado do galho e aproximou a mão devagar.

A águia retraiu-se um pouco, mas observou os dedos de Emma com curiosidade, esperando. Seu bico pontiagudo estava pronto se a assassina oferecesse qualquer tipo de perigo, mas essa não era a intenção.

Emma tocou a cabeça penosa do animal e tentou acalmá-la para que ela pudesse remover a armadilha. Sorriu com satisfação, vendo a situação incomum em que se encontrava. Um sentimento de vitória tocou Emma quando a ave baixou a cabeça e fechou os olhos.

— Não se preocupe, você vai ficar bem – Emma disse em um tom suave. Ela sabia que animais, selvagens ou não, sentem seu tom de voz. – Bem devagar...

Emma tocou a corda no pé, e o objeto se encontrava totalmente desgastado. Com certeza a águia havia tentado cortá-la com seu bico, mas não havia tido sucesso. Estava tão emaranhado quanto um nó de marinheiro. Com cuidado, Emma ativou sua lâmina, cuidadosa e lentamente, sem fazer barulho, e começou a cortar.

Alguns segundos depois, a corda se partiu e o gancho caiu dentro do ninho. Emma sorriu e acariciou a cabeça da águia novamente.

— Pronto, está livre.

Em resposta, a ave abriu novamente suas asas colossais e as bateu algumas vezes, mas quando alçou voo, passou por cima de Emma, que desequilibrou-se e caiu para trás. Bateu as costas em um galho inferior, quebrou outros, mas finalmente conseguiu agarrar-se novamente, com o coração palpitando incessavelmente e sem fôlego.

— Emma! – ela ouviu Maria novamente.

— Estou descendo.

Emma começou a balançar o próprio corpo e conseguiu pular para um galho abaixo, abaixando-se como uma gata e, para sua surpresa, sua nova amiga estava de volta, e pousou ao seu lado, e continuou fazendo-o conforme Emma pulava para baixo, cada vez mais próxima do chão, a ave a seguia, como se a estivesse guiando.

Pulando o salto final, Emma caiu na neve, tocando os pés firmemente no chão.

— Você conseguiu! – Maria, que havia embrulhado o pequeninho filhote em seu vestido, levantou-se e correu até Emma.

— Sim – Emma sorriu.

Então, surpreendendo a Emma novamente, a águia-real salva desceu de seu voo e pousou no ombro da assassina, observando seu filhote na segurança de um vestido de algodão.

— Acho que ela está agradecida a você – sugeriu Maria, com um sorriso. – Águias são os símbolos dos assassinos, não são?

Emma sorriu, feliz, e acariciou as penas lisas e marrons de sua nova companheira. Não era exatamente leve, devido a seu tamanho e magnitude, mas nada que Emma não pudesse lidar.

— Sim, elas são. Acho que ela vai nos acompanhar, então. Vamos voltar para casa, está ficando mais frio.


Connor já se encontrava encostado do lado de fora da mansão, girando sua machadinha nas mãos hábeis, e a expressão que seu rosto tomou quando ele viu Emma se aproximando com Maria e com uma águia em seu braço certamente indicava que ele não acreditava no que estava diante de seus olhos.

— Pode me dizer o que exatamente é isso? – pediu, sacudindo a cabeça incredulamente, cruzando os braços.

— Eu e Maria fomos dar uma volta pela floresta – Emma tinha um sorriso doce no rosto enquanto a águia observava o ambiente à sua volta.

Connor se aproximou e deu uma olhada na ave.

— É um belo animal – comentou.

— Posso ficar com ela? – Emma olhou para ele por entre os cílios, tentando fazer uma expressão convincente.

Connor ergueu uma sobrancelha para a assassina, mas acariciou a cabeça da águia, observando a marca de tinta azul na perna do animal.

— É uma águia – disse. – É que ela decide se quer ficar com você.

Emma observou enquanto a águia brincava com as fivelas das braçadeiras das lâminas ocultas de Emma.

— Não acho que ela seja completamente selvagem – disse Connor. – Suas garras estão marcadas com tinta. Talvez por isso seja tão amigável. Já deve ter estado com pessoas antes.

— Como se diz águia em sua língua? – Emma perguntou por cima dele.

Connor revirou os olhos, vendo que Emma estava interessada em sua águia mais do que qualquer outra coisa.

Akweks. Por quê?

— Akwe. Eu gosto. É um bom nome.

Connor colocou a machadinha no cinto, sacudindo novamente a cabeça, mas tinha um sorriso nos lábios.

— Está pronta para ir?

Emma sorriu para Connor, sua animação anterior aumentada ainda mais. Havia se esquecido momentaneamente da pequena surpresa de Connor. Mas rapidamente desviou os olhos para Maria, que estava sendo ajudada por Diana a colocar o filhote de Akwe em uma pequena caixa de vime com sementes e alguns gravetos.

— Acho que vamos ter de deixar para outra ocasião – concluiu Emma, suspirando. – Ellen pediu para que eu tomasse conta de Maria até que ela voltasse. E, pelo visto, não há sinal dela ainda.

Diana ergueu os olhos da caixa para Emma.

— Eu posso cuidar dela, Emma, não se preocupe – disse alegremente, levantando-se e limpando as mãos delicadas no avental. – Pode ir fazer... seja lá o que vocês vão fazer.

Emma deu um sorriso torto e virou-se para Connor.

— Acho que estamos prontos, então.

Maria sorriu e acenou para Emma enquanto se afastava com o filhote, guiada por Diana para dentro da casa, e a porta foi fechada atrás delas.


Emma seguiu Connor até os estábulos, onde selaram os cavalos novamente. Emma descobriu que o corcel branco de Connor se chamava Kenra:ken, apesar de ela não conseguir pronunciar aquilo corretamente – e duvidava que algum dia iria conseguir aquela proeza. Era fim da tarde e o clima ficava mais frio a cada segundo que o sol descia. O assassino apenas disse que o destino seria a Fronteira, mas manteve tudo um segredo durante toda a viagem até lá. Galoparam pelas estreitas estradas de terra, agora cobertas de neve, e Akwe os seguiu pelo ar. Emma imaginou aleatoriamente o que seu pai diria quando descobrisse que ela agora tinha uma ave de rapina de estimação.

Duas horas mais tarde, Connor anunciou que haviam chegado. Seria difícil não ver a que ele se referia; logo à frente encontrava-se uma enorme muralha feita de grossas estacas pontiagudas de madeira. A princípio, Emma pensaria ser um forte, e perguntou-se porque diabos Connor a levaria ali, mas não era do que se tratava. O brilho familiar nos olhos de Connor entregou aquele fato.

— Que lugar é esse? – Emma perguntou, freando Sombra ao lado dele.

— Você disse essa semana que eu sabia quase tudo sobre você, mas não era algo mútuo – lembrou ele.

Emma assentiu devagar, ainda não entendendo. Lembrava-se daquela breve conversa durante o café da manhã, dois dias antes.

— E? – inquiriu.

— Achei que gostaria de conhecer meu povo.

Os olhos de Emma se arregalaram enquanto Connor continuava o trote de Kenra:ken até a muralha. O sentimento que ela sentira no navio quando voltavam de Nova York voltara. Um peso no peito, e ela sentiu como se pudesse afundar na neve. Tentou pensar em alguma forma para reagir àquilo, mas falhou, e Sombra começou a andar para frente sozinha, seguindo Connor, já que Emma não lhe dissera o que deveria fazer.

Connor e Emma desceram de seus cavalos ao lado de uma pequena entrada da muralha, e Emma espiou por trás de Connor. Haviam diversas ocas espalhadas pelo espaço cercado, e várias pessoas de todas as idades se encontravam ali. Algumas sentadas em volta de uma fogueira crepitante, protegendo-se do frio, crianças correndo de um lado para o outro com cachorros... Emma teve de se desviar de uma menininha de cabelos negros e lisos que passou correndo por ela. Tudo parecia tão pacífico e aconchegante mas, além das inocentes crianças, Emma não via muitos rostos sorridentes. Todos pareciam... preocupados com algo.

— Esta é a vila onde nasci e cresci – Connor contou enquanto Emma andava timidamente atrás dele, bem próxima de sua pessoa. Ele baixou seu capuz, e Emma fez o mesmo. Akwe, que estivera sobrevoando o local, pousou em uma das ocas e começou a limpar suas belas penas rajadas.

— E porque foi embora?

Connor hesitou por um segundo, mas Emma não pôde ver seu rosto.

— Houveram... problemas, e eu tive de partir.

— Connor, eu...

Mas Emma não conseguiu terminar sua frase. Três pessoas, duas mulheres e um homem correram para cumprimentar Connor, pronunciando palavras em sua língua que Emma não compreendeu. Eles pararam, e depois de cumprimenta-los de volta, Connor virou-se para Emma.

— Preciso falar com alguém – declarou. – Volto logo.

Então, ele disse algumas palavras para as duas mulheres e apontou para a assassina, que gostaria muito de ter entendido. Mas as duas, de peles acobreadas como as de Connor, e belos cabelos igualmente negros, pegaram as mãos de Emma e a puxaram para perto da fogueira. Emma estava confusa, mas o sorriso que as mulheres possuíam a deixaram mais tranquila. Não era como se elas oferecessem qualquer perigo.

Emma se sentia completamente deslocada, em meio a tantas pessoas tão diferentes dela. Mas nenhum dos homens ou mulheres em volta da fogueira pareciam se importar com sua presença ali. As duas mulheres se sentaram ao lado de Emma, e uma delas começou a correr os dedos pelos longos cabelos soltos, e a outra correu para pegar um pote de tinta.

— O que vão fazer? – Emma perguntou inutilmente, sabendo que elas não iriam responder, mas foi surpreendida por uma terceira mulher, que sentava à sua esquerda.

Ela possuía um rosto jovial e amigável, e sorriu para Emma, compreendendo suas palavras.

— Elas gostam... seu cabelo – disse.

As bochechas de Emma coraram.

— Obrigada... Você me entende?

— Sim, aprendi sua língua. As meninas... adolescentes, e Ratonhnhaké:ton pediu para que cuidassem de você enquanto ele conversava com Oiá:ner.

Emma sentiu-se mais confusa ainda.

— Uh... Quem?

— Ratonhnhaké:ton – ela parecia surpresa ao ver que Emma não sabia a quem ela se referia. – Seu amigo, um de nós.

Emma piscou algumas vezes, entendendo.

— Você quer dizer... Connor?

— Se é assim que o chamam hoje em dia – disse a mulher, dando de ombros. – Mas seu nome é Ratonhnhaké:ton. Quer um pedaço de coelho?

— Não, obrigada – Emma baixou a cabeça.

Ela nem mesmo prestava atenção ao que as garotas faziam em seu cabelo, mas uma delas chamou sua atenção. Queria que ela erguesse a cabeça. Foi quando ela começou a desenhar com a tinta azul clara em seu rosto, correndo o dedo fino desde a têmpora esquerda de Emma, por baixo dos olhos, por cima do nariz, e até a outra têmpora. Ela finalizou passando um belo colar indígena pela cabeça da Assassina.

As meninas bateram palmas e as pessoas em volta da fogueira sorriram e fizeram alguns comentários em Mohawk. Uma das mulheres trouxe uma bacia de madeira com água cristalina e a colocou em frente à Emma, tomando uma expressão de expectativa. Emma entendeu que ela deveria ver seu reflexo na água, e ficou cheia de emoção quando o fez.

Haviam pequenas tranças pendendo de cada lado de seu rosto, decoradas com contas e também duas penas coloridas, e a bela linha azul pintada no rosto de Emma valorizava seus olhos grandes e brilhantes. A Emma na bacia parecia feliz, e sorria como nunca.

— Eu adorei – Emma olhou para a mulher que falava sua língua, sussurrando: – Como eu digo obrigada?

A mulher sorriu, e sussurrou de volta:

Niá:wen.

Emma voltou-se para as garotas.

Niá:wen— ela tentou pronunciar corretamente, e aparentemente fora um sucesso, pois as meninas sorriram e a ajudaram a se levantar.

Elas, então, sorriram para algo atrás de Emma, e a puxaram naquela direção. Quando foi puxada, Emma viu que Connor andava de volta, e uma das garotas segurou a mão de Emma e a girou, como se a exibisse para ele.

Quando Emma parou de volta em seu lugar, um pouco tonta, percebeu que Connor a observava um tanto surpreso. As bochechas de Emma ficaram ainda mais vermelhas e ela baixou o rosto, tentando esconder-se.

— Você está... diferente – disse ele, com um pequeno sorriso.

Emma revirou os olhos.

— Não diga.

— Está parecendo uma de nós.

Emma lisonjeou-se com aquele elogio.

— Obrigada. Não temos nada disso na Inglaterra. Estou honrada.

As meninas sorriram e seguraram as mãos de Emma e começaram a dançar, dizendo uma única palavra.

Angeni, angeni!

Então, soltaram as mãos de Emma e se despediram, voltando para a fogueira enquanto acenavam.

Connor mostrou a vila a Emma, guiando-a por entre as ocas, mostrando um pouco de sua cultura, e vida. Mostrou a ela sua antiga moradia, e alguns antigos amigos. Emma estava encantada por uma maneira de vida tão diferente e tão bela. Não havia preocupações ali, pelo menos não as mesmas que possuíam na Europa. Não tinham de ser liderados por reis estúpidos, e obrigados a viver de uma maneira injusta.

Quando acabaram, já era noite, e estava escuro devido às nuvens baixas que cobriam a floresta.

— O que elas diziam? – perguntou Emma a Connor enquanto voltavam para a saída. Emma sentiu-se ligeiramente infeliz. Desejava poder ficar mais ali. – As meninas, naquela hora? Angeni?

— Estavam te elogiando. Significa espírito de anjo, espirito puro.

Emma sorriu, e andou até Sombra, que quase estava invisível na escuridão. Akwe não estava mais à vista, e Emma julgou ser inútil varrer as arvores em busca dela. A assassina começou a montar em sua égua, mas Connor segurou seu braço.

— Há ainda algo que quero lhe mostrar.

Emma estreitou os olhos, mas sorria.

— Você é cheio de surpresas, não?

— Acho que você não possuí algo do tipo na Inglaterra também. O que diz?

Emma deu de ombros, descendo de Sombra.

— Claro, por que não?

Connor fez um movimento com a cabeça, indicando que Emma deveria seguí-lo. Andaram pela floresta, até que Connor parou em frente a um gigantesco penhasco, cujo topo era tão alto que estava encoberto por nuvens, impossível de se ver. Então, o Assassino começou a escalar os rochedos.

— Você deve estar brincando – Emma reclamou, cruzando os braços e observando enquanto Connor parava em pé em um rochedo acima dela.

— Prometo que valerá a pena – disse, e estendeu a mão. – Vamos, eu te ajudo. Não é sua culpa ser tão ruim em escalar.

Emma tomou aquilo como um desafio, e deu um tapa na mão dele, rindo, e prendeu os dedos nas pedras e, juntos, começaram a subir pelo rochedo nevado, deixando que o frio ar da noite os envolvesse em seu suave abraço. Seria uma longa subida.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler, comentários são muito apreciados ♥



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