Arabella Agron

Arctic Monkeys - Why'd You Only Call Me When You're High

Arabella, como tinha esperado, lutou contra o garoto do 03. Ficou orgulhosa de poder dizer que meteu a bota na cara dele. Era um magrelo ruivo do Distrito 03 que só servia para formular fórmulas. Ela tinha certeza que morreria logo na Arena. Mas sua companheira, Sarah, a única com menos de treze anos, sabia exatamente o que fazia. Era baixa, no máximo um metro e quarenta. De grandes olhos negros e óculos de aro vermelho caindo sobre o nariz fino e levemente arrebitado. Os cabelos cobrindo os ombros, lisos e finos. Ela estava a mercê do garoto do Dez, que era o parceiro de Arabella. Lucas. Ela tinha algo de seriedade e fragilidade no ar a sua volta. Mas se mostrou tão rápida quanto um raio quando Lucas a atacou. Sarah parecia prever todos os golpes dele, tantos socos como chutes.

Recuava e mergulhava no chão, rolava, saltava e até usava o próprio Lucas como base para seus saltos, mas não foi atingida nenhuma vez. Quando Lucas estava cansado, ela se colocou diante de seus olhos e sorriu, vitoriosa. Lucas se jogou sobre ela, e os dois caíram no chão. Qualquer um juraria que a menina já era, mas Arabella sabia, sentiu isso, aquela pequena desgraçada já sabia exatamente de tudo. Tinha calculado a frequência dos golpes de Lucas, o seu estilo de luta, sua inexperiência... E quando ele se ergueu para soca-la num último golpe de energia, respirando todo o ar que conseguia, Sarah simplesmente lhe deu um tapa no peito, forte o suficiente para fazê-lo perder todo o ar que sugava e cair de lado, sem fôlego, suado e ofegante.

Sarah buscou o sinal do instrutor, que a fez vitoriosa do combate. Isso a tornou alvo de muitos olhares furtivos, mas de um interesse pela parte de Arabella. Quando Sarah se sentou, após o término dos combates, se aproximou lentamente, ouvindo o som das risadas de um grupo de Carreiristas, que já estavam íntimos, e alguns murmúrios dos outros tributos, quase todos tímidos. Arabella se lembrou de como fora chutada por aquele garoto do Dois... Ainda queria arrebentar sua cara, mas não o fez. Ele era apenas um Carreirista orgulhoso, nada mais.

– Que foi? – Sarah perguntou, antes de Arabella terminar de andar até ela.

– Olá, Sarah Ah-Dom.

– Olá, Arabella Agron. Sabe o que isso quer dizer? Princesa Vermelha. Eu, a Princesa Vermelha. Sarah Ah-Dom é um nome hebreu. Meus pais eram judeus. Sabia que outrora existiram muitos judeus no mundo? – ela questionou, mas como Arabella não respondeu, apenas continuou – Foram todos mortos, quer dizer, a maioria, por um homem. Um homem. E depois ele negou saber de algo... – e então mostrou um sorriso amarelo, quase doloroso.

– E o meu?

– Seu nome? Bem... Arabella vem do latim, tenho quase certeza, e tem alguma coisa a ver com prostrado. “Ajoelhado”. Mas religiosamente falando. Como... Ajoelhado para rezar. E Agron é grego, aposto. Filho de Eumelo. O mito, sabe? Ah, não? Pois bem, não foi explicar agora...

– Você parece bem inteligente, Sarah. – Arabella sorriu, gentil.

– Não, não sou – Sarah balançou as pernas impacientemente, que estavam flutuando da cadeira alta demais para ela. – Apenas em memorizar... Eu odeio ter de pensar em números. Não crio invenções incríveis como Pierre, nem posso fazer cálculos perfeitos. Mas o que veio fazer aqui? Ninguém ainda veio até mim depois de eu ganhar a luta contra um menino duas vezes mais que eu...

– Isso deve ser frustrante, aposto.

– Não, não aposta. – Sarah virou o rosto para ela, sorridente. – Veio me manipular para formar uma aliança, Arabella Agron? Não se sai muito bem, sabia? Eu vi sua entrada “triunfal” no Hotel dos Tributos. O que foi que Lucas disse mesmo...? “Não esqueça o mundo real, princesinha”? Eu aposto que sim. Sou boa em ler expressões faciais também. Assim como sua surpresa satisfatória. Entretanto, para sua felicidade, estou disposta a formar aliança com você, Arabella Agron. Quero sua manipulação, sua encenação. É boa, sim, sim.

– Então vai me...

– Colocar na estratégia? É claro. Se não, não o faria. Achas que eu iria fazer alianças inúteis? Não, não. Se fosse assim teria corrido para os Carreiristas, que este ano parecem mais tolos do que nunca, por sinal... – e sorriu para o grupo de loiros. – Mas sabe... Aquele ali parece interessante – apontou para Aryon. – Ele te chutou sem pestanejar, não foi? Eu sei. Estive de olho em você, Arabella Agron. Aryon é arrogante, muito. Orgulho, egoísta... Enfim, muitos defeitos. Mas... Eu gosto de defeitos, o torna mais humano... Mas ele não me é útil, infelizmente. Não preciso de força bruta.

– E do que precisa? – questionou, hesitante.

– Preciso de sedução, beleza e agora de uma menina rápida e forte. Já tenho a beleza e sedução, agora... – ela apontou para uma menina, sentada próxima a saída, onde iriam começar a comer o almoço. – Pandora. Ah, só este nome já me excita. É bem inofensiva para quem olha assim. – e deu uma pausa, como se admirasse a garota, ou apenas estivesse querendo ser dramática – Em sua luta, o intervalo em sua respiração era de um segundo, sendo que seu oponente estava tão ofegante que não consegui contar... Ela é calma, e serena. Mas... Tem um quê especial.

– E que estratégia seria esta?

– Eu não a contaria para você antes de entrarmos na Arena nem morta. – Sarah soltou, friamente – Não sou tola, se é assim que pensa, Arabella Agron. Mas... Podemos dizer que agora já tenho o cérebro, o sorriso e o coração. Só falta o âmago, e isso é conosco – apontou para as duas, incluindo Pandora. – Hoje ainda Pandora virá falar comigo, tenho certeza. Ficou bem surpresa com minha performance. Eu a aceitarei, mas não contarei sobre a estratégia, ela não precisa saber ainda. – e piscou para Arabella – Posso contar com você, Arabella Agron?

– Desde que pare de dizer meu sobrenome sempre que for me mencionar...

– Ah, isso? É apenas cortesia – sorriu – Pode me chamar de Princesa, se quiser. Logo eu serei uma, e olhe só: Terei uma coroa vermelha! – ela exclamou, com brilho nos olhos negros, sádica – E será feita de ossos e sangue.

º º º

A barriga ainda estava pesada quando voltou para a sala de treinos. Comeu mais do que deveria. Não tinha ficado com Sarah, mas sim com Lucas. Ele parecia um tanto entristecido e enraivecido por ter perdido para uma garota de doze anos, mas Arabella o confortou com suas palavras doces. Ela sabia mais do que ninguém como acalmar e amaciar o peito de um homem envergonhado e com o orgulho ferido. Homens e seu orgulho, quando feridos eram como bebês chorões. Lucas estava mais animado hoje, na verdade. Não a chamou de princesinha de forma sarcástica, como tinha feito antes, mas tiveram uma conversa normal.

Isso a animou também. Então se lembrou. Ele não ficaria na Aliança, Sarah não precisava dele. Era difícil admitir que tinha se submetido aos trabalhos de uma criança anos mais nova que ela, mas de certo modo era o certo a fazer. Tinha fé no plano de Sarah, fosse ele qualquer coisa. Ela tinha um ar de absoluto controle que fazia com que Arabella também controlasse-se e confiasse na pequena. Isso poderia mata-la ou poderia mantê-la viva. Era terrível pensar que isto estava nas mãos de uma Princesa Vermelha, coroada com ossos e sangue. De fato, seria uma coroa vermelha.

Arabella piscou os olhos incontrolavelmente. Uma coroa, uma princesa. Uma vitoriosa. Sarah estava querendo dizer que ela seria coroada vitoriosa por cima do cadáver de todos os tributos. Ela engoliu em seco. E agora estava concordando com ela. Como? Que tipo de feitiço ou bruxaria ela tinha feito em sua mente? Estava agora apoiando uma menininha, que planejava usá-la e depois mata-la sem hesitar. Era como se jurasse sua espada a um lorde, sabendo que este lorde queria matar todos chamados, incluindo ela. Isso a fez estremecer.

Por que se meteu nisso? Tomou coragem para voltar atrás com a Aliança, mas então pensou melhor. Sarah iria se irritar com ela, provavelmente, e isso a colocaria em sua lista negra. Não queria isso. Será que temia tanto assim uma garota de doze anos? Então teve certeza: Sarah a estava controlando. Mas não por admiração e confiança, mas por medo e precaução. Agora estava nas mãos dela, sem coragem para voltar atrás, para dizer a alguém. Para pedir ajuda a Lucas. Mas que merda...

Como pôde ser tão tola?