Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 38
Para Onde o Mal Aguarda


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Eu preciso dividir meus sentimentos com vocês, haha! Estou muito feliz com esse capítulo. Como tinha comentado com algumas pessoas, me diverti horrores ao escrevê-lo e, no fim, gostei bastante do resultado.

Isso não significa, contudo, que ele não demandou esforço criativo, como vocês verão em breve. Por isso, mais do que nunca e para me deixar mais feliz ainda, comentem, me digam se consegui acertar a mão. É um termômetro muito valioso para mim. =)

Obrigada!



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Com um barulho seco e típico da aparatação, Olívia Thicknesse colocou os pés no gramado de Hogwarts, ao lado do estádio de quadribol, no canto mais afastado que pôde conjurar.

Tinha trazido as primeiras duas pessoas para dentro dos terrenos da escola.

Ela respirou fundo pensando no que teria que fazer dali em diante, reunindo a coragem que lhe era peculiar através da força que emanava dos dois homens - tão opostos - que seguravam cada uma das suas mãos.

Virando suavemente o rosto para a esquerda, ela viu Draco – pálido como a morte - agarrado à sua mão e de olhos fechados, como se quisesse estar em qualquer lugar do mundo que não fosse ali. Virando para a direita, segurando sua outra mão, estava Harry Potter com uma expressão séria e cheia de determinação. Olívia não poderia estar mais chocada, ainda, por vê-lo ali, vivo.

Demorou dois dias inteiros para que ela acreditasse, primeiro em Ginevra quando ela lhe contara que O-Menino-Que-Não-Havia-Sobrevivido estava, na verdade, muito vivo. E que era o pai do pequeno James. Depois, também não acreditou quando pousou seus próprios olhos em Harry Potter. Por fim, se deu por vencida, declarou que não valia a pena tentar racionalizar naquele mundo louco e simplesmente aceitou que ele realmente estava vivo.

Ainda observando-o, Olívia percebeu como sua expressão mudou à medida que ele reconhecia o espaço ao seu redor com um ar que misturava nostalgia, dor e alívio. Como um filho que estivesse voltando para casa depois de muitos e muitos anos afastado.

Harry soltou sua mão gentilmente – não sem antes dar um aperto reconfortante - e se afastou dela e de Draco, começando a conjurar feitiços de proteção e silenciadores no espaço ao redor deles com uma concentração que rivalizava com a de Hermione Granger em épocas de NOM's.

Então Olívia se virou para Draco mais uma vez, que estava exatamente na mesma posição, sem a menor disposição de dar um passo à frente.

"Quantas pessoas a mais terei que trazer?" Ela perguntou para Malfoy, muito para tirá-lo daquele estupor que estava começando a preocupá-la.

Draco permaneceu mais um momento de olhos fechados e de mãos dadas com Olívia, como se tivesse reunindo toda a sua coragem naquele gesto.

Quando ele finalmente abriu os olhos revelando duas fendas cinzas no rosto pálido, o velho Draco Malfoy estava ali mais uma vez, indiferente, frio e totalmente no controle das suas emoções.

Ele deu um meio sorriso torto para Olívia, fazendo uma mesura para soltar sua mão. "Todos os Weasleys do mundo e seus amigos. E que Merlin a ajude, porque isso representa uma quantidade absurda de pessoas."

***

James Potter bufou irritado levantando os fios castanhos do rosto e dividido entre a vontade de chorar e a resignação firme de quem sabia que havia se metido em encrenca. De quem havia procurado encrenca, na verdade.

Tudo culpa sua, James, ele se recriminou, agora dê um jeito de fugir!

Levou a mão até a face e sentiu o sangue pegajoso já começando a secar sobre o rosto. Não estava doendo especialmente, mas aquela sensação de líquido grudento rastejando pelo rosto era bem ruim e incômoda. Pelo que podia sentir, da sua testa até o meio da bochecha, tudo estava uma bagunça. E ainda não podia ter certeza dos danos causados ao seu olho, já que não conseguia abri-lo por causa da crosta de sangue que se tinha se formado por ali.

Tentando se distrair dos incômodos e preocupações do seu machucado, ele tentou remover a corda que haviam prendido em volta dos seus tornozelos e que o impediam de andar, mas foi infrutífero. Devia ter alguma dose de magia ali e, contra isso, não havia nada que suas pequenas mãos pudessem fazer.

Diante do pensamento, olhou suas mãos e se sentiu agradecido pelo homens – comensais da morte, ele tinha ouvido, ainda que não entendesse como as pessoas aceitavam serem chamadas de algo tão... estranho – terem deixado que ele pelo menos pudesse movimentar os braços.

Então ele sacudiu os braços pelo simples fato de que podia fazê-lo. E, ao se chocar com alguns objetos semi destruídos, observou pela primeira vez o ambiente ao seu redor. Não havia muito mais que ele pudesse fazer, não depois do homem velho ter dito que estava vigiando todos os seus movimentos.

Depois de mais trinta segundos de observação que James podia jurar que quase haviam matado-o de tédio, ele se remexeu inquieto, procurando com os olhos algo que pudesse ajudá-lo.

Algumas coisas ali pareciam bem queimadas.

Ele esticou a mão para tocar numa espécie de coroa logo acima da sua cabeça, mas ela se desfez na sua mão, se transformando em cinzas. Haviam muitos livros e utensílios mágicos. Ele tentou puxar alguns livros que não estavam queimados e encontrou um que leu com certa dificuldade.

"Estudos Avançados no Preparo de Poções." James leu em voz alta só para poder ouvir alguma voz, nem que fosse a sua própria. "Bleh."

Esse livro pertence ao príncipe mestiço. James continuou lendo sem interesse, dessa vez mentalmente. Mais legal seria se pertencesse ao príncipe mestiço matador de dragões e criador de feitiços!

Desanimado, ele arremessou o livro para a pilha de objetos atrás de si. Não se interessava por poções, elas eram tão chatas. Não entendia como sua mãe podia gostar tanto delas. Mas, então, sua mãe era um mistério para ele não só com relação às poções.

Ele sentiu seus olhos se encherem de lágrimas ao pensar na sua situação com a mãe, seu grande amor. Ao pensar que ele havia fugido sem sequer vê-la uma última vez e era provável que nunca mais pusesse seus olhos nos cabelos vermelhos que ele sempre tinha gostado e que talvez nunca mais pudesse compartilhar da alegria dela ou conversar animadamente sobre Quadribol no café da manhã.

E ela entendia muito de Quadribol, apesar de ter um péssimo gosto para escolher seu time do coração...

E então a imagem dela com um agasalho das Harpias de Holyhead e vibrando pela sala a cada vitória do seu time invadiu a mente do menino com toda força. Ele balançou a cabeça para espantar as lembranças doloridas e foi quando, devido ao movimento, seu olhar foi captado por um saco velho, marrom e desgastado, esmagado entre duas prateleiras cobertas de quinquilharias.

Talvez houvesse algo lá dentro que ele pudesse usar, não é?

Mais animado, ele se ergueu com esforço e foi até a prateleira dando pequenos pulinhos para se locomover, se certificando de que não estava pisando em nada. O homem gigante que o deixara ali tinha afastado as bugigangas, mas só perto do lugar que James tinha sido colocado. Longe dali, tudo era um terreno hostil e perigoso para um garotinho de sete anos com as pernas amarradas.

Desajeitadamente, ele alcançou a prateleira, mas o objeto estava muito alto para ele. Erguendo os braços ao máximo, ele pulou com toda a força que podia e atingiu o saco com as pontas dos dedos, puxando da maneira que pôde. Entretanto, instabilidade governava o lugar e, ao puxar, James trouxe junto com o saco diversos objetos e a própria prateleira, que se projetou sobre ele enquanto o menino caía desprotegido no chão.

"Ai!" Ele gemeu quando suas costas atingiram o chão, sentindo os objetos por baixo de si e esperando que a prateleira pesada pusesse fim à sua tentativa de fuga – e, provavelmente, à saúde de todos os seus membros também.

Ele fechou seu olho saudável e não viu quando a imensa estante caiu sobre ele. Tampouco viu quando o corpo dele foi poupado da pior parte do impacto simplesmente porque ele estava exatamente no vão entre uma prateleira e outra.

James abriu o olho bom para espiar, fechando-o rapidamente devido a poeira absurda que se levantou e que se misturava às cinzas no ar. Ele tossiu, mas não se mexeu. Provavelmente o homem comensal chegaria dali a pouco, vendo a bagunça que ele tinha feito no lugar.

Mais bagunça, ele se corrigiu, o lugar já estava uma confusão danada antes de eu ser deixado aqui.

Depois de um segundo, ele tomou coragem e abriu o olho sadio, se encontrando cercado pelas maiores bugigangas do universo e com o saco marrom em cima da sua barriga.

"Ah rá!" James sorriu pela primeira vez desde que tinha sido capturado.

***

A primeira coisa que Gina fizera ao pôr os pés em Hogwarts ao ser trazida por Olívia – uma das últimas a chegar, uma vez que tinha ficado para organizar a 'passagem' -, foi se certificar que os feitiços antirruído e de proteção estavam nos seus devidos lugares. Sob hipótese alguma ela permitiria que qualquer coisa falhasse naquela noite.

A segunda coisa – porque o espírito das pessoas mais fortes também tinha direito à sua dose de sensibilidade e nostalgia – foi olhar ao seu redor, sentindo o aroma tão familiar de grama recém cortada, umidade e infância.

Hogwarts.

Uma onda imensa de carinho a invadiu. Carinho por aquele lugar onde tinha passado os melhores anos da sua vida, mas, principalmente, carinho pela combinação daquelas pessoas que a cercavam e a escola. Rostos conhecidos por longos anos, outros mais recentes ou desconhecidos. Porém, todos com um objetivo em comum.

Estavam ali lutando por seu filho.

Por James.

Era claro que a Resistência sempre tinha combatido as forças de Voldemort, mas a captura de James certamente tinha causado a antecipação de um confronto direto que poderia ainda demorar anos para acontecer. Seu menino tinha sido o gatilho que poria fim àquela época de miséria e desesperança.

De um jeito ou de outro.

Ela já esperava que sua família se comportasse daquela forma, praticamente dando sua vida por James e por ela. De forma alguma era uma surpresa a presença do seu pai, Rony, Gui, Jorge, Percy, Harry, Hermione e Carlinhos, com a indestrutível Mirela ao seu lado.

Gina acenou simpaticamente para ela, que sorriu com sua expressão firme. "Vamos queimar o trraseiro dos bastardos, Gina!" Ela disse alto o suficiente para que as pessoas em volta dela ouvissem e sorrissem, tanto pelo otimismo quanto pelo forte sotaque do leste.

Mas havia ainda aquelas pessoas que não partilhavam laços de sangue que 'obrigavam' suas presenças ali. Professora McConagall, Slughorn –que tinha dado um caloroso abraço em Gina,- Kingsley, Angelina, Luna, Anne e até Dave, que tinha obrigado Gui a trazê-lo para o castelo junto com todos os outros. E mais tantos outros que ela sequer podia começar a contar.

Ventava forte, mas Gina não sentia frio. Se sentia aquecida pelas dezenas de pessoas a sua volta. Ela continuou caminhando por dentre os grupos, agradecendo silenciosamente a cada pessoa que se comprometera a dar um fim àquela sociedade.

Seus olhos passaram também por aqueles que nunca achou que veria novamente naquela vida: Cho acenou timidamente para ela; o Sr. Diggory parecia tão concentrado que Gina não ousou interrompê-lo, mas, quando ele a viu, murmurou um 'ele me tirou meu filho, mas morreremos todos antes de que ele consiga tirar o seu também' que Gina respondeu com um dos seus sorrisos mais ferozes. Abeforth também estava lá, conversando seriamente com Justino e Simas enquanto a Professora Sprout separava algumas poções juntos com Flitwick.

Tantas, tantas pessoas.

Com um sorriso de gratidão e otimismo, ela procurou Draco entre a multidão para que pudesse dividir aquele sentimento com ele, mas esqueceu temporariamente seu objetivo quando se deparou com alguém que não via há muitos e muitos anos. Ele estava ao lado de Harry e Olívio Wood - que falavam sobre vassouras e ataques aéreos - mas, quando pousou seus olhos pequenos sobre Gina, foi como se o sorriso que ele abriu fosse ainda maior do que ele próprio o era.

"Hagrid." Gina sussurrou e da sua voz escorreu saudades. "Obrigada por ter vindo também."

"Rá!" Hagrid exclamou efusivamente. "E você acha que eu deixaria um filho seu e de Harry nas mãos de Você-Sabe-Quem?" Ele perguntou antes de dar nela um abraço de tirar o fôlego. "Protegi o pai, protejo o filho. E a você também." Ele havia soltado Gina, mas para garantir seu ponto deu leves tapinhas nas costas dela que a fizeram dar dois passos à frente para não se esborrachar no chão.

"Eu não esperava menos da sua parte." Gina sorriu e colocou suavemente a mão sobre a dele, três vezes maior do que a sua.

"Trouxe gigantes." Ele sussurrou para ela – o que certamente foi suficiente para que quase todos ouvissem. "Estão esperando pelo nosso sinal na Floresta Proibida, junto com as criaturas da floresta."

"Para o nosso lado?" Gina perguntou bem humorada, se referindo aos gigantes.

A risada de Hagrid foi um estrondo no pequeno espaço e Gina agradeceu mentalmente os feitiços de proteção de Harry. "Dessa vez, totalmente para o nosso lado."

Ela não teve tempo de responder porque nesse exato instante Harry chamou atenção de todos para si, sabendo como aquele momento era importante.

"Escutem todos, por favor!" Harry disse em voz alta. "Está na nossa hora."

Na urgência de resgatar James, aquela era a primeira vez que eles conseguiam reunir aquela quantidade de pessoas vindas de diferentes países. Todos sabiam da essência do plano, passada em mensagens codificadas por Rony, mas aquela era a hora dos detalhes, nos minutos que antecediam o confronto que determinaria seus futuros.

E chamar atenção não foi realmente difícil, dado que algumas pessoas sequer ainda acreditavam que ele estava vivo. A maioria ainda o encarava com ar maravilhado.

"Eu gostaria de agradecer profundamente a todos vocês, por todos esses anos onde não perderam a esperança apesar das adversidades pelas quais passaram. Eu sei que foram anos terríveis, de perda, dor e revolta e nada pode mitigar o sofrimento causado. Porém há uma chance tentarmos um futuro melhor. E por essa chance – por vocês – me sinto também agradecido." Harry fez uma pausa para olhar todos os rostos, dando a cada um a importância que mereciam. "Principalmente, agradeço vocês por estarem aqui pelo meu filho. Perder James, que eu havia acabado de conhecer, foi uma das coisas mais difíceis que eu já tive que enfrentar, mas a tragédia trouxe uma única coisa boa. Hoje, viemos aqui para finalmente acabar com essa guerra, de uma vez por todas." Ele terminou com mais ênfase do que as pessoas que o conheciam estavam acostumadas e todas as respirações ficaram presas nas gargantas diante daquela perspectiva.

Depois de um segundo tenso, Luna aplaudiu animadamente e deu coragem para que Simas gritasse um "Isso aí, Harry!" que foi acompanhado de diversas outras palmas entusiasmadas.

Harry sorriu gentilmente e levantou a mão num pedido de silêncio para retomar a palavra, que foi prontamente atendido. "Entretanto, não podemos atacar abertamente o castelo com James lá dentro, uma vez que eles não hesitarão em usá-lo contra nós."

Gina sentiu seu estômago se torcer num nó de desespero só pela possibilidade de usarem seu filho como escudo.

"E então?" Arthur Weasley incentivou, desejando que todos memorizassem o que deveria ser feito, em todos os detalhes.

"Precisamos tirar James de lá antes que o ataque comece." Rony respondeu introspectivo.

Harry balançou a cabeça em concordância. "Um pequeno grupo entrará na frente e procurará por James pelo castelo, acessando dormitórios, salas de aulas, estufas, neutralizando o máximo de comensais que pudermos, da maneira mais discreta possível. Serão poucas pessoas a entrar, para não chamarmos atenção."

"Você sabe que ele virá assim que desconfiar que estamos na escola." Draco rolou os olhos como se aquele detalhe óbvio tivesse passado despercebido por todos. Não foi preciso especificar quem era o 'ele'. "Não sei se vocês repararam, mas Hogwarts não é exatamente a definição de algo pequeno. Não haverá tempo suficiente de procurar o garoto."

"É uma possibilidade." Harry não se abalou pelo sarcasmo de Draco. "Por isso, precisaremos ser discretos. E, assim que recuperarmos James, contaremos com a ajuda adicional de quem está do lado de fora." Ele apontou principalmente para Carlinhos, Mirela e Hagrid. "Poderemos finalmente entrar no Castelo e acabar com isso."

A romena sorriu e pegou na mão de Carlinhos, que balançou a cabeça positivamente para ela. "Dragões!"

Hagrid, por sua vez, acenou animadamente e começou a se encaminhar para a Floresta Proibida. "Vou organizar nossas forças na Floresta. Nos veremos em breve, Harry!"

Harry assentiu, seguindo com a explicação do plano. "Eu seguirei na frente com Rony e Malfoy-"

"Você só pode estar brincando!" Pego de surpresa, Draco protestou com veemência, chamando a atenção de todos para si e suscitando alguns olhares de reprovação. "Não há a menor necessidade de que eu entre com vocês." Ele frisou o 'vocês' como se fosse algo parecido com 'lesma' ou similares.

"Com medo de encarar antigos amigos, doninha?" Rony perguntou venenosamente.

"Com nojo na verdade," Draco respondeu com sua melhor expressão de repúdio arrogante. "Mas da possibilidade que seguir com as piores companhias possíveis."

"Não há nada de brincadeira aqui, Malfoy." Harry respondeu impaciente e Rony olhou feio para Draco. "Se o pior acontecer com James..." Harry engoliu em seco ao tentar explicar. "Quero ser o primeiro a saber, para mudar o plano de ação quando estiver lá dentro. Não há outra escolha, acredite."

Draco entendeu perfeitamente, assim como todos os outros. Potter o queria bem perto dele para saber a exata hora da morte do seu filho, se ela acontecesse. E, se o menino sucumbisse, os planos deveriam ser totalmente alterados.

Malfoy, que sempre tivera uma veia estratégica aflorada, realmente entendia Potter nesse aspecto. Recuperar o menino era tudo que o Cicatriz queria, mas, se por algum desejo do universo James não sobrevivesse aquela noite, Potter deveria continuar, levantar a cabeça e por um fim em Voldemort. Malfoy não podia invejá-lo menos por causa daquela obrigação. Ser 'O Escolhido' tinha suas desvantagens, afinal.

Draco não tinha escolha. Não importava o que acontecesse, eles precisavam seguir em frente.

Era ir ou por a perder tudo que eles tinham feito até ali.

Então Malfoy se limitou a concordar com a cabeça de forma irritada. Harry tomou o gesto como um incentivo para continuar a falar.

"Entraremos primeiro numa primeira abordagem discreta e, quando dermos o sinal de que encontramos James, o ataque pode ser iniciado."

"Que sinal?" Olívia perguntou intrigada, tão deslocada no meio daquelas pessoas quanto Draco.

"Ah, um que definitivamente não vai poder ser ignorado." Jorge respondeu com um sorriso quase assustador, como se estivesse esperando por isso há tempos. E talvez estivesse mesmo.

Harry se virou para Olívia. "Sra. Thicknesse, só preciso de mais um favor." Olívia esperou pacientemente e Harry continuou. "Para entrarmos furtivamente na frente, eu, Malfoy e Rony precisamos voltar até Hogsmeade."

"Hogsmeade?" Gina exclamou perdida. Ela já sabia que Harry tentaria levar Draco com ele, mas não que eles entrariam por outro lugar. "Acho que perdi essa parte do plano."

Harry sorriu com intenção de reconfortá-la. "Apenas eu, Rony e Hermione sabíamos."

"Típico." Gina grunhiu irritada, mas Harry não pareceu ouvi-la.

"Só viemos aqui antes para garantir que todos fiquem a postos. Se vamos entrar discretamente no castelo, não podemos entrar pela porta da frente, não é?" Harry perguntou suavemente e Gina sentiu uma vontade quase irresistível de quebrar os óculos dele enquanto ainda estavam no seu rosto.

"Mapa do Maroto." Jorge estalou os dedos ao entender por onde eles seguiriam. "A entrada da Dedosdemel! Sabia que deveríamos ter investigado aquela entrada!"

"Achávamos que ela estava bloqueada depois do ataque ao castelo há oito anos. Desde o sequestro de James começamos a pensar em possibilidade... Bem, descobrimos que foi uma das últimas que sobrou e-" Harry começou a explicar, mas foi subitamente interrompido.

"Eu vou com vocês." Gina disse simplesmente e várias cabeças se viraram para ela. Não houve tempo suficiente para que eles discutissem aquilo antes, mas parecia bastante claro para Gina que, se a ideia era buscar seu filho, nada mais justo que ela estivesse presente.

Chega de segredinhos entre o trio de ouro, pelo menos no que se refere à minha vida, Gina pensou e se preparou para a disputa que viria.

"Não!" Draco e Harry responderam em uníssono, se olhando em desagrado na sequência.

Gina sentiu seu temperamento acender. "Não ousem tentar me dizer o que fazer, seus dois idiotas!" Ela disse, apontando o dedo indicador em riste para Draco e depois para Harry. "Estou cansada de ser protegida seja lá por qual razão vocês achem conveniente! Eu já enfrentei tantos perigos quanto qualquer outra pessoa aqui, senão mais!"

Harry tentou argumentar. "Gin, não podemos ir em muitas pessoas e-"

"Desista, Potter." Draco suspirou dramaticamente, interrompendo-o. "Ela é mais teimosa que um maldito hipogrifo e não vai ceder por esse caminho."

Gina suspirou aliviada, mas cruzou os braços para indicar que ainda não estava no seu melhor humor. "Obrigada, Draco."

Draco levantou uma sobrancelha desdenhosa para ela. "Não me lembro de ter dito que concordava com você."

"Vai me amarrar aqui, Malfoy?" Gina perguntou com falsa suavidade que era mais assustadora do que muitos gritos. "Porque esse é o único jeito de me fazer ficar."

"Não disse nada do tipo, Lady Malfoy." Draco frisou a palavra e Gina não soube se era para irritar Harry ou a ela. "Embora a ideia tenha seus encantos para outras ocasiões." Ele completou com um sorriso extremamente malicioso.

"Não preciso de proteção." Ela teimou ameaçadoramente, ignorando o duplo sentido da resposta dele.

"Não seja tão egocêntrica, Ginevra, não te cai bem. Não desejo que você fique porque quero te proteger," Draco retrucou friamente - agora totalmente sério -, como se ela tivesse perdido o ponto da coisa toda. "Desejo que você fique porque quero me proteger. Se você estiver lá para essa abordagem inicial, só vai me atrapalhar. Não vou conseguir me concentrar pensando que você pode se machucar a qualquer momento."

Gina arregalou os olhos, assim como algumas outras pessoas.

Que Draco, ao seu modo, já tivesse revelado alguns dos seus sentimentos para ela não era uma novidade – ainda que sempre fosse muito bom ouvir o que ele tinha a dizer nesse sentido. Agora, ouvir insinuações com relação aquilo na frente de todas aquelas pessoas –especialmente aquelas pessoas - era algo especialmente novo. E inebriante.

"Mas-" Gina gaguejou sem saber se se jogava nos braços dele ou se insistia no seu ponto.

"E provavelmente o Cicatriz aqui pensa o mesmo." Draco grunhiu com uma careta, interrompendo-a e apontando para Harry, que acenou com um pescoço tão rígido que Gina desconfiou que ele nunca mais fosse conseguir se mexer depois daquilo.

"Declarações veladas de amor à parte," Jorge interrompeu, aproveitando a hesitação da sua irmã e esfregando as mãos cheio de expectativa. "Podemos começar logo?"

"Não poderia concordar mais, Weasley." Draco falou lentamente. "Quanto mais cedo começa, mais cedo termina." Então, ele estendeu a mão para Olívia, num gesto de cavaleiro que tira a dama para dançar. "Daria-me a honra, Sra. Thicknesse?"

E com isso, Olívia pousou uma mão sobre a dele, agarrando-se a Harry com a outra. Prontamente, Rony segurou no braço de Harry e, no instante seguinte, eles tinham desaparecido com um plop.

Gina olhou atônita para o ponto onde os quatro haviam desaparecido.

O bastardo me desarmou com essa conversinha! Eu achando que ele estava se declarando quando na verdade estava apenas me distraindo, ela pensou quando viu sua oportunidade passar. Maldito sonserino manipulador!

Ela suspirou se rendendo. Não iria correr o menor risco de atrapalhá-los naquele momento. Mas jurou para si mesma que seria uma das primeiras a entrar no castelo quando o sinal fosse dado. E nem Draco com sua lábia descarada, nem Harry com sua gentileza ou o próprio Merlin reencarnado a impediriam da próxima vez.

***

Com a dificuldade imposta pelos pés amarrados, James se sentou gemendo de dor e pegou o saco marrom que havia aterrissado suavemente na sua barriga.

É só um saco velho, puxa vida, James suspirou começando a ficar irritado. Tinha praticamente arriscado sua vida por um pedaço de pano rasgado e fedido!

"De nada!" Ele exclamou exaltado para o objeto velho, suavemente acomodado sobre o seu abdômen. "Pode sempre contar comigo para amortecer sua queda."

Na falta de opções melhores, ele engoliu sua frustração e sacudiu o objeto para ver se havia algo útil dentro, quando a coisa se mexeu.

"Errrrc!" James afastou o objeto com um safanão.

A coisa tomava a forma de um... chapéu.

Um chapéu velho, surrado, desgasto e feio, mas, ainda assim, um chapéu.

"O que – o que – o que é isso?" James se perguntou gaguejando, de forma alguma esperando uma resposta. Quando o chapéu soltou um som que pareceu um gemido esganiçado, o menino recuou ainda mais, derrubando alguns utensílios atrás de si e fazendo um barulho absurdo.

Agora tinha certeza que aquele homem voltaria para cumprir com a suas ameaças.

A coisa-chapéu começou a tossir para total deslumbre do menino, expelindo uma grande quantidade de cinzas e poeira. Então ele falou e James prendeu a respiração, pela primeira vez se dando conta do quão absurdamente legal era ser de uma família bruxa.

"Sem desmerecer sua capacidade de observação,

Apesar da falta dela parecer ser notória

Os alunos me procuravam para a Seleção

Sou o Chapéu Seletor de Hogwarts, antes, de Grodrico Grifinória."

James riu do jeito de falar do chapéu encantado, curioso diante daquele objeto estranho. Se aproximou para observar melhor.

"Por que você está aqui então?"

O chapéu fez um som que muito se assemelhava a um grunhido antes de responder e se remexer inquieto.

"Meu dever era os alunos separar,

E isso criou raízes fortes.

Mas nunca deixou de me preocupar,

Que os bruxos tivessem perdido seu norte."

Depois de um momento onde pareceu se certificar que James estava realmente prestando atenção, ele continuou:

"E no fim, a separação levou as casas à dissolução, num esquema distorcido de união

Sob um ideal maligno que eu temia e que minha utilidade enfraquecia

Hoje eu sou desnecessário, fui por todos esquecido

Um chapéu milenar, mas nem a sombra do que tinha sido.

E todos os estudantes se rendem a essa lógica viperina.

Sob um único estandarte, o da Sonserina."

James reteve a vontade de bater palmas e perguntar como o chapéu conseguia improvisar daquela forma, mas preferiu ser mais prático e tentar escapar daquela situação desfavorável.

"Hmm," Ele murmurou, entre pensativo e esperançoso. "Pode me ajudar a sair daqui?"

"Para sair, não poderei te ajudar, afinal.

Sou apenas um chapéu, não uma Chave-de-Portal."

"Grande ajuda!" James bufou e cruzou os braços, correndo novamente os olhos ao redor da sala destruída, em busca de algo que pudesse usar ao seu favor. Algo que não falasse rimando, para começar.

Subitamente, aquilo havia meio que perdido o encantamento para o menino.

Contudo, o chapéu não parecia querer dispensar a atenção de James tão facilmente.

"Entretanto é preciso te avisar

Não perca a esperança, nem se deixe abalar

Hogwarts sempre ajuda, aqueles que dela precisar."

"Certo..." James respondeu franzindo a testa, muito porque não tinha entendido o significado oculto das palavras do chapéu.

De forma hesitante, ele engoliu sua frustração e se aproximou do chapéu, segurando-o quase com reverência.

"Eu vou te colocar aqui na minha mochila, ok?" James perguntou timidamente como se estivesse pedindo desculpa para o objeto. "Mesmo que você não possa me ajudar, acho ruim te deixar aqui nesse lugar, sozinho."

E, fechando a mochila com o chapéu dentro, ele deu um suspiro triste e se sentou encostado na parede livre mais próxima, abraçando os joelhos, pensando na sua mãe, em Della e em toda sua família.

De repente, ele se deu conta de que tinham tirado sua liberdade, suas possibilidades de fuga e quase toda sua esperança. Mas ainda não tinham lhe privado da sua voz.

E então James Potter gritou com todas as forças dos seus pulmões.

***

"Malfeito, feito." Harry murmurou baixinho, fechando o Mapa do Maroto e guardando-o no bolso da capa.

Graças a ajuda e consentimento de Madame Rosmerta – que havia feito exclamações agudas de felicidade ao ver os três homens-, Draco, Harry e Rony usaram a passagem do porão da loja dela que dava acesso a parte interior do castelo. Percorreram um interminável túnel estreito que culminava em um corredor do terceiro andar, por trás da estátua de uma horrível bruxa cor corcunda de um olho só, cuja visão fez Draco estremecer de desgosto.

Como haviam combinado previamente, Rony sugou toda a luz com o seu desiluminador assim que adentraram o corredor e, por um momento, eles estavam na mais absoluta escuridão. Os três se remexeram desconfortáveis.

"Lumus." Rony sussurrou depois de um momento, devolvendo a única fonte de luz ao ambiente. Uma fonte de luz que ele podia controlar. Na sequência, Harry fez o mesmo.

"Tem certeza de que eles não vigiarão essa entrada do castelo, Harry?" Weasley sussurrou, sabendo que levantar a voz naquele ambiente era altamente não recomendável.

"Sim..." Harry respondeu depois de um momento. "Quem conhece essa passagem está morto ou está do nosso lado." Ele disse pensando em Fred, no seus pai, em Sirius, em Lupin. "Além disso, consigo ver pelo mapa que não tem ninguém por aqui agora."

"Se você tem esse mapa encantador," Draco zombou ao entrar na conversa, olhando de um lado a outro com cautela mesmo que pudesse ver pouca coisa. "Por que não procura logo onde o garoto está e acabamos com isso?"

Com a pouca luminosidade proporcionada pelas duas varinhas, Draco pôde ver que Harry tinha tentado colocar uma expressão desagradável no rosto. "E você acha que eu já não tentei?"

"Acho." Draco respondeu simplesmente, deixando clara sua opinião acerca da inteligência de Harry.

"O problema é outro..." Harry murmurou, franzido a testa e ignorando o insulto. Ele parecia estar tentando se lembrar de algo. "James não está no mapa."

"Que artefato útil, então!" Draco cantarolou baixinho, como se estivesse falando consigo mesmo. "E eu que pensei que Sirius Black e sua laia pudessem ter criado algo decente."

Os olhos de Harry se tornaram rapidamente duas fendas verdes brilhantes e visíveis mesmo no escuro, mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa – ou fazer, considerando como seus punhos estavam cerrados ao lado do corpo-, Rony o interrompeu.

"Shhh," Ele disse, pondo o dedo indicador sobre os lábios. Harry e Draco ficaram tensos e ergueram suas varinhas, apurando os ouvidos.

Com um 'nox' sussurrado, Harry apagou sua varinha, assim como Rony, e eles esperaram, se aglutinando com as costas na parede do corredor.

Passos se aproximavam ao longe.

Draco grunhiu um eloquente 'hunf' que ele esperou com todas as suas forças que Potter entendesse como 'não tinha ninguém nesse andar, não é?'

Eles pararam na esquina do corredor, tão juntos quanto poderiam estar e, apesar da situação, Draco teve que controlar a urgência de dar uma cotovelada nas costelas do Weasley, que estava se pressionando demais contra a lateral dele.

Ouviram vozes se aproximando pelo outro corredor.

Draco calculou que, em mais alguns instantes, seus donos virariam para entrar no corredor onde os três estavam e, bem, não seria uma cena bonita.

"Mas que merda essa!? Parece que toda luz foi apagada dessa parte do castelo." Uma voz fria falou ao longe, sendo precedida pelas luzes inconstantes de duas varinhas que se refletiam na parede em frente a eles. "Eu preciso ir até onde o estúpido do Goyle deixou o garoto e não consigo enxergar um palmo na frente do nariz."

Se era possível, Draco ficou ainda mais tenso.

"É o meu tio." Ele sussurrou somente alto o suficiente para que seus acompanhantes indesejados o escutassem. "Ele sabe onde James está."

"Por que precisa ir até o pirralho?" Uma outra voz, mais grave, perguntou.

"Estamos vigiando-o através de um espelho e ele está fazendo o favor de derrubar o lugar. Por Merlin, como só um garoto tem tanta energia e..." O resto da frase se perdeu no ar enquanto as engrenagens mentais de Harry, Draco e Rony começaram a bolar um jeito de tirá-los daquela situação, mesmo se movendo em direções contrárias- provavelmente envolvendo coragem, astúcia e estratégia, respectivamente.

"Vamos chamar mais gente para patrulhar essa área, tudo está parecendo particularmente estranho." O outro estava falando.

Conforme as vozes se tornavam mais claras, mais os três sabiam que o momento de atacar se aproximava.

"Bom, acho que não temos muito o quê fazer, não é?" Rony murmurou, erguendo sua própria varinha, enquanto Draco alongava o pescoço como se fosse fazer um exercício físico particularmente desagradável.

A abordagem de Harry tinha ganhado. Eles só podiam contar com sua coragem naquele momento.

Harry assentiu e sussurrou em resposta. "Vamos cuidar do outro e fazer Lestrange falar."

Draco ouviu Weasley respirar fundo e se projetar para a frente dos comensais, pegando-os de surpresa e estuporando o primeiro que entrou na sua frente.

O movimento deu tempo para que o outro Comensal - Selwin, como Draco pôde reconhecer quando colocou a cabeça para fora do seu esconderijo na esquina para espiar -, levantasse sua varinha em direção ao Weasley. Potter, contudo, dando cobertura para seu amigo, saiu de trás da proteção da parede pronto para atacar.

"Estupefaça." Ele gritou e o segundo comensal também caiu inerte no chão.

Draco rolou os olhos para o fato de que Potter tinha contrariado seu próprio plano e agora nenhum dos comensais poderia falar qualquer coisa que fosse.

Com um gesto trêmulo, Rony devolveu a luz ambiente com seu desiluminador e, com um gemido de frustração, teve tempo de ver um outro comensal – um terceiro! - que tinha passado despercebido pelos três, virar o final do lado oposto do corredor com os robes negros esvoaçando atrás de si e fugindo ileso do ataque surpresa.

"Merda." Foi tudo que Harry disse se dando conta de que tinham deixado um comensal escapar.

"Weasley, seu grande idiota, era para ter estuporado o outro comensal." Draco saiu de trás da parede e fez uma careta de desgosto enquanto observava a cena, criticando com sua voz arrastada. "Não o meu tio, que por acaso era aquele que tinha a informação sobre o paradeiro do garoto!"

"Bem observado pela fantástica doninha saltitante." Rony se exasperou, olhando-o com desprezo. "Não vi você movendo um dedo para ajudar."

"De que adianta," Draco sorriu afetadamente para ele como se estivesse falando com alguém intelectualmente deficiente. "ter um cachorro e latir por conta própria?"

"Imbecil." Foi tudo que Rony murmurou, desistindo de Draco e indo para o lado de Harry inspecionar os comensais estuporados.

Suspirando de forma derrotada contra o universo que tinha feito com que ele convivesse com aqueles dois estúpidos, Draco se obrigou a se aproximar deles e observou os comensais caídos sobre o ombro dos dois, tendo que ficar nas pontas dos pés para ficar mais alto que o Weasley pobretão.

"Agora teremos que acordar Lestrange antes que o comensal que fugiu abra a boca e-" Draco estava prestes a concluir o raciocínio quando foi interrompido.

Um grito abafado - vindo de um lugar desconhecido- os assustou e os três recuaram um passo coordenadamente, como se tivessem ensaiado.

"Que porcaria foi isso?" Weasley perguntou e Potter fez um sinal para que ele falasse mais baixo. Se agachando ao lado da figura de Lestrange caída no chão, ele começou a revistar rapidamente o corpo do comensal até localizar a fonte do barulho.

Harry se endireitou e posicionou o objeto que tinha encontrado na frente dos três, permitindo ampla visão de todos.

"É só um espelho..." Rony coçou a cabeça intrigado.

"Talvez não." Harry o olhou pensativo, se lembrando do espelho que Sirirus havia lhe dado e que havia salvado sua vida na Mansão Malfoy, enviando Dobby para resgatá-los tantos anos atrás.

Sirius, Dobby... Ele fechou os olhos brevemente, não surpreso com a intensidade com a qual aquilo ainda doía. Afastando o pensamento, ele soube que aquele não era um espelho comum.

"Dissendium." Harry disse baixinho e uma luz verde e potente reluziu do objeto fazendo os três desviarem os olhos com a intensidade de luminosidade. Quando voltaram a enxergar adequadamente, a figura de James estava projetada no espelho, amuado e encostado numa parede, aparentemente preso pelos pés e cercado por diferentes objetos, de variados tamanhos. "Ele está realmente aqui." Harry sussurrou com uma nota de alívio na voz.

"Está machucado?" Rony perguntou preocupado; Draco e Harry se acotovelaram para observar melhor.

"Merda," Draco franziu a testa e Harry estremeceu, constatando o que tinha incomodado Malfoy ao mesmo tempo em que o próprio sonserino. "Ele está machucado."

As coisas realmente estavam ficando complicadas. Havia sangue por todo o rosto do menino, dando a ele uma aparência assombrosa que fazia a barriga de Draco se contorcer de angústia e repulsa.

"Acho que é hora de mudarmos os planos, Harry." Rony disse depois de um momento, pondo uma mão tranquilizadora no ombro do amigo. "Aquele comensal nos viu e nosso tempo está contado até que Você-Sabe-Quem apareça."

"E...?" Harry perguntou reticente, claramente não gostando do rumo da conversa.

"E não há mais sentido em manter a discrição, é tudo uma questão de tempo agora. O ataque vai acontecer independente de acharmos seu filho ou não." Rony explicou da maneira mais gentil que podia. "Vocês vão atrás de James, enquanto eu dou o sinal para Jorge liberar o ataque e protejo sua retaguarda o máximo que puder, para que ninguém consiga subir. Vocês só terão de lidar com quem já estiver nos andares superiores."

"Subir?" Draco perguntou levantando uma sobrancelha petulante. "Quem garante que o garoto vai estar nos andares superiores?"

"Bom," Weasley deu de ombros. "O nosso pessoal vai entrar nos andares de baixo, então já teremos pessoas vasculhando o primeiro e o segundo andar. Estamos no terceiro e posso me virar por aqui. Vocês só precisam vasculhar todos os andares daqui até as torres."

Draco chegou a verbalizar um sarcástico 'só quatro andares imensos para duas pessoas? Muito fácil, Weasley!', mas foi ignorado pelos dois, uma vez que Potter tinha se adiantado para ficar frente a frente com o amigo lambe-botas.

"Rony, é perigoso você ficar sozinho e-"

Draco rolou os olhos, interrompendo impaciente. "Você pode simplesmente aceitar a ajuda que está sendo livre e voluntariamente oferecida sem ser um pé no saco salvador, Potter?"

Rony e Harry se viraram para olhar feio para Draco, mas não puderam falar porque James escolheu aquele exato momento para começar a se mexer e gritar.

"Mamãe!" James exclamou, abanando os braços como se estivesse cansado de esperar. "Mãe, por favor!"

"Ele pode nos ver?" Rony perguntou confuso e Draco parou para olhar o espelho na mão de Potter mais atentamente.

Artefato raro, atualmente todos controlados pelos comensais, utilizado basicamente para espionagem, mas não para comunicação. O garoto é visto, mas não pode ver, ele catalogou mentalmente.

"Não," Draco respondeu concentrado. "Mas nós podemos vê-lo e isso é o que importa."

"Papai, me ajude!" James fez um último apelo desesperado e se agachou novamente, com a cabeça abaixada contra os joelhos.

Bruscamente, Draco e Harry se viraram para a direção oposta e começaram a caminhar apressadamente. Rony, ainda parado no mesmo lugar, os olhou com uma expressão de confusão no rosto.

"Devo entender isso como um 'sim, vamos seguir seu plano, querido Rony?" Ele gritou para as costas de ambos, tentando chamar a atenção para o ponto em questão.

"Sim!" Harry respondeu por cima do ombro enquanto Draco caminhava ao seu lado e ignorava Rony sumariamente.

Assentindo para o nada, Rony ficou um tempo ali, olhando para os dois comensais caídos como se buscasse entender a situação.

"E mal dá para saber qual dos dois idiotas o garoto está chamando." Ele murmurou para si mesmo enquanto começava a arrastar os comensais para fora do caminho e se preparava para sair dali. "Bela confusão você arrumou, Gina."

***

Depois de passada a sensação de desespero perturbadora que o invadiu diante do apelo angustiado do garoto, Draco, já no controle dos seus sentimentos, percebeu que eles tinham saído sem rumo.

Bom, pelo menos ele tinha.

Só tinha desejado com todas as suas forças tirar o garoto daquela situação e então seus pés fizeram o resto do trabalho, levando-o inconscientemente.

E ficou surpreso ao perceber que Potter tinha seguido-o. Ou será que ele tinha seguido Potter? A possibilidade quase o deixava mal humorado demais.

Alguns minutos depois e à contragosto, ele finalmente deixou Potter tomar a dianteira.

Já tinham subido as escadas do quarto e quinto andar sem vasculhar nada e agora estavam vagando pelo sexto, onde Draco reconhecia a entrada do banheiro masculino que dava acesso ao sétimo andar do Castelo.

Ele fungou irritado.

Odiava ter que conversar com o Cicatriz idiota, mas odiava mais ainda segui-lo sem saber exatamente para onde. Assim, ele achou que seria mais coerente tentar falar alguma coisa, mesmo que fosse algo para irritá-lo.

"Você sabe mesmo para onde estamos indo, Potter?" Ele perguntou com a voz neutra. "Ou está simplesmente saciando seu complexo de sem-teto e dando uma volta por Hogwarts?"

"James não estava no mapa, não é?" Harry respondeu sorrindo como se tivesse pegado um pomo de ouro que Draco tinha sido estúpido o bastante para não ver.

"O maldito mapa é seu," Draco deu de ombros, "como eu vou saber como funciona?"

Harry continuou, ignorando a amargura nas palavras de Malfoy. "Achei que havia um problema, mas na verdade era uma solução."

"Então...?" Draco ficou impaciente diante dos inúmeros enigmas do Potter. Diante do próprio Potter, se ele fosse honesto consigo mesmo.

"Então, estamos indo para um lugar que nós dois conhecemos muito bem."

Quando Draco deixou de querer esfregar a cara de Harry nos tijolos da parede e abandonou a irritação, o entendimento o invadiu e um arrepio percorreu sua espinha por causa das lembranças que aquilo trazia.

"Sala Precisa." Draco grunhiu, tentando afastar todas as memórias dos momentos de opressão e desespero que ele tinha vivido naquela sala, dez anos antes. Numa época onde ele tinha sido obrigado a conviver com a certeza de que, se falhasse, não haveria misericórdia para ele ou sua família.

"Recordações, Malfoy?" Harry perguntou sem misericórdia ao notar o silêncio pensativo de Draco e trazendo a tona todos os eventos que culminaram com a morte de Dumbledore naquele ano.

"Como você sabe que a Sala Precisa não aparece na porcaria mapa?" Draco perguntou abruptamente, deliberadamente desviando o assunto.

Potter pigarreou e ficou em silêncio durante o que pareceu uma eternidade. Quando Draco achou que Harry não falaria mais nada, ele explicou relutantemente.

"Durante nosso sexto ano, percebi que você desaparecia do Mapa do Maroto durante horas, mas tinha certeza de que não poderia sair do Castelo." Harry hesitou mais um pouco e Draco levantou uma sobrancelha indagadora, olhando diretamente para ele pela primeira vez desde que deixaram Weasley para trás e desafiando-o a continuar. Harry não o decepcionou. "Bem, eu te procurei por um bom tempo, e, durante esse tempo, descobri que a Sala Precisa também não aparecia no mapa. Depois disso, foi fácil somar os fatos e descobrir que você não aparecia no mapa porque estava na Sala Precisa..."

"Oh, Harry." Draco exclamou com uma voz suave que exalava deboche. "Eu não sabia dos seus sentimentos por mim."

"Não havia nenhum sentimento, Malfoy." Harry estava mais mal humorado do que nunca.

"Mas depois do que você fez comigo no banheiro dos monitores..." Draco suspirou simulando tristeza, como se Harry não tivesse dito nada. "Nunca teria dado certo entre nós."

Harry fez uma careta. "O sectusempra foi um acidente, ok?"

"Claro, aquilo foi um acidente." Draco zombou impiedosamente. "Por que levar a sério minha quase morte por hemorragia, não é? Os mocinhos só se envolvem em acidentes."

Harry teve que frear um pedido de desculpas que ameaçou brotar nos seus lábios. "Nós cometemos erros, como quaisquer outras pessoas."

"Eu devia ter trazido uma esfera de profecia para gravar isso e ouvir todo dia antes de dormir." As palavras venenosas saíram como um comentário casual e Draco completou para irritar Harry, só porque podia. "Ginevra também vai gostar disso."

Harry pareceu sentir fisicamente a alfinetada e só voltou a falar depois de uns minutos em silêncio.

"Sabe, diferente de você, eu tenho ótimas lembranças da Sala Precisa. Passei bons tempos com a Gina ali."

Ele se consolou com a idéia de que realmente havia passado bons tempos com Gina ali, ainda que não no sentido que tinha insinuado. Mas, então, aquele era o Malfoy e Harry sentia que tinha licença poética para revidar todos os comentários idiotas dele, mesmo naquela situação.

Draco bufou num gesto que tinha muito de aborrecimento, mas também um pouco de descontração que nunca havia ocorrido na presença de Harry.

"Suponho que estamos quites, depois dessa." Foi tudo que ele disse antes de sorrir sarcasticamente.

Os dois ficaram em silêncio. Se não havia mais a absoluta e completa animosidade, também nunca haveria espaço para amizade entre eles.

E ambos estavam em paz com isso.

***

Rony se apressou por um corredor estreito, bem longe da onde o terceiro Comensal havia fugido, só por precaução. Certamente a essa hora ele já teria delatado a presença deles em Hogwarts para seus comparsas. Logo Voldemort estaria no castelo, grudado nos seus calcanhares.

É agora ou nunca, ele pensou sentindo o peso de todos aqueles anos de perseguições, mortes e sofrimento. Tudo aquilo estava prestes a ganhar um ponto final.

Respirando fundo, ele seguiu até uma das janelas do corredor e se debruçou sobre o parapeito, quase se projetando pelo penhasco abaixo que circundava toda aquela lateral do castelo.

Harry, Malfoy, achem o garoto, por favor!, foi seu último pensamento antes de apontar sua varinha para o céu e fazer exatamente o que Jorge havia lhe ensinado, disparando para um ar uma centelha de luz que subiu para o firmamento, contrastando com a luz fraca da lua e explodindo numa mixórdia de cores e sons.

Então, Rony ergueu o capuz para se camuflar de eventuais inimigos e se apressou para a entrada do castelo se encontrar com a sua familia, esperando o ataque que viria.

Estava feito.

***

Ao lado do campo de Quadribol, Jorge Weasley olhou para o céu escuro e viu o único sinal no firmamento que explodiu em vários outros depois de um momento, emitido de uma das janelas do terceiro andar do castelo.

Ele sorriu maniacamente, fechando os olhos brevemente numa prece silenciosa.

Essa noite ele vingaria seus amigos perdidos. Ele esfregou as mãos em expectativa e, na sequência, sacou sua varinha. Jorge sempre teve conhecimento de que ele – assim como Fred – exercia um domínio natural sobre a atenção das pessoas devido sua personalidade magnética. Não pela primeira vez ele se aproveitou desse fato, girando teatralmente e chamando sem dificuldade a atenção de todos para si.

"Senhoras e senhores!" Ele exclamou e, com um movimento elaborado da varinha, lançou uma série de explosões que fariam Umbridge sentir saudades dos fogos que ele e Fred tinham propagado na sua despedida de Hogwarts. "Que a festa comece!"

Com isso, Carlinhos sorriu ferozmente para o irmão e gritou palavras em romeno para as pessoas atrás dele, que libertaram os dragões das suas amarras, confiante de que eles atacariam as pessoas certas.

Firenze, passou correndo ao seu lado, guiando uma tropa de centauros que começaram a trotar em direção ao castelo ao comando de Jorge.

Depois de uns instantes, Hagrid emergiu da floresta seguido de vários gigantes que caminhavam lentamente, arrastando porretes rústicos quase de um tamanho de um homem.

E, com um último segundo de contemplação, todas as pessoas começaram a seguir pelo mesmo caminho.

Jorge escolheu ficar momentaneamente para trás. Viu dragões passando sobre a sua cabeça em direção ao castelo, as criaturas da floresta correrem por ele, as pessoas caminhando – algumas correndo- com determinação.

Ele fechou os olhos para frear as lágrimas que ameaçavam brotar.

Essa é por você, Fred.


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