Subiu rapidamente as escadas, sem se importar com o barulho que seus passos faziam na madeira, parou somente em frente ao seu apartamento.

Mas ainda estava com pressa, havia algo que precisava ver.

— Enzo! Sou eu, Pallas, poderia abrir? — Falou e em seguida, ouviu o som da fechadura sendo aberta do outro lado.

Enzo abriu a porta, Pallas rapidamente entrou, pegou as chaves e a trancou, enquanto o garoto apenas a observava. Notava que ela estava inquieta. Correu em direção a estante que havia mais a frente na sala. Seu apartamento tinha o mesmo tamanho do que o de Brites, até mesmo a divisão das peças e as cores das paredes era a mesma. No entanto, os móveis... Pallas tinha o apartamento cheio de livros. As paredes da sala tinham estantes, o sofá e a mesa ao centro, a mesa da cozinha e os armários, tudo coberto por livros.

Espero encontrar aqueles livros de uma vez... Revo.

Quais?

Que contenham a história dos Três Mundos, e o Códex de Secula. — Revirava a estante freneticamente, Enzo ainda observava.

— O que vai fazer? — Deixou a curiosidade transparecer.

Pallas subitamente parou, ponderou por um instante e virou-se na direção de Enzo.

— Procure sobre a mesa da cozinha, livros que falem sobre a história dos Três Mundos. Ou, um que tenha o título de Códex de Secula.

— Como conseguiu o Códex de Secula?

— Roubei do morador do apartamento de número 1. — Deu de ombros e voltou a procurar na estante.

—Era o apartamento que você foi agora?

— Sim... Aquele velho é um desgraçado, nunca fale com ele.

Enzo calou-se e começou a procurar pelos livros. Pallas permaneceu com a estante, não poderia tê-los perdido. Uma de suas paixões, desde cedo fora a da história. Queria um dia poder conhecer todos os três mundos, ou então, uma boa parte de Tempus. Embora, aquela era uma tarefa complicada, e o que conseguira nos últimos anos fora apenas devorar os livros, queria poder guardar o conhecimento. Suspirou, já estava a algum tempo revirando a estante de mármore. Só então, encontrou o título que procurava “O Códex de Secula”. Pegou com certo cuidado o livro de capa dourada e empoeirada.

Se não fosse pela queda dos Paladinos de Pillar, esse livro não estaria em minhas mãos, hoje, Revo.

O Códex de Secula era um livro sagrado para eles, continha o conhecimento de Tempus, Tenebriys e Scarleson. E assim como nos outros mundos, apenas específicas pessoas tinham a chance de lê-lo.

Mas se Eternal não tivesse caído antes das Três Torres da Eternidade surgirem, não haveria como ter mais cópias desse livro, Revo.

Contudo, a fabricação dele foi proibida anos depois.

Talvez o livro esteja valendo mais do que a cabeça de Brites nesse momento.

— Pallas... Eu encontrei esses três livros aqui... — Enzo aproximou-se, mostrando-lhe as capas. Os três eram de cor marrom, um contendo o título Tempus, o outro, Scarleson e o último Tenebriys.

— Obrigada. — Pegou os livros e os colocou sobre a mesa de centro de sua sala, empurrando para um lado os outros. Sentou-se sobre uma poltrona e retirou o casaco que usava, exibindo a regata preta — Achei que demoraria séculos para encontrar esses livros, posso pesquisar o que preciso neles mais tarde. Mas antes disso, preciso que você me conte... O que exatamente aconteceu antes de me encontrar hoje?

Enzo calou-se e recuou por um instante. Ponderava sobrea à ideia de que aquela história se tornaria um pesadelo.

Pallas arqueou uma sobrancelha, queria ajudar, e para isso, precisava saber o que acontecia.

— Você não se deparou somente com a fera, não é? E a foto que me mostrou mais cedo?

O garoto suspirou, fechou os olhos e em seguida abriu-os novamente, observando Pallas. Sentou-se a sua frente no outro sofá.

— Hoje durante a noite, meus pais me mandaram ir até o celeiro ver como os animais estavam. Já era noite — analisou o relógio, que estava pregado na parede, os ponteiros de cor cobre indicavam uma hora da manhã. — Eles iriam fazer uma surpresa para mim a meia noite, hoje oficialmente é meu aniversário de onze anos. Mas quando eu voltei, a casa estava em chamas, chamei por eles, mas não tive respostas... — Não se conteve, começou a chorar, soluçando enquanto continuava o relato. — Me assustei... Ainda não sei o que fazer. — Secou as lágrimas com as mangas do casaco e soluçou novamente, aquilo o assustava. Sentia-se completamente sem chão. Ficaram em silêncio por alguns instantes, Pallas não tinha ideia se era certo falar algo naquele momento, ou, se ele iria continuar — Eu fui covarde... Não fiquei para ajudar, só comecei a correr... E então...

— Você se encontrou com o seu youkai e a fera o atacou. — Pallas constatou, vendo Enzo erguer os olhos úmidos e fungar, assentindo por fim— Desculpe-me... Não fazia a menor ideia de tudo isso.

— Não... Não tem problema. Meu pai disse que na vida precisamos ser fortes, e eu tenho que ser agora por eles.

Pallas quase deixou-se escapar um sorriso afetuoso e triste, era um Pequeno Pirralho de um pensamento forte. Passava por problemas, mas seu objetivo era enfrentar eles. Não era covarde. Tinha demasiada coragem. Talvez, mais do que ela mesma.

— Mas você não tem avós? Tios? Padrinhos? Amigos de seus pais?

— Meus pais eram sobreviventes do Genocídio de Lesym, não tenho mais ninguém.

— Lesym foi uma cidadezinha da região que estamos, Nelalwe, que foi atacado por rebeldes. O governo mandou ajuda tarde de mais e quando chegaram apenas dez por cento da população da cidade estava viva, não é? — Enzo mais uma vez assentiu.

O que pretende fazer, Pallas?

Eu realmente não sei, Revo.

— Bom, a única boa notícia que posso lhe dar, é que hoje é o dia primeiro do mês Rancis. Primeiro dia da primavera. E parabéns para mim e para você, que hoje completa onze anos de vida. — Tentava mudar o assunto, lembrando que aquele também era o dia de seu aniversário.

— Você faz aniversário no mesmo dia que eu?

— Sim.

— Quantos anos?

— Vinte. — Pallas parou e pensou por um instante. Levantou-se e pegou o casaco largado na guarda da poltrona, em seguida, virou-se na direção dos livros da outra estante. Ainda poderia ter mais algum que seria útil — Você pode passar a noite aqui, amanhã veremos o que fazer. — Enzo antes de respondê-la analisou-a, Pallas tinha tatuagens nas costas, e em seu ombro esquerdo.

— Obrigado.

***

Observou o homem a sua frente. Haviam o chamado para a sala do Conselho de Ergox, o motivo, era algo sério. Embora não tivessem ainda especificado, tinha ligeira ideia do que se tratava.

— Pandora Morgan, — o homem aparentava ter seus quarenta e poucos anos. Era alto, vestia um casaco comprido de cor preta, fechado, deixava a mostra apenas às calças marrons. Seu rosto era de pele pálida, o que contrastava com os cabelos – de poucos fios grisalhos – e olhos negros. A barba por fazer, a uma expressão despreocupada, embora ainda séria. Abriu uma das gavetas de sua escrivaninha e pegou uma garrafa, retirou a tampa e pelo cheiro Pandora constatou que era alguma bebida alcoólica. — Blair, Adila e eu resolvemos que você seria o melhor domador para cumprir esse trabalho.

— E do que se trata, exatamente? — Pandora arqueou uma sobrancelha, visivelmente intrigado. Tinha a mesma altura que o mais velho, e aparentava ter uns vinte poucos anos. Seus cabelos eram de cor castanha claro, ligeiramente avermelhada, seus olhos claros apenas observavam a tudo sério. Tinha o rosto fino, embora o porte de costas mais resigne.

Eles ainda não explicaram exatamente a situação... — A voz feminina de seu youkai se fez presente, enquanto observava a janela atrás da mesa do domador a sua frente, era manhã, e cedo.

Isso é estranho, Lêvis.

— Academos recebeu a notícia, pelas Anciãs do Tempo, de que dragões atacaram Reinos de Scarleson e países de Tenebriys. Embora essa história já tenha chegado aqui há algum tempo... — Quem respondeu foi o outro domador, que estava sentado em uma poltrona do outro lado da sala. Ele ergueu os olhos de cor de avelã como os cabelos, segurava em frente ao seu rosto uma xícara de chá, na qual ainda via a fumaça sair. Seus cabelos eram compridos e os prendia em uma cola baixa, com ele divido ao meio, usava óculos de armação fina. — E depois, ouve mais relatos de pessoas que vieram morar aqui em Tempus, e que perderam tudo devido os ataques. — Prosseguiu

— Sim, Blair, eu já iria explicar isso. — Academos era o domador Alfa da Fortaleza de Ergox, seu irmão mais novo, Blair – embora tivessem aparências diferentes –, era o Conselheiro. E Adila a General.

— Estão usando alquimia? — Pandora perguntou.

— Creio que não, a alquimia já foi deixada de ser praticada há bastante tempo.

— E o que as Anciãs disseram exatamente?

— Que se não determos essa pessoa, as coisas podem se tornar caóticas. Creio que não seja apenas um só que está fazendo isso, e talvez envolva mais coisas ainda. Elas falaram sobre os Três Mundos, como sempre, que um mau se aproximava e que precisamos nos unir novamente.

— Então o que elas querem? — Pandora era sério.

— Que alguém mande a notícia de que devemos nos juntar. Talvez ainda iremos pedir para que você viaje daqui de Tempus, para Scarleson e depois, para Tenebriys. Embora, os Summoners e Sacerdotes também já devam ter alguma ideia parecida... — Blair respondeu novamente, tomando um gole de chá em seguida.

— E por que não mandam os elementos? Scar e Pace estão na fortaleza, não estão? O outro elemento, o elemento terra, ele chegou há algum tempo... — Não que aceitar um trabalho como aquele fosse ser ruim, afinal, recebiam dinheiro em troca por cada trabalho feito. E Blair dissera que, “talvez” enviassem ele, poderiam facilmente mudar de ideia de um dia para o outro.

— Academos, Pace está brigando novamente com Neru! — A mulher adentrou a sala enquanto proferia-se rapidamente, estava estressada e não se importara por ter interrompido. Era alta, seus olhos de estranha cor carmesim e os cabelos castanhos avermelhados e curtos, na altura de seu queixo.

— Por esses e outros motivos que não mandamos os elementos, Scar é o elemento ar, e é totalmente indiferente aos dois. Pace o elemento fogo, e vive arrumando briga. E Neru, o elemento terra, não ajuda muito. Mas seu trabalho no momento, não será esse, Pandora. — Academos falou, observando Pandora e em seguida a domadora. — Adila, a relação aos elementos, está tão terrível assim?

— Pace conjurou sua arma da missão e Neru também. Encontramos eles brigando na Sala de Ensaios. Por sorte, Alexia já havia os contido.

E ainda faltam os outros dois elementos... As anciãs dizem que os elementos, foram criados para unir os três mundos. Mas esses dois são mais desunidos ainda.

Mas Tempus, Tenebriys e Scarleson já se obrigaram a se juntar, quando os primeiros elementos surgiram. — Seu youkai, Lêvis respondeu. — Embora, após as Torres da Eternidade se erguer, cada mundo se dividiu após o evento...

Eles se preocuparam mais em cuidar de si próprio contra os abissais.

É uma atitude mais do que esperada, Pandora.

— Mas enfim — A voz de Academos se fez presente novamente. — Pandora, ainda temos o elemento trevas e luz para encontrar. As anciãs do tempo, disseram que ele está na região de Pandane. E como disse, sua missão não é ir até os outros mundos, pelo menos, não agora.

— E a cidade?

— Sibernia, perto da Capital de Pandane. — Academos fez uma pausa. — Inicialmente pensei em lhe mandar para Tenebriys e depois Scarleson, para mandar o recado de uma possível aliança que poderíamos fazer, devido a aparição dos dragões. Mas, como a notícia das anciãs do tempo sobre o quinto elemento chegou, pensei que seria uma boa ideia você encontra-lo primeiro.

— E quantos anos, exatamente o elemento trevas e luz deve ter agora?

—Adrin, o seu antecessor morreu há nove anos.

Pandora assentiu, precisava então, encontrar uma criança de nove anos.

— E se você quiser, para facilitar, recebemos esse jornal ontem. — Academos lhe entregou a folha. Pandora pegou, imediatamente lendo a manchete que estampava a primeira página:

“Criança com poderes sobrenaturais causa caos em Sibernia. A garotinha, de no máximo dez anos, não deixa ninguém se aproximar. Seria ela uma domadora? Seria ela um elemento? Ninguém ainda conseguiu comunicar-se e a criança parece estar ainda mais assustada com tudo. Pedimos para que Ergox envie um domador para a cidade...”

Pandora abaixou a folha e colocou-a sobre a mesa de Academos. Aquelas palavras...

— Eles estão tratando uma criança como se fosse um animal e domadores como se fossem treinadores de cães domésticos... Não imaginava que leria tanta frieza assim...

— Como se você não fosse frio, não é, Pandora Morgan? — Blair caçoou.

Pandora resolveu não responder.

— Bom, a quantia do trabalho será estipulada pelo tempo, quando menos dias, mais Auros. Uma semana eu acho que seria uma boa ideia.

— E o elemento água? Vocês não procuram por ele? — Pandora resolveu perguntar. — Ou, essa garota e os dragões atacando Scarleson e Tenebriys são mais importantes?

— Ambos os fatos são importantes, Pandora. — Adila comentou.

— Mas, no momento, o provável elemento trevas e luz está fazendo tumulto, assim como os dragões. — Academos disse.

— Abissais e feras ainda causam caos. — Porém, Blair observou.

E Pandora calou-se, observando-os. Queriam que ele viajasse até Sibernia para procurar pelo elemento luz e trevas O elemento terra e ar já estavam na fortaleza, assim como o elemento fogo que chegara há algum tempo e terra... Água sequer dera sinal de vida.

— Então, irei me retirar. — Pandora proferiu-se quebrando o silêncio, enquanto voltava-se em direção a porta de mármore. Porém, Academos chamou-o antes que colocasse a mão na maçaneta da porta.

— As anciãs do tempo nos mandaram um recado, elas querem que o máximo de domadores razoáveis estejam reunidos em Temesia, o mais breve possível. — Fez uma pausa, ponderando. — Algo me diz que isso tem haver com o ataque dos dragões... Então, estamos mandando um recado pelo rádio, avisando toda Tempus. Não demore, Pandora.

Assentiu, e por fim, retirou-se da Sala do Conselho.