Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 36
Ainda Há Uma Luz na Escuridão


Notas iniciais do capítulo

Olá minha grandes companheiras.

Obrigada pelo feedback tão gentil no último capítulo. Significou tanto para mim, vocês não tem ideia. E, na medida do possível, me dediquei bastante para escrever esse capítulo por causa de vocês. O problema é que, dessa vez, surgiu Mad Max no meio do caminho e acabei mudando temporariamente de fandom, haha. Sério, se você, menina, ainda não foi ver esse filme, compre os ingressos AGORA. Traz uma abordagem femininas para os filmes de ação que é uma benção cinematográfica para nós. Must-see.

Voltando ao capítulo, tive insights maravilhosos graças aos comentários que me ajudaram muito a escrever essa parte do plot. É um momento de extrema sensibilidade que literalmente me deixou em cacos. Basta dizer que reescrevi esse capítulo três vezes antes de chegar num resultado que me agradasse mais – ainda que não totalmente. Por isso é muito importante para mim ouvir o que vocês têm a dizer sobre eles.

Isso basicamente por causa da Gina. O que pode se esperar de uma mãe nessa situação de dor e de desespero? Foi o que eu quis abordar nesse capítulo. E também por causa do meu coração romântico, que exigia um começo de reconciliação DG.

Espero que tenha ficado satisfatório. ;)

Geralmente não uso músicas nos capítulos, mas dessa vez abri uma exceção. Ouvi incessantemente enquanto escrevia.

Obrigada de verdade por todas as pessoas que estão me dando tanta força.

Um grande beijo.



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Did I say that I need you?

Did I say that I want you?

Oh, if I didn't I'm a fool you see,

No one knows this more than me.

As I come clean

Stay with me

Let's just breath

(Pearl Jam, Just Breath)

XXX

Jorge olhava fixamente para Draco com uma expressão zombeteira e irritante no rosto.

"E então, fugindo, hein?" Ele perguntou num tom de 'está fazendo frio lá fora, não?' enquanto girava sua varinha habilmente entre os dedos. "Quem poderia adivinhar." Ele completou com um suspiro dramático.

Draco e ele estavam escondidos em um reduto bruxo em Berlim, esperando a próxima chave de portal que os levaria para a Polônia, Hungria e, então, finalmente para a Romênia. Tinham passado por vários lugares da Inglaterra através de chaves-de-portal e voos de vassoura, além de terem usado aparatação nos lugares menos distantes uns dos outros. Era uma viagem extremante cansativa, mas que dificilmente poderia ser rastreada pelo Ministério da Magia.

Draco não ficou surpreso por não ter conseguido achar os desgraçados antes, mesmo controlando todos os meios de transportes possíveis.

A única coisa que não se podia dizer da Resistência era que eles eram burros. Provavelmente aquela estratégia robusta de locomoção era fruto da mente ardilosa da Sangue Ruim. Ou talvez do irmão endiabrado de Ginevra.

Irmão, por sinal, que Draco tentava ignorar com todas as suas forças naquele exato momento. A tarefa se tornava potencialmente difícil uma vez que eles estavam próximos demais, com as costas apoiadas nas caixas magicamente empilhadas que eles tinham que levar para todos os lugares aonde iam. Caixas que estavam infinitamente mais leves graças a um feitiço da Granger, mas, que ainda assim, carregavam as poções mais explosivas que Draco já tivera o desprazer de conhecer.

"Hmm," Diante do silêncio de Draco, Jorge voltou a conversar consigo mesmo. "Vou ter muito prazer em ensinar alguns truques para o meu sobrinho, já que o pai dele não vai estar por perto." Ele continuou indiferente à indiferença de Draco, num circulo vicioso que despertava no ex-sonserino os instintos mais homicidas, mas que ele tratava de esconder sob sua tradicional expressão de 'não me importo minimamente com você o com o que você fala'.

Draco estreitou os olhos, mas permaneceu impassível. O aborrecimento mudo era tudo que o ex-gêmeo maligno tiraria dele. Não daria a ele o prazer de vê-lo perder o controle. Merlin sabia o quanto uma só Weasley já tinha feito com que Draco saísse completamente do eixo.

"Ou talvez eu nem precise fazer nada. Talvez Harry retribua o favor que você fez a ele ao cuidar de James. Agora ele vai poder cuidar do pequeno Aries..." O maldito sorriu como se estivesse realmente satisfeito com a situação. "E também da Gina."

Merda!, Draco pensou, se dando conta que talvez, só talvez, ele ainda tivesse a capacidade de perder o controle por causa de um Weasley, afinal.

Sem raciocinar completamente – num hábito que estava se tornando perigosamente comum-, Draco sacou a varinha com agilidade e apontou para o rosto de Jorge. Só não viu por um lapso de segundo que o ruivo tinha apontado a própria varinha para sua barriga.

"Finalmente conseguimos uma reação, senhoras e senhores!" Jorge exclamou com uma expressão divertida nunca deixando o seu rosto.

"Se não quiser muito mais do que uma reação," Draco falou calmamente, mesmo que estivesse fervendo por dentro. "Eu te aconselharia a me deixar em paz."

Jorge não se abalou pela ameaça nada sutil. "Se não quer que seu filho cresça exclusivamente ao lado de pessoas que você odeia - e que odeiam você, me permita acrescentar-, por que fugir?"

Draco teve a impressão incômoda e irritante de que Jorge estava imitando seu tom de voz arrastado. Pelo bem da sua saúde e paciência, resolveu ignorar aquilo por enquanto.

"Não estou fugindo."

"A palavra mudou de significado?" Recuando sua varinha e acenando com ela com agilidade, Jorge conjurou um pequeno livro, o abriu e procurou com paciência por uma página, enquanto Draco tentava descobrir o que era aquilo sem baixar sua guarda. Não ajudava em nada o fato de que Weasley não parecia estar nem um pouco preocupado com a varinha apontada para o seu rosto. Jorge pigarreou formalmente. "Fugir: verbo intransitivo e transitivo direto; pôr-se em fuga; afastar-se rapidamente para evitar perigo, incômodo ou alguém. Esquivar-se -"

Um maldito dicionário, Draco se obrigou a contar até dez. O ex-gêmeo estava realmente tirando-o do sério.

"Talvez você não escute bem por causa dessa orelha faltando, então eu tentarei ser bem mais claro, Weasley." Draco o interrompeu e estreitou os olhos para Jorge, ainda não abaixando a varinha. "Pare de tagarelar e não fale do meu filho, então, talvez, nós chegaremos inteiros na Romênia."

"Que demonstração de coragem e ousadia!" Jorge exclamou, olhando de relance para a varinha de Draco pela primeira vez. "Embora eu desconfie que ela não tenha a ver com o comentário sobre Aries, especificamente." Os dois se encararam num silencio hostil, antes que Jorge continuasse a falar. "Talvez tenha a ver com o fato de que você está entregando minha irmã de bandeja para outro homem. Outro homem que me agrada muito mais que você, que fique claro."

Draco sentiu automaticamente sua mandíbula ficar tensa, mas preferia morrer a deixa transparecer que o Weasley tinha acertado outro nervo.

"Me corrija se eu estiver errado, Jorge." Draco perguntou abaixando sua varinha e forçando uma intimidade no nome para irritar o ruivo. "Isso é uma tentativa de usar psicologia reversa para me fazer ficar? Não sabia que você desejava minha presença tanto assim."

"Não desejo." Jorge respondeu se afastando pela primeira vez sem um sorriso no rosto. "Continuo pensando exatamente as mesmas coisas que sempre pensei de você. Mas Gina… É possível que ela meio que esteja apaixonada por você, que Merlin ajude a todos nós." Ele deu voltas para assumir suas hipóteses sobre Gina e seu rosto se transformou numa careta de nojo que ele não fez a menor questão de reprimir.

"Estou consciente dessa possibilidade." Draco falou a frase em voz alta pela primeira vez, relembrando a noite que eles tiveram e ficou surpreso como a resposta tinha vindo tão naturalmente.

Potter era a primeira das suas razões para partir, mas não a maior.

Como ele e Ginevra poderiam fazer aquilo dar certo? Não é que ele estivesse exclusivamente com medo de tentar – e aquilo tinha uma parcela de verdade, ele tinha que admitir – mas sim estava com receio do que aconteceria com ele se aquilo fracasse.

Quando fracassasse, Draco se corrigiu com amargura.

A dor da traição que ele sentira ao descobrir que Potter estava vivo ainda era muito recente, muito viva na sua mente. E, num arroubo de autopreservação, ele se deu conta de que nunca mais queria sentir aquela sensação horrorosa de sufocamento e de desespero ao perceber que ia perdê-la.

Abrir mão agora era mais fácil. Era quase tolerável.

Nem em um milhão de anos Draco poderia suportar a dor de ser rejeitado. E não por ela.

"Então você é um idiota maior do que eu havia pensado." Jorge o arrancou dos seus pensamentos com sua afirmação ácida.

"Calcule nessa sua mente maligna, Weasley." Draco rolou os olhos, claramente impaciente. "Qual a probabilidade de sucesso de um relacionamento entre sua irmã e eu?"

"Para minha alegria, não muita." Um sorriso malicioso brotou nos lábios de Jorge, antes que ele ficasse incomumente sério mais uma vez. "Mas pelo menos ela tentaria."

"Só estou nos poupando de aborrecimentos e sofrimentos." Draco argumentou e aquilo fez todo sentido na sua cabeça. Na cabeça do Weasley, pelo contrário, não teve o mesmo o efeito.

Jorge riu. "Você não merece a Gina, definitivamente."

Draco estava prestes a rebater com algo mal criado, quando um vistoso patrono atravessou o caminho entre os dois; Com extrema rapidez, Jorge o puxou, levantando-o bruscamente. Draco nem teve tempo de afastá-lo ou protestar quando Jorge praticamente o arrastou até o fim da viela suja e escura onde estavam esperando, afastando-os das caixas com as poções e seguindo o patrono. Weasley conjurou feitiços de proteção rapidamente para que eles pudessem ouvir a mensagem em segurança e longe de ouvidos estranhos. No instante que terminou, o patrono parou na frente dos dois.

A voz fina e esganiçada do maldito Potter se manifestou através do Patrono.

"James sequestrado por comensais. Precisamos de ajuda."

De todos os sentimentos que poderiam ter abatido Draco Malfoy naquele momento - angústia, receio, apreensão, medo de perder a própria vida em decorrência da morte do menino -, aquele que o sobrepujou e que o surpreendeu mais foi simplesmente o pavor de que o garoto morresse.

Não porque isso levaria Draco junto, mas sim porque era a vida de James.

Metade do coração de Ginevra.

A criança pelo qual ele havia se afeiçoado a contragosto.

Ele olhou para Jorge e, pela primeira vez, viu o irmão da sua mulher literalmente quebrado, sufocado pela surpresa.

"Como...?" Jorge começou a se questionar, mas foi interrompido por Malfoy.

"Vamos voltar para a Inglaterra." Draco se levantou bruscamente, não esperando uma resposta ou consentimento de Jorge, mal enxergando-o a bem da verdade.

Amaldiçoou o momento em que tinha saído do esconderijo da Resistência, se consumindo em arrependimento.

Ele se encaminhou a passos rápidos para o ponto de aparatação mais próximo, engolindo aquele sentimento indesejado e lidando com ele como um velho conhecido. Afinal, aquela era uma sensação que Draco Malfoy já havia sentido muitas vezes na vida.

XXX

James se debatia febrilmente tentando se desenlaçar do aperto dos dois homens que o cercavam – Comensais da Morte, eles haviam dito –, mas seu esforço era em vão.

Eles tinham levado-o para um lugar frio, para uma imensa casa de pedra que parecia crescer sob um penhasco... O nome do vilarejo era Little Hang... Alguma coisa assim, James balançou a cabeça para se lembrar. Tinha ficado muito deslumbrado com a perspectiva de aparatar pela primeira vez e não conseguiu se ater aos detalhes, para o seu desgosto.

Enquanto era arrastado pelos corredores gelados daquela casa, James não pôde deixar de sentir saudades da Mansão Malfoy, que era tão grande e fria quanto aquele lugar, mas tinha um ar acolhedor que não escapava a James. E o mais importante, lá havia sua família...

Seu coração se apertou diante da lembrança do seu irmão, do Sr. Malfoy, da Sra. Malfoy, da sua mãe.

Sua mãe...

A lembrança da traição doeu no seu peito, mas, ao mesmo tempo, sentiu uma onda de saudades tão forte que seus joelhos vacilaram e James tropeçou, fazendo com que o homem atrás dele o erguesse pelo colarinho do casaco, jogando-o para frente e forçando o menino a voltar a andar.

James piscou para evitar as lágrimas desejando estar em qualquer outro lugar, mas se obrigou a continuar em frente. Havia algo nele que o fazia pegar o que era realmente difícil, desagradável, e transformar num desafio pessoal, numa aventura onde ele poderia viver coisas que nunca tinha vivido antes. Com esse pensamento em mente, James empinou o queixo e seguiu caminhando.

Disseram que ele encontraria Voldemort agora. Então pelo menos ele teria alcançado seu objetivo.

Depois de subir escadas e passar por corredores tão grandes que pareciam infinitos para os olhos do menino, eles entraram num quarto escuro onde havia um só ocupante à janela, observando a luz do dia incidir gloriosamente sobre a planície abaixo.

Quando o homem finalmente se virou para seus visitantes, James prendeu a respiração.

Ele... Aquilo era o tal Voldemort?, James pensou sem consciência de que sua boca estava aberta e seus olhos arregalados.

"Bem vindo à casa dos meus antepassados, criança." A voz de Voldemort ecoou pelo seu quarto na Casa dos Riddle. "Disseram-me que você queria me ver."

Nunca tinha visto nada parecido com aquilo.

Conhecia pessoas pálidas, como o Sr. Malfoy, por exemplo, mas nunca tinha visto um tom tão morto na pele de alguém.

Já tinha visto olhos estranhos, como aqueles de Edril, o elfo da Mansão que cuidava de Aries, que possuíam uma tonalidade amarelada e receosa. Mas nunca aquele tom de vermelho agressivo que fazia a barriga dele se mexer desconfortavelmente e criava uma urgência de desviar o olhar.

Conhecia ainda pessoas sem partes do corpo, como seu tio Jorge, que fazia piadas por não ter uma orelha. Mas nunca imaginou que alguém pudesse viver sem nariz.

E foi esse justamente o assunto mais urgente que se sobressaiu sobre os outros na sua mente de criança curiosa.

James o olhou desconfiado e franziu a testa. "Por que você não tem nariz?"

Os dois comensais atrás dele - Lestrange entre eles - estremeceram visivelmente, principalmente aquele que estava com a mão sobre seu ombro, mas James lançou-lhes apenas um olhar curioso.

Por que eles têm tanto medo? O menino pensou lutando contra a vontade de morder o lábio inferior.

Eles permaneceram em silêncio, enquanto Voldemort pareceu ponderar a pergunta com um ar que, ainda que fosse divertido, enviou arrepios de medo pela espinha de James.

Aquele era um homem estranho, definitivamente.

"É o preço que paguei de boa vontade pelo conhecimento de magias nunca antes executadas. E é um símbolo que me agrada." Ele respondeu suavemente, tirando a varinha das vestes e ostentando-a com uma mão de dedos finos, com unhas assustadoramente longas. "Sabe o que é um símbolo, criança?"

"Não." James respondeu sinceramente depois de hesitar um segundo e se sentiu pequenino na frente daquele homem que parecia saber bem mais do que ele. Contudo, ele não daria a chance para que o bruxo estranho percebesse sua hesitação. "Mas sei o que você fez com minha amiga! O Sr. Malfoy me contou."

Voldemort suspirou tristemente.

"Ah, Draco sempre teve a tendência a ser um delator covarde." Ele pareceu lamentar o fato, com sua voz suave rastejando para dentro dos ouvidos de James.

"Ele só me contou a verdade!" James se exaltou, sentindo a necessidade de defender o Sr. Malfoy mesmo que não tivesse entendido o insulto completamente. "Que você... machucou Della."

"E você veio em busca de vingança, por causa de um elfo?" Voldemort se permitiu um segundo de surpresa antes de arreganhar os dentes num protótipo de sorriso. "Certa vez, seu pai me perseguiu em busca de vingança também. E, devo ressaltar, aquela não foi uma atitude que trouxe bons resultados para ele."

James se sentiu incerto. Havia tantas coisas que ele não sabia sobre seu pai – e agora também sobre a sua mãe – que ele não tinha ideia de como responder aquilo. Então preferiu dizer o que estava sentindo. "Eu não quero vin- vingança..." Ele gaguejou tentando organizar seus pensamentos. "Só quero saber por que você fez aquilo."

Voldemort inclinou a cabeça para o lado como se estivesse pensando na questão de James como algo muito filosófico.

"Por que eu fiz aquilo? Por que as pessoas agem com crueldade, barbárie ou selvageria, meu garoto?" Voldemort perguntou, mas não esperou James pensar sobre o assunto antes de voltar a falar. "Fazem simplesmente porque podem. E a única coisa que mantém as pessoas afastadas desse poder divino – de escolhas sobre a vida e a morte de outros seres - é o medo da punição."

Ele se levantou e se aproximou de James; o menino, por sua vez, estava tão absorto naquela figura alta, esguia e assustadora na sua frente que sequer percebeu quando os comensais deram dois passos para trás, deixando-o sozinho para lidar com o bruxo poderoso.

"Todavia, essa é uma verdade que não se aplica a mim, porque ninguém tem os recursos necessários para me parar, para me impedir de ter o que eu quero. Para me punir." Ele explicou suavemente, dando um tempo para que a ideia se assentasse na cabeça de James. "Matei o elfo porque eu podia fazê-lo. E o fiz, porque ninguém será capaz de me fazer prestar contas por isso."

"Você gosta de ser mau..." James, horrorizado, finalmente recuou um passo. Pela primeira vez ele teve dimensão da natureza do homem a sua frente.

"A maldade é apenas uma das representações do meu poder. Só mais um símbolo, James." Ele cuspiu o nome dessa vez, como se ele trouxesse recordações que o desagradassem, e se aproximou ainda mais do garoto. "Você vai entender um pouco mais sobre símbolos, em breve."

O menino quis se afastar mais, mas suas pernas estavam pregadas no chão e sua barriga fazia uns movimentos estranhos como se estivessem passando um recado a ele. "Quero ir para casa-"

Antes que James pudesse terminar de expressar seu desejo de ver sua mãe ou tentar fugir, Voldemort o manteve no lugar com um feitiço para imobilizar e tudo que o menino pôde fazer foi tentar manter sua respirável estável.

não chegue mais perto não chegue mais perto não chegue mais perto não chegue mais perto não chegue mais perto

Voldemort sorriu como um predador ao sentir o terror do menino diante de si. Então, ele ergueu sua varinha em direção ao rosto de James, passando lentamente a ponta do objeto por todo o rosto do garoto, que só podia olhá-lo com os olhos verdes aterrorizados.

O sorriso de Voldemort se alargou e, inesperadamente, ele acabou com o feitiço que imobilizava o menino.

O alívio de James por poder sentir seus membros mais uma vez não durou cinco segundos, mas foi o suficiente para que ele se distraísse minimamente da aproximação latente de Voldemort.

"Diffindo." Voldemort murmurou com um prazer sádico quando a sua varinha tocou mais uma vez a região do supercílio esquerdo de James. O menino gritou diante da dor intensa de sentir a pele ser cortada magicamente e, ao se debater, a varinha deslizou por toda a lateral esquerda do rosto dele num corte extremamente doloroso, da sobrancelha até o meio da bochecha.

"ME SOLTA!" Sangrando, James se debateu ainda gritando e Voldemort pareceu se aborrecer.

"Pensei que com esse pudesse ser diferente." Ele suspirou enquanto acenava com a varinha em direção ao menino que se virara para fugir. "No fim, todos sempre gritam. Estupefaça."

Então, James caiu como uma pedra, finalmente cessando de gritar quando a inconsciência se abateu sobre ele.

Voldemort observou o corpo inerte no chão a alguns passos dele, sem olhar para seus comensais ou deixar transparecer o que estava sentindo.

Ódio.

Ódio pela concepção daquela pequena e desprezível criatura à sua frente, ódio por mais aquela profecia, ódio por ter errado. Ódio por ter sido traído por Draco Malfoy e, principalmente, ódio por Harry Potter estar vivo.

Seus instintos mais primordiais diziam que ele devia por um fim naquilo de uma vez, extrair a vida do garoto em busca de saciar sua paixão por vingança. Contudo, Lorde Voldemort sabia melhor. Como tentara explicar ao fruto de Harry Potter, símbolos eram tudo.

Daria um fim à vida da criança. Mas não naquele momento.

Ele será minha próxima horcrux, Voldemort pensou e sorriu consigo mesmo diante da perspectiva de se reerguer mais forte do que nunca.

Através do garoto, se reabilitaria e alcançaria aquilo que sempre havia almejado. Através do garoto, destruiria Harry Potter de uma vez por todas e poria fim aqueles anos de incerteza. Através do garoto...

Precisaria mantê-lo num lugar onde ele estivesse absolutamente inalcançável.

"Potter já sabe que estamos com seu filho." Era uma afirmação e não um pergunta; era a confirmação de que o garoto precisaria, de fato, estar em um lugar sob seu estrito controle. Não exigia nenhuma resposta, mas Rodolfo Lestrange a deu mesmo assim.

"Colocamos o anúncio n'O Profeta Diário para garantirmos que a informação chegaria até ele. A essa hora a Resistência já tem conhecimento de que estamos com o menino." Ele reportou com disciplina e Voldemort assentiu quase que distraidamente, tão absorto como estava no menino, tomando conhecimento da presença de Lestrange pela primeira vez. "Devemos também continuar com as investidas contra a Resistência, meu Lorde?"

"Não há necessidade." Desviando seu olhar do menino, Voldemort se encaminhou mais uma vez para a grande janela dos seus aposentos, seu maior contato com o mundo externo. "Eles virão até nós."

"Sim, meu Lorde." Lestrange concordou de forma solícita. "E onde gostaria que mantivéssemos o garoto?"

Voldemort pareceu ponderar por um instante.

"Levem-no para Hogwarts. E faça que essa informação também chegue aos recônditos mais sujos e escondidos da Inglaterra."

Lestrange arregalou os olhos e o outro comensal se remexeu inquieto diante das perspectivas que a decisão acarretava.

As duas facetas do mundo bruxo se enfrentaria mais uma vez, aos portões de Hogwarts. E, como seria de se esperar, a Escola de Magia e as batalhas lá travadas também traziam más recordações para os Comensais da Morte.

"Perdão, meu senhor, mas Hogwarts?" Lestrange perguntou com a devida dose de humildade, engolindo todas as suas reticências com relação a decisão de Voldemort. Contestar abertamente o bruxo das trevas nunca havia sido saudável afinal.

"Não acha uma boa ideia, Rodolfo?" Voldemort inquiriu suavemente.

Seu tom mais perigoso.

"Jamais poderia julgar suas ações, senhor. Meu objetivo é apenas servir." Lestrange rebateu inteligentemente. "Só busco entender melhor suas ordens para que possa atender seus desejos com eficiência."

"Muito bem, Lestrange." Voldemort sorriu maliciosamente para ele como um dono que atesta seu domínio sobre um obediente animal de estimação. "Se é uma explicação que você necessita, uma explicação você terá: Potter e seus comparsas irão até Hogwarts e tentarão entrar no castelo com a insistência irracional que lhes é típica. Falharão em ver, também de maneira típica, que Hogwarts é - e sempre foi- minha."

A última frase havia sido dita com uma ferocidade que não era peculiar a Voldemort e que não passou despercebida pelos outros presentes.

"Eles nunca conseguirão entrar." Lestrange concluiu diante do brilho de determinação que cruzou os olhos vermelhos de Voldemort.

"Certamente que não." Voldemort concordou sorrindo maliciosamente. "E quando eu tiver me cansado de vê-los desmoronar contra os muros do castelo, gastarem toda sua esperança e se afundarem nas expectativas que eles mesmos criaram, então eu lhes entregarei o menino em troca de Harry Potter. Mas garantirei que ele seja entregue em pedaços. O suficiente para o pai, para a mãe e para o padrasto."

Um dos comensais escondido nas sombras do quarto engoliu em seco e Voldemort se deliciou no medo que exalou do homem, como se aquele fosse o real alimento da sua alma.

"Sim, meu Lorde." Veio a resposta em uníssono dos presentes no quarto, a única que ele tinha se acostumado a ouvir nos últimos anos.

"Levem-no para Hogwarts e esperem." Ele repetiu consolidando a ideia, voltando a olhar fixamente para James caído inerte no chão.

Sim, os símbolos eram tudo.

XXX

Sentada à janela com vista para o mar, Gina olhou para o berço de Aries, que dormia tranquilamente.

Desde que James tinha sumido naquela manhã, ela teve a sensação de que era impossível se separar do seu filho mais novo, num sentimento irracional de que também lhe roubariam seu bebê se ela se afastasse dele por um minuto sequer.

Oscilando entre o estupor e a dor da realidade, Gina não podia acreditar que James estava perdido, que poderia estar…

Não, ela não deixaria que seus pensamentos seguissem naquele rumo. Nada de ruim poderia acontecer com James! O próprio nascimento dele tinha sido um milagre, concebido em uma única oportunidade, com seus primeiros meses de vida despendidos numa Londres trouxa, mãe e filho aprendendo juntos como viver aquela nova vida.

Ele tinha sobrevivido a coisas terríveis e agora ousavam dizer que o corpo cheio de alegria e vivacidade estava nas mãos frias e asquerosas de Voldemort. Gina abaixou a cabeça no batente da janela, freando as lágrimas que ameaçavam saltar dos seus olhos e sentindo um vento quente levantar seus cabelos.

Lembranças da Câmara Secreta, dos anos se escondendo e das batalhas travadas inundavam a sua mente e ela se sentia sem forças para seguir, para continuar tentando, como se estivesse... anestesiada. Parecia que a vida só retirava as coisas dela, colocando-a sob provações sem fim.

Nem sequer levantou os olhos para o horizonte, numa reação melancólica natural de quem estava sofrendo e ainda assim vivendo num cenário tão bonito.

O verão estava no auge e apresentava um início de noite quente e chuvoso que refletia exatamente o estado de espírito febril e delirante de Gina. Pensava incessantemente no rosto alegre de James, em como ele franzia o nariz quando estava contrariado, na intensidade com a qual os olhos verdes podiam brilhar. Como ele era uma mistura perfeita dela e de Harry, se assemelhando aos dois e, ao mesmo tempo, com sua luz própria, com o espírito aventureiro, otimista, leal, e algo que era só dele.

Reviu-o voando na vassoura, com um sorriso no rosto. Falando com a boca cheia de bolinhos de caldeirão. Brincando no chão com Aries.

Quase não podia suportar...

Um rebuliço no andar de baixo da casa enorme e desproporcional foi suficiente para fazer Aries reclamar no berço, entrando no processo de acordar da sua tradicional soneca, mas não tirou Gina de seu estupor. Ela lançou um olhar mecânico pela janela e viu algumas pessoas entrando na casa com passos apressados. Houve uma discussão acalorada entre elas, Gina podia dizer, mas não chegou a se importar o bastante para ir verificar o que era. Depois de um instante, reconheceu ao longe a alta figura de Jorge, que corria para evitar a chuva.

E se Jorge havia voltado... O coração dela se acelerou com a perspectiva de Draco ter voltado também.

E mais, com a simples perspectiva de ele estar vivo...

Se Draco estava vivo, então James também estaria. Gina ficou duplamente aliviada.

Antes de poder ordenar os pensamentos permeados de dor e descer para confirmar suas expectativas, ouviu passos firmes na escada e, na sequência, Draco irrompeu no quarto, coberto de lama até a cintura - e, pela primeira vez que Gina tinha lembrança - num estado lastimável, com os longos cabelos platinados grudados no rosto e as pontas da capa negra transformadas em goteiras.

"Draco." Ela sussurrou com a voz fraca, voltando a si lentamente. "Você está ensopado."

Era uma afirmação inapropriada para o momento, ridícula e óbvia, mas Gina não queria pensar em algo que não fosse futilidades. Na verdade, não queria pensar em nada.

Draco fez uma careta de desgosto, olhando de forma reprovadora para si mesmo. "Está chovendo há horas e eu voei de vassoura pela metade do caminho de Berlim até aqui."

Oh.

Gina não registrou totalmente as implicações daquela afirmação, mas sabia que deveria dizer alguma coisa.

"Vou fazer um feitiço para secar e pedir a Edril para preparar algo para você comer." Ela começou a se levantar, tendo consciência de como seus movimentos estavam desajeitados e avoados.

Draco escutou tudo com certa indiferença, de pé com as pernas levemente afastadas, na mesma postura de sempre. Automaticamente – e não de forma surpreendente – ele soube que havia algo diferente.

Ginevra sequer parecia se dar conta de que não estavam na Mansão Malfoy e que ele não tinha chegado cansado de um dia no Ministério. "Talvez depois de comer você se sinta melhor... Foi uma longa jornada e-"

Draco a encarou por instante, avaliando-a. Era como se a própria loucura estivesse sussurrando no ouvido dela, os olhos sem vida, a pele amarelada, os gestos trêmulos. Ele se obrigou a terminar com aquela farsa.

"Ginevra, pare de evitar a situação." Ele ergueu uma mão pálida, finalmente interrompendo-a. "Você sabe por que estou aqui. Potter mandou um patrono até seu irmão."

"Eu-eu acho que pedi para te avisar…" Ela tentou se lembrar exatamente do que tinha falado no momento em que descobrira a verdade sobre captura de James. No momento do desespero e da dor, ela só tinha conseguido pensar que queria Draco ali, com ela. "O voto perpétuo... Eu só queria que-"

Que você fosse avisado, que estivesse do meu lado, que fosse meu porto seguro, que me ajudasse a ter meu filho de volta.

Que não tivesse ido embora.

Era verdade que ela queria que Draco tivesse voltado por causa dela, mas com os resquícios de racionalidade que ainda lhe restavam, também precisava que ele soubesse do perigo que estava correndo. E, acima de tudo, que ele pudesse ajudar a trazer James de volta. Não havia ninguém mais gabaritado para fazê-lo.

"Não voltei pelo voto perpétuo." Draco respondeu um pouco irritado, interrompendo seus pensamentos. "Voltei por você."

Criou-se um silêncio durante o qual o restante do dia pareceu morrer bruscamente, com suas últimas luzes se desvanecendo entre as nuvens de chuva. Gina estava imóvel diante das palavras dele.

Por mim?, a ideia era tão avassaladora e reconfortante que ela teve dificuldade em absorvê-la.

"Eu não queria que você se sentisse obrigado ou coagido ou, ou, ou..." Ela gaguejou, absolutamente quebrada. "Estou tão cansada disso."

"Você não está me obrigando a fazer nada." Draco respondeu resignadamente, quase melancólico. "Estou aqui porque escolhi estar."

Só demorei um tempo para entender isso. Draco pensou com uma dose de angústia. Como sempre.

"Também escolheu fugir e me abandonar aqui."

Um resquício da velha Gina veio à tona quebrando um pouco da apatia daquela outra mulher e Draco quase sorriu por ela estar mostrando alguma reação. Diante da forma pela qual os olhos escuros brilharam com a raiva de ter sido deixada para trás naquelas condições.

"E você escolheu não ir embora comigo e beijou Potter," Draco deu de ombros como se não se importasse. "Acho que não somos muito bons em fazer escolhas, afinal."

Como ele sabe sobre Harry?, Gina se surpreendeu e a reação não passou despercebida por Draco, que sorriu de forma superior. Era um aviso mudo de 'você nunca vai poder esconder nada de mim'.

Por causa daquele sorrisinho idiota, Gina ignorou sua curiosidade. Tardiamente, ela se deu conta de que aquilo tinha sido um erro, uma vez que a ausência da sua curiosidade abriu espaço para a tristeza. E, com ela, veio mais uma vez a dor insuportável.

"Queria tanto que eu tivesse feito as coisas de forma diferente - que nós tivéssemos feito diferente." Ela sussurrou, claramente voltando a divagar, se descolar da realidade. "Não teríamos perdido tanto tempo..."

E agora não há mais tempo para nada.

Ela estava se entregando ao desespero, Draco podia sentir isso. E, ao se dar conta disso, ele experimentou sua própria dose de desalento.

Era como se ela estivesse escapando mais uma vez por entre seus dedos, deslizando para longe do seu alcance. Se ela se rendesse, seria o fim para a mulher que ele conhecia e que o encantava – que sempre tinha encantado, desde seus doze anos – e, no seu lugar, haveria apenas aquela outra mulher que estava agora na sua frente, apática, frágil, submissa e resignada. Tudo que Ginevra nunca havia sido.

E ele mal podia pensar nessa possibilidade.

Draco Malfoy não conseguia mais conceber o mundo sem Gina Weasley.

"Ginevra, não." Ele disse de maneira firme e rápida, um contraponto ao seu tradicional tom arrastado.

"Perdão?" Gina balançou a cabeça como se estivesse espantando algum inseto inconveniente, claramente confusa.

"Seja lá o que você estiver pensando, não deixe que te domine." Draco explicou, tentando afastar qualquer indício de desespero da sua voz. Precisava que ela entendesse aquilo. "Não vai ajudar em nada se deixar consumir por isso. Experiência própria, pode acreditar."

Finalmente Gina entendeu o significado das palavras dele e seus olhos se encheram de lágrimas mais uma vez. "Mas James..."

Draco a interrompeu gentilmente. "Ele fez o que achava correto pelo elfo e seguiu com o que queria. É corajoso – ainda que nem todos encarem isso como algo louvável." Ele comentou levemente entediado, mas Gina sabia que era mais força do hábito do que qualquer outra coisa. "Nós erramos em termos escondido a história dele, a verdade sobre o Lorde das Trevas."

Nós.

Não 'você errou'.

Nós erramos.

Com uma simples frase, Draco estava lhe dando tudo que ela precisava. Alguém que entendia suas indagações internas na sua plenitude, suas inseguranças com relação ao que tinha feito. Alguém que havia compartilhado com ela os últimos meses, acompanhado como sua vida e de James tinham mudado completamente, sendo ele mesmo o principal agente dessa mudança.

"Eu menti por tanto tempo," Gina sussurrou com a voz instável. "Nunca o vi tão bravo comigo, parecendo tão machucado e traído. Não sei se ele vai me perdoar um dia." Gina finalmente começou a chorar, libertando todas as angústias que tinha segurado momentos antes, com a imagem de Draco se turvando pelas lágrimas. "O que eu escondi dele era a sua própria identidade, quem ele realmente é."

"Ginevra-" Inutilmente, Draco tentou fazê-la parar de se torturar.

"Agora ele está magoado, confuso, nas mãos de quem pode tirar sua vida e-" Gina sequer conseguiu terminar de dizer aquilo em voz alta, sentindo sobre os ombros o peso daquela hipótese.

Hesitante, Draco se aproximou dela e passou uma mão suavemente pelos cabelos vermelhos. "O garoto vai te perdoar." Ele disse depois de um momento procurando as palavras certas, surpreendendo a si mesmo quando as encontrou. "Como eu perdoei minha mãe."

Draco tinha enterrado aquele sentimento tão no fundo na sua alma que nem havia se dado conta que ele ainda estava lá, esperando uma brecha para vir à tona.

"Perdoou sua mãe?" Gina levantou o olhar escuro para ele, novamente um brilho de curiosidade passando pelo rosto dela. Seus olhos estavam inchados, os lábios secos, o nariz vermelho pelo choro e sua pele estava absolutamente pálida. E Draco a achou maravilhosa, tudo porque ele tinha conseguido vislumbrar um pouco a mais de vida nos olhos castanhos.

Vamos lá, Ginevra, está quase conseguindo.

Aquilo o motivou a continuar se abrindo sobre aquele ponto, como nunca ousara fazer antes.

"Durante muitos anos eu culpei minha mãe pelo que havia acontecido com meu pai, mesmo que inconscientemente." Draco se remexeu inquieto, visivelmente desconfortável e desacostumado a falar dos próprios sentimentos. "Se geralmente eu não consigo lidar bem com o que sinto, com relação a minha mãe foi especialmente pior e mais traumático."

"Tudo que ela fez foi exclusivamente para te proteger." Gina interpôs fracamente, pensando em todos os sacrifícios de Narcissa. Sacrifícios que acabaram por moldar a sociedade bruxa nos últimos anos.

"Assim como você fez com seu filho." Draco rebateu prontamente.. "Agora eu entendo isso. Como James vai entender quando estiver pronto."

Foi incrível como palavras tão simples e tímidas tiveram um efeito tão reconfortante nela. Já não chorava mais e sua força de vontade retornava aos poucos.

"Quando você entendeu?" Gina perguntou.

"Quando você a trouxe de volta para mim, para minha vida." Draco não hesitou em responder. "Abriu meus olhos para a falta que eu sentia dela e me devolveu algo precioso. Agora eu creio que seja a hora apropriada para quitar meu débito." Ele respirou fundo para tomar coragem de fazer uma promessa que ele não tinha certeza de poder cumprir. "Vou trazer seu filho de volta, Ginevra. Nem que seja a última coisa que eu faça."

E talvez seja mesmo, Draco não pôde controlar o pensamento indesejado que cruzou sua mente.

"Obrigada, Draco." Gina fungou e enxugou as lágrimas desajeitadamente, verdadeiramente tocada pela promessa dele. "Isso é tudo que eu mais quero."

Draco assentiu e, com mais um toque suave, se afastou para que ela se recompusesse.

Ajeitando o casaco mecanicamente, Gina continuou falando. "Só preciso dizer para ele o quanto eu o amo e me desculpar. Desde que eu cheguei aqui, não consegui mais me aproximar dele. Como se todas as mentiras que eu tive que contar tivessem construído uma barreira entre nós e-"

Draco interrompeu sua autoflagelação, sabendo que aquilo não ajudaria em nada naquele momento.

"Você lutou por ele, para que ele ficasse protegido. Deu o necessário para que ele fosse uma criança com uma vida normal, como nós não tivemos."

Gina o escutou com uma perplexidade latente que aos poucos dava lugar à racionalidade.

Finalmente, um entendimento antes despercebido a invadiu com toda a força.

"Draco Malfoy!" Ela exclamou, já demonstrando um pouco mais da vivacidade de antes. "Você cruzou a Europa numa vassoura em um dia – chuvoso – para vir me consolar? Poderia ter feito um caminho mais seguro através das chaves de portais, mesmo que levasse mais tempo. E ido direto ao encontro do meu pai, dos meus irmãos, para preparar uma ofensiva."

"Não seria a primeira atitude irracional que você me faria cometer." Draco suspirou melancolicamente como um condenado que faz as pazes com seu destino. "Mas não vim aqui primeiroapenas para isso. Também vim te entregar uma coisa."

Ele vasculhou a capa ensopada e retirou uma espécie de estojo de couro de dragão, abrindo-o. De dentro dele, tirou o colar da sua mãe, entrelaçando os dedos longos e pálidos na corrente de prata, numa sinergia que tirou brevemente Gina do seu estupor. Ela tinha se esquecido de como o colar – ou a mão de Draco, ela não saberia dizer - era hipnotizante.

"Você deve se lembrar do colar das mulheres Malfoy." Draco sorriu maliciosamente. "Aquele que você roubou-"

"Eu não roubei!" Ela protestou fracamente, ainda olhando a joia.

"- e aquele que, diz a lenda, dá coragem para as mulheres da minha família." Ele continuou, como se ela não tivesse dito nada. "Estive guardando-o comigo esse tempo todo, para evitar que você o roubasse novamente."

"Já disse que não roubei!" Dessa vez ela repetiu com mais veemência e Draco sorriu vitorioso quando as bochechas dela ficaram vermelhas, combinando com a tonalidade do nariz arrebitado. "Só peguei emprestado. Um pouco."

Draco levantou uma sobrancelha para ela, mas resolveu ignorar a defesa questionável. Então, ergueu a mão em direção a ela, lhe entregando o colar. "É digno de ser usado pela mulher mais corajosa que eu conheço, ao lado da minha mãe."

Quando Gina não demonstrou reação além de olhar boquiaberta, Draco bufou impaciente e deu a volta até se posicionar atrás dela. Ele roçou as mãos geladas pelo pescoço de Gina ao fechar o colar em volta dele. Longe de incomodá-la, a sensação dos dedos frios sobre sua pele era reconfortante, como se ela estivesse... voltando para a casa.

"Você se lembra da aposta que fizemos, não é?" Gina fechou os olhos diante do toque, levando a mão até o colar e tocando-o levemente, ainda hesitante com tudo que estava acontecendo.

"Nunca me esqueci dela." A voz dele não traía nada, como sempre. Depois de um silêncio avassalador onde Draco pareceu debater internamente consigo mesmo, ele disse simplesmente: "Você ganhou."

Gina congelou onde estava.

Quanto você aposta que vai desejar estar casado comigo?, foi exatamente o que ela havia dito, mais de um ano atrás. Podia se lembrar das palavras como se ainda estivesse vivendo aquele momento.

Ainda atrás dela, ele passou a mão pelos cabelos vermelhos e os afastou, inclinando-se para beijar suavemente sua nuca. Gina abriu os olhos ainda abalada pelo gesto dele, mas permaneceu imóvel até que Draco a virou para ele, só para constatar que lágrimas ameaçavam brotar novamente dos olhos escuros.

"Não chore mais, Ginevra." Draco a abraçou sem jeito, impaciente. "Eu vim para enxugar suas lágrimas, não para fazer você chorar mais." Ele falou arrastado no ouvido dela, como se não soubesse o que fazer com aquelas lágrimas. "Nunca suportei ver você chorar, por mais que eu tenha me odiado por isso."

Praticamente colapsando naquele abraço, Gina pensava no que o gesto significava; era uma admissão, o mais perto de uma declaração de amor que Draco faria, ela tinha certeza.

Ele finalmente tinha lhe dado a confissão que ela tinha buscado por tanto tempo para se sentir segura. E tinha feito aquilo com uma delicadeza absurda que funcionou como um bálsamo em seu coração destroçado.

Gina sorriu abertamente pela primeira vez desde aquela manhã.

"Eu nunca desconfiaria que por baixo dessa fachada fria e impassível se escondia um homem tão sensível." Ela tentou brincar a despeito das lágrimas. "No fundo, você é um romântico, Draco Malfoy."

Draco ficou tenso diante da afirmação.

"Já não sei mais o que eu sou." Ele resmungou retomando um pouco do seu jeito pedante. "Mas o fato é que você está com o colar dos Malfoy e isso não deixa de me inquietar."

"Por quê?" Gina perguntou enrolando um dedo mecanicamente no colar.

"Nenhuma das minhas antepassadas o colocou no pescoço sem logo pensar em rebeliões e em poder. Minha mãe, usando isso," Ele apontou para a joia e roçou o dedo na pele de Gina no processo. "traiu o Lorde das Trevas embaixo do nariz de todos os Comensais."

"Se não fosse pela ousadia dela, certamente não estaríamos aqui." Gina murmurou, fechando os dedos ao redor da joia.

Draco concordou num movimento suave da cabeça. "E agora esse colar está com você… Merlin sabe o que vai fazer, como se necessitasse de uma dose adicional de coragem."

"Eu não sou tão corajosa quanto você pensa." Gina voltou a olhar para ele, buscando segurança mais uma vez. "Vivi com medo todos esses anos."

Timidamente, ele a puxou para mais perto, apoiando o rosto dele no topo da sua cabeça. Então, ponderando as palavras dela, ele sorriu sarcasticamente.

"Perdoe-me por não acreditar que você viveu com medo porque, se tivesse mesmo, sequer teria olhado na minha direção depois que nos reencontramos. Teria fugido." Ele murmurou contra o cabelo dela. "Eu te atormentava, ameaçava, ofendia e você sempre erguia a cabeça, como um maldito hipogrifo orgulhoso, sempre me olhando com esses olhos desafiadores."

"Na verdade..." Ela respondeu com um sorriso torto que, ainda que fosse triste, carregava uma dose de travessura que fazia com que Draco sentisse um friozinho na barriga. "Só fiquei mesmo porque queria te infernizar."

"Se te deixa satisfeita, conseguiu seu objetivo." Draco bufou baixinho. "Era bem exasperante, na verdade, mas, com o tempo, acho que comecei a… respeitar sua coragem. Eu comecei a criar expectativas, a pensar em quanto tempo você iria resistir antes de ceder. Depois da história da Romênia, percebi que eu não tinha mais escapatória e que estava... orgulhoso de ter você como minha esposa. Por isso você merece o colar."

Não havia palavras que Gina pudesse convocar para responder aquilo. Não havia palavras para expressar a intensidade do seu amor por aquele homem, nem o que ele significava para ela, apesar do mundo de diferenças entre eles. Então, sabendo que um gesto valia mais do que palavras, Gina enlaçou os braços ao redor do pescoço dele, como se ele fosse sua âncora para a realidade. Seu oásis naquele mundo carregado de dor e miséria.

Draco começou a dar pequenos beijos no rosto dela, que pareciam tímidos, desacostumados com gestos daquela natureza. Hesitou em beijá-la nos lábios como sempre e Gina suavemente procurou os seus.

Foi um beijo diferente daqueles que ela estava acostumada a trocar com ele. Não tinha urgência, agressividade, busca pela dominância ou provocação. Tinha uma simplicidade quase fresca.

Não era o tipo de beijo que começava pela paixão, pela emoção ou pela raiva. Era algo mais lento, uma experiência de aprendizagem – tanto para Gina quanto para Draco. E ele descobriu que tudo que sabia sobre beijar era um verdadeiro lixo. Todo o resto antes de Ginevra tinha sido somente lábios, línguas e murmúrios de palavras fúteis e vazias.

Magicamente, tudo pareceu se encaixar no seu devido lugar. Juntos, eles funcionavam perfeitamente como se tivessem se conhecido a vida inteira – e, de certa forma, tinham mesmo -, como se oito anos tivessem se dissolvido num simples toque. Era como se eles possuíssem dezessete anos mais uma vez, sem experiência na vida, quando na verdade eles tinham 25 – 26 no caso de Draco – com suas próprias histórias e bagagens.

Nada daquilo importava, contudo.

Era como se, depois de ambos terem passado por tanto sofrimento e tivessem sido marcados por infâncias destruídas, angústias, dor, perdas, eles finalmente trocavam naquele momento o beijo doce e quase ingênuo que deveria ter sido trocado tantos anos antes, depois do baile de Hogwarts, quando um havia entrado na vida do outro.

Draco a beijou como se estivesse reaprendendo coisas sobre ela, do que ela gostava, como gostava, pegando o que ela estava dando para ele e refletindo tudo para ela novamente. Foi tão doce que o coração dela quase doeu.

Quando as bocas se afastaram, ela levantou lentamente uma mão e a pousou no rosto dele. Seus dedos deslizaram suavemente tocando a linha da sua mandíbula e Draco fechou os olhos sentindo aquele toque, cobrindo a mão de Gina com a sua.

"Obrigada," ela sussurrou e um mundo de ideias estava contido naquela simples palavra. Draco assentiu, sem conseguir dizer nada.

Nesse exato instante, Aries murmurou alguma coisa no berço como se estivesse clamando a atenção dos pais para si, e então o momento havia passado.

"Preciso descer para ajudar a planejar a ofensiva. Tive que ameaçar metade da sua família para que me deixassem falar a sós com você." Draco deu um último aperto reconfortante na mão dela e se afastou, recompondo um pouco do costumeiro controle frio. "Mas antes, creio que seu filho esteja exigindo minha atenção." Ele se encaminhou para o berço do bebê.

No quarto já escuro, levou um momento para que os olhos de Draco se ajustassem, mas, quando o fizeram, ele observou seu filho e contou sua respiração, vendo seu pequeno peito subir e descer, cada movimento como uma benção pessoal.

Com os cachos dourados, a pele pálida e os grandes olhos cinzas, Aries encarava atentamente o pai com uma expectativa de adulto. Draco o pegou no colo, brincou com ele com as mãos e o balançou, mas o bebê não sorriu, como se estivesse magoado por ter sido abandonado pelo pai num longo período de um dia.

"Nunca tinha visto um bebê tão sério antes." Gina falou, contendo um sorriso. "Olha para todo mundo desse jeito intimidante quando tem algo que o incomoda. Parece alguém que eu conheço." Ela lançou um olhar venenoso a Draco.

Draco se limitou a sorrir arrogantemente.

"Simpatizo muito com a atitude dele." Ele se aproximou e estendeu a criança a ela. "Cuide dele por mim, por favor."

E ela não soube dizer se ele estava se referindo ao período em que ficaria com sua família planejando uma forma de recuperar James ou para quando ele partisse para a luta final com Voldemort.

"Vou cuidar, Draco. Ele é uma das duas coisas mais importantes para mim." O semblante dela escureceu repentinamente, permeado por dor e angústia mais uma vez. Ela apertou o bebê contra seu peito.

Draco assentiu quase que imperceptivelmente. "Você deveria descer para preparar a ofensiva também. A Gina Weasley que me chantageou de maneira tão sórdida jamais deixaria que planejassem o futuro dela sem que ela tivesse a última palavra sobre o assunto."

As palavras foram frias, mas podia-se notar a centelha de divertimento que havia por trás delas.

Gina estacou. Ver Draco lidando de maneira tão leve com a chantagem que ela havia feito, quase com humor – talvez com bons olhos - era a última coisa que ela acharia que iria ouvir naquele momento, mas, por mais sofrida e carregada de problemas que fosse, a vida era cheia de surpresas.

Ignorando a surpresa no rosto dela com um sorriso de escárnio, ele se inclinou educadamente para se despedir, girou nos calcanhares e vestiu a máscara que ele usava para lidar com o mundo.

Quando ele saiu, Gina sorriu ao pensar que o comensal intratável, mimado, perverso, que caçava a Resistência, que subjugava na base dos feitiços e concepções racistas, voara durante quase um dia inteiro, sob chuva e vento fortes, porque sentiu no coração o eco do sofrimento dela.

Mais uma vez, Draco Malfoy tinha salvado-a. Não especificamente a sua vida, nem a sua saúde.

Ele tinha salvado sua alma.

Colocando Aries delicadamente no berço, Gina soube o que tinha que fazer, mesmo que não conhecesse ainda os meios para atingir esse fim.

Já era mais do que tempo de sair daquele estupor que nublava seu raciocínio. Mais do que hora de recuperar seu filho.


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