Your Hunger Games - Fanfic Interativa escrita por Soo Na Rae


Capítulo 29
Sarah Ah-Dom


Notas iniciais do capítulo

Bom capítulo.



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Sarah Ah–Dom

Birdy - Terrible Love

Sarah despertou sentindo logo que algo pressionava sua garganta. Era a coberta, pesada e felpuda, que envolvia seu corpo e a esmagava. Quando tentou se levantar, o corpo gelou. Aquela náusea... E então espirrou, soltando cuspe por todo o lado. Sarah limpou o rosto e se sentou na cama, sentindo a tontura toma-la de repente. Engoliu em seco, sentindo a garganta raspar. Tentou limpar a garganta, mas não conseguiu, a única coisa que saiu foi um ruído grosso e então engasgou com o que incomodava a garganta. O nariz estava trancado e teve de respirar pela boca até lavá-lo na pia. A pele corada das bochechas parecia ferver quando as tocou. Correu com os pés ligeiros em direção a mesa de cabeceira e enfiou a mão dentro de uma das gavetas, tirou de lá uma placa de plástico com comprimidos cor-de-marfim. Tirou dois deles e enfiou na boca, triturando entre os dentes e engolindo no seco. Sentiu aquele gosto amargo se prendendo na língua, na garganta, no céu da boca. Era horrível, mas Sarah não esperava outra coisa. Deitou lentamente na cama, sentindo as dores no corpo. A febre estava equilibrada, pelo menos. Os vestígios da gripe surgiram não muito antes do começo dos treinos, mas Juper controlou com doses de remédios e suco de laranja ao excesso. Mas parecia que nada tinha dado efeito. E por isso tinha os comprimidos consigo, para uma emergência.

Olhou ao redor.

O quarto era grande demais para uma pessoa tão pequena. As paredes brancas, subindo aos dois metros de altura, o chão negro, os tapetes e cortinas que cobriam as cortinas e o chão. A cama grande demais para uma pessoa tão pequena, o banheiro grande demais para uma pessoa tão pequena... Sentia-se uma boneca dentro de uma casa em tamanho real. Lá fora o Sol começava a brilhar por trás dos edifícios da Capital, e isso a enjoava. Desejou que as cortinas fossem mais grossas ou mais escuras. Quando se colocou em pé novamente foi para marchar até a copa e servir-se de seu último café da manhã no Apartamento.

Os mentores já estavam lá, conversando entre si. Heitor não tinha surgido, mas Sarah pouco se importava com ele, logo não seria mais do que um dos rostos pintados no céu da Arena. A Baixada, lembrou-se, lá o seu rosto não estaria, prometeu a si mesma. Não vai estar. Uma gripe não irá me matar, quanto mais uma faca. Nem mesmo uma flecha ou uma lança. Eu tenho um meu castelo, meus muros, tenho minha defesa... Afinal eu sou a princesa vermelha.

– Bom dia, Sarah querida – Niccol sorriu para ela, fazendo-a detestá-lo mais. Feliz, sempre com um sorriso no rosto, Niccol era a pessoa mais falsa que Sarah conhecia. Era impossível alguém sorrir o tempo todo e vencer os Jogos Vorazes. Não era assim que ele tinha vencido, ela sabia. No fundo é um assassino, teve de matar para sobreviver, e assim também serei. É um jogo, ganha quem jogar.

– Acordou cedo para alguém que precisa descansar. O avião chega apenas às dez horas, agora são seis.

– Bom dia também, Juper. – Sarah ironizou, sorrindo ao gordo. Adorava-o. – Peguei o resfriado.

– Resfriado... – Juper repetiu, passando manteiga em seu pão. – Não é problema, resfriados passam rápido. Vai ver.

Sarah assentiu. Ao menos se pudesse ter convicção de que era apenas um resfriado... Mas não. Quando aquela primeira pinta surgiu em seu corpo, achou que fosse uma espinha, talvez o começo de sua puberdade, mas quando a segunda também surgiu, a terceira e de repente seu braço inteiro estivesse tomado pelas pintas que ardiam e coçavam... Claro que escondeu com cuidado aquilo, se Juper visse... Se alguém visse... Sarah respirou fundo. Sinceramente não queria mais causar problemas a ninguém. Preocupar Juper só seria... Dar mais trabalho a ele.

Quando esticou o braço para pegar uma fatia do bolo de chocolate que tanto gostava, notou que a manga da jaqueta que tinha colocado por cima do pijama subir e logo puxou o braço para o lugar dele. Juper não notou nada, nem Niccol, e com sorte ela conseguiu terminar seu café da manhã em paz. Sua barriga se encheu, queria guardar comida e estar preparada para dias sem alimento. Era magra e tinha pouca camada de gordura, isso a fazia frágil, mas se guardasse o suficiente... Claro que não comeria o desnecessário, não queria vomitar. Ao término, levantou-se, pedindo licença e caminhou em direção ao seu quarto, mas ao passar na frente da porta de Heitor, não resistiu.

Se esgueirou para lá e encontrou o menino sentado em uma cadeira afastada da cama de seu quarto, com um livro aberto sobre as pernas, uma cruzada por cima da outra, com os cabelos ruivos e vívidos iluminando o seu rosto pálido, suas olheiras de uma noite mal dormida e os olhos claros acesos como estrelas. Mas fixos no livro. Sarah atravesso o quarto a passos lentos e silenciosos, até chegar atrás da poltrona em que ele sentava e bisbilhotas as páginas. Um livro sobre a Segunda Guerra Mundial. A Segunda...

– Para que lê? – perguntou.

Heitor não escondeu o espanto quando saltou da poltrona e seus pelos se eriçaram, mas logo deu de ombros e mostrou a capa para Sarah. “As Guerras do Mundo”. Poderia ficar horas debruçada sobre este livro e jamais se cansaria dele, pensou, mas logo excluiu aquilo. Não tinha horas, nem mesmo deveria estar ali. Enquanto continuava a deslizar os olhos pelas frases que a faziam se lembrar de algumas das aulas de sua avó, Heitor parou de ler e esperou até que Sarah perguntasse o porquê.

– O que faz aqui? – ele questionou.

– Quis vir para cá. – disse, simples.

Heitor a encarou.

– Vamos morrer daqui algumas horas. Não quer dividir um pouco dos seus pensamentos comigo? É bom fazer isto às vezes.

– Não o agraciaria com meus pensamentos. – a pequena sorriu de lado, mas apenas ganhou tempo para pensar em algo. – Você pode até morrer, mas tenho um forte resistente o bastante para me proteger. Poderia ficar nele para sempre, já sei como mata-lo.

– Quando chegar ao final?

– É claro. Jamais formaria aliança com quem não soubesse lidar. – ela sorriu, mostrando que estava no controle de toda situação. Que farsa. Talvez Sarah tivesse gerado dentro dela uma pose de liderança e autoconfiança que inspirava os outros, e por isso a obedeciam, a temiam, a amavam. Quando Heitor concordou com um meneio desinteressado, pensou que talvez realmente dali algumas horas estivessem os dois mortos. – E você?

– Não ligo. – ele fechou o livro – Me pediram aliança, eu rejeitei. Sei que só se interessam por minhas habilidades e que querem aproveitá-las para depois me matar, e irão me matar pois não tenho como me defender.

– Enrole-os até quando der e os mate na primeira oportunidade.

– Acha que não pensei nisto? Enfim, não consigo nem mesmo aceitar matar alguém em meus sonhos, como poderei matar alguém de verdade? Não ligo se morrerei por causa disso, mas me recuso a fazer. Conheço meus valores.

– Meu único valor sou eu mesma, foi o que sobrou de uma praga de... Sangue. Digamos que minha família possua uma maldição, um azar hereditário.

Heitor sorriu.

– Todas as famílias possuem suas maldições, assim como suas bênçãos.

Sarah apenas refletiu. E então sorriu. Então onde está a minha benção? Até agora só me veio tormento e tristeza. Talvez esteja com o pé na depressão, quem sabe se amanhã não cortarei os pulsos? Jurei ser uma princesa vermelha a custa do sangue dos outros, mas se for preciso o meu...

– Já que vou morrer, pode me contar o que pretende fazer nos Jogos?

– Nem em um milhão de anos. – ela sorriu, estapeando-o na testa.

Às vezes Pierre conseguia ser mais bobo do que parecia.

Mas ele apenas sorriu, como se esperasse uma resposta parecida.

– Gostaria de parar de fingir ser um adulto? Às vezes cansa, não? – abriu os braços, convidando-a.

Sarah jamais o abraçaria, tinha de deixar isto muito bem claro. Jamais abraçaria ninguém. Nem mesmo se isso dependesse de sua vida, morreria com sua honra e seu orgulho. Mas realmente... Aquilo era tão cansativo, ter de sempre bancar a esperta, o cérebro sempre ativo. Onde tinha deixado sua infância? No quarto de vovó, quando a velha morreu? Ou antes mesmo disso, quando foi trancada em casa, proibida de ir à escola? Não sabia. Nem queria saber, essa era a verdade. Mas queria parar. Quando os cabelos de Pierre tocaram seu rosto, notou que já tinha dado os passos, e seus braços retribuíam o abraço apertado. Heitor sorriu em seu ombro ossudo e não a soltou nem mesmo enquanto gritava e esperneava. Sarah conseguia ser mais fraca que ele, era inacreditável...

Quando finalmente a afastou, Sarah o estapeou pela segunda vez, mas nada de apenas um gesto amigável, seus dedos formaram manchas vermelhas nas bochechas brancas de Pierre, enquanto ele sorria e suas lágrimas começavam a rolar. Sarah se segurou. O tinha machucado? Nem mesmo batera tão forte, não conseguiria. Mas a cada vez que mais lágrimas rolavam, e ele ri fraco de si mesmo, Sarah estremecia e sentia os ombros subindo, até colarem nas orelhas. O que é isso?

– É muito engraçado, não? Afinal estamos praticamente mortos, mas ainda podemos tocar, sentir, dizer...

Ela não respondeu. Não por estar sem respostas, mas porque entendia o que ele queria dizer. Quando Pierre recomeçou a chorar, ela deixou que isso não a afetasse, e enquanto retirava o livro das mãos dele e o folheava, ouviu seu ruído, enquanto o choro parava. Pierre, segurou seus braços, puxando-a para perto, para se sentar entre suas pernas, e segurou-a com força para não fugir, mas Sarah nem fez menção. O livro era tão interessante e brilhante que deixaria Pierre se consolar a vontade em suas costas, desde que a deixasse ler. E desde que ninguém soubesse aquilo.

Somente uma coisa a tirou da leitura.

Consegue dormir?

– Não. – respondeu a ele, enquanto fechava o livro. – Não dormi direito hoje e acordei cedo demais. Meus olhos estão pesando, mas não se fecham. Ardem, mas não descansam.

– Tem medo?

– Quem não tem? – sorriu fraco.

– Quer ajuda para dormir? – ele perguntou, soltando-a.

– E isso seria?

Pierre se levantou, jogando-se em sua cama. Ele estava ainda de pijamas, como ela. A cama dele era idêntica a sua, e os cobertores também. Quando viu o calor emanando das cobertas ficou tentada a pular lá também. Seria ótimo poder dormir sabendo que acordaria bem. Sabendo? Não tinha como saber. Mas Heitor não faria nada, certo? Nem mesmo eram os Jogos. Suspirou, deitando-se do outro lado da cama.

– Tenho pesadelos. – ele admitiu – Se eu tiver um, me acorde por favor.

– Farei – prometeu, e então se virou para o lado oposto dele, e Pierre fez o mesmo. Dividiram a coberta, com um grande intervalo entre eles. Sarah poderia aceitar um abraço, aceitaria até consolá-lo, mas não, jamais, se deitaria com ele. Com ninguém.

Quando era menor, até pensou em como teria filhos. Não teria, chegou a conclusão. Quem se casaria com um sangue envenenado? Ainda por cima: quem se arriscaria a pegar a doença para ficar ao lado dela? E se de alguma forma alguém se apaixonasse por ela, como poderia engravidar sabendo do que seu filho sofreria? Sabendo da morte certa e jovem dele, de todos os males que aquilo acarretava? Não faria isso. Mas agora nem mesmo se dava ao trabalho de ponderar. Jamais amaria alguém, jamais alguém a amaria. E jamais teria um filho, ou mesmo uma família. Ter a si já era o suficiente, sempre foi e sempre será, até o dia em que morrer.

E, quando o dia chegar, espera não estar na Arena.


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Notas finais do capítulo

Tentarei escrever mais um para hoje para compensar o de ontem. Beijos e mandem reviws!