Zorak, Vingança escrita por Semideusa


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

A bondade é a delicadeza das almas grosseiras.
— Fernando Pessoa



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Deito na cama, na parte de baixo. Nos deram abrigo por hoje. Um quarto com uma beliche. Tudo foi discutido. Amanhã iremos voltar para Cratem e executar o plano. Vai ser muito arriscado, mas não há outro jeito, essa é a única forma. Talvez, se conseguirmos descobrir onde ele se esconde... vamos recuperar nosso pai, os reféns e com sorte, acabar de vez com Ormire.
Não queria que minha irmã estivesse no meio disso, mas não consigo imaginar ela apenas observando enquanto tudo acontece. Ela nunca foi assim, mesmo antes de começamos a lutar, mesmo antes de eu ter atraído ela para esse tipo de coisa. Agora eu tenho que fazer de tudo para protegê-la. Meu pai nunca me perdoaria se alguma coisa acontecesse com ela. Eu nunca me perdoaria.
O quarto é pequeno, contém apenas uma beliche e um criado-mudo. A porta pesada de metal, meio enferrujada, as paredes que um dia foram brancas, mas agora, amareladas pelo tempo e embolorada em algumas partes. Tudo me sufoca. Comparado a imensidão que eu passei a conhecer a cerca de dois dias, isso é uma jaula pra gato. Eu preciso voar. Sinto uma pressão nas costas e sei que são minhas asas querendo se libertar... ou simplesmente a minha vontade de fugir de tudo isso, de que tudo volte ao normal, ou quase. Preciso voar. Não penso, apenas sigo para fora, para o corredor escuro. Ando, relembrando o caminho pelo qual Amra nos trouxe. Maby dormiu a alguns minutos, ela não vai notar... paro. Um barulho faz com que eu ma assuste, ou melhor, vozes. Me esgueiro do lado da parede até perto da porta. A luz está acesa, procuro não fazer ruído para não chamar atenção. Amra conversa com um dos gêmeos. Até na voz são parecidos.
– Você acha realmente que elas são confiáveis? – disse o gêmeo.
– Não sei. Não sei. Mulheres não lutam. E Zora. Ela é muito quieta, quase não fala, a irmã, pelo contrário, fala mais que a boca e tem ideias tão ruins quanto as do Zach.
Então o gêmeo é Hefrom. Ele continua.
– E a ideia de que Ormire queira uma esposa? É simplesmente ridículo, mas... ele é louco, um monstro que diferença faria?
– Quem sabe ele não saiba cozinhar? E quer uma linda esposinha cozinhando enquanto ele domina o mundo?
Pausa.
– Você. Não faz. Sentido. – Amra fala pausando. – Olha, eu acho meio impossível que ele realmente queira amar alguém. Duvido até que ele consiga amar.
– Mas, sério. Só eu acho que elas tem um segredo e não querem contar? Parece que elas conversam pela mente com aqueles olharezinhos super lindos combinados...
– Ah, cala a boca. Você e o Zach vivem trocando esses mesmos olhares, mas sim, eu acho que elas não estão escondendo alguma coisa, se é que falam a verdade. Temos que ficar de olho nelas. Nestes tempos, não há como confiar. Eu vou descobrir o que elas escondem.
Saio devagar. A porta de seja lá o que for está apenas entreaberta. A conversa continua mas eu sigo silenciosamente meu caminho pelo corredor. É claro que ele tem motivos para desconfiar, mas daí a achar que somos traidoras ou que eu sou espiã do Ormire? É ridículo!
Acho a sala em que nos falamos da primeira vez. Empurro a porta, torcendo para não fazer barulho. É claro que não funciona. Tudo faz barulho de explosão quando você quer fazer silêncio. Uma agulha caindo equivale a uma explosão nuclear. Com a porta não é diferente. Depois do barulho todo que ela faz ao abrir, espero um instante para saber se alguém ouviu, se há movimento. Nada. Por Odin , como eles não ouviram?
Como a entrada do lugar já está em um beco escuro não tenho tanto trabalho. Deixei a jaqueta de combate no quarto. Não esperávamos passar nenhuma noite aqui então não trouxe nada a não ser armas e roupa do corpo. Só estava com uma regata branca por baixo da blusa e o ar está gelado. São umas nove e meia, mas tudo está silencioso. Depois do Ormire, não me espantaria se colocassem toque de recolher.
Olho ao redor, mais para me certificar e então abro minhas asas. É um alívio enorme colocá-las para fora. Eu estava presa dentro de mim mesma. Minha barriga ronca. Com toda essa confusão, esqueci que deveria comer. Dou impulso e alço voo. Durante essa horas todas, pelo menos o tempo em que pude, observei as aves e seus movimentos ao voar. É diferente, mas igual. Tento voar o mais alto possível para que ninguém me veja, ou ao menos pense que sou um pássaro. Um pássaro muito grande e preocupado. As estrelas escondidas atrás das nuvens escuras. Subo mais alto. Passo por uma nuvem e fico toda molhada pela água fria, mas agora, acima das nuvens de tempestade, vejo as estrelas em toda sua magnificência. Eu havia ficado com calor pelo movimento, mas esse calor se foi. A água ficou ainda mais gelada e parece que o ar ficou ainda mais frio, tanto que estou tremendo. Tremendo e com fome. Mas não supera a sensação de estar voando. Desço abaixo das nuvens, e fico molhada de novo. O vento faz com que minhas asas não fiquem pesadas. Mas minhas roupas, úmidas, me fazem estremecer. Olho e vejo um boteco, eu acho, aberto, por sorte, ao lado de um beco. Que conveniente. Viro e faço uma brusca descida em diagonal em direção ao beco. Piso no chão e retraio minhas asas o mais rápido que posso. Não doeu dessa vez. Olho, no fim do beco tem um homem barbudo e maltrapilho com uma garrafa na mão me olhando boquiaberto. Pânico. Estou em pânico, mas antes que eu faça ou diga algo muito estúpido ele olha para a garrafa e diz com voz arrastada
– Tenho que paaaarrrar de bééeber...
Ele joga o litro para trás, este se estilhaça, ele se vira e cambaleia para longe dali. Sorte. Tenho que tomar mais cuidado, ele poderia estar são. Solto o coque, coloco a agulha junto a adaga e prendo o cabelo com elástico em um rabo super solto, abaixo a cabeça e o cabelo cai um pouco para ambos os lados, cobrindo meu rosto. Entro no lugar. Sinto-me aquecer um pouco mais. Algumas pessoas me olham, homens, meretrizes desdenhosas, outros estão bêbados demais para erguer a cabeça da mesa. Este lugar cheira a álcool e falta de banho. Sento em frente a bancada, e ainda de cabeça baixa, ergo a mão chamando alguém. Um homem muito alto e negro vem, pega uma toalha muito suja que leva no ombro e limpa o balcão a minha frente. Ele se assemelha muito a um armário.
– Então garota, o que quer?
– Algo para comer e beber. Alguma coisa que não tenha álcool.
– Não pode se dar ao luxo de ficar tonta por aqui não é? – lança um olhar para o resto do bar atrás de mim e me olha de novo – Esperta. – joga o pano de volta no ombro. – Sem álcool, só água.
Provavelmente fiz uma careta, pois ele ri.
– Pra comer.... carne.
– Pode ser.
Ele saiu e me deixou aqui no balcão. Espero que Amra ou nenhum dos gêmeos vá verificar se estou no quarto. Maby também vai acordar e a confusão estará feita. Meu estômago reclama outra vez. Se eu e Maby nos esquecermos de comer, não conseguiremos enfrentar Ormire. É estranho que tudo foi afetado, meu mundo inteiro ruiu e este lugar parece intacto. As pessoas ainda riem e conversam tranquilamente como se nada estivesse acontecendo. Como eu queria fazer parte dessa ignorância, não se importar.
– Ei. Garota!
– Ah, sim. Claro. Obrigada.
O balconista, ou dono do bar, ou seja lá o que for volta. Ele me lança um olhar estranho, que eu reconheço no meu pai como preocupação.
– Tudo bem? – Seu olhar é bondoso. Incrível que haja bondade em um lugar como esse. Apenas aceno com a cabeça. Me olha com o mesmo olhar, mas não pergunta mais nada, vai apartar o início de uma briga, uma discussão acalorada.
O prato que ele me trouxe parece apetitoso. Realmente não esperava muita coisa deste lugar. O bife parece suculento e bem passado. Da forma como eu gosto. Estou com fome, mas não com vontade de comer, contudo como. Está realmente delicioso. Ou eu quem estou com muita fome. Eu pouco tempo eu termino.
– Ha ha ha ha! – ele ri escandalosamente – É lindo quando uma moça sabe comer, não fica apenas beliscando a comida como um passarinho.
Limpo a boca com as costas da mão. Aqui dentro está quente, mas tenho que ir.
– Quanto é?
Mais uma vez ele me olha bondoso.
– Não é nada menina, não é nada. Você parece preocupada, e com tudo que vem acontecendo eu não a culpo. Ormire levou muitas pessoas, mas graças a Odin e a Friga minhas filhas estão a salvo. Ele também não fechou meu bar, como fez com outros tantos, mas você não parece bem... Vá em paz minha filha, e que Odin esteja com você.
Fico um tempo parada. Eu gostaria de não sentir, eu realmente gostaria de não precisar me importar. Levanto. É como se não houvesse nada, ninguém mais ao meu redor. Agora, mais do que nunca, eu tenho que ser forte. Nunca eu precisei de tanta força e nunca me senti tão fraca, tão impotente. Saio do bar. Não paro para pensar que alguém pode achar estranho uma garota com asas, apenas as deixo sair e alço voo.


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Notas finais do capítulo

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