Nightmares Come True escrita por Polo


Capítulo 12
Roger, Anita e Pongo


Notas iniciais do capítulo

Bem, antes de qualquer coisa, assim como eu havia prometido no capítulo anterior, esse capítulo seria em homenagem a Pudim de Menta que recomendou a história. Dona de um dos nomes mais criativos do Nyah, Pudim chegou a pouco tempo por aqui e tem me deixado muito feliz com os seus comentários! Sério, Pudim, valeu mesmo.
Enfim, eu só queria agradecer também a todos vocês. Semana passada chegamos a 100 comentários e isso é muito legal, quero agradecer a todos aqueles que comentam, favoritam e recomendam a história. Também queria agradecer a leitura silenciosa de todos os meus maravilhosos leitores fantasmas e queria pedir que eles aparecessem de vez em quando, só pra eu saber das suas existências.
Bem, sem mais delongas.... Boa leitura!



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Os vidros das janelas foram estilhaçados, as portas foram forçadas e a sala onde nós estávamos foi tomada pelos cachorros. Eles apareciam em todas as direções, com dentes ameaçadores, cheios de fúria no olhar. O meu grupo tinha formado um círculo para se proteger. Cada um com uma arma, se um dos dálmatas chegasse perto, essa pessoa devia mata-lo. Pude perceber que entre todos, era Gaspar que estava mais tenso, o que era totalmente compreensível uma vez que dois daqueles cachorros haviam tirado a vida do seu irmão. Esses dois cachorros, Pongo e Prenda, eram animais de estimação de Roger e Anita, por isso que eles dois estavam tão sérios. Pude perceber que a garota ruiva estava chorando, de certo suas queridas feras estavam no meio da matilha e, se fosse necessário, ela sabia que teria que mata-las.

Porém, entre todos, eu era a mais calma. Eu nunca gostei de cachorros para começo de conversa. Mesmo assim, eu sabia que aquelas coisas não eram mais exatamente cães. Eram algo que foi projetado para matar e, se quiséssemos sobreviver, teríamos de lutar. O primeiro dálmata pulou em minha direção e eu o acertei na cabeça usando um pequeno machado, com apenas um golpe o monstro cai morto no chão. Pude notar que os meus companheiros ficaram surpresos, até eu mesma estava, mas não podíamos perder o foco. Mais e mais cachorros viam em nossa direção, mas nós dávamos conta. Seja com o meu machado, ou com o porrete de Gaspar, ou a peixeira de Roger ou a pistola de Anita que ela carregava com uma velocidade impressionante. Estávamos seguros porque estávamos nos protegendo, cada um cuidando da guarda do outro. Porém, Gaspar começou a se empolgar demais. Pelo canto do olho pude notar que ele estava vermelho e que seus olhos lacrimejavam. Ele estava se movendo cada vez mais para frente e isso quebrava o círculo.

– Gaspar, o que você pensa que está fazendo, idiota? – Eu disse enquanto empurrava um dálmata para longe com um chute – Volte já para cá!

Mas claro que ele não me ouviu. Ele simplesmente continuava indo para frente e esmurrava a cabeça de quem aparecesse em sua frente. Mais e mais cachorros se aproximavam dele até que ele ficou completamente cercado. Pude notar que agora ele estava assustador. O homem magrelo e sinistro agora estava rubro de tanta raiva e gritava como um loco no meio dos cães. Perdi minha concentração vendo essa cena e um cão acabou me derrubando no chão. Seus dentes eram estalados ameaçadoramente na minha frente e só foram silenciados quando o cão foi derrubado com um tiro. Virei-me para Anita e a agradeci com um sorriso. Talvez ela não fosse tão frágil quanto eu tinha pensado.

– Venham me pegar, seus bastardos! – Gaspar roubou minha atenção mais uma vez, ele estava enlouquecido e no meio de um grupo de cerca de quinze cães – Vocês já roubaram o Horácio de mim! Então por que não tentam provar do sangue Badun mais uma vez? Venham! Estou esperando!

E então todos os cães foram para cima dele. Naquela mesma hora, soube que Gaspar Badun era um homem morto. Nosso círculo estava desfeito e agora eu, Roger e Anita estávamos separados. Tentei procurar pelos dois pela sala de produção que estávamos, mas notei que eles estavam muito longe agora e que, naquele momento, era cada um por si. Eu tinha que pensar rápido. O que eu faria? Então eu me lembrei de que aquela era a minha fábrica, eu saberia me virar. Eu sabia como as máquinas funcionavam e como eu poderia me esconder. Corri até uma esteira de produção, cortando a cabeça de alguns cães pelo caminho. E dei um chute com força no aparelho que abriu uma porta secreta, sorri triunfante e entrei por ela, fechando logo em seguida, eu iria sobreviver.

A máquina era oca por dentro e tinha uma iluminação vermelha quando alguém estava dentro, pude ouvir a minha respiração: era acelerada e assustada. Eu não me sentia aliviada, Roger e Anita ainda estavam lá fora, e eu sabia que eles não eram páreo para todos aqueles animais. Eu queria ser útil, eu queria ter o poder de expulsar todas aquelas feras do lugar onde eu cresci, eu queria salvar o único homem que eu já tive qualquer sentimento. Mas eu sabia que, entre todas as coisas, eu queria viver. E se sobreviver significava ser uma completa covarde e se esconder como uma inútil, era isso que eu faria, eu iria sobreviver a tudo aquilo.

Ouvi o grito agudo de Anita lá fora e imaginei o pior. Eu encarava uma parede de metal. O barulho do exterior misturado com a iluminação vermelha estava começando a me deixar zonza. A parte branca do meu cabelo caia sobre o meu rosto e eu me esforçava para não chorar.

Então, ouvi um barulho diferente. Os latidos e gritos foram substituídos com barulho de tiros de armas pesadas. Só poderiam ser metralhadoras. Perguntei-me o que poderia estar acontecendo e a minha curiosidade foi maior que o medo, abri a porta da esteira e saí de dentro da máquina.

A visão que me esperava era surpreendente. Posicionados por todo o recinto armados com armas de artilharia pesada estavam homens e mulheres usando trajes militares. Corpos mortos de cem cães enfeitava o salão. Minha visão correu pelo lugar em busca de Roger e Anita até que eu os encontrei. A garota estava claramente ferida e sangrava muito, seu cabelo ruivo estava solto e bagunçado e ela se encontrava inconsciente. Pensei que ela estava morta, mas consegui notar que ela respirava pesadamente. Respirei aliviada, porém isso durou pouco tempo, pois eu notei que um cachorro ainda estava de pé e estava rosnando assustadoramente. Prestei mais atenção no cão e fui surpreendida ao constatar que aquele era o Pongo. Com suas orelhas totalmente negras e sua coleira vermelha, não havia dúvida, aquele era Pongo. Ajoelhado, segurando Anita, lá estava Roger. Pela maneira que ele segurava a sua peixeira, eu soube que se fosse necessário, ele não hesitaria em tirar a vida de Pongo.

Porém, não foi necessário, um dardo foi disparado contra o pescoço do animal e Pongo caiu duro no chão. Percebi o quão aliviado Roger estava e vi-o abraçando sua noiva com força. Um vergonhoso ciúme se apoderou de mim. Olhei ao meu redor, ninguém parecia notar a minha presença, todos os soldados olhavam fixo para uma mesma pessoa: Um homem negro, forte e careca posicionado em frente ao corpo de Pongo. Era perceptível que aquele homem estava no comendo.

– Vocês passaram por muita coisa – A voz do homem ecoou pelo salão – Mas agora estão todos salvos. Nós vamos leva-los para um lugar seguro. Meu nome é Cobra Bubbles, podem confiar em mim.

...

A base militar Heitor não era o que poderia ser chamado de aconchegante. Comida ruim, quartos apertados, gente séria demais (e com um péssimo senso de moda) e o pior de tudo, com segredos que eu não poderia ter acesso. Porém, era um lugar aparentemente seguro e eu não queria ser mais uma vez exposta a mortos que querem me devorar ou a cães que desejam me desmembrar. Era uma vida entediante, mas era uma vida. Soube que Anita havia sido transferida para a ala médica e que Beethoven, ou devo dizer, Roger passava todo o seu tempo lá, esperando pela melhora de sua amada. Qualquer esperança que eu tinha de ficar ao seu lado havia sido afogada com o amor que ele sentia por Anita e com os litros de Vodca que eu passei a tomar com muita frequência.

Eu estava sentada em um banco da área residencial lendo uma revista de moda antiga quando uma mulher de pele morena e cabelos negros e cheios sentou ao meu lado. Ela me dirigiu um sorriso simpático e eu tentei retribuir ao máximo, mas logo senti como se tivesse soado falso. Eu estava muito cansada para ser simpática.

– Cobra Bubbles me disse que é hoje que eu vou poder conhecer o homem que vai encontrar o David – A mulher disse alegremente – Sério, Cruella, eu mal posso esperar! Hoje eu finalme...

– Me desculpa Nani, mas... – Eu disse massageando a minha cabeça, talvez eu ainda estivesse com um pouco de ressaca da noite passada - ...Quem diabos é David?

– Isso é sério? Eu te contei mais de mil vezes, Cruella! – falou um pouco confusa – David é aquele meu namorado que sumiu aquele dia sem deixar nenhuma pista, por isso que eu deixei a Lilo em Cícero e vim para cá.

– Ah, claro – Eu comentei sem muita empolgação – Como eu poderia me esquecer?

– De qualquer forma – Nani continuou ignorando a minha falta de interesse – Você bem que poderia vir comigo conhecer o tal homem que pode resolver todos os meus problemas – E então ela tirou a revista de moda das minhas mãos – A não ser que você tenha algo mais importante para fazer, claro.

Dei de ombros e me levantei. De fato eu não havia nada mais programado na minha agenda que não envolvesse ficar observando as nuvens e andar de um lado para o outro. Afastamo-nos da área residencial e depois de andar por alguns minutos chegamos a uma região com muitas cabanas verdes. Algumas pessoas passavam entre as cabanas apressadas e em pouco tempo deduzi aquele lugar era onde os militares discutiam as suas estratégias. Pude ver Cobra Bubbles passando e ele nos cumprimentou com a cabeça enquanto se afastava junto a uma mulher loira de sotaque bastante forte. Quando já estávamos perto do nosso destino, encontrei um velho conhecido sentado a um banco de madeira.

Lá estava Gaspar Badun, sentado de braços cruzados e sorrindo de uma forma sinistra para mim. Seus membros estavam todos arranhados e ele usava um curativo no olho, mas lá estava ele, vivo, respirando na minha frente.

– Pode ir à frente, Nani – Eu falei me aproximando de Gaspar – Depois a gente se encontra.

A mulher estava tão focada em achar esse tal homem misterioso que nem ouviu o que eu disse e continuou indo em direção à barraca dele. Olhei para o rosto magro de Gaspar, eu devia estar patética, pois estava com a boca aberta de tão surpresa. Repreendi-me por isso e fechei no mesmo instante. Ficamos nos encarando por um tempo, até que o silêncio começou a me incomodar.

– E então? – O homem disse ainda me encarando – Não vai dizer nada como “Oh, Gaspar, que bom que você está vivo, eu estava tão preocupada!”.

– É óbvio que não – Ri com desdém – Você foi estúpido e colocou todos nós em perigo. Anita está na ala médica por sua culpa.

– Não é como você se importasse com isso, não é De Ville? – foi a vez de Gaspar rir com desdém – Se fosse por você, Roger estava ao seu lado em uma cama enquanto a garota estaria a sete palmos do chão.

– Cala a boca, você não sabe do que está falando.

– Oh, desculpa se eu lhe ofendi, mas é a verdade, não é? – Gaspar olhava para mim com olhos desafiadores – Eu tenho a certeza que você fugiu naquele dia, que você não estava lá para proteger Anita. Você queria que ela morresse.

– Isso não é verdade – Mas a minha voz tremia – Sério, cala a boca, Gaspar!

– Eu aposto que você sentiu ciúmes antes de sentir alegria quando viu que ela estava viva.

– Eu estou avisando.

– Você foi uma covarde, eu perdi o meu olho, Anita perdeu um braço e Roger perdeu qualquer sentimento que poderia sentir por você.

– Eu disse para calar a boca! – Quando me dei por mim, eu já tinha empurrado o homem sombrio no chão e o esbofeteava no rosto, ele não resistia e agora apenas ria, isso me impulsionava a bater mais – Maldito! Eu te odeio! Eu te odeio! Eu queria que você tivesse morrido!

E então eu me assustei com o que eu mesma havia dito e parei de machuca-lo. Com um sobressalto me levantei e fiquei encarando o homem no chão. Ele sorria para mim de um jeito maldoso. Gaspar, com dificuldade, levantou e começou a se afastar. Mas e então deu meia volta e, a poucos centímetros de onde eu estava, disse algo que ecoaria na minha cabeça por muito tempo.

– Então – Ele disse pausadamente – Finalmente Cruella De Ville nos mostra quem ela realmente é.

E ao falar isso, Gaspar Badun saiu apressado me deixando sozinha com os meus demônios. Mil pensamentos vieram a minha cabeça. Por que eu havia feito aquilo? Por que reagi daquela maneira a uma simples provocação? Será que, lá no fundo, eu realmente queria que Anita não tivesse sobrevivido? Eu sou má?

– Dói. Não é? Ouvir a verdade?

Um menino me observava. Ele tinha olhos azuis entediados e um cabelo negro e bagunçado. Estava usando uma camisa branca com suspensórios e uma calça preta, também trajava um chapéu negro com uma pena vermelha do lado. O garoto deveria ter apenas treze anos, mas estava fumando um charuto.

– Quem é você? – Eu disse voltando do meu pensamento – E do que você está falando?

– Eu me chamo Trevor – O garoto disse de modo entediado enquanto coçava o nariz – E como eu estava dizendo, falar a verdade dói. E é por isso que eu minto.

E então o garoto foi embora. Achei aquela aparição muito estranha, mas soube que ela fez um bem para mim, pois ao menos havia me distraído da minha conversa com Gaspar. Lembrei-me que deveria me encontrar com Nani e avancei pelo acampamento, a barraca que eu deveria ir era uma que poderia ser destacada das demais por ter uma bandeira da Disney Land ostentada na entrada. Porém, no caminho do local percebi que Nani já estava voltando.

– E aí, descobriu? O tal homem sabe onde está o David? – Eu disse tentando ser simpática, mas então eu parei ao notar que a morena estava chorando – O que houve?

– Ele não conseguiu encontrar o David – Ela disse sem me olhar nos olhos e se afastando – A minha Ohana continua perdida...

E então mais uma vez eu fui deixada sozinha. Tive vontade de correr para o bar e me afogar de tanto beber, conversar com algum sargento que tenha um papo merda e ir até a casa dele para ele me comer e me tratar como o lixo que eu era. Eu me sentia péssima, extremamente carente, precisando de alguém.

E foi então que eu senti os braços de Roger Radcliffe me abraçando. Retribuí o carinho e ficamos lá naquele mesmo lugar por um bom tempo. Já estava anoitecendo e aquele foi o único momento desde que chegamos em Heitor que Roger percebeu a minha existência. Pude sentir todas as minhas preocupações indo embora e que eu poderia me sentir segura mais uma vez. Eu estava em paz.

– Eu senti a sua falta, Beethoven.

– E eu a sua, Cruella Cruel. Mas agora a gente precisa conversar.

– Claro – Eu disse inocentemente – Sobre qualquer coisa.

Roger pareceu que ia dizer alguma coisa, mas então me conduziu até um banco e depois puxou outro para ficar cara-a-cara comigo. Eu olhei para a sua expressão. Por trás do seu sorriso eu pude perceber um nervosismo e uma tensão vindo dele. Naquele momento eu quis ir embora, eu não queria mais uma má notícia, não dele, pelo menos. Mas algo me fez ficar sentada naquele mesmo banco.

– Cruella, você tem sido uma pessoa tão incrível na minha vida – Roger disse olhando meio que para o vazio – Eu sinto que eu posso te contar qualquer coisa.

– Eu sinto a mesma coisa, Roger – E então algo veio dentro de mim que eu não sabia que existia. Talvez pelo cansaço e pelas muitas chateações de antes, eu tenha reunido uma coragem desumana. Eu iria dar um salto ao desconhecido. – Na verdade, eu acho que eu te...

– Não Cruella, não diga isso – O compositor disse com um longo suspiro. Roger segurou as minhas mãos – Eu te amo também, mas não dessa maneira, eu fico muito honrado pelo seu sentimento, mas...

– Mas você ama a Anita – Eu disse sem emoção nenhuma na minha voz – Certo.

– Sim, eu amo. – Ele confirmou abaixando a cabeça envergonhada – Eu sentia uma atração por você, eu confesso, mas, eu não sei, quando eu vi a minha noiva morta naquele dia, eu notei que eu não poderia viver sem ela. Que eu sinto algo por ela que eu nunca senti por pessoa alguma – E então ele voltou a me olhar nos olhos – E que você vai sentir um dia.

– Amor. – Eu disse com cara de nojo – Humor.

– Isso é uma poesia, não é? – O homem comentou com um sorriso – Você é uma pessoa incrível, Cruella, eu vim aqui só para colocar tudo às claras – E então ele avançou e me deu um beijo. Na testa. – Se cuida.

E ele me deixou sozinha. Não tive vontade de chorar. Não havia mais lágrimas. Sentia-me completamente vazia de qualquer sentimento. Eu desconhecia o amor. Nunca acreditei em sua existência. Meus pais sempre foram distantes, estudei em colégio interno por toda a minha vida, odiava o amor doentio que os cães têm para os seus donos, odiava o amor que Roger sentia por Anita. Mas odiava mais, entre todos, o amor que eu senti por Roger.

Cobra Bubbles passou por mim e sem pensar duas vezes fui atrás dele, cutuquei suas costas e, quando ele se virou, não tive medo de lhe pedir um favor.

– Eu quero me alistar – Eu disse sem nenhuma dúvida – Eu quero entrar em qualquer missão, mesmo que seja suicida – Olhei com toda a convicção para os olhos negros do homem que me olhavam confusos – Só me tira daqui.

Por um segundo pareceu-me que ele diria alguma coisa, mas seja lá o que fosse, ele deixou para lá. Ele apertou a minha mão com força e sorriu. Senti uma energia positiva emanando dele.

– Seja bem-vinda ao exército, Cruella De Ville!

...

– E então você entrou para o exército? – Trevor disse enquanto colocava um xote de tequila para dentro do organismo – Seja bem-vinda a guerra, soldado!

– Obrigada, capitão! – Eu disse rindo sem motivo, tudo era mais simples com um pouco de álcool na cabeça – Estou muito ansiosa para morrer em benefício da pátria!

E então a minha companhia de bebera começou a gargalhar. Lá estava eu, em um bar decadente, escuro e barulhento do exército. Acompanhada de um garoto de apenas treze anos que tinha mais vícios que qualquer pessoa que eu havia encontrado.

– Então, como eu estava dizendo, hoje o dia foi uma bosta! – Eu disse engolindo dois dedos de vodca e fazendo uma careta depois – E tudo começou porque aquela menina, Nani, me chamou para encontrar um tal de homem que ia resolver os seus problemas! – E então ri mais uma vez – Dá para acreditar em tanta besteira?

A expressão de Trevor mudou. Ele ficou sério e se endireitou na cadeira, buscou um cigarro para fumar e depois de ter acendido voltou o olhar para mim. Ele coçou o nariz mais uma vez, como tinha o costume de fazer, mas por abrir a boca.

– Eu era o tal homem, eu me encontrei com a Nani – Ele fez círculos de fumaça com a boca – E eu menti para ela.

– O que você quer dizer, Trevor?

– Eu disse para a sua amiga que não havia encontrado o namorado dela usando os satélites do exército. Isso é uma mentira. Eu o encontrei. Ele estava na tela do meu computador – Ele falou com um tom soturno – Eu menti porque é isso que eu faço. Ele está morto, ele virou um deles e eu menti sobre não ter visto.

– Eu não sei o que dizer... – Nós dois ficamos nos encarando por um bom tempo até que não aguentamos e começamos a gargalhar de novo – Tem algo mais que você esteja mentindo garoto?

– Bem, nada demais. Só o meu nome. – O garoto riu enquanto tomava mais um xote de tequila – Na verdade eu me chamo Pinóquio. – E então eu comecei a rir, era um nome estúpido – Eu sei, eu sei. É idiota. Mais o meu pai gostava e foi assim que ficou.

– Eu ainda prefiro Trevor. – Eu disse sorrindo para o menino – E onde está o seu pai agora?

– Morreu. Sinto muita a falta dele, era um homem muito bom – E então passou a coçar o nariz por um longo período – Eu estou mentindo, logicamente, eu fugi da minha família assim que eu tive chance. Forjei a minha morte, arranjei um garoto morto que parecesse comigo e meu pai nunca notou a diferença.

– Nossa... – Eu disse impressionada – Em algum momento você fala a verdade, Pinóquio?

– Você fica linda neste vestido preto e branco, Cruella – Ele comentou com um sorriso safado – E não estou mentindo quando eu disse isso.

Fiquei tentada a sorrir para ele, mas resisti à tentação quando me lembrei de sua idade. Em nossa conversa eu havia descoberto que o garoto não era mais virgem (a não ser que ele estivesse mentindo mais uma vez) e que há muito tempo ele havia parado de agir como uma criança. Mesmo assim, eu não ia deixar me levar por umas poucas palavras bonitas e alguns litros de álcool.

– Eu não conheço o amor – Eu disse mudando de assunto – E acho que nunca vou conhecer.

O garoto que fumava um cigarro me observou por um tempo e depois de ter soltado uma grande baforada sorriu para mim e se aproximou para cochichar algo no meu ouvido.

– O amor, Cruella... – Ele falou em um tom quase inaudível – O amor é a maior mentira de todas.


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Notas finais do capítulo

Algo que eu procuro buscar em todos os meus personagens é uma certa identidade própria para cada um deles. Por que eles pensam e agem de tal maneira? O que foi que eles passaram e o que o moldou daquele jeito? Eu busco fazer isso para moldar uma certa personalidade e uma complexidade para cada um. É muito divertido também porque nós acabamos por conhecer várias visões desse apocalipse.
Eu queria lembrar, como sempre, que o seu comentário e crítica vale muito para mim e é extremamente gratificante ter esse contato com vocês. Sério, vocês nem imaginam o quanto.
Enfim, eu quero avisar que o nome do capítulo que vem é de um personagem pouco conhecido da Disney, mas que esse capítulo será muito surpreendente e vai ter algo logo no começo que deixará muitos aqui bastante felizes. O que será?
No mais, é só isso. Abraços, Polo.