Os Olhos de Amber escrita por Vaalas


Capítulo 3
O Terceiro Adeus


Notas iniciais do capítulo

Ninguém comentando, uhhhuuuuuu.
Esse é o meu preferido ^^



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/509429/chapter/3

Depois disso as coisas foram mais depressa do que antes. Passaram-se quatro anos, talvez cinco se a memória não falha. Cinco anos é um longo tempo para coisas acontecerem: havia me formado e terminado meu curso de literatura, tinha 24 anos e agora já trabalhava em uma universidade popular e comum.

É tão estranho, mas as memórias são bem vivas a respeito daquele dia.

Era setembro, começo de aulas, dia 6, ano de 1984, entrei na sala e cumprimentei meus novos alunos, joguei minha bolsa sobre uma cadeira próxima e bati as mãos em uma palma silenciosa, apresentando meu nome e minha matéria.

Você estava sentada não muito atrás e olhava atentamente para mim, acho que havia me reconhecido — ou espero que sim, afinal sua memória sempre foi bem melhor que a minha —, mas havia tantos rostos ali, que admito mais uma vez com um pesar grande no peito, que não enxerguei você, escondida em seu casaco marrom e com seus belos olhos escondidos por trás de uma armação de óculos.

Noto agora como em todas as vezes você passava despercebida por mim, incrível isso, mas acho que é algo humano, nunca enxergamos no ambiente o que realmente importa.

E tu importavas para mim mais do que qualquer coisa no mundo, você era meu mundo, era meu bálsamo, minha perdição, minha bela boneca e minha pedra preciosa de âmbar.

As coisas seguiram mais em ordem depois disso: você me cumprimentou após a aula com seu sorriso doce de sempre, estava mais adulta, mais alta e ainda mais bela. Seus olhos naquele tom tão indescritível e belo continuavam brilhosos e vivos — embora aquelas costumeiras olheiras de estudante houvessem se acomodado sob eles. Lembrei-me então do nosso segundo encontro, cinco anos atrás, em que me encontrava na mesma situação estudantil que você — e os cabelos presos em um rabo de cavalo mal feito e desarrumado ao ponto de parecer feio em uma pessoa normal, mas não em você.

Naquela época nunca imaginaria o quanto aquele dia seria importante, sempre fui tão desatento, que quando me dei conta estava em uma cadeira provando vários sabores de diferentes tortas com você, porque você as adorava assim como adorava café, assim como amava o cheiro e o sabor de uva.

Uva, nunca compreendi sua obsessão pela fruta. Seu hidratante era de uva, sua geladeira era lotada de sucos de uva de garrafa e caixa, suas prateleiras se preenchiam por geleia de uva, suas unhas tinham desenho de uva — e se me lembro bem, você possuía uma camisa branca com um cacho de uvas roxas — e você simplesmente delirava em uma torta com recheio de uva.

Acho que se eu lhe desse um caminhão de uvas, você se casaria comigo mesmo sem me conhecer.

Talvez devesse ter feito isso mesmo.

Fora uma conversa divertida e agradável. Você, assim como eu, gostava de ler — talvez não tanto quanto eu, mas conhecia suficientemente bem um pouco de tudo — e isso nos rendeu grandes discussões e debates que sempre terminavam em risadas e altos níveis de intimidade.

Acabamos por todo dia sair juntos da universidade. Todos os dias durante os quatro meses que se seguiram, e não demorou muito até o melhor de tudo acontecer.

Nesse dia resolvemos andar ao parque e tu decidiste correr por entre as folhas vermelhas que preenchiam o chão. Acho que naquela época já havia me tocado o quão apaixonado eu estava por você, pois corri atrás de ti também e consegui derrubá-la no chão. Caímos juntos na grama seca, você sorria, eu sorria, então tu resolveste inclinar-se para o lado e tocar meus lábios com os teus.

Aquela realmente havia sido a melhor sensação de todas, aliás, teus lábios não eram macios como descrevem os livros, era pele, carne, tudo com um leve sabor de uva — e tudo era maravilhoso, pois você era maravilhosa e as voltas e revoltas que provocavas em meu estômago eram maravilhosas — e adocicado pelo tom doce de seu belo par de olhos.

Deus, você era linda! Nunca um dia cansarei de repetir isso, jamais. Você era linda, linda em todos os aspectos mesmo que apenas fosse tão bela aos meus olhos. Eu estava apaixonado, loucamente insano por você — não pela sua beleza dourada, lhe garanto logo, eu amava tudo em você, todo mínimo e ínfimo detalhe, cada traço, cada curva, cada beijo ou toque. Você era tudo, era um mar de sensações berrando por liberdade, era paz, era lazer.

No entanto não era ar, e eu não podia respirá-la para sempre. Às vezes paro para pensar e noto que você talvez seja um veneno radioativo ou uma droga alucinante e viciosa. Pois eu estava viciado em você e aquilo estava mesmo me fazendo mal, talvez se continuasse a viver tanto âmbar teria perdido meu emprego — havia ficado muito aéreo e não acho que cumpria meu trabalho direito —. E até hoje não sei se o que se seguiu foi certo ou errado, mas sei que ficamos juntos e que nos amamos por longos 7 meses, até percebermos que os nossos caminhos haviam traçado um rumo de linhas tortas maldosas.

Então nos separamos mais uma vez, desta vez com uma despedida mais apropriada. Ainda hoje acho que sinto o gosto dos seus lábios quando você puxou o colarinho de meu sobretudo e afundou sua boca com gloss de uva na minha. Acho que beijos de despedida conseguem ficar mais presos à memória do que os beijos eventuais, e aquele beijo, marcou-me como um ferro quente marca um cavalo, e, assim como o cavalo, seu beijo marcou em mim a tatuagem invisível de pertence — passei a pertencer a você, mas acho que realmente já pertencia há muito tempo.

Não sei como não chorei naquele dia, talvez estivesse com orgulho do seu sucesso ou com demasiada tristeza me assolando, mas não derramei lágrima alguma quando você entrou no trem e partiu. Tenho certeza que você se lembra que eu corri atrás do trem perto da janela em que você estava, e corri, corri e corri um pouco mais, no entanto o trem já estava muito rápido e não deu mais, então parei.

Parei, mesmo. Os meses passavam lentos, as horas eram sonolentas e os minutos atrasados. Percebi que a sensação era de que o tempo havia parado, de fato. Talvez houvesse mesmo, ou talvez sempre estivesse parado e só fui notar naquela hora. A rotina me matava aos poucos, e eu ainda era tão novo, certamente não deveria morrer assim — mas tudo permanecia frio e sem cor, um tanto dramático demais e com uma grande dose de melancolia. A verdade era que sua falta era sentida em todos os lugares, a cafeteria era seca e sem diversão, o parque parecia silencioso e pouco agitado, a sala de aula parecia estar aberta em vácuo de palavras, como se o lugar onde você sentava, agora vazio, fosse um grande buraco negro de tão notável.

Sentia falta do seu calor na minha cama, nos fins de semana quando você resolvia dormir lá em casa, naquele apartamento apertado e bagunçado — havia muitas caixas de pizza sob a cama e roupas sujas sob o tapete, e lembro-me que quem as pôs ali fora você, já que “o lugar estava arrumado demais para o apartamento de um homem solteiro”, então lhe disse que já não era mais um homem solteiro e você sorriu, fechou a porta e me empurrou na cama — Havia também muitos potes de geleia de uva na geladeira, pois você fez o favor de enchê-la de coisas sabor uva.

E as geleias ainda estão lá, acho, pois você conseguiu de forma inacreditável me fazer enjoar da fruta, então todos aqueles potes doces permaneceram intactos, como uma lembrança viva do gosto de sua boca e do seu amor por uvas, pois eu era tolo demais para jogá-las fora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!