Dracocídio (versão descontinuada) escrita por Luiz Fernando Teodosio


Capítulo 9
9º Assimetria - Santo e Feiticeiro


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal. Faz muito tempo desde a postagem do último capítulo, não é? Eu precisava mesmo de um hiato maior para ajeitar algumas coisas na história, dedicar-me a outros projetos e também resolver alguns problemas extraliterários. Provavelmente realizarei o mesmo hiato ao final do primeiro arco, mas até lá a série permanecerá em atualização mensal.
Como repararam, modifiquei a capa da história. Mas ainda não é definitiva, pois em meados deste ano pretendo contratar um ilustrador para fazer uma capa original. Talvez demore bastante, pois ultimamente não ando bem de saúde e estou gastando todo o money em exames. :(
Agora, uma notícia boa. Consegui um 5º lugar em um concurso literário de uma cidade aqui próxima. Escrevi um conto fantástico, como de praxe. Ele fará parte de uma coletânea junto com outros contos premiados que será lançado este ano. Como terei 20 exemplares como prêmio de participação, após o dia do lançamento, poderei vendê-los a quem se interessar :)

Por último, gostaria de agradecer a todos os que acompanham a história. Ainda estamos na primeira metade do primeiro arco e fico feliz ao ver que essa fic possui mais de 15 favoritos. Ainda temos muita história pela frente, então não me abandonem xD

Boa leitura.



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9º Assimetria

Santo e Feiticeiro

O fogo lambia a madeira, crepitações inundavam a sala de estar, e o sofá era o aconchego de um menino com seu livro ilustrado. Em dias de inverno, Seph gostava da atmosfera calorosa perto da lareira, deixando o tempo de leitura na biblioteca para as outras três estações.

Sabino lhe fazia companhia nessas ocasiões. O preceptor vivia lendo livros antigos, de páginas amareladas e linguagem arcaica. Quando se detinha em algum trecho interessante, moldava uma fisionomia de tensão e curiosidade no enrugado rosto macilento e adornado pelo óculos de meia-lua. A concentração de Sabino mostrava-se tão inflexível que nem mesmo uma mosca passeando por seus cabelos grisalhos ou na pele albina o coagia a espantá-la.

Seph lia coisas mais próprias a sua idade e menos eruditas, que permitiam a ele se distrair em pensamentos e fantasias distantes. Naquele dia, folheava uma coletânea de lendas com ilustrações feitas por um artista de uma terra longínqua e que gostava de brincar com as gradações de uma mesma cor. Os textos geralmente eram pequenos. Contavam histórias misteriosas: o agricultor que entrou em seu campo de centeio e nunca mais foi encontrado, a estrada que aparecia e desaparecia para os viajantes, a névoa que insistia em não se dissipar… e uma história que o deixou intrigado, o “Santo de Olhos Dourados”.

Se você é devoto aos deuses, então não é preciso se preocupar. O Santo de Olhos Dourados visita apenas os sonhos dos hereges.

Os raros sobreviventes deste encontro disseram ter sonhado que estavam em uma pequena clareira. Havia uma fogueira ardendo no centro e um homem atrás dela, sentado num pedaço de tronco caído. Ele vestia uma túnica roxa bem escura, com um dragão dourado bordado no peito. Tinha cabelos negros e compridos, com mechas laterais que escorriam da frente da orelha ao pescoço, além do impressionante dourado nos olhos. O santo exigia que as pessoas pedissem perdão aos deuses se não quisessem arder no Abismo Flamejante, e deveria ser um perdão sincero, caso contrário, não haveria clemência.

A figura do santo é quase um juiz do draconismo, punindo com a morte ou oferecendo a misericórdia aos hereges.

Havia a ilustração do santo na página seguinte, baseada na mesma descrição do texto, e Seph reparou que o dragão no peito do personagem era o mesmo dragão mordendo a própria cauda ostentado no brasão da família Dracomir. Curioso, interrompeu a leitura de Sabino e perguntou-lhe o que achava do Santo de Olhos Dourados e o porquê dele ostentar o símbolo da família.

— Hm… Bem, dizem que antes de virar santo, ele foi um descendente dos Dracomir, embora ninguém conheça o nome verdadeiro dele. Mas talvez seja uma fantasia criada pelo clero para reprimir a heresia. Nunca conheci ninguém que tenha afirmado ter se encontrado com este santo e saído vivo para contar história, e são bem raros e antigos os registros de pessoas que tenham feito contato com ele. Mas há quem acredite que realmente exista, mesmo sem provas concretas. E eu sou um deles.

— Por quê? — perguntou Seph, pois ele mesmo estava mais inclinado a pensar que a figura dos olhos dourados não existia.

— Por que esse santo é um ser sobrenatural, está impregnado de magia. E a magia, Seph, só existe por causa dos dragões. Veja os exemplos deste livro. Essas lendas são, de alguma forma, resquícios dos poderes dos deuses quando estavam materializados no mundo, embora algumas provavelmente sejam fruto da imaginação humana. Esse santo de olhos dourados me parece tão real quanto Tiamat.

A conclusão de Sabino deixou-lhe um pouco assustado. Estava longe de se considerar um herege, mas há tempos descobriu que sua fé nos dragões era diferente da esperada pelo draconismo, como bem apontara Myriel uma vez. Temia que aquele santo resolvesse penetrar em seus sonhos para alertá-lo de que ele deveria tomar o caminho comum a todos os religiosos, sem desvirtuações do tipo considerar um dragão mais como um amigo do que como um deus.

— Está com uma cara preocupada, Seph — reparou o preceptor. — Não há razão para isso. O Santo de Olhos Dourados não apareceria para um Dracomir mesmo se ele fosse um herege — complementou com uma risada.

Seph transpareceu algum consolo no sorriso que deu a Sabino, que retomou a leitura e o rosto concentrado. Mas o sonoro estalo da madeira queimando na lareira o fez manter aquecido seu temor pelo santo. Decidiu, então, virar a página e conhecer a próxima lenda. Era sobre a essência de um perfume capaz de atrair qualquer tipo de amante. Não pareceu a ele um assunto muito atraente, e resolveu fechar o livro e abandoná-lo na mesinha ao lado.

A leitura seguinte foi a de um romance de aventura, gênero de sua predileção. Narrava a história de um homem de prole humilde que se ofereceu para salvar uma donzela das garras de malfeitores. O protagonista nutria um amor platônico pela moça. Apaixonar-se pela filha de um barão era um risco que valeria à pena correr. Ele a galanteou diversas e discretas vezes, pouco a pouco conquistando o coração dela. Passaram a se encontrar escondidos do pai. Ah, só tem romance. Cadê a aventura dessa história?!,reclamou o garoto. Apesar disso, insistiu na leitura. O protagonista subia na árvore próxima à janela da moça para lhe fazer companhia nas noites enluaradas…

Os olhos de Seph foram lentamente se fechando, fogo e escuridão se intercalando, até a última prevalecer, e, pouco ou muito tempo depois, a primeira reaparecer.

— — — —

Acender uma fogueira no meio da noite era como sinalizar sua posição a desconhecidos. Mas após ter se engajado o dia inteiro numa andança veloz pela floresta, Seph presumiu que possíveis novos batedores de Myriel, enviados para procurar os antigos, não arriscariam persegui-lo por tanto tempo, isso se conseguissem encontrar o rastro certo. Ademais, a possibilidade de ser achado por outras pessoas era muito remota, pois ainda se encontrava um pouco distante da estrada, segundo os cálculos baseados na imagem do mapa que ficara com o cavaleiro de fogo.

Mas acender uma fogueira também era uma forma de se proteger do frio que arrefecia a natureza e a sua pele, de cozinhar um pequeno ensopado de legumes para preencher o estômago que só recebera nozes e água durante o dia, de escutar um dueto natural da madeira com o fogo…

E de chamar um acompanhante que conheceu no passado.

Num segundo mágico, surgiu do outro lado das chamas a figura de um homem de túnica arroxeada e olhos dourados, em pé, olhando de cima aquele que o chamou. No minuto seguinte, o visitante já estava derramando algumas conchas do ensopado numa pequena tigela de barro que aparecera de forma mágica em suas mãos.

— Espero que esteja bom — disse ele, sentando-se na grama com as pernas cruzadas. Tomou a primeira colherada, a segunda, a terceira. — Ótimo ensopado. Pena que não há carne.

A fome do visitante não era mencionada em nenhuma literatura, e aquele que todos conheciam como Santo de Olhos Dourados, Seph chamava-o simplesmente de:

— Feiticeiro.

— Ei, rapaz, deixe-me pelo menos terminar minha refeição.

Como em todos os encontros, Seph preparava um suculento ensopado ao relento da noite, para atrair a presença do feiticeiro. E como sempre, tinha que aguardar a fome do visitante ser saciada. Mas o dracocida não esperou.

— Preciso fazer aquilo de novo.

A mão parou de levar comida à boca, e olhos dourados moveram-se para observar a seriedade no rosto de Seph.

— De modo algum. Passou-se pouco tempo desde a última vez.

— Myriel marcou o meu rosto. Ainda não sabe quem sou, mas é só uma questão de dias até descobrir o engodo que lhe preparei. Em breve os cartazes de recompensa serão substituídos por algo próximo a minha imagem atual.

— E permanecerá com ela até esse dia chegar. Os Quatro Reinos pensam que o dracocida muda de identidade a cada três anos. Para sua segurança, é imprescindível que o mundo continue pensando isso. Além do mais, eu moldei sua nova face para alguém mais jovem especialmente para o próximo dracocídio.

— Como assim? — perguntou Seph. Dentre todas as “máscaras” que o feiticeiro lhe dera, a imagem atual, constituída de olhos negros e cabelos castanhos, era a mais jovem em relação ao seu verdadeiro rosto, apesar dele não vê-lo há mais de duas décadas.

— O motivo você irá descobrir em breve, especificamente quando se encontrar com um homem em Agridain. Ele estará te esperando na Taberna da Folha, todas as noites, na mesa próxima à estátua do dragão.

— Quem é ele?

— Isso você também irá descobrir — riu o visitante.

— Suponho que também irei descobrir como meu rosto e essa pessoa me ajudarão a se infiltrar na toca do dragão e enfrentá-lo.

— Só porque você me preparou uma sopa não quer dizer que eu vá lhe dar informações que não precisam ser mastigadas. Afinal, não é assim que os sábios se posicionam diante dos heróis quando estes pedem por auxílio?

Seph se lembrou dos romances de aventura que lera assiduamente quando criança e mais esporadicamente na adolescência. Concluiu que nenhum daqueles sábios era mais mesquinho que o feiticeiro. Mas o hábito de deixar o herói — embora ele não se considerasse um — matutando sobre os avisos recebidos era comum aos indivíduos deste arquétipo.

— Deixando isso de lado, que dragão foi aquele que ouvi? — Seph acreditava conseguir alguma nova informação com ele.

— Hum, o dragão de Agridain, talvez outro, ou nenhum deles.

— A Escarlate confirmou a presença de um dragão. Não era falso.

— Tem certeza disso, estando em um mundo regido por deuses falsos? — O feiticeiro deu um sorriso mordaz e tomou a última colher do ensopado. — De qualquer forma, empreenderei uma investigação sobre esse assunto. Agora…

Seph reparou em um bolo de cartas na mão do feiticeiro, que se aproximou da fogueira enquanto as mãos embaralhavam-nas com mágica agilidade. Em certas ocasiões, o sujeito de olhos dourados procurava dissipar um pouco da névoa que cobria seu futuro. E sempre funcionava. Para isso, Seph tirou a panela do fogo e atiçou-o com alguns gravetos.

O feiticeiro então pôs a mão com o bolo de cartas viradas para baixo dentro do fogo, que parecia não feri-lo nem queimar o papel.

— As chamas mostram seu futuro, Seph Dracomir.

O dracocida levou sua mão ao fogo, não sentido qualquer queimação na pele, e puxou a carta do topo. Em seguida, deu-a ao feiticeiro, sem vê-la.

— Ora, ora. A Roda da Fortuna — disse ele, revelando a face da carta: uma roda semelhante à de uma carruagem com dois dragões flutuando em torno dela.

Seph não sabia os significados das cartas arcanas, por isso lhe perguntou do que se tratava.

— A Roda da Fortuna, o décimo Arcano. É a carta que representa o destino, mais precisamente, uma mudança na vida. Um evento próximo irá alterar os rumos de sua jornada, embora ela já esteja predestinada. É como se um arco estivesse prestes a se fechar, e outro, prestes a começar.

— Se isso significar a morte de mais um dragão, então não é motivo para me preocupar — disse o dracocida.

— Não, você não entendeu. Matar dragões faz parte da sua rotina, por assim dizer. Eu me refiro a algo que irá quebrar a rotina, não necessariamente a de matar dragões. Algo que mudará o esqueleto de sua desventura.

Seph franziu o cenho, não gostando nem um pouco das palavras do feiticeiro. Será que tais mudanças irão somar ou diminuir sua missão? Inúmeras possibilidades brotaram na mente. A hipótese que mais se sobressaia era um retorno aos Ofensores, para que lutassem juntos contra o clero e os dragões. No entanto, não queria abrir mão de sua empresa solitária.

— Não fique tentando adivinhar o futuro — disse o feiticeiro, erguendo-se para dar a entender de que partia. — Apenas esteja preparado para ele.

Dado o lembrete, o personagem lendário que a literatura tratou de subverter desapareceu na escuridão da floresta, deixando a Seph unicamente como companhia a madeira que ardia. O dracocida guardou todas as informações e fechou os olhos. Veio a escuridão, e depois a imagem de lenha queimada. Acordou pouco antes do amanhecer.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: 20/Março
Até mais!



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