A Fórmula do Amor escrita por Gabriel Campos


Capítulo 7
Puberdade, Adolescência, Problemas e Loucuras


Notas iniciais do capítulo

Nesse capítulo vocês vão conhecer uma nova amiguinha. Digamos que ela não é bem uma personagem...
— Se liguem nas músicas



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Diário do Berg

Eu já estava perto de completar meus 14 anos e via os garotos da minha idade já com voz grossa, corpo definido, essas coisas (não prestava tanta atenção neles assim, meu negócio é mulher ta legal?). Não sei se aconteceu uma explosão nuclear ou algo do tipo, mas aconteceu uma verdadeira mutação com todos os meus conhecidos desde a infância e inclusive comigo. Quando a questão é pelos eu saio disparado. Tinha uma verdadeira floresta na minha cara, e aquilo estava me incomodando. Como eu tinha vergonha de falar com o meu pai e pedir pra ele me ajudar, resolvi tentar acabar com eles sozinho. Eu e um barbeador. Preciso dizer que foi tenso? Cara quem ta falando é o Berg, o mico humano (isso não fez sentido)!

Enfim, saí de dentro do banheiro com meu rosto tooodo cortado, e o sangue pingando pela casa toda. É, com o tempo eu aprendi a me barbear, com creme, depois a loção, e tal.

O lado bom disso tudo foi que minha mãe, Dona Hilda, finalmente entendeu que eu estava crescendo. Bom, não era bem vergonha que eu tinha, sei lá, mas ela me tratava como se eu fosse um bebê e isso às vezes me incomodava um pouco. Claro que com o tempo eu comecei a sentir falta de algumas atenções que ela me dava, mas tinham as minhas irmãs menores que precisavam mais da minha mãe do que eu.

Falando em Dona Hilda, minha mãe era presidente da associação de moradores do bairro e, como já disse a vocês, adorava pregar a “moral e os bons costumes” para todos. Ela sabia da opção sexual da Ludi e por isso a odiava; Dona Maria, mãe da Ludi, por sua vez, não sabia da opção da filha e nem o porquê dela despertar tanto ódio em minha mãe. Elas se tornaram inimigas mortais com o tempo, pois D. Maria cobiçava a presidência da associação e era capaz de fazer qualquer coisa para tê-la; não diferente da mamãe que faria chover só pra manter seu título. As duas frequentavam a mesma igreja e os cultos (os quais evitava ir) sempre eram hilários por que as duas discutiam por tudo, desde a atenção do pastor até pra cantar um simples hino.

— Ainda bem que isso nunca afetou nossa amizade. — disse Ludi, certa vez.

💜

Diário da Ludi

Às vezes, que Deus me perdoe, eu queria não ser filha da minha mãe. Era difícil a possibilidade de abrir o jogo com ela, mas eu sabia que mais dia ou menos dia ela ficaria sabendo por outra pessoa.

Naquele ano, minha prima faria 15 anos e eu seria uma das madrinhas da festa dela. Coisa da minha mãe. Sei o quanto é importante para uma garota chegar a essa idade, mas eu não me via com aqueles frufrus e paparicos. Coisas como vestidinho cor-de-rosa, luvas e etc. Eu odiava ter de vestir aquela roupa de madrinha, dama ou sei lá o quê que chama aquilo. Adorava minha calça jeans, camisa de manga e meu boné pra trás. Adorava meu cabelo amarrado em forma de rabo de cavalo, e não aquelas presilhas idiotas.

Quando me vi no espelho, aquela fantasiada não era eu. Me deu uma doida e eu comecei a me descabelar, desmanchar aquela coisinha linda a qual eu não fazia parte. Eu chorei por ter de ser obrigada a ser uma coisa que eu não era e me comportar como uma mocinha com um sorriso falso e idiota. Eu queria ser livre, estar com os meus amigos, gente que não era preconceituosa, diferentes daquelas da minha família. Eu queria ser apenas eu!

— Ludmila do céu o que você ta fazendo, menina de Deus? — espantou-se minha mãe, ao me flagrar me descabelando toda e chorando. Eu estava sentada na beirada da cama. Uma das alças do vestido cor-de-rosa estava caída e este já estava todo amassado.

Não falei nada, apenas me recompus. Minha mãe esperou uma resposta, mas eu fiquei com a cabeça abaixada. Sei que ela olhava pra mim de modo sério, por que sei lá, eu senti. Só fechei os olhos e apenas abri quando ouvi o barulho da porta do meu quarto batendo. Ela havia saído.

Pensei mil vezes antes de ir para aquela festa. Pensei em abrir o jogo à minha mãe, pensei em me matar. Mas eu fui. Fui e todos disseram que eu estava linda, mas eu sabia que eu não estava. Pra mim não.

💜

Diário do Berg

Ah, minha escola. Situava-se na pracinha do meu bairro, vizinho à igreja. Na praça também ficava a sede da associação de moradores, a qual minha mãe fazia parte.

Voltando à escola, eu comecei a dar um certo valor a ela, e a perceber que ela só poderia melhorar caso os alunos ajudassem.

São Benedito não era um ícone das escolas de Fortaleza e a diretora daquela época não colocava moral, e não fazia quase nada para ajudar. Em 2008 houve eleição para decidir quem seria a nova diretora da escola; estavam disputando a diretora atual e a secretária: duas moscas mortas.

Votei branco com muito orgulho, na esperança de que uma alma boa da secretaria de educação mandasse um anjo que transformasse a São Benedito no ícone estudantil (sonhar não custa nada).

Às vezes eu sou exagerado, mas dessa vez posso dizer que não. Descrevendo a São Benedito em 2008, começamos pelo portão de entrada: não havia muros na parte externa da escola, e sim portões, portões não, grades. Nossa segurança eram os pega-ladrões em cima dessas grades e um senhor simpático de cabeça branca e quase sem nenhuma visão. Pra você ter uma noção, algumas meninas de dentro da escola “ficavam” com os pirangueiros (assim chamados os marginais no meu bairro); elas do lado de dentro e eles do lado de fora.

O bebedouro da escola estava meio enferrujado embaixo, e os alunos jogavam lixo — eu disse lixo — dentro dele. Algumas pessoas dizem que já acharam um gato morto dentro da caixa d’água da escola. Por precaução eu sempre levava minha garrafinha e nunca comia o lanche fornecido pelo colégio.

Bem lembrado no parágrafo acima: o lanche. Pois bem, era leite com biscoito nos dias pares, e biscoito com leite nos dias ímpares — isso quando tinha. Você deve estar se perguntando: “por que você ta falando mal da merenda, se disse que não come?”. Eu respondo: pelo simples fato de que eu penso por todos, e que tem gente que com certeza saía de casa sem almoçar por não ter o que comer mesmo e contavam apenas com aquele lanche, que era sagrado (tinha gente no meu bairro e na minha escola bem humilde).

Pichações nas paredes e carteiras das salas de aula acompanhavam a decoração. Falando em carteiras, às vezes faltavam delas devido ao grande número de alunos e alguns assistiam aula sentados no chão. Em época de chuva não tinha aula em algumas salas devido às goteiras. Enfim, posso escrever um livro contando todos esses problemas. Mas de quem é a culpa? Qual é a solução? Eu não sei de quem é a culpa, mas a solução é simples: agir. Não só o governo, mas os alunos e toda a escola. A diretora poderia agir mais, os alunos poderiam ser menos porcalhões e o governo deveria olhar mais para o nosso bairro. Posso até estar querendo ensinar o padre a rezar missa, mas é minha opinião.

💜

Diário da Madalena

Eu nunca quis ser adulta porque acho os adultos idiotas demais. Acho que foi por isso que eu me tornei uma um pouco mais tarde do que outras garotas. To falando de ficar moça, sabe?

Quando eu comecei a namorar com o Berg, eu ainda estava naquela fase dos seios estarem crescendo a cintura estar afinando e blá, blá blá. Claro que eu havia lido coisas sobre isso e que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer.

Minha relação com meus pais sempre foi tranquila, mas falar dessas coisas com eles era muito difícil da minha parte. Eles sabiam que eu não era uma garota normal (sempre troquei as bonecas pelos livros).

Enfim, direto ao ponto, foi numa tarde, na escola. Eu estava mais estressada do que o normal. Qualquer música me fazia chorar, ou seja: mais emotiva do que o normal. Achei que era devido ao término do meu namoro com o Berg, sobre ter descoberto que ele me deixara pra ficar com a Valentina (essa que ele nunca sequer falara mais do que uma vez com ela).

Senti que havia algo de errado comigo, que algo me desconfortava, além de eu estar sentindo uma dorzinha no pé da barriga, mas uma dorzinha aguda, chatinha. Saí da aula de ciências e fui até o banheiro e puf! Sangue. Fiquei com medo de ter sujado a carteira, ou sei lá, mas antes eu preferi achar que havia me machucado. Preferia mil vezes que um prego tivesse rasgado a minha perna do que ser um adulto.

Passei as mãos na cabeça, sem saber o que fazer. Para piorar a situação, alguém estava querendo entrar no banheiro.

— Já vai! Para de bater nessa porta! — gritei.

— O banheiro não é só seu não, querida!

Deixei a vaca que estava do outro lado da porta mugir e fiquei pensando numa solução pra sair de dentro da escola e ir pra casa. Seria um sacrifício perder as duas últimas aulas, mas era um caso de ultraurgência. “Vou inventar uma dor de cabeça!”, pensei. Não dava pra perceber muito a mancha porque minha calça era escura, mas eu consegui enganar a diretora. Meu pai veio me buscar de moto minutos depois.

Em casa, contei com muita timidez à minha mãe, que quase explodiu em festa:

— Minha filha já é uma mocinha!

Descobri o mundo dos absorventes, dos sutiãs, das maquiagens, dos truques femininos e outras cositas mais. Minha mãe até promoveu um chá com algumas amigas íntimas pra me mostrar como é a vida de uma moça. Foi legal, foi legal...

💜

Diário do Berg

Já que o assunto é mutação... Quer dizer, adolescência, vou aproveitar o espaço pra falar sobre a primeira mutante que nasceu na minha cara: eu a batizei de “A Mutante”mesmo (naquela época passava a novela dos Mutantes que era uma febre, mais comentada até do que a novela Global, pelo menos na minha rua).

Foi numa manhã de sábado, fevereiro, época de Carnaval. Acordei, bafo matinal, cabelos mal arrumados. Olhei-me no espelho: lá estava ela. Sua ponta branca, brilhante! Eu cheguei a imaginar ela dizendo:

— Me estoura, me estoura!

Ludi era daquelas que parece que tem água na boca só de estourar uma espinha. Ela já desfez amizades por causa disso — como no dia em que ela espremeu forçadamente a mutante, digo, espinha de uma amiga nossa. Ela chorou como se houvesse descido litros de sangue, mas as duas nunca mais se falaram. Então, eu fiquei com medo de ela ver e tentar aquela que eu pensei em até cultivá-la no meu rosto. A galera diz que não se pode espremer espinha porque a pele fica marcada e tal. Como meu rosto é lisinho (tirando a barba que insiste em nascer, parece até bunda de bebê), resolvi usar alguns métodos, dentre eles, lavar o local com sabonete; passar tooooooodos os cremes da minha irmã (já que minha mãe acha que vaidade é coisa do capeta, estes eram todos escondidos). Nada feito. A diaba da Mutante continuou lá no meio da minha bochecha, linda e sorridente.

Para piorar a situação, minha mãe estava entrando naquela de que eu tinha de aprender o que era sexo (coisa que eu já sabia e ela não sabia que eu sabia). Dona Hilda entrou numa também de que eu tinha que me enturmar com as pessoas, sair por aí e tal, mas as pessoas da igreja. Ir tipo para o Dance Gospel.

— Lindinho, meu filho, você tem que sair mais, meu anjo.

— Mas não saio mesmo, mãe! Odeio carnaval, sei que a senhora odeia também!

— Tá amarrado em nome do nosso senhor Jesus.

— A senhora quer que eu vá pra onde?

— Se vira. Hoje aqui em casa tem culto (ligava a caixa de som, colocava umas cadeiras em frente a minha casa, o pastor vinha e a galera começava a cantar as músicas da igreja).

— Ah, mãe, eu queria dormir cedo hoje!

— Sua irmã vai sair. Por que não sai com ela?

— Mil vezes sair sozinho do que com a Andreza. Eu vou dar uma volta por aí.

Tomei um banho, botei minha roupa de sempre (camisa xadrez, calça e sapato social), passei meu perfume (o famoso Humor nº4). Não fazia a mínima ideia para onde ir.

Quando eu ia saindo, já estava lá no portão, minha mãe se aproximou e me entregou um "objeto misterioso".

— O que é isso mãe?

— Ah, Berg, não vai querer que eu explique, não é? Isso aqui é pra que caso aconteça alguma coisa...

— Ave Maria, mãe! Tá de brincadeira né? Já não basta na escola, agora aqui? Eu sei pra que serve uma camisinha, não sou retardado.

Mamãe deu-me um tapa por trás da cabeça e disse:

— Fala direito com tua mãe abestado! E tu não vai me usar isso em nome de Jesus!

— Pra quê a senhora me deu então?

— Por que eu... Por que eu não quero ser avó antes do tempo. Mas quero que você se case virgem! Então não use, só no caso de alguma dessas vagabundas queiram lhe aliciar, afinal você é filho da presidente da Associação de moradores do Bom Jardim I e os seus genes valem milhões.

Pior do que o exagero da minha mãe era o exagero do tamanho da minha mutante. A espinha parecia estar se alimentando de fermento. Bom, pus a camisinha no meu bolso e fui pra night. Mas pra onde?

(Escutem Cansei de Ser Sexy - Move)

“Get up, get up, get up, you've got to keep on moving…

Get up, get up, get up, you've got to keep on moving…

Get up, get up, get up, you've got to keep on moving…”

Uma música dos Cansei de Ser Sexy agitava um galpão que havia perto da minha casa. A festa tinha música boa e estava rolando para o público. Quando entrei lá, as pessoas me olharam com aquela cara que todos têm o costume de olhar: como se eu fosse um ET, claro.

Andei, andei e andei até encontrar uma cadeira. Era um baile, só que não era à fantasia, infelizmente, porque se não eu teria a desculpa de que estava fantasiado de nerd. Sempre disfarçando, claro, colocava a mão em cima da Mutante. Ela parecia ter vida própria e parecia também ser bem exibida.

Naquele baile, tive a melhor surpresa da minha vida: Valentina estava lá! Vi aquela menina de cabelo curtinho, de costas. Só poderia ser ela. E eu não poderia deixar aquela chance passar. Ela tinha voltado pros meus braços!

— Velho, vai deixar a Valentina fugir de novo? Fala com ela!

— Quem falou isso? — perguntei não sei para o quê. Joguei a pergunta para o ar. Sói perguntei e a “coisa” respondeu:

— Fui eu, a Mutante. Fala com a Valentina!

Tinha muita bebida lá, mas eu não havia posto nenhuma gota de álcool na boca. Juro. Aquele dia estava ficando cada vez mais louco: eu estava conversando com uma espinha! Doidice ou não, resolvi seguir os conselhos da Mutante.

Toquei no seu ombro, e quando a garota se virou, não era a Valentina:

— Valentina?

— Oi? De quê você me chamou?

—Desculpa, achei que fosse minha namorada.

Ri, pode rir. Aquela foi a desculpa que eu dei. Ela seria minha namorada sim. Ta duvidando e acha que eu não sou de nada? HAHA!

Aquela garota me deixava louco e pensar nela me deixou tão baixo astral que eu resolvi voltar pra casa.

E o que eu faria com aquela camisinha?

Tirei-a do meu bolso e fiquei olhando pra ela. Vi um casal nos maiores amassos, os interrompi e disse:

— Toma, pra vocês.

O rapaz pegou o preservativo meio sem jeito, depois continuou a beijar a garota.

Não me diverti aquela noite, mas pelo menos eu colaborei para menos um aborto ou uma adolescente grávida no mundo.

Na hora de dormir, eu fiquei tocando na espinha, e passava o dedo indicador nela, e cutucava (que nojento, mas quem nunca fez isso?). Aquela coisa falou comigo!

— Cuidado com esse dedo! Fica me cutucando! Olha, se você me espremer eu venho puxar teu pé de noite.

— Isso não pode estar acontecendo! – exclamei.

Tá negando minha existência, Berg? —respondeu a Mutante. — pois saiba que eu sempre estarei estampada na sua cara! — ela riu.

— Não fala comigo.

Cê que ta falando comigo...

— Você quem começou.

Você continua!

Que tosco! Acho que eu estava vendo coisas. Primeiro achar que uma espinha tinha vida própria e depois ver a Valentina em um baile de carnaval! Em todo caso, não espremi a espinha e nem puxei assunto com ela. Porém, quando eu estava quase pregando os olhos, ela me chamou mais uma vez:

Berg...

— Já mandei você não falar comigo.

Me desculpa?Vamos ser amigos?Eu posso ser sua conselheira...

Coloquei o travesseiro em cima da minha cabeça e o pressionei contra os meus ouvidos. Mutante continuava a falar:

Por favor, Berg. Eu quero ser sua amiga! Me deixa, me deixa, me deixa?

— Mas tu é tagarela hein? Tá de boa, me deixa dormir, amanhã a gente conversa.


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Notas finais do capítulo

E aí? *-*