Desejo e Reparação escrita por Ella Sussuarana


Capítulo 46
IV - Capítulo 44: Meus erros foram feitos para você


Notas iniciais do capítulo

Sim, o nome desse capítulo também o é de uma música que amo do The Last Shadow Puppets. Escutem, é muito bom!



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Parte IV

{Sobre a loucura, o amor e a guerra}

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Capítulo 44: Meus erros foram feitos para você

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O sol já havia se escondido atrás das montanhas quando Harry, Rony e Blaise bateram na porta, um de cada vez, somente para mostrarem todos que estavam irritados com o rumo daquela situação. Não houve resposta do lado de dentro do quarto, então eles bateram novamente, um de cada vez, dessa vez mais forte.

– Hermione! – gritou Harry.

Os três rapazes estavam imundos, apesar de que somente um olhar mais atento conseguiria reparar, visto que eles passaram correndo pelo pátio principal e pelas escadarias, parando abruptamente somente ao chegarem no último degrau da escada. Havia lama em seus sapatos e terra suja na barra das suas calças e em suas mãos e braços, as blusas estavam amassadas e cobertas com uma camada fina de poeira, terra e algo ligeiramente amarelado

– Hermione! – gritou Rony.

Blaise cruzou os braços e se recusou a gritar pela sua namorada, que passou a tarde inteira cuidando da pessoa mais repulsiva em toda a Hogwarts.

A porta foi aberta depressa e uma agitada Hermione os encarou, sem surpresa no olhar.

– Vocês demoraram! – disse ela, tomando a bolsa que Harry carregava sobre o ombro. – Conseguiram tudo o que precisava?

Os três acenaram e, muito devagar, adentraram ao quarto, olhando ao redor, esperando serem surpreendidos por uma azaração ou coisa pior. Se ficaram alarmados pelo fato de conseguirem ter dado quatro passos para dentro do quarto sem serem repelidos para fora imediatamente; ficaram ainda mais ao verem Hermione sentando-se ao lado do Malfoy, na cama, tocando sua testa para medir a temperatura, parecendo sentir-se muito confortável no hábitat natural do seu inimigo.

Harry e Rony trocaram um olhar cheio de significado e, logo em seguida, olharam para Blaise, como se esperassem que ele tomasse uma atitude para acabar com aquela loucura. Mas tudo o que Blaise fez foi perguntar se poderia usar o banheiro para se limpar.

– É logo ali – apontou Hermione sem jamais desviar o olhar do Malfoy. Remexeu na bolsa e retirou um frasco com líquido esverdeado. – Ótimo! Vocês já se adiantaram e preparam o elixir!

Com um cuidado que indignou seus dois amigos, ela despertou o adoentado e o fez beber um pouco do líquido. O Malfoy tossiu, cuspindo todo o conteúdo na colcha da cama. Ao invés do que esperavam ver, Hermione inclinou-se para pegar um pano úmido e limpar a boca dele.

– Beba tudo, isso vai fazer você se sentir melhor – prometeu ela, ajudando-o a inclinar-se para beber.

Ele resmungou e fez uma careta, mas engoliu o líquido.

Blaise retornou, dessa vez completamente limpo. Ele encarou cada canto do quarto com muito interesse, mas parecia evitar a todo custo a cena daquelas duas pessoas sobre a cama.

– Obrigado por terem me ajudado! Vocês não precisavam ter feito isso – disse Hermione, erguendo-se e só então reparando nos estado em que os seus amigos se encontravam.

Na cama, Draco parecia ainda estar despertando de um sonho, seus olhos lutavam para abrirem-se por completo e sua cabeça se revirava de um lado para o outro, seguindo o som das vozes que lhe pareciam tão familiares...

– O que é isto?! – falou o loiro, tentando erguer-se. Seus olhos corriam do rosto de Blaise para as sardas de Rony e, em seguida, para a cicatriz de Harry e para os olhos castanhos de Hermione. Seria este mais um de seus sonhos? – O que vocês estão fazendo no meu quarto? Hermione, o que está acontecendo?

Os três rapazes encararam incrédulos Hermione. Desde quando um Malfoy chamava qualquer pessoa pelo seu primeiro nome?

Hermione, por sua vez, teve a sensibilidade de se sentir pega numa armadilha. Ela tossiu em seco.

– Malfoy... Hm... Eles estão aqui para ajudá-lo! – falou ela, sorrindo fraco. – Foram eles que trouxeram o remédio.

Draco, muito confuso, encarou mais uma vez o rosto de cada uma das pessoas intrometidas em seu quarto. Após analisar a feição de cada um, deitou-se e encarou o teto de madeira.

– Eu sabia que isso não era real – suspirou, revirou-se na cama e fechou os olhos.

– Ele finalmente enlouqueceu? – perguntou Rony, estonteante com a notícia.

– Não! Ele está apenas confuso – disse Hermione, a voz áspera.

– Você precisa de mais alguma coisa? – Para a surpresa de todos, foi Blaise quem falou.

Hermione estava bastante consciente de tudo o que acontecera naquele quarto. Ela não tinha coragem de encarar Blaise, muito menos era dissimulada ao ponto de fingir não estar envergonhada.

– Não, vocês já fizeram o bastante. Obrigada – acrescentou ela, mais uma vez.

– Por quanto tempo você pretende continuar cuidando dele?

– Até ele melhorar – disse Hermione como se esta fosse a coisa mais óbvia do mundo, porque, de fato, o era.

– Você passará a noite toda aqui?

– Lógico que sim!

– Então eu também ficarei!

Apesar de a expressão de Blaise denunciar nada, sua voz soava gélida. Havia, também, algo de perturbador na forma como ele se mantinha calmo, como uma rocha sólida e impenetrável. Se fosse Harry ou Rony numa situação parecida, em que a sua namorada se mostrava disposta a ser atenciosa e cuidar do seu inimigo, ambos já estariam surtando há bastante tempo e já teriam a arrancado dali, mesmo que tivessem que arrastá-la aos gritos e chutes para fora.

– Tudo bem – disse Hermione, dando de ombros. Porém, ao mesmo tempo em que tentava parecer que não se importava, ela sentia as bochechas ardendo.

Mais uma vez, Harry e Rony trocaram um olhar rápido e decidiram, em silêncio, que o melhor era sair dali antes que a pressão crescente no quarto explodisse as paredes e o teto.

– Bem, nós estamos com fome, não é Rony? – disse Harry, batendo no cotovelo de Rony, mandando-o assentir.

– Sim, sim, mortos de fome! – disse o ruivo apressadamente, já dando passos largos para trás.

– Nós vamos estar lá embaixo, no Salão, se precisarem de alguma coisa...

– Você pode trazer um pouco de comida para nós três, por favor – pediu Hermione.

– Claro, claro! Já, já a gente trás.

Eles abriram a porta e saíram o mais rápido que podiam.

Hermione fez o melhor que podia para evitar o olhar de Blaise, e ele fez o melhor que podia para evitar uma briga. Ele foi ocupar-se acendendo a lareira, o que foi algo fácil demais a se fazer, visto que ele era um bruxo. Então se sentou numa cadeira e pegou um livro que estava em cima da mesinha de centro, abriu-o numa página qualquer e começou a ler um conto sobre um homem que se apaixonava por uma sereia.

Por um momento, formou-se um pequeno sorriso no rosto dele. Este logo se desmanchou. Ele não havia gostado nenhum pouco do que lera.

Na cama, o loiro começou a se agitar novamente e a balbuciar algo que não conseguia decifrar.

Ele olhou para cima, na direção da sua namorada segurando os ombros de outro homem, inclinando-se sobre ele, e murmurando “Acorde, é só um pesadelo”. Não deveria sentir ciúmes, visto que o Malfoy estava desacordado e febril, porém... Era estranho, pois não planejara a experiência de sentimentos tão profundos.

Ele encarou a cena, e esta parecia errada, completamente errada. Não queria que ela se importasse com aquele garoto, não queria que ela o tocasse nem que o tratasse com tanta dedicação.

Antes, ele queria tantas coisas... Agora, ele só queira machucá-lo.

A única pessoa que realmente amou disse uma vez: Nunca confie, nunca deixe o seu coração vulnerável para que outra pessoa possa destroçá-lo.

Por todos aqueles anos, ele havia seguido essa máxima com esmero, mas isso havia sido antes dela. Ela o lembrava tanto da sua mãe, que toda vez que olhava para o seu rosto, sentia o coração apertado, as mãos trêmulas e os pulmões a falhar. Não era um sentimento ruim de desespero nem de pânico, sentia puro êxtase em suas veias. Foi isso que o fez se apaixonar por ela em primeiro lugar: ela era gentil, atenciosa e bondosa, como a mãe que deveria ter tido. Ao mesmo tempo, ele sabia que ela tinha o potencial para fazer o que fosse preciso para conseguir o que queria, exatamente como a mãe que ele precisava.

O homem na cama, no entanto, parecia demasiadamente com o homem que havia tirado os seus pais de si. E, agora, ele também queria roubar Hermione.

Blaise sentia como se existem faíscas estáticas dentro de si, queimando o seu organismo por dentro onde tocavam, fazendo-o tremer em convulsão. Ele precisava se manter calmo, respirar devagar, não pensar sobre isso, pensar sobre nada, entrar no seu Palácio Mental e trancar-se lá dentro.

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Draco acordou sem fôlego, sentindo que tentáculos apertavam seus pulmões. Debaixo da bruma em seus olhos, ele via as formas borradas de um rosto e de cabelos volumosos, de cores esverdeadas e avermelhadas mesclando-se, e de um vulto se aproximando, tão negro e soturno que parecia ser a própria Morte. Apavorou-se com o pensamento.

– Respire, Draco, respire! – mandou a familiar voz de Hermione. Ele sentia a pressão das mãos dela em seus ombros, mas até isso parecia começar a desvanecer. – Respire!

Ele fez como ela dizia, mas era tão difícil...

Res...pire... Res...pire... Res...pire. Repetia para si mesmo.

A voz dela parecia cada vez mais distante. O vulto da Morte era o único a se aproximar. Até essa imagem desapareceu quando seus olhos cegaram.

Subitamente, ele reviveu, ar frio sendo forçado para dentro de seus pulmões e sendo expelido aos montes pela boca escancarada. A cabeça ainda doía, e agora os demais membros também. Sentiu algo macio em sua bochecha. Aos poucos, os sons e as cores foram retornando.

– Ele estava tendo um ataque de pânico – disse uma voz gélida. – Você deveria ter percebido. É assim que planeja mantê-lo vivo? Afinal, pensei que esta fosse a sua intenção!

– Eu estava nervosa... – disse uma voz que só poderia pertencer a Hermione. – Obrigada... – Houve uma longa pausa, na qual Draco tentou focalizar algo, sem sucesso. – Você não precisa estar aqui, se não quer. Não se sinta obrigado a fazer isso porque pensa ser um dever...

– Alguém precisa ficar para protegê-la!

Hermione riu-se sem humor.

– Do que exatamente? Na condição em que está, o Malfoy é incapaz de machucar uma mosca; o único que pode sair ferido é ele mesmo.

– Eu preciso protegê-la de si mesma! – Havia uma faísca na voz dele que poderia causar uma drástica combustão.

Outra longa pausa.

– O que você quer dizer com isso?

Draco finalmente conseguiu enxergar com clareza. E desejou poder voltar a estar morto.

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Hermione não tinha percebido o despertar do sonserino adoentado, porque, nesse exato momento, ela lançava seu melhor olhar desafiador na direção do outro sonserino que, por acaso, também era o seu namorado.

– O que você pensa que está fazendo cuidando do Malfoy? – disse Blaise num tom de voz que denunciava exatamente o que pensava sobre a ocasião presente. – Ele não é seu amigo, você não deve nada a ele!

Ela respirou fundo antes de falar.

– Não é verdade. Ele me salvou. – Mais de uma vez, pensou ela.

– E você já fez o bastante para pagar esta dívida, não precisa continuar a bancar a babá dele!

– Nós já tivemos essa briga, Blaise...

Ele a segurou pelos ombros com força e sacudiu.

– Por que você continua a defendê-lo? Ele não a merece, Hermione!

Se Hermione já estava alarmada com o comportamento de Blaise, ficou em estado de choque com o que aconteceu em seguida. Draco ergueu-se, subitamente, e arrancou as mãos do rapaz dos ombros dela, com uma força espantosa para quem era dado por “quase morto”.

– Não grite com ela nem a toque dessa forma, seu babaca! – disse o loiro, enfurecido. Apesar de a sua cabeça ainda estar doendo e de o quarto à sua volta estar rodando de cabeça para baixo, ele estava são o suficiente para compreender o que estava acontecendo e louco o suficiente para não se importar com as suas ações impensadas, as necessidades do instinto.

Tanto Blaise quanto Hermione demoraram um minuto a mais para se recuperarem do choque. Quando a surpresa inicial começou a se dissolver, ambos encararam Draco com pura incredulidade no olhar. O loiro, com certeza, tinha perdido completamente o juízo.

No minuto seguinte, Draco ergueu os joelhos e depositou a cabeça sobre eles, murmurando em dor.

– Hermione, não estou me sentindo bem – sussurrou ele.

Ela não o tocou, mas aproximou-se dele o máximo que podia sem iniciar uma guerra.

– O que você está sentindo?

– O mundo está rodando tão rápido...

– É só tontura, você provavelmente se levantou muito rápido depois de mal ter se recuperado de um ataque de pânico. Vai passar!

Ele balançou a cabeça e murmurou algo a mais.

– Eu tive um sonho ruim...

Antes que pudesse continuar, escutaram-se três batidas apressadas na porta. Hermione levantou num pulo, engoliu em seco e foi até a porta, encontrando três feições – Harry, Rony e Gina – sorrindo nervosas, exceto a garota, que parecia a ponto de explodir. Ela, justamente, entrou e atravessou o quarto numa mesma passada, parando somente ao pé da cama, encarando os dois sonserino e, depois, a jovem mais brilhante da sua geração.

– Quando os meninos me contaram, eu não acreditei, afinal, quem o faria?! Isso é completamente insano! – falou Gina, correndo os olhos por todo o ambiente, tentando absorvê-lo todo de uma vez. Seus olhos detiveram-se em Hermione, e ela ergueu um dedo para a própria. – Você tem muita coisa para me explicar!

Hermione virou-se para seus amigos.

– Por que vocês contaram para ela? – gritou.

– Não tivemos escolha – falou Harry.

– É! Na verdade, mal contamos qualquer coisa. Vocês, mulheres, têm o poder de entrar em nossas mentes e ler nossos segredos! – disse Rony, nervoso. Harry, como um bom amigo, concordou veemente.

– Ela estava começando a fazer um escândalo no meio do Grande Salão! Ela disse que ficaria quieta somente se disséssemos onde você estava.

– E nós contamos que você estava no quarto do Draco, mas ela precisava ver com os próprios olhos para acreditar!

– Todos nesse castelo enlouqueceram! – resmungou Hermione, sentindo uma súbita vontade de arrancar os cabelos.

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Os ouvidos sensíveis de Draco doíam com tanto barulho. Será que Hermione havia convidado todo o castelo para comparecer a uma festinha surpresa no seu quarto? Conhecendo a sua reputação, certamente não era esse o caso. Deveria ser um grupo de estudos em como ser insuportável nível hard.

Ele deitou-se de lado, encolhido. Estava começando a tomar controle do seu corpo e dos seus pensamentos, ao mesmo tempo em que diversas lembranças surgiam uma sobre a outra. A mais recente delas não era de um momento-presente, mas de um sentimento, uma raiva que não conseguia simplesmente ficar contida debaixo da pele. Ela tinha sido a responsável por ter defendido Hermione de, bem, um sonserino, na frente de outro sonserino.

Oh Merlin! O que ele havia feito?!

Então, havia também a memória do sonho...

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– Não me diga que você passou a tarde inteira aqui, cuidando do Malfoy? – gritou Gina mais alto do que as demais vozes.

– E ela também pretende passar a noite e a madrugada e a semana inteira fazendo o mesmo – respondeu Blaise, com um atípico tom sarcástico.

– Por quê?

– Ela pense que deve alguma coisa a ele!

– Eu devo bastante a ele – disse Hermione, cansada de ser contrariada. – Mas vocês jamais entenderão, então, por favor, vamos acabar com essa discussão antes mesmo que ela comece – cortou a amiga antes mesmo que fizesse menção de falar. – Cadê a comida?

– Mal tivemos tempo de mastigar um pedaço de carne antes que a Gina começasse a ficar fazendo drama – falou Rony.

– Ela só faltou subir em cima da mesa e chutar tudo! – disse Harry.

Gina revirou os olhos.

– Não fuja do assunto, Hermione Granger! Por que você está se submetendo a isso? Esqueceu que esse – apontou para Draco – é o mesmo nojento-arrogante-narcisista que sempre a tratou como se você fosse um pedaço de sujeira na sola do sapato dele! Você deve nada a ele! Ele é quem deveria fazer por merecer que você sequer gastasse tempo da sua vida respirando o mesmo ar que ele.

– Você não entende...

– Faça-me entender! – falou Gina, batendo o pé no chão, apenas para mostrar o quão irritada estava. – Ele é a mesma cria de Comensais que irá torturá-la assim que tiver a chance!

Hermione queria dizer que, sinceramente, não acreditava que ele fosse capaz de machucá-la, mas não existia situação propícia em que tal frase soasse correta, sem ofender pessoalmente os seus amigos.

– Agora não é o momento para isso! Há uma pessoa seriamente doente aqui!

Gina não foi a única a revirar os olhos dessa vez.

– O que está acontecendo com você? Primeiro, você começou a faltar as aulas, dormia na Biblioteca, você, que é a única pessoa a achar aquele lugar “legal”; então, sua aparência começou a mudar, houve uma época, um ou dois meses atrás, em que você parecia doente e atormentada, estava pálida, dormia muito pouco. Às vezes, você parece que está melhor, mas, outras vezes, você parece tão cansada. Agora descubro que você está cuidando do MALFOY! Estou tentando, de verdade, compreender o que está acontecendo aqui, mas isso é demais para o meu cérebro processar!

– Ele se machucou, conjurando um feitiço poderoso de forma errada, e eu decidi ajudá-lo a melhorar – disse Hermione, dando de ombros, parecendo estar mais despreocupada do que de fato estava.

– O ponto é: você não precisa fazer isso!

Harry e Rony concordaram e, ao mesmo tempo, começaram a falar os seus pontos de vista sobre o assunto. As suas palavras se atropelavam e se intercalavam, criando uma bela, mas irritante confusão.

Em algum ponto, Blaise se posicionou ao lado de Gina para apoiá-la toda vez que ela fazia questão de lembrar que o Malfoy era o inimigo declarado deles e que jamais fora capaz de demonstrar qualquer ato de compaixão e de solidariedade que não estivesse também acompanhado de crueldade e de interesses próprios.

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O sonho era um presságio ruim do seu futuro, era sobre dor, perda, vingança e ódio, sobretudo. Parecia que todos os Malfoy estavam amaldiçoados a terem filhos que se sentiam desconfortáveis na pele em que habitavam.

O motivo de ele saber que estava acordado na realidade era esta – existia a lembrança do sonho, que o corroia por dentro, enquanto no exterior havia a sua casca de homem e um ensurdecedor barulho. Tanto por dentro quanto por fora, sentia raiva fervente.

Porque não entendia a raiva que vinha de dentro, resolveu se focar naquela que gritava mais alto, mais urgente. Primeiro, ele pensou que essa raiva estava toda voltada para Blaise, então deduziu que a culpada era Hermione, somente para chegar à conclusão, em menos de cinco minutos depois, que sentia raiva de si mesmo.

Apesar dos anos de treinamento e da convivência com os altos e rígidos padrões de seus pais, ele havia cometido um deslize e revelado suas emoções para outra pessoa que não fosse de seu legítimo sangue. É verdade que ele já havia cedido algumas vezes na presença de Hermione, porém não havia, nesses casos, motivo para alarme. Ambos eram parceiros de um mesmo crime. Contudo, essa vez tinha um diferencial decisivo – Blaise. Era um desastre! Sua reputação estava acabada! Se soubessem da forma patética em que agira, considerá-lo-iam fraco e ingênuo. Além de que poderiam, também, considerá-lo um impostor, traidor do seu sangue e dos princípios da sua família. Ele seria rejeitado por todos e expulso de casa; para ele, restaria somente desgraça e vergonha.

A raiva crescente camuflava a dor, oferecendo-lhe, portanto, nova energia para que quebrasse algumas coisas sólidas e outras frágeis.

Ele não deveria pensar sobre ela, não deveria se importar com ela e, principalmente, não deveria defendê-la. Aliás, deveria ser ele próprio quem deveria atacá-la e humilhá-la. Ele pertencia a uma raça superior e, como tal, tinha o dever de subjugá-la para lembrá-la a que lugar pertencia. Querer beijá-la, num momento de insensatez, ao desvairar sobre como a expressão dela poderia se iluminar enquanto gemia ou como o corpo dela se tornaria volátil em suas mãos já era algo extremamente ruim e errado e herético. Querer o bem-estar dela extrapolava o nível de Coisas Que Não Serão Jamais Aceitáveis. Para um Malfoy.

Precisava concertar isso e provar que não se importava com ela.

Se precisava prová-lo para os outros ou para si mesmo, não fazia a menor diferença.

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Gina ficou pasma com um súbito pensamento que não havia tido até então, mas que levantava uma questão essencial para a compreensão do que quer que estivesse acontecendo. Agora, esse pensamento havia a chutado na bunda e a derrubado no chão, não necessariamente nessa ordem.

– Esperem um segundo – disse ela, erguendo um dedo no ar. – Para começo de história, como vocês conseguiram entrar no quarto dele? Deve ter uma senha ou um feitiço que impede a entrada de “pessoas indesejadas”, as quais, por acaso, somos nós, começando por esse sonserino aqui – gesticulou na direção de Blaise.

– Hermione já está bem acostumada ao quarto dele – comentou Blaise, ainda usando sarcasmo no tom da sua voz.

Antes que mais alguém tivesse a chance de pronunciar, Hermione virou-se para encarar Blaise e falou, muito séria.

– Por que você está fazendo isso? – Blaise ergueu as sobrancelhas num gesto que poderia ser lido como petulância arrogante ou confusão inocente. – Atacando-me! – explicou Hermione, erguendo a voz e os braços num gesto de indignação.

– Não estou a atacando! Estou expondo fatos só para ter certeza de que todos estão a par da situação. É péssimo se sentir de fora ao ser pego no meio de uma conversa da qual você não entende sobre o assunto.

Aquele tom de ironia soberba, Hermione pensou que pudesse existir somente em Draco. Porém, pensando melhor, ele deveria ser pré-requisito para entrar na Sonserina.

– Como assim “bem acostumada”? – exigiu saber Gina.

Harry e Rony entreolharam-se, considerando se deveriam ou não responder. Por fim, fizeram um pacto concordando que não iriam trair a amiga. Se Hermione quisesse falar ou se calar, era escolha dela.

– Você não sabia que ela está ajudando o Malfoy a cumprir as suas funções de Monitor? – disse Blaise.

– Agora ela sabe! – disse Hermione ao sonserino. – E eu só o ajudo a inspecionar o castelo à noite, após o toque de recolher – disse para Gina.

A única coisa que Gina encontrou capaz de dizer foi:

– O quê?!

Depois de a verdade ser finalmente dita, não havia mais motivo para segurar a língua.

– Ela vem passando bastante tempo com o Malfoy... – comentou Rony, com uma pontada de decepção e outra de nojo.

– Eu preciso fazer isso, vocês sabem...

– Mas isso não precisa durar para sempre – disse Harry, cruzando os braços. – E você, definitivamente, não deveria dormir aqui!

– Esperem um momento – falou Gina, tornando-se vermelha ligeiramente. – Quantas vezes Hermione dormiu aqui?

– Algumas – disse Harry.

– Bem mais do que nós jamais saberemos – respondeu Rony.

– Quando você pretendia me dizer isso? – falou Blaise, fitando Hermione com os olhos repletos de emoções infláveis.

– Você está dormindo com ele? – perguntou Rony.

– Não – sussurrou Hermione. Ela estava começando a se sentir sufocada.

– Eu não acredito em você! Por que você estaria dormindo aqui se não estivesse transando com ele? – Gina estava ainda mais vermelha que antes.

Isso era algo muito complicado – e arriscado – de se explicar.

– Eu tenho os meus motivos – foi tudo o que ela disse.

Apesar de os três rapazes saberem muito bem pelo que ela estava passando, eles lhe lançaram olhares desaprovadores.

– E quais seriam? – questionou Gina, soando mais séria do que nunca antes.

Felizmente, não seria naquele exato momento que Hermione teria que revelar os seus maiores segredos.

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– Saíam do meu quarto! Todos vocês! – gritou Draco, usando a sua nova dose de força para sentar-se na cama e encarar os intrusos com uma proporção considerável da raiva que sentia. – Agora! Vamos! Eu não os estou vendo se mexerem! São surdos, além de burros e feios?! Claramente, o que esperar de amigos do Potter?!

– Por favor, retirem-se – pediu Hermione, sentindo-se finalmente aliviada por ter uma desculpa para chutar seus amigos para fora dali. – Ele precisa de descanso para se recuperar, e vocês estão fazendo muito barulho.

– Você não vai ficar! – falou Gina em tom de incredulidade genuína, como se a desafiasse a fazer o contrário.

– Alguém precisa ficar aqui para se certificar que ele não irá se afogar no seu próprio vômito ou na sua baba – falou ela, rindo sem humor. Sentia-se tensa e levemente culpada pelo que fazia; evitar o olhar de Blaise não ajudava a atenuar essa sensação. Todavia, precisava fazer o que achava certo.

Naquele momento, os seus instintos diziam que o certo era ficar e cuidar de uma pessoa que, possivelmente, havia danificado seriamente a sua mente.

Hermione sentou-se na cama e pegou um pano, mergulhando-o numa tigela com água que deveria estar morna e erguendo-o na direção do loiro.

Blaise não pronunciou um som enquanto saía do quarto, seguido imediatamente de uma Gina a murmurar consigo mesmo sobre a insanidade que havia acometido Hermione, uma garota que tinha tanto a prometer ao mundo e que, agora, estava arruinando a sua vida e... O monólogo continuava para sempre. Harry e Rony pareciam mais relutantes a deixar a amigar sozinha, mas a conheciam bem demais; quando Hermione metia algo na cabeça, não havia ninguém nesse mundo capaz de convencê-la do contrário. Eles permaneceram apenas o tempo necessário para ver o que se desenrolaria em seguida.

– O que você pensa que está fazendo, Granger? – disse Draco, arrancado o pano da mão dela e o arremessando ao chão. – Eu sou capaz de cuidar de mim mesmo!

– Claro – falou ela, revirando os olhos. – Se não fosse por mim, você ainda estaria estirado no chão sobre uma poça de sangue, sujo, gelado e, provavelmente, morto!

– Você quer que eu a agradeça por me salvar, é isso? Se for isso que tenho que fazer para me livrar de você, tudo bem, obrigado.

Havia mais que sarcasmo na voz dele.

– Agora, saía daqui!

Hermione o olhou com pena, pensando que ele estava, novamente, assustado e confuso. Por isso, inclinou-se para tocá-lo no ombro. Draco afastou-se imediatamente do toque dela, como se ele tivesse queimado-lhe a pele.

– Não me toque, sua imunda sangue-ruim! – falou ele, encarando-a com aquele velho desprezo com que todos em Hogwarts associavam à sua imagem. – O que você ainda está fazendo aqui? Será que é mais lerda que seus amigos idiotas? Eu disse: S-a-í-a d-a-q-u-i!

– Você não está bem, Draco – disse ela, como se tentasse explicar o movimento em elipse dos planetas em torno do sol para uma criança de quatro anos. – Você precisa de ajuda.

– Eu estou completamente consciente quando digo que prefiro morrer a receber cuidados de alguém do seu tipo! Quem você pensa que é para estar no meu quarto, para tocar nas minhas coisas?! Você não é nada mais do que um bolinho de sujeira esquecido no bolso de trás da minha calça, algo que eu preciso jogar fora.

Por algum motivo, as palavras dele doíam mais do que deveriam.

Hermione ergueu-se num pulo.

– Você não quer realmente dizer essas coisas... Está apenas confuso...

Draco riu em escárnio, suas feições se contorceram numa visão terrível.

– Oh, Granger, você não pensou que eu me importava com uma criatura tão repulsiva como você, não é? Não seja uma tola menina!

– Não seja tão rude, ela estava tentando ajudá-lo, o que é muito mais do que você merece – disse Harry, puxando Hermione para longe do Malfoy.

– Da próxima vez, não perca o seu tempo.

Essa foi a última coisa que Hermione escutou antes de sair do quarto de Draco. Ela foi carregada pelos amigos por boa parte do caminho, pois sua mente e seu corpo não pareciam ter decidido fazer o mesmo caminho. Apenas percebeu onde estava, quando chegaram, enfim, no Salão Comunal da Grifinória, e eles falavam que não deveria ficar triste por causa das coisas que o Malfoy dissera. Ele era um idiota que não merecia os seus pensamentos, muito menos suas emoções.

– Eu sei... Boa noite! – falou ela.

Deitada na sua cama, sentindo-se fria mesmo com a lareira ardendo no centro do quarto, não era tão fácil mentir para si mesma. Aquela não tinha sido a primeira vez que Draco usara as suas palavras para machucá-la, mas elas nunca antes haviam causado tal efeito. Não eram as palavras em si, mas o sentimento de traição que Hermione sentia a causa do peito inchado, dolorido, e da insônia. Ela pensou que, nas últimas semanas, Draco e ela estavam desenvolvendo... O quê? Ela era ridícula por pensar que eles jamais poderiam ser algo mais que inimigos.

Apesar das palavras, do ódio e do escárnio dele, apesar da mágoa e da solidão que sentia, Hermione estava preocupada.

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Draco sentia-se estranho. Não exatamente infeliz, mas também não exatamente satisfeito por ter resolvido o seu problema. Na verdade, ele se sentia amedrontado por estar sozinho. Mas, novamente, não era tão simples assim. Além da solidão, aos poucos, era assombrado pela realização das consequências das suas palavras.

Elas deixariam uma marca permanente que destruiria tudo o que Hermione e ele estavam construindo.

Isso é bom, disse para si mesmo. Eu não quero ter nenhuma ligação com uma sangue-ruim.

Se isso era verdade, por que ele não dormia aliviado, ao invés de se revirar de um lado para o outro, sentindo cada um de seus músculos serem alfinetados?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado! ^^
Estou muito agradecida, de coração, por todos os comentários! Quando tiver tempo nessa minha vida, juro responder cada um com bastante amor e atenção!
Beijão!