Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 37
Abrem-se as cortinas!


Notas iniciais do capítulo

Hey, hey, hey! Como estava com saudades de escrever Cinzas! Tinha dado um tempo por causa dos percalços da vida, mas agora está tuuuudo ok! E prometo parar de ficar mudando de fandom como quem troca de roupa! haha

Pois bem, temo que esse capítulo não seja especialmente estimulante, mas foi extremamente necessário, creiam-me. E, a partir dele, será só porradaria até o fim. Sei disso com certeza porque aproveitei esse tempo de ausência para rascunhar a história até o último capítulo! Serão mais uns quatro até o aguardado final, ladies!

Queria muito dedicar esse capítulo à minha companheira Rose, sempre uma fonte de inspiração.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/502149/chapter/37

Agosto 2006

Quando Gina entrou na sala de reunião improvisada – e graças a Merlin magicamente ampliada – do Chalé das Conchas, todas as vozes se calaram, como se o sentimento de piedade que emanava de todas as pessoas ali fosse tão forte que era capaz de criar uma áurea silenciosa em volta de Gina. Como se ela precisasse ser protegida, fosse frágil e estivesse prestes a entrar num colapso emocional.

Besteira!, ela encarou todos de forma desafiadora.

Gina não poderia negar a verdade daquela ideia algumas horas antes, mas, naquele momento, ela já tinha ouvido tudo o que precisava. Da pessoa que precisava.

Que todos eles fossem para o inferno com aquela proteção, ela pensou. Ou não me chamo Gina Weasley.

Todos olharam cautelosamente para Gina enquanto ela procurava um assento entre rostos conhecidos: seus irmãos, Harry, seus pais, Luna, Fleur, Hermione, os antigos membros da ordem e companheiros de Hogwarts. Até mesmo Draco a observou em busca de alguma reação, de braços cruzados e encostado na parede ao lado de Narcissa, parecendo tão destoado do grupo como uma coruja negra entre dezenas de outras brancas.

Ela se sentou entre Percy e seu pai, que apertou sua mão de forma reconfortante.

Silêncio.

Ela rolou os olhos, pouco a pouco retomando seu estilo.

"Perdi alguma coisa?" Gina cruzou os braços numa demonstração de segurança, como se desafiasse qualquer um a questionar sua sanidade ou até mesmo a presença dela ali. Com o canto do olho, viu o olhar de orgulho feroz que Draco não conseguiu conter diante da atitude dela.

Ela quase sorriu.

"Não, Gin," Foi Harry que respondeu com a voz fraca. O rosto dele parecia com o de uma pessoa que tinha sido atropelada pelo Expresso de Hogwarts. Duas vezes. Gina supôs que sua própria aparência não deveria estar muito diferente da dele; naquele momento, Harry era a pessoa mais capaz de entender o inferno pelo qual ela estava passando. "A bem da verdade, estamos andando em círculos há horas. Qualquer ajuda é mais que bem vinda."

Gina assentiu gravemente e viu quando Angelina pediu a vez para falar levantando a mão educadamente, sorrindo para ela de uma maneira amigável que só Angelina era capaz de fazer.

Claramente o gesto dava a entender que a presença de Gina ali era mais do que natural: era necessária. Gina se sentiu muito agradecida pela amiga e se sentiu mais confortável no seu pequeno espaço em volta da grande mesa onde a maioria das pessoas estava sentada. As outras estavam em pé ou distribuídas nos diferentes sofás da sala.

"O que eu não consigo entender é por que levar James para lá." Angelina comentou pensativa assim que todas as atenções se focaram nela. "Em teoria, em Glastonbury, Askaban ou na Casa dos Riddle, Você-Sabe-Quem teria muito mais controle sobre o território e conhecimento sobre todos seus pontos de acesso."

"É ingenuidade supor que o Lorde das Trevas não tem controle ou conhecimento também sobre Hogwarts." Narcissa Malfoy contrapôs friamente. "A verdade passa longe disso, garota."

Hogwarts!, Gina se sobressaltou com a novidade da informação, como podia ter se alienado tanto da situação do seu filho?

Deixando o arrependimento pela sua alienação de lado para pensar mais racionalmente, ela foi acometida por uma batalha interna entre a esperança e o desespero. Eles conheciam Hogwarts, fora a segunda casa deles durante muitos anos. Em contrapartida, eles nunca conseguiriam entrar no castelo sem o conhecimento de Voldemort.

Harry se remexeu desconfortável, inconscientemente concordando com Narcissa. A reação não passou despercebida por todos.

Gina, contudo, não prestou atenção no que Harry demonstrava saber sobre as ideias de Voldemort.

"James está mesmo em Hogwarts?" Ela perguntou muito para assentar a ideia.

"Sim." Do canto da sala, Gui respondeu sem preâmbulos. "Só não entendemos ao certo a razão para Você-Sabe-Quem ter escolhido a escola como cativeiro."

"Acredito que não devamos nos focar nas motivações dele. Não que não sejam importantes-" Kingsley disse com voz firme. "Mas creio que nunca entenderemos completamente o que se passa na mente de Você-Sabe-Quem."

Inconscientemente, todos os olhos se voltaram para Draco; se alguém ali era capaz de entender o modus operandi de Voldemort, esse alguém seria Malfoy. Percebendo o movimento, Draco se limitou a dar de ombros com uma expressão de frieza ligeiramente desdenhosa.

"Como se eu pudesse adivinhar o que se passa na cabeça do Lorde das Trevas." Malfoy arrastou as palavras para a irritação geral. "Meu intuito esses anos todos foi sobreviver decentemente, não trocar confidências e impressões com ele."

"Bom," Rony falou com uma suavidade que era absolutamente falsa e o ambiente da sala pareceu ficar ainda mais carregado com a expectativa do que ele concluiria. "Não custava torcer para que você tivesse pelo menos um vislumbre das razões para as atitudes dele, já que eram tão... íntimos."

Todos prenderam a respiração e Draco pareceu ficar ligeiramente mais pálido.

"Se a questão for mesmo intimidade, vocês deveriam perguntar para o Cicatriz, não acham?" Draco perdeu visivelmente a paciência e apontou para Harry com um gesto altivo da cabeça. "Foi com ele que o Lorde das Trevas partilhou a mente durante meses ou estou enganado?"

Harry o olhou inexpressivamente. "Não era como se nós dois estivéssemos nos comunicando amigavelmente por uma lareira, Malfoy." Ele disse com um semblante triste e os ombros caídos como se estivesse carregando o mundo neles. Gina teve a certeza de que ele estava se lembrando da ocasião onde Voldemort tinha usado aquela conexão para criar uma armadilha para eles, levando seis adolescentes imprudentes ao Ministério da Magia. Uma armadilha que matou Sirius Black. "Mas não tenho esperança de que você sequer tente entender isso."

Draco não teve tempo de responder com algo impertinente, uma vez que Hermione interveio. Ela preferia cortar sua mão da varinha a deixar uma explicação mal dada.

"Nunca funcionou da maneira que você está insinuando, Malfoy." Ela esclareceu finalmente entrando na conversa. "Harry foi uma horcrux acidental, criando um elo com Você-Sabe-Quem que ele não conseguia dominar por completo. Você-Sabe-Quem tentou usar isso ao seu favor, criando ilusões..." A voz dela morreu lentamente, também não querendo chegar ao assunto Sirius Black. "Essa ligação só nos trouxe dor e sofrimento, por muitos anos." Hermione continuou depois de apertar a mão de Harry de forma tranquilizadora. Então, ela encarou Draco friamente "Então seria prudente que você medisse suas palavras."

Draco olhou para Hermione com seu costumeiro sorriso de escárnio firmemente tatuado no rosto e, mesmo que Gina tivesse desejado que ele não mostrasse sua hostilidade tão abertamente, ela conhecia Hermione, Rony e Draco há tempo suficiente para saber que qualquer esperança naquele sentido seria totalmente em vão.

Ela suspirou pensando por si só como tiraria James de Hogwarts e desistiu de exigir um bom comportamento daqueles que tinham sido inimigos há quinze anos.

"Medir minhas palavras?" Draco sorriu desagradavelmente. "Isso se chama honestidade, Sangue-Ruim."

Algumas pessoas se remexeram em seus assentos se sentindo ofendidas e, antes que Kingsley, Arthur ou Minerva pudessem dizer qualquer coisa em nome de todos, Rony retrucou com as pontas das orelhas vermelhas e os dedos fincados nas palmas das mãos.

"Certo." Ele respondeu pela mulher num tom nada amigável. "Porque é um dos seus princípios sempre falar a verdade e ser honesto, não é mesmo, Draco?"

Gina viu como Draco descruzou os braços e cerrou os punhos ao lado do corpo, mas qualquer réplica que pudesse fazer morreu na sua garganta quando Harry os interrompeu. Ele pareceu não fazer caso da discussão infantil, abalado demais com a fuga de James para se importar com qualquer coisa.

"Você-Sabe-Quem quer que sejamos massacrados tentando entrar em Hogwarts." Ele disse com a autoridade de quem tinha fugido e sobrevivido aos esquemas da mente de Voldemort durante anos, não se importando que isso validava em partes a insinuação que Draco tinha feito. "Ele sabe que não conseguiremos transpor a barreira do castelo se a Diretora não quiser – que certamente será o caso."

"Isso é uma tremenda perda de tempo para ele!" Angelina exclamou genuinamente intrigada. "Por que Você-Sabe-Quem faria uma coisa dessas?"

"Porque é isso o que ele faz." Draco rolou os olhos para ela, para então desviar o olhar em direção a sua mãe. "Tortura, fere, subjuga das piores maneiras possíveis. A morte nunca é punição suficiente para aqueles que não o seguem ou para aqueles que falham com ele."

Gina viu como Narcissa pousou suavemente seu olhar em Draco numa conversa muda que só os dois partilhavam, cheia de conforto e entendimento.

E, mesmo ninguém admitindo abertamente, a maioria ali não conseguia deixar de pensar nos anos em que aquele homem – que na época tinha sido apenas um menino mimado e com ideais distorcidos - passara ao lado de Voldemort.

Então Harry, aparentemente alheio aos sentimentos conflitantes que eram quase palpáveis na sala, concluiu seu raciocínio. "Além de ser uma vitória de fato, seria também uma vitória simbólica contra a Resistência. Não teríamos mais chances se atacássemos Hogwarts e falhássemos."

Professora McGonagall, sentada ao lado da avó de Neville, pareceu acompanhar os pensamentos de Harry. "Ele vai nos permitir tentar, criar esperanças e fazer com que fiquemos desgastados, até que ele seja capaz de quebrar nossa força de vontade e nosso espírito."

"Oh, Merlin, a gente está realmente fod-" Simas Finnigan pensou em voz alta do fundo da sala.

"Simas!" Molly Weasley interrompeu com as bochechas vermelhas. "Creio que já entendemos sua preocupação."

Minerva, com a autoridade de quem tinha sido professora nas últimas décadas, encarou o ex-aluno com severidade, mas curiosamente não por causa do deslize na boa educação e sim pela falta de esperança. "Tenho certeza que Hogwarts não abandona aqueles de quem dela precisam, Sr. Finnigan."

"Para qualquer coisa nesse sentido, temos que conseguir entrar no castelo." Rony murmurou pensativo, parecendo não partilhar da fé da ex Professora na eventual boa vontade da escola de magia.

"Rony tem razão." Hermione suspirou e coçou a cabeça, desarrumando os cabelos cheios e rebeldes. "A verdade é que, dadas as informações e recursos que temos, não conseguiremos levar todos para dentro do castelo. As passagens estão possivelmente obstruídas, as entradas vigiadas por comensais e protegidas por feitiços. Não podemos aparatar, usar lareiras ou Chaves de Portais para lá sem o conhecimento do Ministério. Sequer podemos entrar voando de vassoura e-" Ela deu mais um suspiro triste. "Estamos num beco sem saída."

"Talvez as passagens do Mapa do Maroto não estejam obstruídas, afinal." Jorge comentou distraidamente girando sua varinha nos dedos. "Deveríamos checar."

"Mesmo se não estiverem, não conseguíramos levar todo mundo por uma única passagem sem o conhecimento dos Comensais." Rony contrapôs. "Nunca sairíamos com James de lá com vida sem não tivermos reforços."

O silêncio que tomou a todos era tão desapontador que Gina sentiu a dor e o desespero cutucando mais uma vez os limites da sua mente, mas ela se recusou a permitir que aquilo a abalasse e anestesiasse mais uma vez.

"E voltamos à estaca zero." Hermione mordeu a parte interna da bochecha, recomeçando a examinar incansavelmente todas as possibilidades envolvidas.

Quando o silêncio que tomava conta do ambiente se estendeu demais e se tornou quase palpável, Draco pareceu tomar uma decisão.

"Eu não teria tanta certeza se fosse você, Granger." Ele sorriu de forma superior, conscientemente chamando a atenção de todos para si.

"O que quer dizer, Malfoy?" Harry perguntou parecendo ter saído de um transe diante da possibilidade de uma nova alternativa para o resgate de James e o fim daquela guerra.

Se era possível, o sorriso afetado de Draco aumentou ainda mais. "Eu burlei os mecanismos de proteção de Hogwarts e permiti a entrada de pessoas indesejadas uma vez. Posso muito bem fazer isso de novo."

Gina prendeu a respiração.

E nem a menção a um evento horroroso ocorrido tantos anos atrás foi capaz de tirar a esperança que brotou no seu coração machucado.

***

Olívia Thicknesse seguia a passos decididos, amassando na mão enluvada um papel que ela não tivera a prudência de destruir assim que pusera as mãos nele. Era um bilhete que havia recebido discretamente de uma jovem loira – onde foi mesmo que eu já vi essa garota?– no momento em que havia esbarrado com ela no Beco Diagonal naquela mesma manhã.

Nele estavam marcadas coordenadas que Olívia sabia que a levariam para a parte trouxa de Londres, bem como um horário no começo da noite.

Ela estava seriamente tentada a ignorar aquilo tudo até que leu o restante do bilhete.

Os braços de quem nos domina são muito grandes, mas não são capazes de atingir nossos corações.

Ela repassou o bilhete mentalmente, intrigada com aquela frase familiar. Uma frase que se lembrava de ter dito há muito tempo, numa outra vida...

Olívia firmou suas resoluções. Sim, seguiria adiante por mais imprudente que aquilo soasse. Principalmente por causa daquela pequena desconfiança que começou a inundar sua mente.

Ela havia passado da manhã maquinando um jeito de se livrar dos aurores que faziam sua proteção, não especialmente pela dificuldade da tarefa, mas sim devido ao fato de que Olívia se recusava a cometer deslizes que comprometessem sua posição. Tudo deveria ser perfeito.

De qualquer forma, sua tarefa não se mostrou realmente problemática. Ninguém nunca estava muito disposto a reparar nos movimentos da esposa do Ministro fantoche. Na mulher que era apenas uma peça de decoração daquele regime. Então, apenas uma pretensa indisposição contagiosa e a alegação que ela passaria o resto do dia em casa sem necessidade de escolta foi suficiente para seus propósitos, dispensando aurores e funcionários.

E agora lá estava ela no lugar marcado – uma pequena rua sem saída cheia de casas residenciais de uma estranha arquitetura trouxa-, desconfiada e tentando abafar aquela centelha de racionalidade que dizia que ela estava sendo extremamente burra.

Encostada em um muro, Olívia esperou uns minutos na pequena rua escura. Se abraçou instintivamente e enrolou mais a cara echarpe em volta de si, por frio e por receio. E se tivesse metido os pés pelas mãos? Tinha passado tantos anos se saindo bem vivendo sob o regime de Voldemort, mas aquele tipo de atitude temerária poderia significar o seu fim. E o de Pio.

"Pontual como sempre."

Olívia foi arrancada dos seus devaneios quando ouviu uma voz arrastada e familiar que a fez se sobressaltar, ainda que não pudesse identificar imediatamente a quem ela pertencia. Quando se virou para a fonte da voz, viu que dois encapuzados se aproximavam de forma sorrateira. Inconscientemente, Olívia levou a mão até sua a varinha, arrependida por ter dispensado os aurores.

"Não há necessidade disso, Olívia." A figura mais baixa abaixou seu capuz, revelando tristes olhos castanhos e longas madeixas vermelhas que caíram pelas suas costas com o movimento.

"Ginevra!" Olívia ofegou e fechou os olhos como se não estivesse acreditando no que via.

A outra figura alta e esguia – Draco, provavelmente – se adiantou às duas mulheres e começou a conjurar feitiços protetores sobre eles, para que os três não fossem vistos ou ouvidos.

"Pelas barbas de Merlin, vocês estão aqui!" Olívia disse entre alívio e desespero, colocando a mão sobre o peito. "A Inglaterra inteira está atrás de vocês, suas cabeças foram colocadas a prêmio e qualquer informação ao seu respeito está sendo recompensada com milhares de galões-" ela tagarelou nervosamente, antes de parar para respirar sem saber como se expressar.

Draco suspirou sarcasticamente. "E eu achando que valia pelo menos alguns milhões de galeões."

Olívia deu um sorriso diante do comentário, ficando automaticamente mais calma. "Essa falta de informação estava quase me deixando louca."

"Estamos bem, na medida do possível." Gina sorriu fracamente diante da reação de Olívia. "Precisávamos ver você."

"E aqui estou para ouvir." Olívia assentiu observando Gina mais de perto, antes de recomeçar a falar com empolgação. "Eu sabia que havia algo diferente em você, querida, mas uma Weasley!" Ela estreitou os olhos e abanou a mão graciosamente. "Conheci seus pais há anos e nunca sequer desconfiei." Então Olivia se permitiu dar uma olhadela furtiva para Malfoy, se dando conta da razão de certos comportamentos do jovem casal. "É por isso que a relação de vocês dois era tão tumultuada..."

"Não só por isso." Draco deu um sorriso torto, ainda carregado com uma tensão atípica.

"Me desculpe não ter contado nada antes, mas eu não sabia em que podia confiar." Gina se adiantou e pegou na mão da bruxa mais velha. "Olívia, todo esse tempo você me ajudou tanto e me sinto envergonhada de pedir que você se sacrifique mais, mas, infelizmente, preciso de um último favor seu." Ela disse nervosamente e a mulher do Ministro apertou levemente sua mão, incentivando-a a continuar. Apesar do incentivo gentil, Gina abaixou a cabeça como se estivesse receosa de fazer mais um pedido para Olívia.

Draco olhou inexpressivamente a hesitação de Gina.

Sempre pensando mais nos outros do que em si mesma, maldita Weasley cabeçuda, ele pensou perdendo a paciência

"Precisamos entrar em Hogwarts." Draco se aproximou delas, finalmente abaixando o próprio capuz. "O mais rápido possível."

Gina olhou severamente para Draco diante do tom direto e egoísta, mas ele deu de ombros num sinal de 'os fins justificam os meios'. Gina definitivamente não podia argumentar contra aquilo.

Olívia sentiu seu estômago se contrair diante da perspectiva. Ao tentar ajudá-los, certamente estaria praticamente assinando o atestado de óbito de Pio.

Merlin, eu sequer sei como poderia entrar em Hogwarts, ela quase riu de desespero ao pensar naquilo. O que eu posso fazer? Minha influência é tão limitada, como Draco deveria saber...

Então ela verbalizou seus pensamentos.

"Vocês sabem que eu faria praticamente qualquer coisa para ajudá-los, como já fiz algumas vezes... Mas entrar em Hogwarts destruiria meu marido. E eu nem sei o que poderia fazer e-"

Olívia se interrompeu.

Observando-os de perto, ela percebeu que havia algo errado: Gina estava destruída, com o aspecto deplorável, olhos tristes e inchados, com uma expressão semi morta que não combinava com ela.

Contudo, era Draco que estava perturbando-a mais. Ele que tradicionalmente não demonstrava sentir nada, que se fechava a sete chaves, que sempre tinha os olhos de gelo... Daquela vez, entretanto, ele estava profundamente incomodado com alguma coisa. Seus gestos estavam mais trêmulos, seus olhos mais arredios, sua postura vencida.

"Os comensais levaram James para Hogwarts, Olívia." Draco foi sucinto cruzando os braços sobre o peito e desviando o olhar, tentando não revelar nada na voz e fracassando miseravelmente. "Estão ameaçando matá-lo para atrair a mim e a Resistência até o Lorde das Trevas."

Olívia estacou ao confirmar suas suspeitas.

James, tão pequeno, tão radiante, tão cheio de vida. Rapidamente, sua mente fez as corretas associações. Era o menino d'O Profeta Diário! Ela se arrependeu de não ter dado a devida atenção à noticia quando tivera a chance.

Por isso Ginevra parecia mais... morta, ela pensou com tristeza.

Olívia nunca tivera filhos, mas sabia muito bem como era a dor de se separar de alguém a quem se ama com uma intensidade que chegava a doer fisicamente. Sem que ela tivesse a intenção, suas memórias vagaram até Pio e os anos quando ele ainda tinha o controle sobre sua própria vida. Os anos em que ela tinha sido feliz.

Instantaneamente Olívia soube que, se colaborasse com Draco e Gina – fosse qual fosse o tipo de ajuda que eles tinham em mente -, ela muito provavelmente perderia Pio. O Ministério cedo ou tarde chegaria até ela e então seria o fim.

Ela respirou fundo para dizer aquilo que tinha em mente.

"Se eu tentar ajudá-los, e por favor, não entendam isso como um gesto de má vontade..." Olívia ponderou por mais um momento antes de completar. "Vou prejudicar Pio... Talvez – talvez isso faça que ele não possa mais estar ao meu lado."

Um silêncio desconfortável caiu sobre os três antes que Malfoy o quebrasse com a sua voz fria.

"Você não tem Thicknesse ao seu lado há muitos anos, Olívia."

"Draco!" Gina exclamou espantada com a falta de empatia. "Seu estúpido idiota!"

Olívia estremeceu visivelmente e apertou os olhos bem fechados, ignorando a discussão que começaria entre o jovem casal que a acompanhava.

Era a verdade. E Olívia sabia disso.

Tantos anos haviam se passado naquelas condições... Ela sempre tivera consciência que seu marido era apenas um fantoche, que comia, bebia, conversava. Mas que não tinha alma. Era uma casca vazia.

E ainda não haviam inventado palavras para descrever o quanto aquilo machucava.

"Dificilmente a verdade bruta ouvida por um momento pode causar mais danos do que a mentira vivida por tantos anos, Ginevra." Olívia fez um gesto apaziguador com a mão. "Creio que Draco esteja certo, querida."

O olhar de Gina ainda lançava adagas em direção a Draco – que por sua vez cruzou os braços parecendo entediado-, mas se suavizou quando ela se virou em direção a Olívia. "Eu sinto muito pelo seu marido, Olívia. Por todos esses anos."

"Eu também, querida." Olívia olhou para os dois jovens com uma nova perspectiva, encarando-os como uma alternativa para um por um fim aquele mundo que ela havia submetido, se anulando e fingindo que tinha uma vida. "E eu sinto muito pelo seu filho." Ela sentiu seus olhos marejarem e retendo a vontade de fungar. Tinha sido forte todos esses anos, não seria agora que fraquejaria.

Ela abraçou a bruxa mais jovem com gentileza e então e se voltou para Draco, pondo a mão gentilmente no rosto dele. Draco ficou tenso como sempre ficava quando alguém o tocava sem o seu consentimento, mas não a afastou.

"Meu querido, isso serve para você também. Sei que o que o menino significava para você, mesmo que você mesmo não o soubesse completamente." Ela sentiu Draco estremecer sob seu toque diante da implicação do que ela disse, enquanto Gina os olhava curiosamente.

Percebendo isso e não querendo que Ginevra tivesse qualquer ideia naquela cabeça de megera sobre a real importância do menino para ele, Draco retirou a mão de Olívia com firmeza, mas não sem gentileza. "Podemos contar com você, Olívia?"

Olívia suspirou, sacramentando sua decisão. "Eu os ajudarei. Contudo, não tenho a menor ideia de como fazer isso. Você sabe melhor do que ninguém que minha influência é praticamente nula."

"Não é exatamente sua influência que estou buscando, Olívia." Draco foi direto ao ponto. "Lembra-se da noite da confraternização em Hogwarts, quando Ginevra foi atacada por um dementador?"

"Não creio que eu pudesse me esquecer, querido." Olívia respondeu pensativa e Draco pareceu satisfeito por não ter que voltar aos detalhes da noite.

"Naquela noite, você teve permissão para aparatar em Hogwarts, para acompanhar o Ministro até a escola." Malfoy se virou para explicar para Gina. "Thicknesse não pode aparatar sob a Maldição Imperius, então Olívia teria que conduzi-lo."

"Sim, é verdade." Olívia assentiu se lembrando daquele ponto em particular. "Eu sempre sou a responsável por guiar Pio para esses eventos. O problema é que não mantenho essas permissões excepcionais de aparatação por muito tempo. Elas sempre são retiradas de mim no dia seguinte."

Draco pareceu triunfante.

"Ninguém se lembrou de retirar a permissão de você porque geralmente o encarregado por esse tipo de procedimento é o próprio chefe do Departamento de Execução de Leis da Magia." Draco sorriu maliciosamente, mostrando um ligeiro resquício da arrogância da tradicional. "No caso, eu sou o responsável."

"Era o responsável." Gina resmungou com o canto da boca.

Draco fez uma careta para ela, mas continuou o raciocínio. "E, bem, eu fui preso e mandado para o exterior na sequência daquela festa, e o assunto morreu. Fui postergando a resolução desse ponto porque pensei que poderia ser útil. No fim, eu estava certo."

Um 'como sempre' ficou pairando no ar, mas Gina resolveu ignorar aquilo prontamente.

Olívia, alheia ao ego inflado de Draco, entendeu o ponto e assentiu levemente.

"Eu só quero por um fim em tudo isso, Olívia." Gina incentivou, tentando deixar o desespero longe da voz. "Não vale a pena continuar me escondendo e lutando se eu não tiver meu filho comigo."

E Olívia reconheceu a verdade daquelas palavras.

Também não havia sentido em continuar apenas seguindo em frente, sem seu verdadeiro Pio ao seu lado.

Ela fechou os olhos e respirou fundo.

"Quando vocês querem entrar?"

***

Rodolfo Lestrange caminhava vagarosamente para acompanhar os passos do homem ao seu lado, percorrendo os corredores vazios e mal iluminados de Hogwarts.

Pelo menos a escola está de férias e quase sem alunos, ele conjecturou ao olhar para o volume que seu companheiro carregava sobre os ombros sem o menor esforço, me poupa ter que desempenhar o papel de babá de mais de uma criança.

"Onde vamos colocá-lo?" Rodolfo perguntou sem grandes esperanças de obter uma resposta decente enquanto aguardava a escada à frente girar totalmente até que eles pudessem chegar até o andar seguinte. Maldito lugar grande!, ele pensou mal humorado. "Isso é uma escola, afinal. Não foi feita para abrigar uma prisão."

O homem ao seu lado, bizarramente grande, endireitou as costas largas e o movimento sacudiu o embrulho que ele carregava nos seus ombros.

"Criamos uma." Gregório Goyle respondeu distraído, como se a execução da sua ideia fosse muito simples. Ele manifestou a ideia em voz alta. "Simples."

Talvez tudo nessa sua cabeça seja simples mesmo, Lestrange guardou o comentário para si, mas sorriu maliciosamente.

O humor negro com a situação o abandonou no segundo seguinte e Lestrange suspirou entre cansado e irritado. "Controlamos quase o país inteiro e sempre acabamos nessa maldita escola."

Goyle grunhiu em concordância. Ele também não entendia – ainda que não fosse uma grande novidade - a razão pela qual o Lorde das Trevas não tinha mantido o garoto em outro lugar.

Hogwarts?, ele pensou frustrado pela milésima vez. Desse jeito ele demoraria uma eternidade para pôr as mãos no Malfoy, isso se o bastardo covarde aparecesse mesmo, na remota hipótese da Resistência conseguir um jeito de entrar na escola. Para falar a verdade, quantificar como hipótese a chance que eles tinham de entrar em Hogwarts era quase ofensivo. Isso estava claro até mesmo para ele.

Goyle não gostava de esperar, definitivamente. Desconfortável, ele remexeu os ombros e o embrulho oscilou perigosamente.

Alheio aos seus pensamentos, Lestrange bufou irritado e agitou a varinha impacientemente em direção ao grande fardo que Goyle carregava. O invólucro levitou bruscamente dos seus ombros e flutuou sob o feitiço da varinha, descobrindo parcialmente seu conteúdo. A cabeça de James – amordaçado e amarrado – foi descoberta e ele olhou feio para os comensais. Seus olhos eram como duas lanças verdes.

Obviamente o efeito do olhar irritado foi de algum modo diminuído porque um dos olhos do menino estava quase que completamente fechado e um rastro de sangue cobria todo o lado esquerdo do seu rosto.

"Ah, ele acordou." Goyle comentou desnecessariamente, notando que o menino não estava mais inconsciente. Ele ergueu a mão para puxar o pacote que flutuava para colocá-lo mais uma vez sobre seus ombros, mas foi interrompido por Lestrange, que afastou James um pouco mais do alcance de Goyle.

"Por Merlin, você é um maldito bruxo!" Rodolfo se exasperou com Goyle, ignorando o ar belicoso do garoto. "Não pode fazer as coisas usando a varinha em vez da força?"

Goyle estreitou os olhos pequenos num indicativo de que tinha se ofendido.

"Cuidado, Lestrange." Ele disse tentando esconder o desconforto por não ter pensado em usar a varinha. "Eu faço o que tiver vontade e como tiver vontade."

Lestrange deu de ombros para ameaça e subiu pela escada que tinha finalmente se apresentado à sua frente, levitando James atrás de si. Goyle o seguiu arrastando os pés.

"Comece tendo vontade de decidir um lugar para despejar o garoto, o que acha?" Rodolfo sugeriu sarcasticamente.

"Poderíamos colocá-los nas masmorras." Alheio ao cinismo do companheiro, Goyle comentou pensativo. "Pelo menos lá temos mais familiaridade com o lugar."

"Os outros não ficariam felizes com a ideia de ter o filho de uma traidora de sangue e de Harry Potter sob o teto da Sonserina." Lestrange respondeu e James se remexeu furiosamente, como se quisesse demonstrar que nenhum homem mau falaria mal da sua mãe – e possivelmente do meu pai, ele pensou – e sairia ileso para contar a história. "Whoa, garoto, calminha aí. Se remexer só vai fazer você se machucar mais e me aborrecer, o que é pior."

Se pudesse, James teria mostrado a língua. Na impossibilidade de usar sua boca livremente, ele teve que se contentar com seus olhares irritados. Quando voltou a se concentrar na conversa, o tal do Goyle estava com a expressão de quem estava prestes a ter uma indisposição estomacal, mas James se deu conta de que ele só estava pensando mesmo.

"Há a Sala Precisa..." Goyle continuou depois de pensar um pouco. "Mas eu não gosto daquele lugar."

"Fantasmas do passado?" Rodolfo perguntou maliciosamente, sabendo muito bem da morte do filho dos Crabbe na sala onde o Diadema de Rowena Ravenclaw tinha sido destruído.

"Só não gosto do lugar." Goyle deu de ombros.

Lestrange pareceu ponderar as palavras por alguns instantes. "Creio que você pode se orgulhar de ter finalmente arranjado uma boa ideia. Levaremos o garoto para lá."

Depois das insinuações sobre Crabbe, Goyle o olhou inexpressivamente pensando que não gostava mais de Lestrange do que havia gostado de Bellatrix, mas se limitou a segui-lo interminavelmente até o sétimo andar, passando pelos corredores vazios e sem vida de Hogwarts naquela época do ano.

Eles pararam em frente a uma parede lisa no fim de um corredor que aparentemente levava a lugar nenhum e que já era famosa mesmo nos tempo mais antigos de Lestrange.

"Pense num lugar em que podemos jogar tudo o que precisa ser mantido em segurança em Hogwarts." Ele provocou Goyle achando que nada aconteceria, mas, então, rapidamente uma porta surgiu magicamente na parede e Lestrange levantou uma sobrancelha incrédula diante da agilidade da ação.

"Anos de prática." Goyle respondeu simplesmente, ocultado o fato de que havia voltado naquela mesma sala tantas e tantas vezes, numa espécie de ritual para se lembrar do amigo morto.

A porta se abriu revelando uma enorme sala, cheia de incontáveis quinquilharias com metros de altura e com profundidade a se perder de vista. O cheiro de queimado que emanava dela era tão forte que Rodolfo teve certeza que teria uma dor de cabeça em minutos. Ele franziu a testa. "Uma simples cela, com um catre e um penico funcionaria melhor, não acha?"

Goyle deu de ombros e adentrou a sala. Não conseguia pensar em outra disposição para a sala além daquela onde seu maior amigo havia morrido. Achava incrível como aquele lugar tinha o poder de se regenerar, de reviver.

Um poder que Crabbe não tivera.

Depois adentrar a sala em alguns metros, Goyle chutou para longe alguns objetos velhos e queimados, indicando um lugar mais livre onde James poderia ser colocado.

Rodolfo acenou com a varinha e colocou o menino do chão, tirando a mordaça que havia sido posta nele, bem como deixando suas mãos livres. James não entendeu aquilo como um gesto de gentileza, sabendo que Lestrange teria outras formas mais eficientes de imobilizá-lo.

"Bem vindo ao seu novo lar, garoto." Lestrange comentou daquele horripilante jeito amigável. "Vai ficar aqui durante um bom tempo."

James pressionou os lábios numa linha fina, mas não disse nada para o velho comensal à sua frente, que simplesmente sorriu friamente. Ele se agachou ao lado de James e retirou um espelho de dentro da própria capa.

"Está vendo este espelho aqui?" Ele perguntou e James, se rendendo a sua natureza curiosa, olhou o objeto com atenção, mesmo que não tenha dito nada. "Ótimo, vejo que tenho sua atenção.Wingardium Leviosa." Com um aceno da varinha, Rodolfo levitou o espelho até que ele se posicionasse numa das mais altas estantes, a uma distância considerável de James.

"Lestrange-" Goyle murmurou como se quisesse que Lestrange se apressasse. Apesar de frequentar aquela sala com frequência, jamais tinha gostado de permanecer muito tempo ali durante suas visitas.

"Um minuto." Rodolfo fez um sinal para que ele esperasse e voltou a se virar para James. "Eu deixei suas mãos livres porque não quero ter que lidar com o Lorde das Trevas quando ele perceber que alguém te machucou. Alguém que não seja ele, devo acrescentar. Enfim, através daquele espelho ali em cima." Ele apontou casualmente em direção ao objeto. "Consigo ver e ouvir o que você está fazendo aqui." Ele esperou que o menino absorvesse a informação. "Então é melhor você não fazer nada que possa me aborrecer, do contrário voltarei e deixarei o meu amigo Goyle aqui lidar com você. Temos um acordo?"

Olhando de Goyle para Lestrange, James estremeceu levemente e se limitou a assentir com a cabeça.

***

De braços cruzados e parado sobre as pedras onde as ondas rebentavam, Draco olhava para o horizonte exatamente onde o céu e o mar se encontravam.

A visão daquela parte específica do Chalé das Conchas tinha se tornado tão familiar que o acalmava de uma forma estranha. E Merlin sabia o quanto ele valorizava a calma e o isolamento naquela época conturbada da sua vida.

Ele continuava preferindo se isolar a ter que encarar os olhares de desconfiança da família e amigos de Ginevra, ou, o que era pior, lidar com as expectativas deles com relação ao voto perpétuo, como se eles esperassem encontrá-lo morto a qualquer momento quando o Lorde das Trevas finalmente tirasse a vida de James.

Não que Draco não partilhasse da mesma sensação.

Era como se ele estivesse fazendo uma contagem regressiva.

Draco sacudiu levemente a cabeça para espantar a sensação e, com o canto de olho, viu que Ginevra se aproximava trazendo Aries no colo, anormalmente inquieto e arredio. Ela caminhava devagar, sabiamente desconfiada do terreno irregular por causa do bebê que carregava consigo.

Gina parou ao seu lado, embalando o bebê suavemente para que ele se acalmasse mais. "Acho que essa é uma bela última visão para se ter, não é?" Sua frase pairou entre o tom de brincadeira e a tristeza.

Não poderia concordar mais, ele pensou quando desviou os olhos do horizonte e os pousou sobre ela e o menino; os cabelos vermelhos de Ginevra contrastando e se encontrando com os fios dourados de Aries formavam um tom de laranja singularmente parecido com o céu naquele fim de tarde.

"Está pronta?" Draco preferiu perguntar, mudando a direção do seu olhar e dos seus pensamentos. Era particularmente dolorido demais e ele se negava a lidar diretamente com o que lhe fazia sofrer.

"Sim." Ela respondeu com uma resolução firme. O antigo fogo da determinação brilhou nos olhos castanhos como Draco sabia que aconteceria. "Trouxe Aries para que você se despedisse dele."

Assentindo, Draco pegou o bebê e o envolveu nos seus braços sem nenhuma relutância do menino. Não podia dizer nada – não conseguiria dizer nada – então simplesmente apoiou a bochecha no topo do cabelo do bebê, sentindo aquele cheiro característico pela última vez em muito tempo. Disso ele tinha certeza.

Aries, como era seu costume, passou as mãos pelo rosto do Draco, mas daquela vez sem pressa e mais gentilmente, como se ele estivesse guardando as feições do seu pai para si. Draco sentiu seu coração se apertar com os pensamentos que invadiram sua mente sobre o futuro do seu filho. Pensamentos sobre o mundo que ajudara a construir e que, se ele falhasse na sua última missão, perseguiria implacavelmente seu bebê. E ele não estaria lá para protegê-lo.

"Olá, Aries." Draco se afastou para olhar diretamente para Aries e sorriu tristemente para o bebê. "Tenho a impressão de que falhei como pai antes mesmo de tirar as calças para te conceber."

"Draco!" Gina exclamou horrorizada.

"O quê?" Draco se sobressaltou, se esquecendo por um segundo de que Gina estava lá para ouvi-lo. "Ele não vai me entender mesmo."

Aries, por sua vez, olhou silenciosamente de Draco para Gina com uma expressão que dali a alguns anos poderia ser facilmente traduzida como perplexidade.

"A questão não é a capacidade de Aries te entender ou não!" Gina balançou a mão num gesto exasperado. "O problema está em você pensar uma coisa dessas. Podem te acusar de ter falhado com o mundo bruxo inteirinho, mas jamais com o seu filho."

Draco levantou uma sobrancelha para ela. "Isso foi uma tentativa de alegrar meu espírito?"

Gina sorriu ao se dar conta da conotação da sua frase. "Pode-se dizer que sim."

"Então me sinto obrigado a dizer que você falhou miseravelmente." Draco suspirou e quase não conteve o sorriso sincero que ameaçou surgir nos seus lábios.

Os três caíram num silêncio confortável, desfrutando das presenças uns dos outros. Era como se houvesse o conhecimento partilhado entre eles de que a felicidade, muitas vezes, vinha dos momentos mais inesperadamente simples. Exatamente como aquele que partilhavam num fim de tarde, entre o som do mar e das suas próprias respirações.

Depois de uns minutos, Draco respirou fundo, Aries se remexeu inquieto percebendo o fim da harmonia pacífica entre eles e então o momento havia passado. Gina se certificou de que guardaria no coração aqueles minutos abençoados.

"Minha mãe já está preparada para levá-lo?" Draco fez um gesto com a cabeça em direção ao bebê, voltando a olhar para ela com a inexpressividade de sempre.

"Sim." Gina respondeu repassando mentalmente tudo que foi discutido sobre a evacuação das crianças para longe da batalha. Era um sinal claro de que ela já tinha entrado no seu 'modo de combate'. "Assim que conseguirmos entrar em Hogwarts e os Comensais se darem conta do ataque, ela, Fleur e minha mãe sairão do país com todas as crianças em direção à casa da Sra. Longbottom na Espanha. Vão se aproveitar que as fronteiras estarão bem menos vigiadas." Então ela acrescentou baixinho como se precisasse ouvir aquilo em voz alta. "É um bom plano."

Draco deu um sorriso cáustico.

"O problema dos melhores planos é que eles saem do papel." Ele comentou casualmente, pensando em todos os planos e maquinações que ele já tinha feito na vida e que acabaram complicando as coisas para ele, algumas vezes de forma perigosa.

Gina não se deixou abalar pelo tom pessimista. "Amanhã, depois de tudo isso acabar, você e eu poderemos ir buscá-lo, se conseguirmos-"

Draco a encarou com um misto de pena, incredulidade e irritação nos olhos cinzas.

"Dessa noite eu sairei morto ou preso, Ginevra." Ele a interrompeu friamente. "Qualquer que seja o lado vencedor, eu sairei perdendo. Não se iluda ou me espere, vai ser perda de tempo."

Gina ergueu o queixo e se preparou para uma discussão, instintivamente querendo proteger Draco de si mesmo.

"Se ganharmos..." Ela parou um momento, antes de se corrigir olhando para o silencioso bebê no colo de Draco. "Quando ganharmos, você será recompensado por ter ajudado." A tentativa de soar otimista era quase desesperadora.

Draco queria bater nela e beijá-la por ainda manter aquela inocência, depois de tantos anos vivendo num mundo dominado pelo conflito entre a Resistência e o Lorde das Trevas.

"Se ganharmos," Ele frisou a palavra que ela tinha se recusado a usar. "vou para Askaban, que é para onde eu teria mandado qualquer um da sua família antes." Ele usou as palavras para se esconder por trás do sarcasmo. "É ironicamente justo."

Gina sentiu como se tivesse sido estapeada e controlou a vontade de sacudir Draco, sabendo que não era o momento de trazer aquele tipo de assunto à tona.

"Draco, por favor." Ela disse num tom que era metade aviso, metade pedido. "Hoje pode ser o último dia juntos que teremos e eu não quero ir atrás de James pensando que ficaram somente palavras duras entre nós."

No automático, Draco abriu a boca para responder algo desagradável diante de todo aquele sentimentalismo, mas seu erro foi ter olhado para ela antes que dissesse qualquer coisa. E, como geralmente os erros não vem desacompanhados, ele desviou seu olhar para o par de grandes olhos cinzas que o observava atentamente. Espontaneamente, ele apertou seu filho contra si contra si.

Todo seu sarcasmo e as palavras venenosas que foram suas companheiras durante tantos anos evaporaram. Deixaram para trás apenas um homem com medo. Um homem que temia a batalha, que temia a dor, que temia a morte. Mas, principalmente, um homem que temia perder sua família.

Inconscientemente, ele cedeu diante do ponto dela, sentindo uma necessidade irracional de fazer com que ela se sentisse melhor.

"Então vá atrás do seu filho sabendo que..."

"Que...?" Gina sorriu como um incentivo, sensibilizada por ele estar tentando dizer algo que a motivasse.

"Que o meu coração -" Draco se interrompeu e engoliu em seco antes de completar. "O que resta dele, pelo menos – será sempre seu."

Gina se sobressaltou com aquela declaração inesperada. Não era uma tentativa de motivação – não estritamente, pelo menos. Era a expressão direta de um sentimento. Vinda de Draco Malfoy.

Nem em um milhão de anos poderia esperar que Draco usaria palavras para manifestar o que estava sentido desde que isso não envolvesse raiva, desprezo e escárnio.

Com os olhos marejados, ela o puxou pela capa e grudou nele e em Aries, ficando tão perto deles quanto podia estar sem desrespeitar as leis da física, sentido a respiração regular e os baixos murmúrios de Aries, o silêncio contemplativo de Draco. Por um curto e precioso momento havia aquele maravilhoso entendimento novamente, como se eles tivesse flutuando entre o tempo e espaço e nada poderia atrapalhá-los ou separá-los.

Mesmo que ela soubesse que tudo estava prestes a mudar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cinzas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.