A Mercenária - Os Guardiões Perdidos escrita por Maria Beatriz


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Eu prometi a mim mesma que só iria postar um capítulo novo no fim de semana... Mas não consegui XD XD
Aliás, eu descobri que acho dragões criaturas fascinantes, sim sim, muito muito :3 E que espero fazer um bom uso deles, e dos outros elementos da história ^^
Agradecimentos: Ao Raffs, que lindamente comentou ^^
E segui aqui em baixo um mapa de Tempus (ainda tenho dos outros dois mundos para fazer e.e')



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Seguiram caminhando assim, em silêncio por certo tempo. Enzo parecia querer esconder-se, como se ainda receasse sobre Pallas. Esta, notara sua presença relativamente distante na trilha que seguia, colocou suas mãos em seus bolsos e soltou ar pela boca. Parando de caminhar, girou seus calcanhares na direção dele e observou-o.

— Não é preciso tentar se esconder de mim. Não vou fazer mal algum. Não ganharia nada com isso.

— De onde você é? — Perguntou enquanto saía dentre as árvores para fita-la.

Pallas suspirou, maneando sua cabeça para que ele caminhasse ao seu lado. Enzo assentiu e fez o que era pedido.

— Já ouviu falar de Temesia? A cidade emancipada, que não faz parte de nenhuma região de seu continente?

Enzo maneou a cabeça, enquanto seguiam caminhando. Não dizia “sim”, mas também, não dizia “não”.

— Bom, eu nasci na Capital de Pandane. Encontrei-me com um youkai e me tornei uma domadora quando tinha mais ou menos a mesma idade que você. Então, passei a treinar na Fortaleza de Ergox, e a morar em Temesia. — Fez uma pausa. — Mas as coisas não ficaram muito boas para mim por lá nos últimos dois anos, resolvi me mudar e desertar da fortaleza. Fui para Fantoe, e agora vivo sendo uma mercenária.

— Mas e família... Você não tinha uma?

— Minha família não era lá essas coisas...

Pallas, não diga assim. A questão não era realmente essa. Em Temesia, ainda há pessoas importantes para você. — Revo observou.

Mas às vezes precisamos abdicar de algumas coisas para viver de verdade.

Isso não significa abandonar. E nem que o que você tem agora é viver de verdade.

Abandonar significa também esquecer por completo, e eu não esqueci. Talvez um dia ainda volte e ainda estou procurando o meu “viver de verdade”.

Pallas observou Enzo calar-se, então, continuou caminhando em silêncio. Mais alguns metros andando e encontraria os trilhos do trem, entraria escondida em algum vagão e da mesma forma que viera, iria voltar. Atravessaram a trilha até chegarem ao que pareceu ser a delimitação das terras. Uma cerca baixa com arames, do outro lado era um campo aberto e já era possível ver os trilhos do trem, quase que indistinguíveis durante a noite, as montanhas ficavam mais ao longe.

Pallas atravessou a cerca com facilidade, ainda com cuidado para que não se enroscasse nos arames, Enzo a observou sair. Porém, permaneceu do outro lado.

— Ei, vamos! — maneou a cabeça, chamando-o. Não tinha o costume de sair e voltar depois com uma criança, mas notara que Enzo parecia perdido, e queria ajudar.

— Essas terras...

— O que têm elas?

— Meus pais cuidavam para o dono de uma empresa grande da cidade.

— E onde estão eles?

Enzo mais uma vez se calou. Pallas notou que não deveria tocar naquele assunto, então, permaneceu parada observando o garoto. Este, por sua vez, calmamente em seguida atravessou a cerca, tomando cuidado com os arames. Em silêncio a domadora começou a caminhar, o garoto a seguiu.

Enzo tateou sobre um dos bolsos da calça suja de barro, encontrando o pequeno pedaço de papel guardado nela. Sentiu-se mais abrandado ao notar que não o perdera enquanto corria. Analisou a folha, observando a imagem de um homem, de aparentemente uns trinta anos, de olhos claros e cabelos castanhos, os traços de seu rosto eram uma versão mais velha sua. A outra pessoa na imagem era uma mulher loira, pálida, porém, com as maças do rosto coradas, tinha olhos heterocromáticos como os seus. E no centro da foto, estava ele, abraçando os dois mais velhos. Lembrava-se que fora um momento divertido quanto haviam tirado a fotografia. Sentiu seus olhos arderem, iria chorar e resolveu que não seria uma boa ideia esconder.

— Você está bem? — Pallas parou de caminhar no meio do caminho, observando o garoto.

Enzo ergueu os olhos e os secou com a manga do casaco, fungando em seguida. Não disse nada, apenas entregou à Pallas a fotografia. Ela observou-o e pegou sem hesitar, aquele garoto parecia estar confiando nela realmente.

— Quem são esses junto de você? — Analisava a foto.

— Meus pais...

— Nossa! Eles se parecem muito com você, e são tão bonitos...

— Eles morreram. — Pallas se calou e devolveu a imagem para Enzo novamente.

Resolvendo que o melhor seria não perguntar mais nada, voltaram novamente a caminhar em direção aos trilhos do trem. Atravessaram a campina, já vendo o barulho do trem se aproximando, em seguida, a imagem do mesmo se fez presente, entre a fumaça que saía de suas chaminés. Era um trem de carga que passavam ali naquele horário, mas em seu caminho também passava por Fantoe. Sua velocidade não era demasiadamente rápida, mas também, não tão lenta – o que lhes daria a chance de entrar em alguns dos vários vagões. Esperaram passar, fazendo com que ligeiro vento batesse em seus rostos. O trem era iluminado, por fora, espécies de lâmpadas eram colocadas a cada um metro, para que chamassem mais atenção que estava se aproximando — embora algumas ainda estivessem estragadas.

Enzo observou Pallas, finalmente com a luz batendo em seu rosto era possível decifrar exatamente sua fisionomia. Não era tão pálida quanto ele, era morena, porém, seus olhos eram uma mistura de verde, que contrastados com a luz do trem, ficavam ligeiramente amarelados. Seu rosto era de traços finos, assim como os olhos. Ela observou-o com um meio sorriso.

— Vamos? — Arqueou uma sobrancelha e correu até a abertura de um vagão.

Enzo a seguiu, então, percorreram até Pallas alcançar a passagem. Tomou impulso e segurou-se em um dos ferros do trem, subiu e alcançou a mão para que o garoto a segurasse. O fez, sem hesitar, enquanto corria o máximo que poderia para não solta-la. Contudo, o trem era mais rápido e quando estava prestes a segura-la, acabava desacelerando. Tentou novamente, correndo o máximo que podia. Pallas estendia sua mão esquerda, segurando-se somente em um ferro e tentando ao máximo não resvalar. Enzo correu novamente, estava começando a se assustar com a ideia de que não iria alcança-la, o vento que batia em seu rosto era forte e aquilo o sufocava. E se não conseguisse? Por algum motivo queria acompanhar aquela mulher estranha. Viu que estava aproximando-se de uma espécie de poste de sinalização, seria péssimo acabar acertando-o.

Contudo, a mercenária esticou seu braço mais um pouco, e finalmente segurou-o.

— Te peguei. — Disse com um sorriso emblemático, e após isso o puxou para dentro do vagão, a um fio de acertar o poste. Desequilibraram-se e acabaram rolando, porém, finalmente haviam conseguido.

Levantaram-se, enquanto observavam o vagão. Estava vazio – por sorte – e havia apenas as duas aberturas em seu lado esquerdo e direito, uma das que haviam usado para entrar. Apenas alguns caixotes estavam colocados nas extremidades. Pallas afastou-se e se sentou com as costas escoradas nas paredes de metal sem pintura, Enzo fez o mesmo a sua frente.

— Até que isso foi legal... — a domadora comentou ainda ofegante. Enzo ergueu os olhos para encara-la.

Você é louca Pallas, imagine se não conseguissem?! Poderia ter matado o garoto — Revo, apesar de tudo, ainda preocupava-se com o que Pallas se metia, embora conhecesse a outra o suficiente para saber que não adiantava falar.

Já fiz isso tantas vezes, não acho que teria como errar.

Mas você nunca esteve acompanhada por uma criança.

Observou Enzo, mais uma vez ele se calara e agora, apenas fixava com os olhos de cores diferentes, nos campos e pastagens que se passavam afora. Deixavam as montanhas de uma das terras – que deveriam pertencer a algum fazendeiro rico –, e a visão das plantações começava a se fazer presente.

Suspirou, pegou cantil de bolço e tomou mais um gole da bebida que trazia.

***

Deveria ter se passado cerca de uma hora. O garoto havia adormecido e estava deitado a sua frente, encolhido e abraçando os joelhos. Pallas observou-o por um instante, perguntando-se o que acontecera com seus pais de fato. Não deveria ter sido algo nada bom... E o resto da família? O garoto sequer protestara muito a ideia de segui-la... Suspirou e então observou a rua, o trem aproximava-se da cidade. Era possível ver o fim dos pastos e início dos prédios. As fábricas desligadas que carcavam a cidade, no momento não lançavam as enormes nuvens de fumaça. O trem então entrou em uma espécie de túnel, notou também que fazia uma descida e em seguida, viu-o novamente sair à rua.

Agora, tendo a visão da cidade, passando do outro lado das cercas. As ruas de pavimentação de pedra, alguns postes de iluminação precária e com lâmpadas amarelas. Cujos ainda perambulavam na rua, no entanto poucos era noite e tarde. Esperou mais um pouco e então, a cerca de pedra se desfez e os muros de concreto se fizeram presente. Estavam chegando à estação, porém, o trem não pararia.

Levantou-se a caminhou até Enzo.

Hey, garoto, levante-se. — Sacudiu os ombros do mais novo ligeiramente, vendo-o abrir os olhos heterocromáticos, ainda estava zonzo — Chegamos a Fantoe.

— Chegamos? — Arregalou os olhos e olhou ao redor sentando-se.

— E precisamos descer. — Maneou sua cabeça, caminhando em direção à porta do vagão e analisando o que havia ao redor.

A plataforma de embarque estava próxima e o trem mantinha a mesma velocidade de antes. Pallas afastou-se alguns passos.

— Vamos correr e depois pular, o impacto vai ser melhor do que descer como se ele estivesse parado. — Viu Enzo assentir e se aproximar, ficando parado ao seu lado.

E não demorou muito para que a plataforma de desembarque aparecesse à frente, deram mais um passo para trás e tomaram impulso. Correram e então, saltaram. Caindo sobre o piso de cimento queimado, acabaram por rolar e pararam somente ao meio da plataforma, entre uma escada que levava a parte de cima da estação e outra.

Pallas levantou-se, vendo Enzo sacudir os cabelos loiros, estava tonto.

— O que foi? Até parece que nunca correu e saltou. Crianças até onde eu sei... Gostam de fazer isso.

Pallas... Falando dessa maneira parece que você pensa que crianças são como animais.

E não são pequenos animaizinhos? O ser humano também é uma espécie de animal. O homo sapiens.

— Revo resolveu se calar.

— Mas nunca corri e saltei para fora de um trem em movimento.

— Vá se acostumando, correr e saltar de dentro de um trem em movimento, é uma das coisas mais comuns que existem. —Da maneira despreocupada que falava, parecia ser até algo sério.

Enzo pensou em dizer algo, porém, Pallas era ainda mais estranha do que aparentava. Viu-a seguir caminhando em direção às escadas para sair da plataforma de embarque, seguiu-a, sem hesitar. Subiram rapidamente, vendo às paredes de tijolos a vista que faziam parte da construção da estação de trem. Enzo seguiu Pallas por uma espécie de corredor largo, com lâmpadas iluminando-o e por fim, saíram de dentro da estação, chegando à passarela que cortava a alameda principal da cidade.

Pallas seguiu em frente, em silêncio. No céu, durante a noite, embora soubesse que a lua era clara, não era possível ver tantas estrelas. Parecia que a fumaça das fábricas haviam tomado conta dos firmamentos e estabelecendo-se ali, para impedir que o céu fosse visto claramente.

Balançou sua cabeça, ajeitando o cachecol e tapando parte de seu rosto, estava frio. Mas o que se esperar, do último dia do inverno? Viu Enzo acelerar o passo para acompanha-la, antão, diminuiu o seu enquanto ele se aproximava.

— Eu vi em um jornal essa semana... — Enzo puxou assunto e Pallas observou-o. — É verdade que dragões estavam atacando cidades de Scarleson e Tenebriys?

Pallas suspirou e ficou calada por um instante.

— Li algo por cima sim, e ouvi dizer que os próximos lugares serão os de Tempus.

— Mas como?

— Não me faça perguntas difíceis, garoto. Sei tão pouco quando você sobre toda essa história, nem mesmo as Anciãs do Tempo se manifestaram ainda... — Embora alguns fatos haviam a intrigado, mas ainda não tivera tempo de fazer suas pesquisas e nem cabeça para aquilo. — Aliás, por que a súbita questão?

— Meu pai... — Quase que instintivamente parou de caminhar, ter dormido e passado pouco tempo com Pallas já servira para esquecer um pouco, resolveu engolir o choro e prosseguir. Não iria falar sobre aquilo agora, seria forte. Precisava ser forte. Pallas percebeu que ponderava, porém, não perguntou nada. — Ele tinha um amigo que era fascinado pelas histórias dos dragões, ele sabia tudo. Desde a extinção, aos casos de pessoas que tiveram o coração trocado.

Pallas deu uma risada.

— O coração trocado por o de um dragão? — Parou de rir. — Duvido muito... — Secava as lágrimas.

— Mas é verdade. Um deles se chamava Denzel, na verdade, foi o único que houve relatos... Ele era de Scarleson, mas vivia em Tempus. Morreu e o ressuscitaram com o coração de dragão. Ele se transformou em um dragão por um tempo, mas Sora, uma domadora, ela conseguiu encontrar uma maneira de trazer ele de volta.

— E eles ficaram juntos? — Pallas arqueou uma sobrancelha, parecia à típica lenda de romance onde ou o fim era feliz, ou era catastrófico e seguida de uma mensagem de moral. Em seguida, viraram à direita e começaram a descer as escadas que os levariam para a calçada.

— Não. Eles se amavam, mas não ficaram juntos, por que após isso aconteceu uma guerra e Sora foi dada como morta.

— Que trágico...

— A história é maior... Mas eu não lembro agora. Algo me diz que Sora não estava morta e voltou, os descendentes deles vivem até hoje, com o sangue de dragão.

— Interessante... O Pequeno Pirralho até que fala bastante. — Enzo se calou, Pallas apenas riu.

Seguiram mais a frente pela avenida erma. Logo viraram a direita perto da praça. Pallas seguiu mais alguns metros caminhando, atravessaram a rua e desceram uma ladeira, seu ponto final ficava ao final daquela via. Pararam perto de uma espécie de apartamento. A construção deveria ter uns três andares, com uma escada de dez degraus a frente. Pallas subiu-a, pegou as chaves e abriu à porta, Enzo entrou e por último a trancou novamente.

— É aqui que mora? — Perguntou, enquanto Pallas guardava as chaves no bolço. Enzo analisava as escadas e as portas que davam para outros apartamentos.

— No segundo andar, apartamento de número 7. — Analisou as escadas. — Venha. — Subiu o lance rapidamente e Enzo a seguiu, Pallas se dirigiu até a porta que continha o número citado. — Tenho alguns assuntos para resolver com o vizinho do número 1. Fique com as chaves e tranque o apartamento por dentro, os vizinhos são enxeridos e não tem hora. Quando voltar, irei chamar.

Enzo assentiu, ainda não tinha ideia do porquê que estava confiando naquela estranha, ainda tinha seu receio e estava ciente do que fazia. Contudo, assentiu e pegou o objeto de metal, entrando em seguida. Pallas havia salvado sua vida, poderia estar sendo ingênuo em confiar nela, mas não tinha família e ninguém a quem recorrer no momento.

Pallas rapidamente desceu os degraus e com as mãos no bolço, aproximou-se da porta do apartamento de numero 1. Suspirou, pegou o cantil de bolço e tomou mais um gole de sua bebida.

Espero que ele me pague tudo o que está devendo... Revo. — Comentou ao youkai, aquele fato era irritante.

Não posso lhe garantir milagre, Pallas, ainda mais, quando se trata dele.

Resolveu então bater na porta. Deu três tocadas, e por fim, ouviu o som de alguém destranca-la. E deixa-la semiaberta, presa somente por uma corrente que não a permitia abrir por completo. Pallas viu o rosto de olhos castanhos encara-la do outro lado. E não pensou nenhum segundo quando enfiou a mão entre a fresta da porta e agarrou o pescoço do homem.

— Espero que você me pague tudo o que me deve, hoje. — Era ameaçadora e trincava os dentes enquanto esganava o homem. Exalava sua aura dos olhos, apenas para intimida-lo.

— Negociaremos... Nossas... Contas. — Falava pausadamente enquanto ela o sufocava. — Espere um... Momento. — Pallas soltou-o e por fim, viu-o abrir a porta. — Da próxima vez, não tente me matar, senhorita Westenberg. — Massageava a garganta, Pallas deu de ombros.

Seguiu reto enquanto o via trancar a porta novamente.

Um dia, ainda arrancarei a cabeça de Brites fora com minhas próprias mãos.

Por mais cruel que isso possa parecer ser, estou aguardando para ver esse momento.

Brites já me encheu o saco de mais, Revo.

— Então, onde está o meu pagamento? — Sentou-se na poltrona que havia na sala e abaixou o cachecol que tapava seu rosto, encarando o homem com seus olhos verdes.

Brites era um homem com cerca de mais de sessenta anos. Não tão alto e era barrigudo, sempre vestindo as típicas calças marrons e os suspensórios sobre a camisa branca. A careca visível, quem o visse diria ser apenas um bondoso velhinho, no entanto, era apenas uma dissimula. Sua personalidade prova-se totalmente contrária, principalmente quando se tratava de negócios. Era o inquilino e dono de todos os apartamentos. E Pallas às vezes ponderava sobre a ideia sobre outros serviços nada dentro das leis que aquele velho tinha. Além de que, ainda era o intermediário para conseguir seus trabalhos. E seus trabalhos como mercenária já eram um exemplo de algo não tão dentro da lei.

— Estava contando isso agora mesmo. — Caminhou até a mesa da cozinha. Os apartamentos eram pequenos, dividiam-se apenas em um quarto e um banheiro. A cozinha e sala eram juntas. Os tons do papel de parede marrom, com os detalhes das madeiras de cor dourada. — Aliás, ouvi conversa, está acompanhada?

Pallas entortou a cara.

— Isso interessa você, por acaso? Posso até trabalhar para você, Brites, parte de meu pagamento ainda vai para as despesas do apartamento, mas nem por isso devo satisfações. — O fato é que, trabalhava para juntar dinheiro, no entanto, a quantia que precisava para o seu objetivo era alta, o que iria render certo tempo de trabalho.

— Quanta audácia, senhorita Pallas Westenberg! — Exclamou em uma visível ironia.

Pallas não gostava dele.

Mas você ainda precisa de Brites para conseguir seus trabalhos, não é fácil ser um mercenário nos dias de hoje, nem ser um domador que não faça parte de Fortaleza de Ergox. E para conseguir o dinheiro para uma Carta, com a permissão para atravessar um portal, vai demorar.

Às vezes me sinto uma puta endividada com seu proxeneta, por causa disso, Revo.

Não pense dessa maneira...

É inevitável.

— Esta bem, fiz as contas, — botou os óculos de armação redonda que colocara sobre a mesa de centro de sua sala — isso é tudo. — Entregou a Pallas as notas de papel de cor dourada, a domadora contou-as rapidamente e encarou-o.

— Trinta... e Cinco Mil Auros? Isso é brincadeira? — Franziu o cenho.

Eu preciso de 40.000 Auros para a carta... — Ainda não conseguia crer.

E só faltam cinco. Quem diria.

Mas isso está bom de mais para ser verdade...

Brites deu um meio sorriso.

— Por que está tão surpresa? É a soma de todos os trabalhos que cumpriu esse mês, retirando a parte do aluguel, da luz e água. E você pela primeira vez não destruiu nada no apartamento. Nem no seu, e nem do de ninguém.

— Isso é muito... — Contava tudo novamente, ainda não conseguia acreditar.

— Claro, a metade ainda ficou comigo. Afinal, sou seu intermédio para conseguir serviços.

Pallas guardou o dinheiro no bolço e com o olhar em fúria levantou-se, mudando completamente a expressão. Ele apenas encontrava pessoas para mandarem-na trabalhar, a maioria o procurava, o que não lhe custava tanto trabalho. Em alguns trabalhos daquele mês tivera perto da morte, o daquele dia fora um dos mais fáceis.

— Eu quase morri, quanto fui naquela fábrica dos infernos matar uma fera, agradeci por não aparecer um abissal. — Afrontou Brites e aproximou seu rosto, o velho permanecia sentado na outra poltrona. Suas palavras eram intimidadoras e, assustadoramente calmas, embora parecesse estar prestes a explodir — Mas não, aquele monstro resolveu estourar um cano de gás e depois, quando o matei, notei que aquela porcaria estava pegando fogo. — Levou sua mão até o colarinho do velho e o puxou, brusca. — Aquela merda explodiu em seguida e eu me escapei por um fio de morrer queimada. Sem contar os outros serviços que eu tive que cumprir. E você fica com a metade? Seu velho... Filho de uma... Bela meretriz. — Trincava os dentes.

Brites levantou o dedo para argumentar algo, porém, antes que o fizesse, foram interrompidos pelo rádio de péssima frequência. Pallas levou sua atenção aos chiados que vinham do aparelho de pilha que estava sobre a mesa de centro. Conseguira entender apenas uma palavra e aquilo bastara para largar Brites.

— O... — Pegou o rádio e levou até o ouvido direito. — Que isso está dizendo?

— Esse rádio está uma porcaria, parou de funcionar e agora começou com chiados, além de que troca de estação sozinho...

— Cala a boca — resmungou e aumentou o volume, até ouvir a voz rouca se tornar mais clara.

Há três dias, no dia 29 do mês Threval. A Fortaleza de Ergox recebeu a notícia de que é definitiva a aparição de dragões em Scarleson e Tenebriys. As coisas se tornaram mais sérias e parece que alguém está de alguma forma, recriando os animais extintos. O relato era de que apenas duas cidades haviam sido atacadas, porém, esses números aumentaram. São sete em Scarleson e três em Tenebriys. Parece que o próximo alvo é Tempus. Os lendários dragões estão de volta, o Dragão de Chamas, o Dragão de Gelo, o Dragão Aqua, o Dragão Soturno... Então se preparem, por que... — A frequência caiu e o chiado voltou, Pallas bufou.

— Porcaria! — Deu algumas batidas no rádio, mas o chiado continuou. Aquela história, de que dragões estavam de volta, não era nada tranquilizadora. Já havia as feras, já havia os abissais, em Scarleson, as bestas, que resolviam por vezes, atravessar os portais e acidentes terríveis aconteciam com os guardas... Os mundos já não tinham perigos o suficiente?

— Pensa que Ergox vai, inesperadamente, implorar para que você volte e lhe dará o melhor serviço da história de sua vida, para caçar dragões? Será bem paga e nunca mais precisara depender de mais nada?

— Não é isso. — Respondeu de costas.

— Resolveu que caçar dragões vai lhe trazer algum tipo de vantagem, e, ou, benefício?

— Já disse, não é isso.

Pallas colocou o rádio sobre a mesa de centro e ficou com as costas retas.

— Então o que é?

Bufou virou-se, empurrou Brites e pôs a mão sobre seu tórax. Sua mão exalava a aura ocre, se quisesse, iria facilmente furar seu peito e arrancar seu coração. Mas sabia que se fizesse aquilo, naquele momento, seria perseguida pelo resto da vida pelos capangas daquele maldito velho.

— Quanto eu lhe devo? Diga-me. — Era mais séria do que de costume, intimidante. Brites estralou os olhos.

— 45.357 Auros.

— Então fique com tudo, parte de minha divida já está paga. — Afastou-se enquanto jogava o dinheiro sobre Brites, o velho soava frio. Pallas afastou-se enquanto ele esfregava as mãos sobre o peito, havia recebido uma queimadura, que provavelmente formaria uma bolha e causaria uma cicatriz.

Pallas saiu batendo a porta, por fim.

E Brites permaneceu com os olhos fixados e arregalados onde ela estava antes.


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Notas finais do capítulo

Dúvidas? Criticas? Elogios? Estamos aí o/
Sim, Pallas ao mesmo tempo que consegue ser estranha a boazinha, sabe muito bem ser ruim (aliás, minha foto de perfil é um desenho que fiz dela XD) e.e



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