A Mercenária - Os Guardiões Perdidos escrita por Maria Beatriz


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Agradecimentos: a Yato Nyira, que lindamente comentou ^^
Bom, quando eu cito "carros" na história, são tipo, aqueles antigos, sabe? (Se alguém aí manjar dos Steampunk vai entender melhor ainda e.e)
Ah e vocês lembram do mundo de Scarleson? Pois então, fiz um mapa dele ^^ (claro que tem muito mais lugares, nem todos vão aparecer e nem todos) mas infelizmente não vai dar para postar hoje :/



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Acordou com relativa claridade, que entrava no quarto das frestas da janela. Estava zonzo, sua cabeça pesada e sentia seu nariz trancado. Havia chorado durante a noite. E os motivos não careciam. Sentou-se, notando que, embora a ligeira penumbra, o quarto era uma bagunça. Roupas atiradas nos cantos, o armário aberto o com a visível sombra de mais desordem dentro. Sentou-se na cama, coçando os olhos em seguida.

Bom dia, Enzo.

Em um salto acabou caindo da cama, sobre algumas peças de roupa largadas no chão. Olhou ao redor, que voz fora aquela?

Desculpe-me, não queria lhe assustar. Sou eu, Gorus.

— Gorus? Mas...

Sou seu youkai, faço parte de sua alma. — A voz fez uma pausa, Enzo continuou olhando ao redor. Estava no quarto que pertencia a Pallas, embora, a mesma dissera que iria passar a noite pesquisando sobre os dragões. — E não é preciso falar em voz alta. — Olhou para frente, e então, a forma de uma águia constituída por aquela estranha luz verde e azul apareceu a sua frente, saltou e voou em direção à cama, estava do tamanho de um animal comum, porém, formada por fulgor iluminava boa parte do quarto.

— Desculpe aparecer dessa maneira a sua frente. — Gorus respondeu. Enzo ajeitou-se, sentando no chão, enquanto com os olhos de cores diferentes apenas analisava o animal.

— O que é um youkai, exatamente?

— Somos o espectro de uma pessoa que não foi nem para o inferno, e nem para o céu. Não aceitamos nossa morte e ficamos vagando em Tempus. A procura de um corpo de mente e alma semelhantes.

— E por que me escolheu?

— Você me lembra de quando tinha a sua idade. Sua história, e o que aconteceu com sua família... Bom, isso se assemelha e muito. Por isso resolvi que você deveria ser o meu domador — O animal formado por fulgor levantou voou e pousou sobre a cômoda, Enzo seguiu-o com os olhos, permanecendo calado.

— E como irei lhe domar?

— Bom... Talvez esse seja um termo errado. Irei lhe dar as habilidades de domador, você precisa aprendê-las a controlar. Com o tempo, elas podem se expandir e se tornarem muito mais fortes.

— Acho que estou começando a entender...

Gorus não lhe respondeu mais, apenas se desfez, e fazendo com que o fulgor sumisse junto, deixando o quarto relativamente escuro novamente. Enzo levantou-se, não sabia que horas eram e precisava falar com Pallas. Havia algo para pedir.

Aquela mercenária... Parece-me ser uma pessoa estranha.

Também acho isso, mas Pallas está me ajudando. — Enzo resolveu responder mentalmente, e por mais estranho que parecesse, funcionou.

Ela quer ajudar você, e vai. Apesar de tudo, aparenta ser uma boa pessoa.

Suspirou, e se dirigiu até a porta, abriu-a silenciosamente enquanto entrava na sala. O apartamento estava silencioso, ao ponto de que ouvia somente o barulho do relógio na parede. Um pouco mais de claridade entrava das janelas da cozinha. Olhou ao redor, Pallas estava sentada sobre o sofá, com o Códex de Secula no colo, e outro livro com o título de “Os Três Mundos”, tapando seu rosto. A escrivaninha a sua frente, estava com um abajur aceso. Aproximou-se, a mercenária deveria estar dormindo.

Ponderou sobre a ideia de pegar o livro que estava sobre o rosto da outra, porém, não sabia como ela iria reagir. Repensou novamente, e ignorando aquele fato, pegou o objeto cheio de páginas, Pallas abriu os olhos e quase que em um salto acordou-se, segurando o Códex de Secula para que não caísse.

— Ah... — Coçou os cabelos castanhos, enquanto piscava com os olhos de cor verde. — Bom dia... Garoto.

— Bom dia. — Enzo afastou-se enquanto segurava o livro, e sentou-se na poltrona.

Pallas calou-se por um instante, sentia sua cabeça doer. Não lembrara que hora fora dormir, provavelmente, quando o sol estava prestes a nascer.

— Está com fome? — Enzo apenas negou com a cabeça. — Pois eu estou morrendo... De fome.

Por Alvorada, ainda bem que tenho meus Auros guardados. Se dependesse apenas do que “recebi” ontem, estaria sem dinheiro até mesmo para comida.

Acho que foi uma atitude imprudente, a de devolver o dinheiro a Brites.

Eu não devolvi, eu paguei parte de minhas dividas.

Está bem, Pallas.

— Posso pedir uma coisa?

A mercenária observou-o, erguendo uma sobrancelha.

— Sim?

— Bom... Será que você poderia me levar até a fazenda de meus pais? Sabe, não tive tempo de me despedir... — Não custava pedir. Pallas no entanto observou-o, calada.

Não acho que isso seja uma boa ideia, Revo.

Você acha que ele pode acabar não aguentando ver o estado que as coisas devem estar, não é?

De fato... — Fez uma pausa, avaliando — Sim.

— Está bem. — Foi mais séria, porém, Enzo notava que era compreensiva também. — Irei levar você até lá. Mas depois, iremos comer alguma coisa.

***

Observaram o pasto que se estendia ao redor. Pallas ajeitou a bolça que carregava, havia trazido os livros consigo. Os lera enquanto viajavam de trem até a fazenda que encontrara Enzo no dia anterior, e iria lê-los mais um pouco quando estivesse voltando para Fantoe. Com os olhos verdes sobre os óculos escuros, notou seu relógio de pulso, indicavam que eram onze horas da manhã. Então observou o céu, estava cinzento, afinal, a primavera ainda estava em seu início.

— Então... Aquela era sua casa? — Apontou para o que restara de uma casa. Deveria estar a cerca de uns duzentos metros – talvez mais – de onde estavam e havia relativa descida na parte do campo que se encontrava, e logo atrás deles, encontrava-se as árvores na qual mais adentro matara a fera.

Enzo maneou a cabeça positivamente, porém, não respondeu.

— Você tem realmente coragem de ir até lá? — Não duvidava, embora parecesse, apenas perguntava.

O garoto mais uma vez maneou a cabeça positivamente, preparando-se para começar a caminhar, mas Pallas o segurou.

— Espere. — Notava que em uma espécie de estrada de terra que levava até a casa, a cavalaria da polícia, seguida pelo carro do delegado se aproximava. Com a sirene alta chamando atenção e espantando alguns gados que ainda estavam espalhados pelo campo.

Pallas apenas os seguiu com os olhos, até chegarem a frente à casa, era de se esperar, alguém deveria ter visto o fogo e chamado as autoridades.

— Venha. — Puxou-o trazendo-o para entre as árvores que se encontravam mais atrás, escondendo-se da possível visão dos policiais que se aproximavam dos restos da casa. — Se nos virem, vão provavelmente nos encher de perguntas. — Esconderam-se atrás de duas plantas, não poderiam vê-los de onde estavam, mas isso não impedia de espionar.

Eles até que demoraram... Revo.

Enzo disse que a fazenda é de um dono de fábrica da cidade, talvez seja alguém importante, isso faz com que ajam mais rápido.

— Odeio, definitivamente odeio aquelas fábricas lançadoras de fumaça. — Pallas acabou deixando o pensamento alto escapar, resmungando. Sim, realmente detestava a fumaça que lançavam das fábricas.

— O que? — Enzo encarou-a, sem entender a súbita mudança de assunto.

— Foi um pensamento alto... Bom, é que odeio as fábricas lançadoras de fumaça. Sabe, elas nos impedem de vermos o sol claramente e as estrelas.

Calaram-se, e voltaram a observar os policiais. Alguns entraram dentro da casa, e um deles, o qual Pallas julgou ser o delegado, permaneceu fora os observando, enquanto conversava com os outros. Estreitou os olhos, lembrava-se que fora obrigada a conhecer o delegado pessoalmente, e após isso os encontros foram vários. E os motivos? Bom, não era algo para se orgulhar...

Briga de bar não é algo para se orgulhar. — O youkai resolveu lembrar.

Não me orgulho, Revo, principalmente por ter sido obrigada a ir para a delegacia por causa disso. Mas, aqueles bêbados mereceram o que tiveram...

— O que eles... — Enzo sibilou, porém, Pallas notou que não se direcionava a ela, falava consigo mesmo. — Estão fazendo?

Após isso viu o garoto correr, só então observou o que os policiais faziam. Em duas macas, carregavam dois corpos escondidos por panos brancos. Pallas balançou a cabeça e ajeitou a bolça.

— Ei! Garoto! Venha!

Tarde de mais, Enzo já havia se afastado rapidamente. A mercenária então resolveu correr atrás dele, não seria uma boa ideia ver os corpos dos pais mortos. Atravessou o pasto correndo, os policiais haviam notado a presença de ambos, e Enzo percorria na direção dos que estavam a carregando as macas. O garoto não parou, aproximou-se dos que carregavam as macas ao chegar em frente a casa, porém... Pallas notou o braço humano carbonizado que caia pra fora, e antes que o garoto fizesse algo, finalmente alcançou-o. Segurou-o pelas costas e em um abraço puxou para longe. Impedindo-o de puxar o pano branco.

— Veja só, a briguenta de bar, reconheço você de longe mesmo que com os óculos. — Viu o delegado se aproximar, era um homem mais velho, deveria ter cerca de cinquenta anos. Usava roupas um sobretudo de cor azul marinho, sobre as roupas. Usava uma cartola, os cabelos grisalhos e os óculos redondos.

Pallas apenas encarou-o, por mais estranho que parecesse ser, respeitava o delegado. No entanto, Enzo ainda tentava soltar-se e correr até os corpos, porém, ainda o impedia.

Ele também resolveria usar óculos escuros se estivesse cheio de olheiras por passar a noite inteira em claro...

Não reclame, Pallas, você fez por que quis. — A voz feminina do youkai respondeu.

Obrigada pela moral, Revo.

— Oh, não... — O homem subitamente mudou sua expressão, ficando mais sério. — Você é Enzo Eutore, não é?

O garoto silenciou-se, parou de tentar correr, porém, Pallas permaneceu segurando-o.

— O que o senhor sabe sobre mim? — Sua voz tinha ligeiro receio.

O mais velho ajeitou os óculos a agachou-se para ficar na altura do garoto. Enzo apenas o seguiu com os olhos heterocromáticos.

— A maioria me chama de Delegado Willew, mas você pode apenas me chamar de Neal. — Era mais calmo, Pallas observou-os, constatando que Neal queria apenas tentar tranquilizar Enzo. — É uma pena ter que lhe dizer isso... Não sei nem a maneira como usar as palavras, então, tentarei ser direto. Sei que já sabe dos fatos. Mas, como pode ver, seus pais não sobreviveram.

Enzo não respondeu, permaneceu calado.

— E o que vão fazer com ele? — Pallas resolveu intervir, Neal ergueu os olhos e levantou-se, era bem mais alto do que a mercenária.

— Eizbern Eutore e Leonor Eutore eram sobreviventes do Genocídio de Lesym, eles foram para um orfanato na Capital de Nelalwe quando crianças e, ao completar a maior idade vieram para Fantoe. Enzo não tem família, é triste ter que dizer isso, mas ele irá para um orfanato também.

Pallas calou-se, e sentiu Enzo se retrair, a ideia de ter que ir para um orfanato, havia o assustado. Então resolveu aperta-lo com mais força.

Eles não podem leva-lo...

Se é o que acha, então fique com ele Pallas.

Você falando dessa maneira, é como se duvidasse.

E seria errado duvidar?

— Irei ficar com ele, Delegado Willew. — Neal calou-se por um instante antes de resolver responder.

Pallas, eu não estava duvidando de você... — Revo decidiu explicar.

Eu sei.

— Está bem. — O delegado suspirou fechando os olhos, conhecia aquela mulher e sabia das encrencas que se metia. — Você por acaso é madrinha dele? Amiga dos pais, ou alguma coisa assim?

— Sim, sou madrinha dele, fazia tempo que não o visitava, de fato, e quando cheguei ontem à noite, o vi assustado e resolvi leva-lo para a minha casa em Fantoe. Posso sim ficar com a guarda dele. — Neal não sabia que Pallas era uma domadora, muito menos, uma mercenária, e que mentia naquele momento.

Enzo apenas ergueu os olhos para encara-la, mas resolveu que poderia entrar naquela mentira.

— Sim... — Fez uma pausa. — Pallas é minha madrinha.

— Eu realmente não imaginava isso, senhorita Westenberg. — Fez uma pausa, Pallas temeu pela ideia de que o delegado poderia facilmente mudar de conceito, ou que notara que ela estava mentindo. — Irei preparar os papéis, preciso de seus documentos. E bom, espero não ver mais você na delegacia por bater em bêbados.

Pallas, apesar da situação em que se encontravam, sorriu amarelo.

— Não posso prometer, mas vou tentar.

O delegado apenas balançou a cabeça, não concordava e nem discordava do que Pallas dizia.

— Meus homens fizeram uma rápida perícia das coisas, e constaram que o acidente foi devido um vazamento de gás. Provavelmente, já estava há algum tempo com o gás no ar e acenderam alguma vela, ou qualquer outra coisa com chama, e o estrago a aconteceu. — Suspirou. — Vamos fazer mais vistorias, e veremos se alguma coisa ainda sobrou intacta. É realmente, uma pena.

— Entendo.

— Delegado Willew — Um dos policiais se aproximou, Pallas notou visível inquietação do homem. — O que é aquilo? — Apontava para o que havia ao longe, tinha uma espécie de poeira se aproximando. Era como se uma manada de animais enormes estivessem correndo, enquanto sua velocidade levantava a poeira da terra e cobria sua imagem. Formando uma nuvem de cor marrom, que se aproximava para atravessar o cercado das terras da fazenda ao lado. Era como se ao mesmo tempo, devorasse o gramado e as plantas do campo, assim como os animais da fazenda que eram cobertos pela poeira.

E era a barulhento, ressoava um pandemônio muito elevado.

Pallas estreitou os olhos sob os óculos escuros, não tinha certeza, mas poderia saber o que aquilo significava. A nuvem de poeira tapava boa parte do campo e se aproximava com ligeira pressa. E em meio a isso, Pallas viu o punho gigante formado por pedras se formar entre a poeira, enquanto espécies de tentáculos que pareciam ser formado por raízes, cravavam a terra a frente.

— Delegado, acho que seria uma boa ideia você e seus homens irem embora, agora. — Disse, era séria, e algo nebuloso ainda se fazia presente.

— Senhorita Westenberg... Não me diga que...

— É um abissal, que está se aproximando.


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Notas finais do capítulo

Dúvidas? Criticas? Elogios? Sim, um abissal *O*