Zorak, Vingança escrita por Semideusa


Capítulo 17
Capítulo 17 -


Notas iniciais do capítulo

A beleza provoca o ladrão mais do que o ouro.
— William Shakespeare



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Estou na cama, deitada de lado. Abro os olhos e ele está a minha frente com uma rosa nas mãos. Me olha ternamente. Pega minha mão e me ajuda a levantar.

– Adoro esse vestido.

Ele elogia. Meu vestido é todo branco, simples na frente, mas tem as costas decotadas até o fim da coluna. Sorrio para ele e ele coloca uma parte do meu cabelo atrás da orelha.

– Adoro seu cabelo solto, seu sorriso torto, sua forma de me olhar. Adoro quando você canta, quando dança. Eu adoro te adorar.

Meus olhos se enchem de lágrimas, ele é perfeito.

– Vamos, Bela Dama?

Ele afasta o dossel. A luminosidade invade meus olhos. Ele empurra as portas e saímos para a sacada. Lindas rosas de todas as cores perfumam o ar. Ele solta minha mão e tira a camisa. Analiso seu corpo definido, musculoso.

– Já está preparada? Você está ansiosa mesmo em?

Olho para trás e entendo. Minhas asas estão a mostra. Não lembro de ter as deixado sair, mas estou tão feliz... Ele também deixa saírem suas asas, tão diferente das minhas... ele pega minha mão e nos jogamos.

O vento faz meus cabelos dançarem no céu. Ele me olha e sorri a todo tempo. Subimos mais alto que as nuvens mas o frio não me incomoda. Vemos, a tal altura, o mais belo por do sol que eu já vi em toda a vida. Ele não olha em nenhum momento para a cena, apenas para mim. Por que ele não analisa a linda vista ao invés de apenas eu?

– Porque a compania é mais bonita.

Sorrio, mas o sorriso não chega aos meus olhos. Começo a chorar, não de felicidade, nem de tristeza... choro, sem razão alguma.

********

Abro meus olhos. Estou em posição fetal. Levanto de um pulo e abro a cortina que cerca a cama em esperança de que ele esteja aqui... Nada. Não há ninguém. Me cerco de uma decepção que não deveria sentir. Não espere demais das pessoas e não se decepcionará. Sento de volta na cama. Mão na cabeça. Meus cabelos parecem mais dread looks negros e enormes. Preciso de um espelho, a um bom tempo não olho para meu reflexo. Uma coisa tão simples a qual eu nunca dei importância agora faz falta. “Futilidade inútil” era o que eu pensava quando uma das amigas da Maby ficava se olhando no espelho. Eu acho que sempre soube o porquê de ter poucas amigas... No fim, eu estou como eu nunca quis estar: presa por causa de um “homem” e com vontade de olhar no espelho. Agora, se eu quiser fazer algo como beijar, então aí eu realmente vou estar mal.

Me levanto. Lembro-me da cena que eu não queria lembrar: da manhã com o quilok. Mas contudo, lembro que o que eu imaginei ser minha adaga, era um pedaço de espelho. Vou detestar voltar aquela sala, mas pelo menos me servirá de algo. pego a chave e vou caminhando, lentamente, pelo corredor em direção a porta. Tento afastar as memórias que vão surgindo, mas é difícil. Coloco a chave na fechadura. Minha mão está tremendo. Ah, que tolice, eu tenho que fazer isso, não posso me acovardar. Caio de joelhos. Não consigo. Ver o sangue de meu pai em minhas mãos... tudo volta: as correntes, Maby morta, Ormire, meu pai e ele morto por minha lâmina. Ânsia, vontade de vomitar. Não, não vou fazer isso. A ânsia passa, o mal estar continua. Respiro fundo, uma , duas, três vezes. Me levanto e uma pequena tontura me toma. Paro e respiro mais uma vez. Giro a maçaneta e empurro a porta. Tudo está escuro e eu estou tremendo. Talvez seja melhor se eu abrir os olhos. Tenho medo do que vou ver. Comprimo os lábios e ma forço a abrir os olhos. Há, no meio do quarto, a moldura de um antigo espelho e pelo chão pedaços dele. Um dos quais ainda está com a ponta azul. Ormire tirou dali o dike, mas, talvez e só talvez, também tenha sofrido com o dike e não teve estômago para voltar. Não o culpo. Pego um pedaço de espelho do chão, um dos maiores, com cerca de um palmo, e olho meu reflexo. Meus deuses, santa Freya[1], como eu estou horrível! Meus olhos estão inchados e há bolsas embaixo deles, como quem não dorme a dias. Minha boca está pálida e ressecada e tenho um corte na garganta. Minha expressão assume uma aparência assustada, o que não contribui em nada para uma melhora. Abaixo o espelho. Quanto arrependimento. Eu estaria melhor se não tivesse olhado. Volto para o quarto, cansada e desmotivada demais para fazer alguma coisa. Estou cansada de dormir e comer também. Saudade do tempo em que eu daria tudo para só ter que dormir e comer o dia todo. Deito na cama, tentando não dormir para não sonhar.

Não lembro de ter dormido, mas eu acho que dormi, pois, afinal, eu babei no travesseiro. Me levanto mais uma vez e acho que estou fadada a isso: comer, dormir, levantar, tomar banho e comer mais. E tudo de novo mais uma vez. A porta do banheiro está aberta, o que significa que Ormire esteve aqui e que tem um banho e café esperando por mim. Estou a tal ponto, que só pisco porque não precisa pensar para fazer isso. Mecanicamente entro, pego uma toalha, tiro a roupa e entro na água quentinha. Me lavo e luto para desembrenhar os fios do meu cabelo e só depois de muito esforço e mais duas chaleiras de água quente é que consigo um resultado satisfatório. Saio da água com a cabeça ardendo de tanto puxar, mas meu cabelo está bonito. Ou pelo menos melhor do que antes. Olho para as roupas no chão. Não sinto vontade alguma de vesti-las. Saio, ainda de toalha, sem me importar se há alma viva aqui, o que eu duvido, e vou para meu quarto. Pego a chave 2D, que fica ao lado da sala de banho, cheia de coisas inúteis femininas. Ando descalça, apesar de tudo. Na sala, encontro um pente, devia tê-lo pego antes. OK. Penteio mais uma vez e encontro mais alguns nós que são facilmente desfeitos. “Tudo pode ser resolvido, desde que tenha a ferramenta certa”, é o lema do meu pai. Não vou pensar nisso. Se atenha a você. Continuo a procurar coisas que me ajudem. Encontro um batom meio rosado, cor de boca. Pela primeira vez fico encantada por algo como isso. Pego meu pedaço de espelho e uso para me auxiliar a usar o primeiro batom da minha vida. A cor me cai bem, faz com que meus olhos pareçam mais azuis que pretos. Acho também uma coisa que as garotas passam nos cílios para ficarem maiores. Não sei como isso se chama, mas é a hora de usar, finalmente. Tenho um pouco de trabalho e acabo com algumas partes do rosto pretas, mas ao final de algum tempo me limpo e consigo passar essa coisa do jeito que tem que ser. Ótimo. Ainda estou de toalha. Vou para meu quarto e abro o armário. Já sei exatamente o vestido que eu quero. O branco. Simples e perfeito, ele não tem alças, mas tem, ao lado da perna, uma fenda como o vermelho que Maby me deu. Volto até aquela sala e acho também alguns sapatos femininos: com salto, fechados, abertos, entre outros. Mas o que me encanta é um chinelo como as talas douradas. Pego-o. O que me intriga parando para pensar é: se o Ormire ficou preso aqui, por que existem tantas coisas femininas? Não acho que ele tenha trazido tudo isso antes de me trazer já que pretendia me matar. Não compensa pensar em nada disso. Se eu tenho que ficar presa, pelo menos vou ficar bonita.

Fico um tempo, até conseguir um resultado aproximadamente feminino. Desço para a cozinha. Pelo tempo que eu devo ter demorado o café deve estar frio. Não há ninguém na cozinha. Eu esperava que ele fosse aparecer hoje. Ainda preciso pedir desculpas e não vou me sentir bem enquanto não o fizer. Acho que é por isso que ando pensando nele: preciso pedir desculpas e estou me sentindo mau por não o ter feito ainda. Problema encontrado, e, assim que ele aparecer o problema será resolvido! Aí sim eu irei me sentir melhor. Começo a colocar a manteiga no pão. Coloco o café para esquentar. Sento-me e começo a comer. Ouço um suspiro, olho para trás e me levanto de um susto ao perceber que Ormire está ali, em pé na soleira da porta, depois do que se pareceram séculos sem dar as caras. Meu coração fica martelando tão forte que eu tenho medo que ele ouça. Ficamos nos encarando por um bom tempo. Queria saber o que se passa na cabeça dele. Ele parece não ouvir a baderna que meu coração está fazendo. Ainda bem, ou isso seria constrangedor. Ele abre a boca, mas não diz nada, apenas... me olha.

– O que foi?

Ele não responde e sinto meu rosto esquentar.

– Ei! – chamo outra vez, estalo os dedos e ele acorda de seu torpor.

– Hã? É...- ele parece ficar ruborizado, um efeito realmente interessante partindo da ideia que seu sangue é roxo – Desculpe, pode repetir?

– Só tinha perguntado se havia algo de errado, mas... mas na verdade... o que eu realmente queria era... ai, droga, não creio que estou fazendo isso – digo mais para mim mesma – mas eu queria te pedir desculpas.

Ele aperta os olhos e me encara.

– Desculpas por que?

– Pela forma como eu te tratei, sabe, quando você me levou para ver o céu.

– Eu não te entendo. – ele ri sem qualquer traço de humor – Eu praticamente acabei com a sua vida! Parece que você não entende...

– Mas você também me salvou...

– Não, Bela Dama, não! Eu te coloquei nestas situações. Eu não teria que te salvar se não tivesse colocado sua vida em risco em primeiro momento.

Não sei o por quê, mas me bate uma vontade de chorar. Meus olhos ficam marejados e eu tento evitar as lágrimas.

– Então quer dizer que se arrepende de ter me salvado? É isso?

Ele me olha com ternura, mas eu também vejo cansaço na sua expressão.

– Jamais. Eu jamais me arrependeria e a verdade é que eu já não suportaria mais te perder.

– Por que? De uma hora para a outra você me ama? Queria me matar e agora não vive sem mim? tem noção do tamanho da loucura?

– Eu estive te observando – ao ver a minha cara ele arruma – não nos momentos pessoais, não me leve a mal... você é tão forte e tão frágil. Tão guerreira, não desiste e tenta a todo custo. Seu riso sem motivo. Suas lágrimas por quem ama... tudo isso... eu não sei... despertou algo em mim que eu não conhecia a muito tempo...

Ele se levanta e vem até mim. É, no mínimo, quinze centímetros mais alto. Pega meu queixo e alisa minha bochecha com o polegar. Nunca apreciei tanto um gesto mas não consigo deter minhas palavras.

– Se me ama, por favor... liberte meu pai e as províncias. – ele se afasta e eu vou até ele e seguro seu braço – por favor, por favor... liberte-os e venha comigo, vamos viajar e proteger as pessoas que estiverem precisando, deixe tudo isso de lado e venha e vamos ser felizes do nosso jeito.

Ele continua de cabeça baixa.

– Não dá... eu... não posso... Não consigo perdoar seu pai. Minha vida se foi por causa dele! – ele pega meu queixo mais uma vez, chega bem perto da minha boca, eu anseio pelo contato e ele diz, roçando os meus lábios – Você está linda, Bela Dama.

Ele se desprende do meu aperto e sai da cozinha. Mais uma vez quando saio do meu torpor, ele já se foi.

[1] Deusa nórdica do amor, da sexualidade e da beleza.


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Notas finais do capítulo

Me desculpem, não é mais responsabilidade minha. A história tomou vida própria e eu sou apenas quem a conta. Não se espantem de encontrar um dike por ai.
Boa leitura e boa sorte.



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