Zorak, Vingança escrita por Semideusa


Capítulo 15
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Ainda pior do que a desilusão de um não ou a incerteza de um talvez, é a desilusão de um quase.
— Luis Fernando Veríssimo



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Ele me oferece um sorriso triste. Seu rosto também está molhado de lágrimas. O corte na bochecha já é uma cicatriz fina. Ele cicatriza rápido. Abaixo novamente a cabeça. Estou agora em um encruzilhada: por uma lado eu deveria matá-lo agora e pelo outro ele salvou minha vida. Apesar de ele mesmo tê-la posto em risco e ter raptado meu pai e a mim. Na verdade, há mais pontos contra ele que a favor, mas eu estou muito cansada e me deixo permanecer em seus braços.

Acordo mais uma vez na cama de dossel branco. Estou ainda meio tonta e abalada por ontem. Não sei, na realidade, se já se passou um dia. Não sei que horas são ou há quanto tempo estou aqui. Sinto um cheiro bom. Minha barriga ronca. Saio da cama e sinto meus olhos inchados e meu corpo cansado. Levanto descalça, passo pelo corredor, a uma certa distância daquela porta. Desço as escadas com calma, analisando o terreno. Ando pela sala e paro na porta da cozinha. Ormire está cozinhando alguma coisa. Ele se vira e me vê. Parece se espantar, mas logo vai ao armário, pega um prato e mais talheres e põe a mesa.

– Com fome?

Ele pergunta. Penso em rejeitar, mas meu estômago ronca de novo. Aceno que sim com a cabeça e me sento. Ele me serve arroz, feijão, batatas grelhadas, um bife e cenouras raladas. Um copo de suco de sei lá o que com uma cor amarelada e espuma em cima. Provavelmente faço cara feia.

– É maracujá. Tudo bem.

Calma. É tudo que eu queria. Comemos em silêncio. Continuo sem saber o que dizer. Não faz sentido ele me salvar se pretende me matar.

– O que? – ele pergunta.

Me assusto novamente, mas rápido ele se explica.

– Você estava olhando para mim de uma forma estranha. Houve algo?

– Não. – respondo rápido desviando os olhos.

Silêncio.

– Obrigada. – digo.

Ele da uma risada sem humor. Lhe lanço um olhar questionador.

– Agradecer por que?

– Por ter me salvado, sabe, do quilok.

Agora é a vez dele de me lançar um olhar questionador.

– Você é mesmo uma garota estranha. Para começo de conversa eu te trouxe aqui e tudo mais.

Mais silêncio.

– Posso te fazer uma pergunta?

– Quantas quiser.

Penso um momento. Tenho tantas perguntas. Poderia perguntar onde está meu pai, mas isso o afastaria.

– Onde é aqui e que horas são?

– São oito e meia da noite e onde estamos já é mais complicado. Uma longa história.

– Bom, eu não vou a lugar algum mesmo.

– OK. – ele suspira alto e então continua – Minha mãe cuidou de mim até os meus cinco anos. Eu a amava, mas ela vivia tentando acabar com a própria vida. Um dia ela conseguiu. Cortou a garganta e se afogou no próprio sangue. – ele respira – Antes, deixou uma carta a um amigo de confiança para que cuidasse de mim e que eu era diferente. Ela não deveria ter confiado. Assim que ele descobriu o que eu era, passou a me maltratar e depois, quando se cansou, me prendeu aqui. Eu tinha sete anos quando ele me prendeu e eu só sabia a data porque ele vinha e ma batia sempre no dia do meu aniversário. Cinco anos depois eu o matei. Me senti o monstro que eu nunca quis ser. Então voltei para Starmith, em Cratem, um lugar isolado, onde conheci Kaeli, sua mãe. O resto da história você já conhece.

Fico em silêncio.

– A quanto tempo eu estou aqui?

– A mais ou menos três dias.

– Mais ou menos?

– Bem... No primeiro dia você dormiu. Eu até achei que tivesse batido forte demais. – estreito meus olhos para ele. – No segundo dia nós brigamos. E hoje de manhã tudo aconteceu e você dormiu o fim da manhã e o resto da tarde. Quase três dias de estadia.

Não consigo conter o riso irônico. Estadia. Como ele pode comparar isso a uma pousada? Ele parece ficar ofendido.

– Posso te mostrar uma coisa?

Fico atenta. Não devo confiar nele, mas ele precisa confiar em mim. Aceno devagar com a cabeça. Ele me oferece a mão e eu a seguro.

– Eu preciso te vendar.

Diz inseguro.

– Se você quer que eu veja algo, por que me vendar?

– Questões de segurança, bela dama.

Suspiro fundo e então concordo. Ele pega um pano de prato e dobra algumas vezes. Me venda. Agora não vejo nada, o que me preocupa muito. Fico tensa. Ele segura minha mão e eu tomo um pequeno susto. Suas mãos são calejadas. Ele percebe o meu desconforto.

– Não fique tensa, não vou te machucar.

Não adianta muito. Continuo tensa. Ele me leva pela mão. Passo pela porta da sala, afinal, é a única saída da cozinha. Vou andando cegamente levada por ele que é impossivelmente silencioso. Sinto uma inclinação leve, viramos para a direita, para a esquerda e seguimos em linha reta por um tempo.

– Cuidado, há uma inclinação brusca logo a frente. – ele avisa.

Realmente a inclinação é um pouco brusca, mas não tanto quanto imaginei. Já viramos tantas vezes que não sei mais para qual direção estou indo. Mesmo que eu tentasse escapar, eu jamais me lembraria.

– Chegamos – ele diz.

Até que enfim. Remove a venda. Estamos muito alto em um tipo de torre. A lua está alta no céu, límpido e estrelado. Me bate uma vontade de voar maior que em todo esse tempo em que estive presa. É horrível ter o que quer tão perto e ainda assim tão distante.

– Você confia em mim?

– Hããã... você realmente quer que eu responda?

Ele ri – Só dessa vezinha... confia em mim?

– Não. O que quer fazer?

– Tá. – diz decepcionado – Não se assuste.

Ele diz, e suas asas enormes de morcego explodem rasgando a camisa. É claro que eu me assusto. Dou um gritinho de susto como a maioria das garotas fazem. Isso me irrita. Noto que ele tem um bom físico: braços musculosos, abdome definido... agora ele segura nas mãos a camiseta em frangalhos.

– Eu não pretendia fazer isso.

Ele parece estar realmente chateado. Sorrio. Ele sorri de volta. Eu não sorri para ele. Eu ri da cara dele. Tem uma leve diferença que eu acho que ele não notou.

– Com licença. – Ele pede e me abraça pela cintura, o peito nu. – Quero te mostrar uma coisa.

Ele dá impulso com os pés e voamos.

Meu primeiro pensamento foi: ele vai me soltar e me matar. Me segurei com força ao seu pescoço e ele sorriu. Ganhamos altitude muito rápido e, por mais que eu pudesse abrir as asas em plena queda, elas poderiam se quebrar com o impacto do ar. Ainda lembro a dor de quando eu parei bruscamente da primeira vez. Sem contar que provavelmente ele me perseguiria e eu também não faço a mínima ideia de onde estamos. A história dele é comovente mas não ajuda a me localizar. Ultrapassamos as poucas nuvens que ainda pairam no céu claro e vemos o cenário da qual eu senti tanta falta durante esses dias. O céu, negro e estrelado com uma lua cheia e brilhante. Ele fica pairando ali, voando sem sair do lugar. Estou “de pé” sobre os pés dele. O olho. Ele também está contemplando fascinado o céu. O bater das asas dele causa um movimento parecido com o de estar navegando. Para mim é confortável. O vento está gelado. Ele também me encara.

– Me trouxe aqui para me matar?

– Porque eu te mostraria isso – e por um infindável segundo solta uma mão da minha cintura, fazendo um gesto abrangente, mas volta a me segurar – se eu quisesse te matar?

– Eu... eu não sei... – me enrosco com as palavras – talvez você queira me ver sofrer, cair daqui de cima e me espatifar lá em baixo, como uma amora caindo da árvore.

Ele ri.

Não tem graça! – retruco à risada dele.

– Claro que tem.

– Então por que me trouxe aqui?

– Porque...

– Por que...?

– Eu me apaixonei.


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora, mas espero que estejam gostando dessa reviravolta. Beijinhos



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