Zorak, Vingança escrita por Semideusa


Capítulo 13
Capítulo 13 -


Notas iniciais do capítulo

As vezes, escolhemos estar presos. Nos prender a alguém não parece grande coisa, se doar inteiramente a ela, não é nada. Não parece uma prisão quando se está preso por vontade.
— Semideusa (Me)



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Acordo e não me decepciono. Já não alimento mais a esperança de que seja um pesadelo. Eu não tenho tanta imaginação. O mesmo docel branco me cerca. As fronhas, agora limpas em uma cama alva... cama? Levanto-me de sobressalto. Eu não dormi na cama. Pode ser a única coisa que tenho certeza, mas não dormi na cama. Algumas questões se formam em minha mente. Primeiro: por que Ormire se daria o trabalho? Segundo: como ele ousa me tocar? Terceiro: o que ele faz ao meu pai?

Me levanto e ando pelo quarto, agora com a porta aberta. Fecho-a, mas deixo um lenço vermelho, que tinha no bolso, na maçaneta para não perdê-la de vista. Pelo meu relógio biológico já deve ser de manhã novamente. Esta noite, sonhei com um livro. Um livro pelo qual muito me interessei um dia, na livraria da cidade, mas que, de acordo com o livreiro “ Não é para mulheres.” Um livro que cataloga todos os dikes que conhecemos. Podem existir alguns não catalogados, mas devem ser raros para tal. Muito raros. Meu raciocínio então foi: fazer “amizade” com Ormire, descobrir de qual dike ele é híbrido e verificar se são os mesmos pontos fracos, então acabar com ele e resgatar meu pai. Já lutei com dikes e pessoas suficientes para saber que todos tem seu ponto fraco. Contudo, nunca vi alguém com a agilidade dele. Apesar que jamais ouvi falar de alguém que tem asas de pássaro tampouco. Ao lembrar delas, minhas asas latejam dentro da pele. Quero soltá-las, mas não adiantaria muito se: a) Ormire me visse; e b) Eu não posso voar aqui. Quanta saudade da liberdade eu tenho. Como eu ambicionei ser livre para vir aqui. Todos sonham com a liberdade, mas as vezes a liberdade tem um preço. Que raiva, que raiva! Ele não tem o direito de fazer isso comigo, não tem o direito de dominar as províncias e nem de existir.

– AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH!

Grito muito alto até que minha garganta arde e eu perco o fôlego. Respiro fundo, abro a porta e saio para o corredor. A raiva deixa entrar uma pontinha de curiosidade ao ver que uma das portas, antes trancada esta entreaberta. A primeira a direita de onde estou. Empurro-a para ver o que há dentro. Me deparo então com uma bacia de banho, com a água ainda quente e um bilhete ao lado: “Você pode ficar com raiva, mas não desperdice a chance de um banho quente.”

–Ormire

Fiquei boquiaberta por uns segundos. Gritei de novo até minha garganta arder. Soquei as paredes, chutei a “banheira”, me debati até cansar. Paro. Percebo que ao lado da banheira também tem sabão, toalhas, uma muda de roupas limpas, normais, não vestidos e tudo mais que eu preciso. Roupas como as que eu visto, a não se que não é a prova de dikes, é realmente normal. Olho meu reflexo na água: olhos inchados, meu coque desgrenhado, a agulha machucou minha cabeça, pois ela está ardendo um pouco, pálida e suja. O que mais ando fazendo é chorar e gritar ultimamente. Decido aceitar apenas esta regalia e espero que ele não ache que isso é um sinal de que quero algo além de um banho. Fecho a porta e começo a me despir pedindo a Tyr[1] para que Ormire não esteja me observando. Entro e a água está na temperatura perfeita. Relaxo na banheira. Pego o sabão e começo a me lavar. Um cheiro de rosas começa a exalar do sabão. Não penso quem pensou nisso tudo ou vou começar a jogar energia fora. Energia que não posso desperdiçar. Não posso esperar por Maby ou qualquer outro. Vou ter que dar meu próprio jeito e se não posso vencê-lo pela força, terei que vencê-lo pela inteligência. Termino de me lavar e lavo o cabelo com shampoo. Ele cheira muito bem. Saio da banheira com a água ainda morna. Uso uma toalha para o corpo e a outra para o cabelo, pesado pela umidade. Ando pelo quarto, agora me atendo aos detalhes do cômodo. Paredes brancas, como o resto da prisão, um armário na parede e um pequeno fogão a lenha, com o fogo aceso, obviamente, mas a portinhola que dá acesso a lenha e o fogo fechada. Uma chaleira com água fervendo descansa em cima dele. Tiro-a de lá para que a água toda não evapore. No armário, azul claríssimo com os mesmos detalhes das portas, encontram-se algumas barras de sabão, obviamente perfumados também, um vidro de shampoo e aromatizantes. A sala com certeza é apenas de banho e não improvisada. Se Ormire fez isso com segundas intenções eu não sei. Visto a roupa que me foi deixada e largo as toalhas no “banheiro” e tudo como estáva, se ele providenciou, ele que arrume. Volto para meu “quarto”. Essa imitação de casa me irrita. Sem portas, nem janelas, não posso voar...

Fecho a porta e já não aguento. Minhas costas latejam, mesmo depois deste banho, não consigo relaxar. Me asseguro de que a porta está bem fechada e então liberto minhas asas. Elas saem majestosamente brancas e enormes e lindas. Experimento abrir e fechar. Fico agonizada de tanta vontade de voar. Eu preciso sair. Isso é uma questão de sobrevivência. Sento na cama, desesperada por algo, qualquer coisa, que possa me ajudar a achar uma saída. Meu estômago ronca. Não queria dar o braço a torcer, mas também não posso matar alguém se eu estiver morrendo de fome. Começo a andar de um lado para o outro. Pensando, pensando, sufocando-me em meio de tantas teorias, imaginando onde Maby está e onde papai, pode estar. Vingança. Três províncias cairam por causa de uma simples vingança. Como alguém pode chegar a tanto e por que as pessoas se rendem tão fácil? Talvez eu jamais saiba. Meu estômago ronca mais uma vez. Retraio minhas asas e desço a escada novamente. Não há ninguém além de mim e eu espero que continue assim. Vou até um dos armários na parede e o abro. Tem pães, queijo, algumas maçãs, cenouras, manteiga, dois vidros de leite e algumas castanhas. No outro armário, ao lado deste, copos, pratos, talheres e panelas. E em um terceiro armário, arroz, feijão, farinha, ovos, temperos... tudo preparado para alguém viver. Pego dois ovos e bato uma omelete com os temperos disponíveis. Coloco uma fatia de queijo e como com pão e leite. Talvez uma pessoa normal achasse isto uma vida boa, tirando o fato do sacrifício, é claro. Talvez se achasse de sorte por achar alguém “poderoso” como o Ormire, que lhe desse casa, comida e roupa lavada. Mas eu sempre considerei o casamento uma prisão. E cada vez que eu começava a esquecer o por quê de não querer me casar, alguém na vila começava a brigar e separava, era jogada aos lobos e sofria pela perda do amor. Que tipo de amor acaba? As vezes, escolhemos estar presos. Nos prender a alguém não parece grande coisa, se doar inteiramente a ela, não é nada. Não parece uma prisão quando se está preso por vontade. E eu nunca quis estar aqui.

Passado um tempo, limpo a mesa. Desta vez, eu não choro. Vou parar de me lamentar e agir. Preciso arranjar umas armas e procurar uma saída. Pego uma faca do armário e guardo no cós da calça, como meu pai me ensinou quando eu era pequena. Papai. Não pense! Me autorrepreendo. Pego também um garfo e devo ter um grampo no meio das minhas roupas sujas. Primeiro vou ocupar minha cabeça em como sair e depois em onde meu pai está. Fracassar não é uma opção. Maby e papai, e agora todas as províncias precisam de mim.

Subo as escadas novamente e retorno para o banheiro onde me lavei. Com alívio percebo que tudo ainda está ali, do jeito que deixei. Acho meu grampo na barra da camiseta, onde ele sempre está. Como sempre uso a agulha para prender o cabelo ao invés dele, não me importo de amassá-lo todo. Desamassá-lo. Não sei, não importa, eu o abri. Fui em direção à primeira porta a frente do banheiro e começo meu trabalho de arrombamento. Tenho que que saber o que há por trás de cada porta, ou minha saída poderia estar do meu lado e eu nunca saberia. Depois de longos minutos girando o metal na fechadura, a porta finalmente se abre.

[1] Deus nórdico da guerra, da justiça e da nobreza.


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