O Colar do Parvo escrita por Marko Koell


Capítulo 2
Magoas




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Meu pai enfim desceu de seu tão demorado banho e perguntou como eu estava. Como eu estava bem então ele disse “então vamos!” super animado. Ele não gostava muito de demonstrar que me amava, até hoje eu tento entender o porquê, mais eu sabia que ele me amava.

No caminho da escola tudo foi tão perfeito como era antes do acidente. Se não fosse pelo frio que fazia naquele dia. Meu pai mudo como sempre, mais eu sabia que ele olhava pelos cantos dos olhos para mim. Coloquei meu fone de ouvido, liguei o celular e comecei a ouvir uma musica. Sinceramente nem me lembro qual era, para mim era como se eu não estivesse ouvindo nada.

Eu podia parecer forte, mais eu estava ainda destroçado por dentro e encontrar o pessoal da escola seria a pior das sensações possíveis. Eu tinha que por em minha mente que o que tinha acontecido, aconteceu e que nada mudaria isso. Tudo bem que relevar o fato de cinqüenta pessoas terem morrido em um acidente como aquele, e que apenas eu havia sobrevivido, era difícil.

A chegada a escola não poderia ter sido pior. Meu pai me deu algum dinheiro para o lanche, desejou sorte e disse que estaria com o celular pessoal dele ligado, que se eu sentisse qualquer coisa, era para ligar imediatamente pra ele. Eu fechei a porta do carro e caminhei até o portão de entrada da escola.

Em cima do portão havia um grande painel com o nome da escola. Alguns alunos estavam ali parados, conversando quando me olharam e começaram a sussurrar alguma coisa que eu não podia dizer o que era. Segui em frente, não dando importância para aquilo, assim como eu sempre fazia, com esse pessoal das séries abaixo da minha.
Ao entrar na escola mais olhares, mais eu estava ouvindo minha música e mesmo assim ainda sentia aquelas dezenas de olhos sendo fincados em mim a cada passo que eu dava. Mesmo assim ainda continuei até entrar no pátio da escola. O pátio era aonde tudo na escola acontecia. Desde barracos de meninas em suas disputas, a de quem estava beijando mais entre os meninos. Isso de fato causava total desconforto na direção da escola, que por muitas vezes tentou proibir os alunos de expressarem suas sexualidades.

Para variar mais alunos ali, aquilo estava me deixando furioso, com raiva. Eu queria gritar, surtar e correr dali, mais eu não podia. Eu não estava fazendo isso por mim, e sim pelos meus pais. Eu não podia simplesmente desejar que os alunos não olhassem para mim. Eu era o único sobrevivente de um acidente horrível, aonde amigos deles morreram e por mais chata que a professora Cruz ou o zelador podiam ser, muitos ali gostavam deles.

Virei à esquerda e subi dois lances de escada, indo para o segundo andar, aonde tinha um longo corredor com as salas de aula. De um lado janelas, do outro as portas. Conforme eu estava passando por ali eu podia ver os alunos levantando e indo até a porta para ver se era eu mesmo. Aquilo já estava passando dos limites. Não iria demorar muito para eu ficar muito irritado e bater em um deles. Eu não sou do tipo violento, mais a coisa estava sendo levada para esse lado, na realidade muita coisa em mim havia mudado.

Foi quando eu ouvi uma voz me chamar. Tão semelhante quanto a de Júnior. Aquilo me gelou a barriga e então me virei, e olhei o menino que vinha com sua turminha de sempre. Anna, Henrique, João, Aline, Fernanda e é claro Matheus, o irmão de Júnior.

– Olá Matheus! Tudo bem? – eu tinha que ser cordial.

– Tudo bem? – disse ele, já quase de frente a mim, em um tom de ataque – Como você pode perguntar se está tudo bem?

– Não sei, estou apenas perguntando por educação. – senti o tom desafiador dele.

– O que você esta fazendo aqui? – perguntou ele.

– O mesmo que você, eu estou vindo estudar. Estou vivendo. Deixando o que aconteceu para trás.

– Quer saber Kayo... não me olha, não fala comigo, nem se quer tenha o trabalho de pensar que eu existo. Você foi uma grande decepção pra muitos aqui na escola, - Matheus olhou com raiva e continuou – até mesmo pra mim.

– Decepção? – eu disse com um sorriso torto e encabulado no rosto – Quer dizer que muitos aqui na escola queriam que eu tivesse morrido... e você deseja isso também?

– Não se faça de sonso, nós sabemos que você não é. – Matheus estava realmente com ódio de mim, mas até agora eu queria entender os motivos.

– Você é que esta sendo vago Matheus. Desculpa se foi decepcionante pra você eu não ter morrido, mas eu perdi amigos lá. Júnior não era meu irmão, pelo menos não de sangue, mais eu gostava muito dele....

Eu não sabia exatamente o que falar naquele momento, então eu deixei a coisa simplesmente fluir, mesmo temendo ser muito mal entendido.

–... ele era meu amigo, quase como um irmão. Dávamos-nos muito bem.

– Então se gostava tanto dele porque não o respeitou? – Matheus estava quase chorando. A sua turminha estava ali, lhe olhando e me fitando com raiva. Não sei se aquilo era realmente raiva.

– Desculpa novamente, - disse eu ironicamente – respeitar?

– Porque não foi a policia, porque não disse o que houve? – ele começou a chorar nesse momento e um aglomerado de gente se formou. Não apenas alunos mais professores também – Nem ao menos no enterro dele você prestou a ir... era o mínimo que você poderia ter feito.

– Matheus, eu estou sofrendo tanto quanto você pelo que houve. – eu disse com a voz embargada - Mais eu estava em choque, nem falar direito eu conseguia, quanto mais delatar o que aconteceu naquele dia. Aliás, eu nem me lembro do que houve, foi muito rápido. Não daria para ajudar a polícia e nem ninguém com o que eu teria, supostamente, a dizer.

Naquele momento houve um silêncio que me cortou o coração. Eu não sei exatamente se aquilo ajudou ou piorou as coisas. Matheus me olhava com um olhar de desaprovação total, assim como todos do seu grupo. Mas ao mesmo tempo senti em seu olhar compaixão, como se ele soubesse disso, mais queria acreditar que tivesse uma resposta contrária.

– Eu sei que existem mágoas, principalmente entre eu e você... e que elas não passam com tanta facilidade. Eu mesmo tive meu tempo para entender o que aconteceu, e confesso que eu ainda não entendi, mais não quero fazer disso um empecilho na minha vida. Eu só tenho dezesseis anos! – minha garganta doeu ao dizer isso. Eu com dezesseis anos já havia sofrido tanto.

Matheus olhou novamente em meus olhos e eu vi naqueles olhos azuis um pedido de ajuda, de conforto. Mais o que eu poderia fazer ali? Nada. Estiquei meus braços e fui a sua direção, para lhe dar um abraço, que foi recíproco. Não sei dizer ao certo, mais aquele abraço me pareceu tão sincero e, carinhoso que mesmo depois dele, nas aulas que se seguiram, eu podia senti-lo, pressionando seu corpo com o meu, e seu cheiro que ainda parecia estar no ar. Éramos de turmas diferentes, mesmo assim, era como se ele estivesse do meu lado.

Eu sempre soube dessa minha diferença, digamos assim, especial. Só não sabia que ela iria despertar justamente com Matheus, o garoto que me odiava e eu nem sabia os reais motivos.

Por várias vezes na sala de aula eu me perguntei o que ele estaria fazendo do outro lado daquela parede. Se ele estaria pensando em mim, ou em seu irmão, Júnior. Que atitude mais egoísta a minha. Lógico que seria em seu irmão, e lógico que estaria pensando em mim, mais não como eu estava querendo que fosse. Logo senti um calafrio na barriga que eu não sabia explicar bem o que era. Tentei desviar meus pensamentos várias vezes mais ele só se conteve quando o sinal bateu, três horas depois, e ao sair da sala dei de cara com Matheus.

– Kayo, eu preciso falar com você, se tiver um minuto...

– Sim! – eu disse tentando disfarçar minha felicidade.

Ele me levou a um canto do corredor, e enquanto os alunos saiam das salas de aula ele disse:

– Eu queria pedir desculpas, pela forma como eu tratei você... se tratava do meu irmão, e eu amava aquele moleque, eu sei que você não teve culpa alguma do acidente mas acho que você me entende...

– Eu entendo sim, e sei que a sua opinião é a de muitos aqui da escola, ninguém sabe ao certo o que houve naquele dia, mas eu também não posso ajudar, eu simplesmente não me lembro.

Matheus ficou me olhando por algum tempo. Aqueles olhos azuis estavam mais intensos com um fino feixe de luz do sol sobre eles.

Começamos a andar e Aline se aproximou, e ela jogou seu braço no ombro dela.

– Venha ficar conosco no intervalo. – disse ele, agora fazendo o mesmo com o braço em meu ombro.

– Acho que eu vou até a biblioteca, preciso pegar alguns livros e distrair a mente.

– Tudo bem então, se quiser estaremos lá fora.

– Ok!

Matheus tinha pedido pra eu ficar junto dele. De fato isso não era normal, ainda mais vindo dele. Eu sempre havia achado ele um cara bonito, com seu corpo atlético. Eu sabia que eu não teria chances com ele. Teria sim, era que me por em meu lugar e aceitar isso.

– Kayo, eu sei que... – Matheus falou de repente antes de descer a escada, largou de mim e de Aline e seguiu comigo, eu iria subir até a biblioteca - O pessoal... os seus amigos estavam lá... e meu irmão também... enfim... Era uma turma bem unida. Meu irmão não ia deixar que você ficasse vagando por aí, sem amigos. Eu sei que não sou tão bom quanto ele, mais acho que... estou por aí. Se precisar é só chamar.

Ele deu dois passos pra trás e fez um gesto afirmativo com a cabeça e desceu a escada. Matheus era um dos meninos mais lindos da escola. Seus cabelos lisos e escuros, sua pele branca e seu corpo delicadamente torneado deixavam as meninas loucas, e a mim também.


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Notas finais do capítulo

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