A mesma história, Contos não Contados escrita por Teffyhart


Capítulo 1
Entre Tranças e Lembranças




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Ela sentou-se a sua frente, entregando a escova e jogando todos os fios ruivos por cima do ombro, deixando-os cair em suas costas. Lisos e longos. Ele sorriu.

Não se lembrava de bem quando havia aprendido a fazer aquilo.

“Hey Siegh, você pode pentear meu cabelo?”

O moreno a olhou por um tempo, notando a falta de jeito da criança. Com os pés descalços e a roupa de dormir ainda, ela segurava uma escova rústica e um elástico de cabelo. Seu rosto era pidão, ao mesmo tempo em que escondia um “que” de vergonha.

“Você sabe... Meu cabelo está muito grande, não consigo prendê-lo direito.”

Sieghart concordou suspirante. “Certo, o que você quer que eu faça? Um rabo de cavalo está bom?” Ela apressou-se para sentar em seu colo, entregando a escova para o mais velho. “Achei que uma mocinha” Ironizou, como sempre. “de nove anos e três meses ia saber pentear os próprios cabelos.”

Ela fungou ofendida. Ele passava a escova pelos fios rubros com calma, evitando machuca-la ao retirar os nós. “Ser uma mocinha não significa que eu tenho braços de contorcionista.”

“Você nem sabe o que é uma contorcionista.” Ele interrompeu.

“Esse não é o ponto!” Sua voz aguda soou e ele riu. Ela limpou a garganta antes de continuar. “Não, eu quero uma trança.”

“Trança?” Ele perguntou sem esperanças. “O que te leva a crer que eu sei fazer tranças?”

“Mas eu não quero uma trança qualquer. Quero que nem o daquela moça da taverna, que nos atendeu. Aquela que começa aqui, no alto da cabeça.” O moreno recordava-se da mulher que lhe serviu a comida quente durante a noite qual ambos haviam chegado cansados, mas não do penteado dela.

“Trança que começa no topo da cabeça?”

“É.”

“Tem certeza?”

“Sim.”

Ele só pode suspirar, já separando os cabelos dela em pequenas madeixas, porém sem saber exatamente o que fazer com elas. Buscou na memória o rosto da atendente, mas tudo o que se recordava era a comida sem sabor, porém quente, que havia aquecido seus estômagos noite passada.

Soltou os fios, então, penteando-os todos para trás, e pegou três pequenas madeixas ruivas, começando a trançá-las como fazia com as tiras de couro de suas armas ou pedaços de armaduras. Aos poucos adicionava outros pedaços de cabelo, em uma vã tentativa de fazer a mistura de cabelos parecerem uma trança.

No final estava aceitável – e ele estava sendo carinhoso consigo mesmo –, mas não mais do que isso. Prendeu o final do penteado com o elástico vermelho e deixou com que a garotinha se erguesse.

Ela passou voada por todo o quarto da pensão em que estavam, girando na frente do espelho para que pudesse ver a parte de trás de seu penteado. Quando satisfeita voltou para o imortal, recolhendo a escova de suas mãos. “Obrigada” murmurou “não ficou como o da moça lá debaixo, mas... Eu não sei, a sua me parece muito mais bonita.”.

Sieghart sorriu. Se era porque ele fizera ou pela maneira que ele fizera ele não sabia, mas contanto que ela estivesse contente... Para ele estava ótimo.

Seus dedos continuavam o movimento, trançando e trançando os fios ruivos, algo automático depois de um tempo, e tão concentrado em seus pensamentos estava que só agora percebera que já estava na metade da trança.

Era ótimo quando ambos compartilhavam de momentos assim: silenciosos, únicos e apenas dos dois. Ao final da trança, longa e bem trabalhada – afinal em todos aqueles anos acabara aperfeiçoando-se –, o moreno segurou a ponta do penteado e a juntou com a que vinha nascendo do meio de sua cabeça, usando a própria ponta para prendê-la firme ali, somente passando o elástico para garantir que a mesma não se soltasse.

A ruiva levantou-se, com calma recolhendo a escova de suas mãos, e soltou um pequeno sorriso para o imortal, virando-se para ir terminar de colocar sua armadura.

Quando aquela trança havia crescido a ponto de ter que ser presa de volta em sua origem para que não atrapalhasse a guerreira? Quando a sua pequena guerreira obstinada havia crescido para se tornar uma mulher?

Desceu os olhos da silhueta dela para suas mãos. Por quanto tempo mais ainda seria útil para ela? Já não havia nada que ele pudesse ensiná-la. Não havia golpes ou controles do fogo que ela já não soubesse. Até mesmo seu próprio estilo de luta desenvolvera, algo que se parecia com o seu, mas tinha a própria característica dela.

Por mais quanto tempo ele poderia apegar-se à, pelo menos, fazer tranças em seu longo cabelo ruivo? Por mais quanto tempo poderia vê-la crescer sem que, com isso, a sensação de inutilidade também crescesse dentro de si? Quando seria que ele se tornaria apenas mais alguém?

Perguntava-se qual seria o dia que teria apenas essas memórias pequenas e silenciosas para lhe confortar.

A ruiva já retornava, os passos metálicos contra a madeira não fizeram com que o moreno a olhasse como sempre. Não o fizeram fazer um comentário aleatório ou perturbá-la de qualquer maneira. Sieghart estava distante esses dias.

Por qualquer motivo que fosse ela abaixou-se à sua frente. Qualquer que fosse a dificuldade que ele enfrentasse ou sentimento que ela não pudesse compreender... Ela estaria lá. Tocou seu rosto com delicadeza, vendo que finalmente ele reparara que estava ali. Ela viu o sorriso surgir e viu seu intuito de começar uma frase, mas ela acabou falando primeiro. – Não, eu não sei qual é o problema que te aflige dessa vez. Nunca soube. Às vezes você simplesmente... Fica assim. – Ela comentou e deslizou os dedos por sua face macia, sempre limpa de qualquer tipo de pelo. – Eu há muito tempo entendi que devo observar, mas não me intrometer, pois isso aparentemente é um problema seu consigo mesmo. – Ela o olhava fundo nos olhos prata, preenchendo-se deles enquanto seu próprio vermelho os preenchia. – Mas eu sempre vou estar aqui por você. Você, que já foi meu herói tantas vezes, ainda será salvo por mim.

Ele soltou uma risada nasalada, simplesmente abaixando a cabeça e levando sua mão até seu rosto, sobrepondo a dela e fazendo um carinho simples em sua – dela – pele. Deixou sua cabeça pender um pouco para o lado qual a mão estava, aceitando o afago, mas só pode falar com a voz baixa, escondendo a tristeza para algum lugar qual ele não deixaria que ela visse. – Nunca prometa algo que você não pode cumprir, ruivinha. – Liberou sua mão então, devagar se erguendo e já se preparando para descer e seguir viagem.

Sempre? Ele sentiu uma pontada no peito, sentindo a garganta fechar-se em angústia. Esse sempre foi o problema. Sempre é um tempo longo demais para manter uma promessa desse nível. Sempre é eterno. Eu faço parte do sempre, viverei tanto quanto ele.

Olhou para a ruiva então, que fazia um bico frustrado por ele ter ignorado boa parte do que falara. Ele apenas sorriu e mandou-a juntar suas coisas, pois o Sol já nascera há muito e eles precisavam seguir viagem.

Como alguém tão efêmero quanto você poderia fazer parte do tudo que sou?


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