Zorak, Vingança escrita por Semideusa


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Carrega de ouro as asas do pássaro e ele nunca mais voará pelo céu.
— Tagore



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Não vejo o caminho, mas Fúria já conhece, já sabe. Chego. Tiro o vestido e apesar de toda raiva que estou sentindo, tiro-o com calma. Maby não tem culpa. Pulo na água e vou bem no fundo. Continuo a nadar no fundo. Meu fôlego está acabando, mas antes de imergir a curiosidade substitui a raiva. Há uma entrada que eu não conhecia passo por ela e subo rápido. Meus pulmões ardem pelo esforço. Estou em uma caverna.
– Eu nunca nadei tão fundo, por isso não vi a entrada.
Falo sozinha. Meus olhos estão se acostumando a penumbra. Tem uma fenda em forma de pena, grande o suficiente para que uma pessoa pequena passe. Isso quer dizer que lá em cima não tem apenas água. Penso no meu material de escalada. Não é preciso, percebo agora. Tem um pedaço de rocha, que não é tão inclinada. Talvez de para subir em pé, mas vou precisar ter cuidado. Analiso isso ainda na água. A lua se alinha com a fenda e ilumina exatamente o lugar onde estou. A água começa a dar pequenas ondulações que vão aumentando. Vou para uma parte seca da caverna, olho para trás e a luz some. Olho para a fenda. Daqui ela não tem forma de pena, é apenas uma fenda. Começo a subir a pedra. Minhas mãos estão um pouco escorregadias e torna difícil me segurar, mas eu vou chegar lá em cima. As pedras são escorregadias. Alcanço a borda da da fenda.
– Seria mais fácil se eu tivesse asas!
Me iço para cima. É lindo aqui. Da para ver tudo daqui de cima. A clareira a minha casa na árvore. Dou uns passos para frente.
– Aii.
Sinto uma pontada entre as omoplatas. Mas passa, então eu ignoro. Dou mais alguns passos e dói outra vez e mais uma vez passa. Como isso é irritante. Passo a mão no lugar da dor. Não há nada aqui. Dou mais alguns passos e estou quase na borda do penhasco, agora o barulho da água é ensurdecedor. A dor vem outra vez, mas agora continua. Dói, dói muito. Fico de joelhos e abraço a mim mesma tentando fazer com que a dor pare. Não para, não para, dói muito. Parece que tem algo dentro de mim e quer sair. A dor chega ao ápice... e passa. Sinto um peso sobre minhas costas e desabo. Eu estou suando, minha garganta ardendo. Provavelmente eu gritei. Me arrasto até a água. Que maldição foi essa? Me sinto pesada, tem algo errado. Parece que algo além do meu corpo dói. Fecho os olhos e tomo da água que corre para a queda, jogo água no rosto e finalmente abro os olhos e olho o meu reflexo na água.
– AAAAAAAA!
Me afasto rápido, caio sentada. Olho, de esguelha para trás. Desvio o olhar. Devagar, coloco a mão para trás. Toco algo felpudo e macio e puxo minha mão de volta. Mais uma vez, me adianto até a corredeira. A lua ilumina perfeitamente a água, como se quisesse que eu visse isso. E lá está meu reflexo. A mesma garota com o cabelo preto comprido caindo para frente, olhos azuis muito escuros me encarando de volta, pele muito branca, ainda mais pálida pelo brilho da lua, seios firmes de alguém que ainda é jovem e... asas. Fico em pé e o reflexo me segue. Asas muito longas e brancas. Vou com a mão para trás outra vez e toco uma delas. Volto a mão lentamente ao lado do corpo. Quero esticá-las, as asas. Como o meu pensamento elas se abrem magnificamente em toda sua extensão. Abro os braços. Elas são ainda mais longas que meus braços. Coloco as mãos no rosto e as asas também se fecham. Caio de joelhos. Não, eu não posso ter asas, não posso. Aquele pensamento não foi literal, por que eu desejei isso. Por Asgard, como isso foi acontecer? Como vou voltar para casa? O que vou dizer a meu pai?
– Não posso ter asas!
Grito. Neste momento é o meu mais profundo desejo. Estou de joelhos e me sinto empurrada para frente, me apoio em minhas mãos. Meu reflexo, não tem mais asas, mas eu ainda posso senti-las. Fico em pé. Me olho de lado. Não estão mais em mim, mas eu ainda as sinto. Como pode isso? Tudo isso está me dando dor de cabeça.
– Onde vocês estão?
Digo pensativa. Então desejo com todas as minhas forças que elas apareçam e se estendam. Elas saem das minhas costas, surgem abrindo caminho entre a pele. Isso dói. Não doeu como antes, mas ainda dói. Não sei se devo tentar mais uma vez. Mas eu tento. Elas vão e vem conforme a minha vontade. Me olho na corredeira.
– Isso é simplesmente incrível.
Digo para meu reflexo que também começa a rir estericamente.
– Eu tenho asas. Asas! – paro de rir e acaricio minha asa esquerda – minhas asas.
Sem pensar, apenas estou correndo em direção ao precipício e me lanço. O barulho a água caindo é ainda mais alto, mal consigo distinguir meus pensamentos. Abro minhas asas e tomo um solavanco bem doloroso. Não vou mais fazer isso, não assim, mas paro de cair e estou planando no ar. É uma sensação maravilhosa. Liberdade. Nunca senti uma liberdade tão grande. Sobrevoo a cachoeira e o rio logo abaixo. Toco a água e vou para cima outra vez, mais além das copas das árvores e ainda mais além. Ultrapasso as nuvens, onde é difícil respirar e está muito frio, mas as estrelas.... elas são tão lindas... e existem tantas... o frio é muito e me deixo cair de costas, caindo, caindo, caindo. Cada vez mais veloz e o meu corpo está quente. Viro de frente. Lembro de um movimento que vi os pássaros fazerem quando estão caindo assim e faço. Levanto minhas asas para trás, minha velocidade diminui então eu as abro e vou descendo devagar. Dou uns passos para frente ainda parando. Subo até a casa na árvore. Minhas asas são realmente mais pesadas, mas não me incomodam. Fazem parte de mim. Só se passaram algumas horas e já acho que não vou conseguir viver sem elas. Deito em minha cama, acho que é melhor dormir, amanhã, tenho que enfrentar meu pai e aquele homem. Seja ele quem for, eu não vou me casar.
Sinto-me um pouco desconfortável a primeiro momento, não sei como arrumar as asas para dormir bem, como as vezes me irrito com meu braços também, mas não quero retraí-las. O peso delas estranhamente faz com que eu me sinta confortável. Consigo me arrumar, me abraço e faço o mesmo gesto com elas. Elas são macias e quentes e me servem de cobertor. Adormeço rápido e sonho com o céu.
– AAAA. Droga! – caio da cama. Tive um sonho estranho. Eu tinha asas. Passo a mão no cabelo para tirá-lo do rosto e assim que a trago de volta, seguro uma pequena pena branquíssima. Olho.
– Não foi sonho. Não foi sonho.
Ainda tenho que falar com papai, mas isso me deixa um pouco mais leve. Levanto e coloco o pé no degrau, mas penso melhor. Me jogo e alço voo. O céu muito azul. Desço até o rio e me lavo e as minhas asas. Elas ficam muito mais pesadas assim. Nado até onde deixei Fúria e as meu vestido e sapatos. Fúria se assusta um pouco com minhas asas.
– Venha aqui garoto. Sou eu. – ele cheira minhas asas. – São lindas não são?
Olho para o vestido no chão. O decote nas costas permite que eu continue com as asas, mas o povo da aldeia não vai aceitar isso bem, principalmente se me virem sair da floresta. Vão dizer que eu sou o tipo de dike que eles tanto temem. Retraio minhas asas e me sinto estranha, contudo cada vez que eu faço dói menos e agora quase nem sinto. Elas são parte de mim.


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