Sob os Olhos do Napoleão escrita por Ana Barbieri


Capítulo 5
Capítulo 5




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Capítulo 5

Quatro anos de casamento e ainda assim ficava corada ou esboçava um sorrisinho bobo ao sentir os lençóis contra a pele nua. Talvez fosse pelos pequenos flashes com visões de momentos da noite anterior. Talvez porque seja impossível deixar de se sentir uma tola romântica apaixonada depois de ouvir “eu te amo” em francês ao pé do ouvido várias vezes numa única noite. Independente do motivo, a sensação era maravilhosa. Não sabia se Sherlock ainda estava absorto em seu sono, então procurei evitar me mexer na cama. Contudo, minutos depois dessa decisão tomada, o som das cortinas sendo abertas com energia encheu o quarto, bem como a luz do sol, o que me fez tampar o rosto com os lençóis.

─ Bom dia, Anne. – cumprimentou meu marido se aproximando da cama para destampar minha cabeça.

─ Alguma razão especial para você ter saído tão cedo da cama? – perguntei afastando a luz dos olhos com a mão. – No meu caderninho consta que o senhor nunca faz isso quando não está trabalhando num caso.

─ Esse seu caderninho está contaminado pelos romantismos de um certo doutor que não teve oportunidade de reescrevê-lo depois do nosso casamento. – observou Holmes andando para o outro lado do quarto.

─ De fato, mas pelas minhas contas os romantismos do estimado doutor a respeito de seu objeto de estudo não se alteraram tanto desde então. – disse provocando-o. – O que está tramando? – insisti me deitando para o outro lado da cama.

─ Mycroft teve a chance de mimá-la, não foi? E agora, querida Bergerac, é a minha vez. – respondeu ele revelando uma bandeja com o café da manhã.

─ Ora, que gentil. – disse com uma pitada de ironia, sem conter um sorriso brilhante. – E só foram necessários quatro anos de casamento para obter o incentivo apropriado. Está querendo que os Gardiner acreditem que somos um casal normal? – brinquei, ainda deitada.

─ Eles já acreditam que estamos em lua de mel, por que não tirar maior proveito disso? – ponderou ele, ajeitando a bandeja sobre o colchão.

─ Então esse café da manhã que estou recebendo na cama também pode ser visto como um mimo de Mycroft, afinal, se ele não tivesse mudado nossa reserva, eles jamais pensariam isso. – comentei pensativa.

─ Não faça com que eu me arrependa de ter descido lá embaixo para pedir a senhora Gardiner por uma bandeja para surpreender a minha querida esposa ainda adormecida, Anne. – advertiu meu marido, erguendo uma das sobrancelhas com um sorriso de lado.

─ É claro, perdoe-me, querido. Você sabe que eu odiaria fazê-lo sair da sua zona de conforto para nada. – respondi num tom bastante afetado pela ironia.

─ Que grande tolo eu fui ao pensar que depois de quatro anos, a sua língua deixaria de ser tão afiada. – comentou Sherlock, sentando-se na cama para servir o meu chá.

─ Ela ganha cada vez mais incentivo à medida que você sussurra je t’ aime no meu ouvido, senhor Holmes. – disse com um sorriso malicioso, escorando na cabeceira da cama para me sentar. – Mas, posso assegurar que o seu objetivo – me surpreender – foi atingido com louvor. – acrescentei bebericando um pouco do chá, enquanto o observava servindo o seu.

─ Apenas não se acostume tanto, senhora Holmes. – disse ele sem olhar para mim, mas ainda sorrindo de lado.

─ Oh, não! Eu sei muito bem que o único motivo para eu estar recebendo o tratamento real é que você não aguenta ficar em desvantagem com ninguém, nem mesmo com o seu próprio irmão. – retruquei, enquanto passava geleia numa torrada.

─ Acredito que uma esposa normal não seria tão dura com o marido que se dispôs a esse pequeno mimo, sabendo que teria que subir até o último maço de escadas com uma bandeja pesada. – observou Sherlock, servindo-se de uma salsicha.

─ É, tem razão, me desculpe querido. – disse de pronto, bebendo mais um pouco de chá. – E dizem que a mais sensível durante a gravidez é a mãe. – murmurei sem conter uma risada, ao passo que meu marido me lançava um olhar fulminante.

─ Anne. – foi o aviso dele, mas o fato de usar o meu primeiro nome e não o sobrenome de solteira demonstrava que não estava tão zangado assim.

A manhã continuou com farpas sendo trocadas entre nós, como de costume para o casal de Baker Street. Depois, eu resolvi descer para respirar um pouco de ar, acompanhada por Holmes que ainda tentava encontrar algum comentário para o qual eu não tivesse resposta. Por fim, o deixei ganhar e o silêncio se instaurou. Num dado momento, sem muita consciência do que estava fazendo, deitei a cabeça um pouco abaixo dos ombros dele – a diferença de altura era considerável – e fiquei, gesto que não fazia há muito tempo. A resposta de Sherlock foi segurar a mão que eu mantinha presa ao seu braço.

─ Holmes? – murmurei, chamando a atenção dele.

─ Hm?

─ Não precisa se preocupar. Sabe disso, não é? – perguntei ainda olhando para o chão.

─ Preocupar? Com o que, exatamente? – retrucou Sherlock, confuso.

─ Mycroft. – respondi simplesmente. – E os doces e o maior quarto da pousada.

─ Acha que eu estou com ciúme do meu irmão? – desdenhou ele, apertando minha mão.

─ Eu não sei o que eu acho. Mas, o que eu sei é que em quatro anos de casamento você nunca levou meu café da manhã na cama. E só o fez depois que o primeiro presente que recebi por estar grávida veio de Mycroft e não de você. – respondi com um sorriso escondido. A ideia de Holmes estar com ciúmes do próprio irmão era muito divertida.

─ Bergerac...

─ Enfim, só para constar no seu caderninho, nenhum mimo vindo do Clube Diógenes supera as suas saídas da zona de conforto, mon détective pompeux. – disse apertando meu braço contra o dele. Holmes, por sua vez, apenas ergueu uma das sobrancelhas com um divertido sorriso nos lábios, levando uma das minhas mãos até eles num cálido beijo. O assunto estava encerrado.

─ Olhe só quem está ali. – comentou ele apontando na direção de Billy Finn andando com um grande graveto nas mãos, afastando as folhagens com ele.

─ O seu amigo. – respondi sorrindo. – Olá, Billy! – cumprimentei acenando para ele. O garoto acenou de volta e correu na nossa direção.

─ Bom dia, senhora Holmes, senhor Holmes. – disse tirando o chapeuzinho que usava para fazer pequenas mesuras de cabeça a cada um... como se fôssemos da alta corte britânica.

─ Onde está sua mãe? – perguntei gentilmente.

─ Aqui. – respondeu Rosemary, surgindo atrás de uma árvore. – Bom dia, senhora Holmes, senhor Holmes. – cumprimentou ela.

─ Senhora Finn. – respondeu meu marido, com um leve meneio de cabeça. – Billy.

─ O senhor Finn não quis acompanha-los? – indaguei curiosa.

─ Passeios matinais não combinam muito com o meu Tom. – disse ela um pouco nervosa. – Vamos dar aquela volta ao redor do lago, Billy? – chamou oferecendo a mão para o pequeno.

─ Querem vir conosco? – convidou ele, mirando Holmes particularmente.

─ Seria um prazer. – Sherlock concordou, buscando a minha aquiescência com os olhos. Simplesmente acenei e saímos atrás deles.

O pequeno Billy era mesmo agitado, o que me fez pensar como Holmes teria sido quando criança. Caso realmente viéssemos a ter um menino, será que ele puxaria as maneiras do pai? Eu teria muito trabalho em conviver com dois pomposos detetives, mas, admito que a ideia me fez esboçar um sorriso bobo. À medida que nos aproximávamos do lago, Billy caminhava cada vez mais perto da margem... Notei o quanto Rosemary ficou apreensiva.

─ Billy! – chamou ela, nervosa. – Se afaste daí!

─ Não se preocupe, senhora Finn. – interveio meu marido, liberando meu braço para ir à frente com o menino.

─ Se ele soubesse que isso quase lhe custou a vida, não chegaria nem perto d’água. – comentei num tom sombrio que surpreendeu até mesmo a mim. – Ele realmente nunca a conheceu?

─ Não... mal tinha acabado de nascer quando aconteceu. – respondeu Rosemary, continuando a andar lado a lado comigo.

─ E nunca mais receberam notícias da sua irmã? Depois...

─ Ela foi mandada para uma instituição logo em seguida. Estava louca, senhora Holmes. Completamente perdida. – explicou ela com pesar. – Sempre foi uma criatura muito delicada, a Laura.

─ E você e o seu marido desconhecem a razão de como chegou a esse ponto? – inquiri.

─ Como eu disse, ela havia acabado de ser abandonada pelo marido. Foi nos visitar em Norwood para tentar esquecer o que acontecera, mas naquela noite, se nosso caseiro ainda não estivesse trabalhando... Billy teria morrido. Laura estava prestes a enfiar a cabeça dele na água quando a alcançamos. – continuou Rosemary, visivelmente aflita com o desenterrar daquelas lembranças.

─ Isso é horrível. – murmurei, mirando Billy rindo com Holmes ao longe. – E então você e o seu marido fizeram com que ela entregasse o garoto.

─ Eu jamais imaginei nenhum membro da minha família atrás das grades, senhora Holmes. Então, eu apenas tomei Billy dos braços dela e na manhã seguinte, o carro do sanatório veio busca-la.

─ Ela ainda continua lá? – perguntei polidamente.

─ Saiu na época em que Billy estava com quatro anos. Oh, senhora Holmes, foi horrível! Fisicamente ela parecia ter melhorado e tentamos trazê-la de volta ao convívio da família, mas, o fato de não poder revelar a verdade a Billy sobre ser a mãe dele passou a ser o motivo de várias brigas. Até chegar o momento em que, certo dia, quando os deixei sozinhos para ir à mercearia, ela contou tudo a ele pelas nossas costas. O envenenou contra mim e meu marido e sugeriu que fugissem...

─ E fugiram?! – exclamei arqueando as sobrancelhas.

─ Quando cheguei em casa, Billy me contou tudo. Eu tentei falar com ela, senhora Holmes. Mas tinha se descontrolado mais uma vez. Disse que jamais me perdoaria por ter roubado o filho dela... o ódio com que me olhava... por fim, Laura... – não foi preciso que Rosemary continuasse para eu entender o que acontecera.

─ Rosemary! – chamou uma voz masculina atrás de nós. – Oh, Olá. – deveria ser o marido, Tom.

─ Olá, muito prazer, sou Anne Holmes. – antecipei-me, sorrindo.

─ Thomas Finn. – disse ele se apresentando. – O que houve, Rosie? – inquiriu ele abraçando a esposa. – Onde está o Billy?

─ A culpa foi minha, senhor Finn. – intervim com a voz trêmula. – Eu e minha mania de fazer perguntas indiscretas às pessoas. Ela estava me contando sobre a irmã. Billy está logo ali adiante com o meu marido. – acrescentei rapidamente, apontando para Holmes e o menino do outro lado do percurso do lago.

─ Ah, sim. – falou acenando para o filho. – E não precisa se preocupar, senhora Holmes. Rosie fica assim sempre que se lembra da irmã, e não é para menos. Laura se matou bem na frente dela, foi um choque para todos e um custo manter Billy afastado do quarto até que arrumássemos tudo.

─ O caso foi relatado à polícia. – deduzi em voz alta.

─ Sim, mas não havia muito que pudesse ser feito. Ninguém a ser culpado a não ser a própria loucura de Laura. – ponderou Thomas, dando de ombros.

─ De fato. – concordei com um meio sorriso.

─ Por que a mamãe está chorando? – ouvi a voz assustada de Billy atrás de mim e me virei abruptamente, cruzando o olhar primeiro com Sherlock.

─ É o senhor Finn, suponho. – cumprimentou meu marido, trocando um forte aperto de mãos. – Bem, é melhor deixa-los agora. Vamos, Anne? – sugeriu taticamente, lançando um olhar compadecido à senhora Finn. Apenas acenei e o segui de volta para a pousada. – O que aconteceu? – perguntou assim que ficamos sozinhos no quarto.

─ Foi culpa minha. – comecei me sentando à janela. – Mas não posso deixar de pensar como o caso é interessante. – comentei pensativa.

─ Caso? – repetiu meu marido, interessado.

─ Sim, apesar de já estar concluído. Veja bem, Billy, na verdade, é filho da irmã da senhora Finn. Mas parece que o marido a deixou quando ele nasceu e ela ficou desolada. Tanto que tentou afogar o pequeno Billy. Rosemary e o marido não quiseram levar o caso à polícia e apenas mandaram a irmã para um sanatório. – expliquei sem encontrar melhores palavras para descrever o horror da situação, mérito de Watson. – Quando ela saiu, eles tentaram ajuda-la, contudo, Laura – a irmã da senhora Finn – agora culpava Rosemary por roubar seu filho dela e tentou fugir com Billy depois de contar a ele que ela era sua verdadeira mãe.

─ E o fim que levou essa mulher? – quis saber Holmes, pensativo.

─ Se matou. – respondi. – Depois de perceber que não ficaria com o menino...

─ E a causa para o desaparecimento do marido? – Holmes tornou a perguntar.

─ Eles não sabem, ou se sabem não me disseram. – disse encarando meu marido. – Por quê?

─ Apenas uma ideia. – respondeu simplesmente. – Suponho que se Billy está com seis anos agora e estava com menos de algumas horas de vida...

─ Ele tinha quatro anos quando ela se matou. – mencionei tentando ajuda-lo em qualquer que fosse o seu raciocínio.

─ Não sabemos o sobrenome dela, mas seria agradável supor que fosse Laura Weatherby, viúva de George Wheaterby. Dado como desaparecido e meses depois como morto, sem qualquer indicação de quem poderia ser o assassino. – comentou Holmes, apoiando as mãos sob o queixo.

─ Mas, você supõe...

─ Eu nunca suponho, Anne. – interrompeu ele, com superioridade. – O que se falou muito foi que George se encontrava endividado em vários clubes de cartas da cidade. Ora, muitos homens matam por isso, mas poucos não são pegos. Um, na verdade. – ponderou.

─ Quem? – perguntei.

─ Deve ter lido o nome de Sebastian Moran num dos meus diários. – assenti que sim. – Pois bem, mais uma vez ele saiu impune. Todavia, como disse, o caso foi encerrado. – concluiu meu marido, irritado. – E quando Laura sugeriu a Billy que fugissem ele contou tudo a Rosemary, não foi? – deduziu com um meio sorriso.

─ Sim, ele é um rapazinho muito esperto. – admiti, sorrindo comigo mesma.

─ Só não será mais esperto do que o nosso filho. – ressaltou Holmes. – Quer dizer, se for um menino. Mas tenho certeza de que...

Não deixei que ele terminasse de falar, rindo como uma tola, o que pareceu surpreendê-lo e ao mesmo tempo diverti-lo.

─ O que foi?

─ É a primeira vez que você diz nosso filho. – expliquei com outro riso bobo.

─ Mesmo? – indagou Sherlock, com um sorriso largo.

─ Eu sei que estou sendo ridícula, mas, sabe como é... os hormônios em excesso me deixam mais sensível e, portanto, mas suscetível a romantismos tolos. – retruquei na defensiva, deixando minha atenção recair para o retrato de casamento dentro do relicário que ganhara de presente de Holmes. – Vamos ter que mudar essa foto... Eu jamais imaginaria que... Sherlock? Os motivos para estar me olhando desse jeito seriam...?

Ele tomou uma das minhas mãos e a beijou, em seguida a curva do meu pescoço, para só então voltar à atenção para a minha testa enquanto murmurava: Je t’ aime mon difficile et charmante jeune fille.


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Notas finais do capítulo

Boa noite, queridos leitores/ras! Essa imagem ali de cima pertence a Lexie - devianart - e é uma Sherlolly fanart. PORÉM, quando eu a vi quase tive um ataque cardíaco e vomitei arco íris, porque me lembrou muitoooo do meu casal de Baker Street! Resolvi compartilhar meu amor com vocês.

Espero que tenham gostado do capítulo e da maior explicação a respeito do passado da família Finn e de como Billy foi parar nas mãos deles. Holmes e Anne como sempre lindos, não é? Vai ser uma pena cortar esta atmosfera de romance... ou não! Reviews são sempre bem vindas, bem como a opinião sincera de vocês! Bjooos e até o próximo!