Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 33
Livres nas Escolhas, Escravos das Consequências


Notas iniciais do capítulo

Queria ter tempo de fazer uma notinha decente, mas está TENSO por falta de tempo! Só pude terminar o capítulo rapidinho e puff, postar nos sites!

Bom, não tenho muito o que dizer além de me desculpar pela demora. Achei especialmente curioso o fato do capítulo ter ficado pronto essa semana; há exatamente dois anos eu publiquei o primeiro capítulo de 'Cinzas' e, desde então, tem sido maravilhoso.

Obrigada, obrigada, obrigada!

Entretanto, seja pela falta de resposta proporcional da maioria que lê ou pelos percalços da vida, escrevê-la já não é mais uma prioridade para mim. Isso não significa, contudo, que eu não tenha um carinho mais que especial por essa história – e por vocês que comentam e que estão ao meu lado. Só por vocês chegamos nesse ponto.

Dito isso, é sempre bom reforçar que, se você tem TRINTA minutos para ler o capítulo, você também tem DOIS minutos para escrever suas palavras. É um gesto de gentileza para retribuir algo que você obteve for free.

Acho que é isso! Aproveitem! =*



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33 – Livres nas Escolhas, Escravos das Consequências

Draco estava observando a paisagem.

Jamais ele admitiria que estava assustado por ficar no mesmo ambiente que dezenas de Weasley hostis. No mesmo ambiente que Ginevra. Então ele preferia dar uma desculpa e ficar do lado de fora, somente com o mar, areia e as pedras como companhia.

Torceu o nariz por causa do pensamento piegas.

Mais alguns dias naquele lugar e seus cabelos acabariam adquirindo uma irritante tonalidade vermelha e apareceriam sardas no seu nariz perfeito. Inconscientemente, ele puxou um punhado de fios platinados da testa só para ter certeza de que tudo ainda estava no seu devido lugar.

Quando percebeu o que estava fazendo, ele jogou os cabelos para trás num gesto irritado.

Ótimo, ele pensou zombando de si mesmo, na maior parte do tempo ou estou pensando que por alguma desgraça do universo posso me tornar um Weasley ou não paro de pensar nas palavras de Blaise e da minha mãe. Fantástico.

Os dois tinham insistido para que ele conversasse com Ginevra. Dissesse que-

Draco não sabia o que dizer. Claro, havia sentimentos – e ele colocou alguma dose de desprezo no pensamento -, mas também havia o fato de que ele – e também Ginevra – não sabiam o que fazer com aquilo. Não naquele cenário de merda em que viviam.

E, enquanto ele não pudesse ter certeza de como agir, decidiu que daria um tempo para que Ginevra e ele se adaptassem à nova situação. Se ele se mantivesse afastado por enquanto, ela poderia colocar suas idéias no lugar, decidir o que realmente queria.

Que altruísta, Draco, ele escarneceu se remexendo desconfortável com o pensamento. Ginevra tem o poder de despertar em mim os sentimentos mais inúteis.

O movimento fez sua atenção se voltar para o lugar onde estava. Sentado numa pedra sobre a areia, com os braços apoiados nas pernas flexionadas, Draco teve a impressão de que aquilo destruiria suas roupas – e Merlin sabia que ele não podia dispor do esplendor do seu guarda-roupa naquele momento-, mas era um sacrifício que valia a pena; o lugar era realmente bonito.

Ele se focou no horizonte, onde o azul do céu se fundia ao azul do mar. Queria tatuar a cor na retina, para se livrar daquele vermelho extravagante que insistia em persegui-lo.

Então, como se o universo estivesse zombando dele, com o canto de olho ele viu um longo cabelo - vermelho - se movimentar com o vento, enquanto sua dona - com as bochechas vermelhas - se aproximava com passos ágeis

Ia ficar louco, ele bufou diante do pensamento.

E a megera estava linda, com um vestido creme esvoaçante que o vento levantava para mostrar as pernas alvas e que despertavam tantas saudades nele. Ela se mesclava ao ambiente numa sinergia estranha, natural, como se ali, naquele lugar, ela estivesse pela primeira vez à vontade.

Obviamente, ela deve mesmo estar, cercada da família e do precioso Potter, Draco pensou contrariado. Teve que reter uma careta. Ele tentava dar um tempo saudável aos dois e ela tinha que esfregar sal nas suas feridas tão cedo?

Típico.

"Olá." Ginevra cumprimentou sorrindo e Draco teve vontade de azará-la pelo jeito que ele se sentiu aquecido com aquele sorriso. "Blaise acabou de ir embora; Rony o levará até Londres – se eles não se matarem antes de chegar lá, eu suponho." Descarada, ela se sentou ao seu lado. "Você se despediu dele?"

"Hm-hm." Foi tudo que ele disse sem tirar os olhos do horizonte e evitando se lembrar das palavras de Blaise.

Em um primeiro momento, Gina não disse nada e respeitou sua natureza monossilábica.

E, pela primeira vez na sua vida, Draco não ficava incomodado em dividir seu silêncio, seus preciosos momentos em que ele podia se entregar a si mesmo sem precisar ficar atento às palavras. E ele dividia aquilo com ela, num silêncio confortável que o deixava incrivelmente... tranquilo. Estranhamente, ela o fazia sentir como se não fosse ficar sozinho, nunca mais.

A sensação era tão incomum que ele se remexeu, inquieto.

Ginevra percebeu seu movimento e chegou um pouco mais perto; como se não bastasse invadir seus pensamentos, agora ela também precisava invadir seu círculo pessoal.

Maldita mulher!

"Como você sabia que Harry estava vivo?"

Certo, Draco pensou, ela conseguiu ficar quieta por cinco longos minutos. Acho que não posso exigir muito mais que isso.

"Não sabia." Ele retrucou sem hesitar.

"Você é um mentiroso, Draco Malfoy." Ela respondeu sem revelar nada na voz, seguindo o olhar dele e observando o horizonte.

"Aceito como um elogio." Draco grunhiu em resposta.

"Tente outra vez." Gina rebateu sem desviar sua atenção do mesmo ponto e Draco bufou audivelmente.

"Eu sei que ele foi à sua loja." Ele foi deliberadamente evasivo. Jamais admitiria que ele tinha ido buscá-la, que tinha ficado com saudades. "Ouvi uma parte da conversa de vocês."

Chega de sacrifícios.

"Você estava me espionando?!" Ela levantou a voz e virou bruscamente a cabeça para ele. Quando Draco se preparava para fazer sua defesa ofendida, ela o interrompeu respirando fundo. "Quer saber? Não importa mais, eu acho." Ela suspirou cansada. "Por que você não me contou?"

"Por que você não me contou?" Draco ecoou a pergunta, levantando uma sobrancelha para o horizonte.

"Eu ia te contar. Se você tivesse me dado a chance." Gina afirmou com veemência e ele pôde sentir a nota de repreensão na voz dela. "Se a situação tivesse dado uma chance." Ela completou, dessa vez com tristeza na voz.

Draco se limitou a dar de ombros. "Você tem algo para me dizer, Ginevra? Ou só veio aqui fora disputar o concurso de 'quem deveria ter contado a verdade primeiro'?"

"Sim, tenho." Gina respondeu sem preâmbulos, ignorando o comentário venenoso. "Acho que nunca te agradeci por ter me salvado tantas vezes." Draco assentiu sem olhar para ela e Gina continuou bravamente, com a voz mais suave dessa vez. "Por ter salvado meus irmãos. Mais de uma vez."

"Não foi nada." A resposta de Draco foi automática e distante, fruto da polidez fria que fora incutida nele durante sua criação.

"Para você, talvez." Ela sussurrou gentilmente. "Para mim, foi tudo."

Desacostumado com agradecimentos, Draco se limitou a balançar a cabeça com medo que as palavras lhe traíssem.

"E há mais." Gina prosseguiu com a voz doce quando percebeu que Draco se manteria em silêncio. "Me perdoa?"

"Pelo quê, dessa vez?" Ele levantou uma sobrancelha por força do hábito, não particularmente interessado no que ela tinha a dizer. Pedidos de perdão não os tirariam daquela situação, tampouco devolveriam sua paz.

"Pela chantagem, pelo casamento, por tudo que eu te forcei a fazer…" Gina disse e abaixou os olhos, levemente envergonhada.

"Achei que você já tivesse pedido perdão por isso, quando nos casamos." Ele respondeu sem pensar – mais um costume negativo que ela fazia aflorar nele - e se virou para ela a tempo de ver o rubor se espalhando pelo rosto sardento.

Draco a analisou de forma calculista.

Está sem lembrando da ocasião em que você pediu perdão pela primeira vez, Ginevra?, ele pensou com certo cinismo, mas preferiu guardar a pergunta para si. Se lembrando de como foi parar na minha cama?

Draco a observou através de olhos semicerrados, buscando um indício para confirmar se a reação era devido à timidez por lembrar daquela noite ou por arrependimento por ter ido para cama com ele quando Potter ainda estava vivo. Não chegou à conclusão nenhuma e isso o deixou mais irritado.

"Perdão nunca é demais, eu acho." Gina deu de ombros, ainda levemente corada. Ela suspirou para tomar coragem, antes de continuar. "Por que você está agindo dessa maneira, Draco? Eu sei que as coisas não estão saindo bem como você gostaria, mas talvez-"

Porque estou com medo que você me abandone, foi o primeiro pensamento que passou pela cabeça de Draco, mas ele fez questão de escondê-lo minuciosamente sob a pilha dos 'pensamentos indesejados'.

"De qual maneira?" Ele a interrompeu, voltando a olhar o horizonte. "Não há nada de excepcional no meu comportamento, Ginevra. Estou agindo do jeito que sempre agi."

"Não foi isso que quis dizer." Ela balançou a mão exasperada. "Está tão distante de mim…"

Ele sorriu sem humor. "Por que eu te trataria diferente do que faço com qualquer outra pessoa?"

Gina se empertigou e Draco viu as orelhas dela ficarem vermelhas. Ela estava ficando com raiva.

Com raiva eu posso lidar. O pensamento lhe deu o incentivo para continuar despejando suas frustações sobre ela.

"Você está com a sua família e não tem mais necessidade de ficar perto de mim. Aliás, é até melhor; eles não estão muito felizes com a minha presença aqui."

"Eles deixaram você livre, não é?" Vencida pelo gênio, Gina cruzou os braços sobre o peito numa clara atitude de 'está reclamando do quê?''

"Livre...?" Draco zombou com uma careta de nojo. "Não tenho mais que andar acorrentado ao seu irmão, você quer dizer? À parte disso, eu sempre vou continuar sendo aquele que só se importa consigo mesmo, que está aqui contra a vontade, que só entrou nessa situação porque fez um voto perpétuo."

"Isso é verdade?" Gina perguntou mais calma – e um tanto mais esperançosa - olhando-o daquele jeito que ele detestava. "Quer dizer, no começo com certeza era, mas agora... Você nos entregaria para Você-Sabe-Quem, se não fosse se sacrificar se fizesse isso?"

Draco a olhou fixamente por um momento, pensando no que ele deveria -queria - dizer. "Não há resposta boa o suficiente para isso, Ginevra. Se eu responder que não, você vai acabar achando que é uma mentira. Se eu responder que sim, você vai entender isso como uma ameaça e ficar com raiva. No fim, vamos acabar brigando seja qual for a minha resposta."

Aquilo não era o que Gina queria ouvir e ele viu quando ela começou a morder o lábio, num gesto que fazia sempre quando tinha algo incomodando-a. Draco se preparou para a explosão que viria, porque certamente viria alguma coisa ruim e-

"Você está com ciúmes de Harry." Gina tomou coragem para verbalizar a hipótese que Blaise havia colocado na sua mente e Draco se sobressaltou tamanho o choque que as palavras dela causaram.

Depois de um segundo, ele se obrigou a soltar a respiração que nem tinha percebido que estivera segurando. "Você se superestima, Weasley."

"E você foge da discussão, Malfoy." Gina retrucou no mesmo tom entediado que ele havia usado e Draco se surpreendeu com a facilidade que ela copiava os trejeitos das pessoas. "Está, não está?"

"O que você acha?" Draco perguntou, fugindo estrategicamente da necessidade de uma resposta direta.

"Acho que você – e talvez eu também – nem saiba o que está acontecendo entre nós. Acho que você está sendo infantil, por fugir dessa conversa, por não querer entender seus próprios sentimentos. E acho que, quando nós resolvermos todos esses pontos, Harry não será mais um problema."

Draco estava decidindo a não responder aquelas sandices, mas as palavras saíram antes que ele pudesse contê-las. "Não é só o Potter, Ginevra. Ele é só a ponta feia e irritante de um iceberg. Você diz que eu fujo e que não quero entender o que eu sinto, quando na verdade o problema maior é o que fazer com o que eu sinto."

Gina sorriu, deixando escapar sua satisfação ao ouvir algo parecido com uma admissão saindo da boca dele. "As pessoas podem simplesmente fazer o que os seus sentimentos mandam."

"Quando a razão diz exatamente o oposto?" Draco perguntou cinicamente, penetrando-a com seu olhar de gelo.

Gina ignorou o escárnio dele. "O que a razão sabe das nossas emoções?"

Draco suspirou entediado diante do cliché – tão ordinário, tão vulgar, tão... Weasley. Ele engoliu em seco diante do pensamento e tentou explicar de forma que ela entendesse.

"Ela sabe o que eu sou e o que você é. Sabe que sempre vai haver essa sombra entre nós. Uma sombra carregada de um ódio alimentado por anos, desde que nascemos. Talvez desde antes de nós nascermos."

"Você não pareceu se importar com isso quando estávamos vivendo na Mansão Malfoy." Gina cruzou os braços mais uma vez, decidida a não ceder.

"Éramos só eu e você, podíamos fingir que nada disso importava, que os nossos lados não importavam. Mas agora, aqui..." Draco fez um gesto que abarcava a casa desproporcional. "É muito diferente, tendo sua família - e pior - suas ideologias convivendo conosco."

"Mesmo sendo perseguido por Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, mesmo sendo um pária, mesmo com todas as costas dos seus 'amigos' viradas para você." Gina fez aspas no ar para indicar o que pensava daqueles que partilhavam o círculo de convivência de Draco. "Você ainda vai insistir nessas diferenças ideológicas entre a gente?"

"Se você acha que elas não são importantes entre nós dois ou que não tem papel crucial na determinação de quem somos – de quem sempre seremos, na verdade -, você não é só uma idealista ignorante, como eu havia pensado." As palavras arrastadas de Draco carregavam uma inegável dose de desprezo condescendente que teria feito Gina se encolher se ela não estivesse com raiva. "É simplesmente uma tola."

"Você ainda é cegamente fiel a Você-Sabe-Quem." Gina murmurou não querendo acreditar no que a lógica estava dizendo a ela. A raiva tinha dado lugar à decepção.

Tamanho era o desprezo que a voz dela carregava que Draco sentiu como se tivesse sido esbofeteado. Ele ficou em silêncio por um momento, mas, quando falou, sua voz veio carregada de uma camada de gelo que teria congelado um dragão. "Com exceção da época que eu tinha dezesseis anos e era um idiota inocente, eu nunca fui cegamente fiel ao Lorde das Trevas."

Daquela vez, Gina não se sentiu imune à frieza e soube instantaneamente que tinha cruzado uma linha perigosa. Draco havia sofrido com o domínio de Voldemort, assim como ela e sua família. A diferença, é claro, estava na maneira que todos escolheram para sobreviver, as armas que poderiam usar para não desistir. E Gina havia aprendido que essa escolha não desqualificava qualquer um dos lados.

"Draco, me desculpe, eu não deveria-"

"Isso não significa que eu seja como vocês." Ele interrompeu friamente o discurso gaguejado de desculpas dela. "Eu não luto pelas suas causas, sequer me importo com elas."

E era verdade. Ele não acreditava na miscigenação, na pluralidade, no desprezo pelo poder do dinheiro, na vulgaridade com o qual Ginevra e sua trupe pareciam tratar o mundo.

"Você se recusa antes mesmo de tentar." Gina disse com convicção, preferindo ignorar os preconceitos dele. "Nós temos uma chance, Draco, eu sei disso. Eu sinto isso. Você só tem que se abrir para o que sente, para... nós."

"Certo, vamos fazer como você quer. Como sempre." Draco suspirou se focando novamente nela e Gina se permitiu sorrir fracamente. Entretanto, a alegria foi muito breve e, quando Gina entendeu onde ele queria chegar, sentiu seu estômago afundar pela expectativa e pela frustração. "Mas só vai ter um mínimo de chance de funcionar se não houver nada dessa maldita guerra envolvido ou quaisquer influências, seja da sua família, seja do Lorde das Trevas, de tudo."

Inconscientemente, Gina torceu as mãos sobre o colo. Um lado do seu subconsciente ficou subitamente feliz com aquela tentativa da parte dele e queria desesperadamente aceitar qualquer condição. Outro lado, contudo, viu aquela reação com desprezo, julgou sua felicidade como egoísmo. Como ela poderia pensar em abandonar sua família num momento como aquele? Que direito ela tinha de privar James da convivência com o pai, quando já tinha feito tal coisa por tantos anos?

Ele perscrutou o rosto dela mais uma vez, ansiando pela resposta - por uma resposta positiva, se fosse sincero consigo mesmo para admitir. Nem se deu conta de que estava prendendo a respiração até que se obrigou a exalar o conteúdo dos seus pulmões em nome da aparência indiferente.

Quando Gina não respondeu nada, Draco suspirou resignado.

A relutância em escolher já era a própria escolha.

"Acho melhor você voltar." Ele disse depois de uns instantes em silêncio, desviando o olhar do dela e apontando para a casa.

Gina passou a mão nervosamente pelo cabelo.

"Draco, não precisa ser assim. Não tem que ser assim!" Ela se aproximou ainda mais, virando suavemente o rosto dele em direção a ela e encostando sua testa na dele. Os narizes encostaram um no outro e as respirações dos dois se misturaram no ar. "Nada precisa mudar."

Draco queria afastá-la. Queria mesmo. Não queria olhar dentro dos olhos chocolates, ver que eles estavam brilhando com uma esperança que ele não sabia ao certo de onde via. Não queria sentir o hálito dela na sua bochecha… Ele quase fechou os olhos, rendido.

Quando ela roçou os lábios nos dele, num convite mudo e quase irrecusável, ele precisou de todo o esforço do mundo para não deitá-la na areia e esquecer que o mundo existia dentro dela.

Draco grunhiu um som primitivo que mesclava necessidade e frustração em igual proporção.

Seu primeiro pensamento racional foi mandá-la para o inferno, dizer que ela deveria seguir com suas decisões, mas, contra todos os avisos do seu bom senso, tudo que ele fez foi passar a mão levemente pelo braço dela numa carícia suave.

Ele a puxou para mais perto, aprofundando um beijo que o corpo dele tanto necessitava. Era um beijo violento, que falava de necessidade e de raiva, que extravasava toda a aflição, frustração e desespero que ele estava sentindo nos últimos dias, desde que descobrira que Potter estava vivo, desde que sua vida tinha virado de ponta cabeça.

Havia algo nos roçar dos lábios, na maneira com a qual ele podia ouvir e sentir o fôlego dela ao mesmo tempo. Algo na forma que ela se encaixava perfeitamente nos seus braços e na forma que ele estava tão perto que podia ouvir o coração dela batendo sob o suave tecido do vestido. Havia algo no fato de que ele sabia que era ela, e somente ela, que desejava. Algo que o assustava e o aquecia.

Quando se separaram, Draco engoliu em seco e Gina sorriu timidamente, ainda com as testas unidas.

"Ginevra..." Ele começou, resistindo a vontade de beijá-la novamente e insistindo no seu ponto mais diretamente dessa vez. "Vamos fugir."

A afirmação foi feita em tom de pergunta e Draco se odiou momentaneamente por aquilo.

A ideia era convencer, não pedir permissão!, ele pensou irritado consigo mesmo.

"Fugir...?" Ela descolou sua testa da dele, como se não tivesse ouvido direito. "Para onde?"

"Para qualquer lugar que seja longe desse suplício de guerra." Ele se empolgou com a ideia, querendo contagiá-la também. "Para um lugar onde a gente possa recomeçar, sem profecias e bruxos lunáticos nos nossos calcanhares... Para um lugar onde Aries possa crescer sem medo. Como nós não conseguimos crescer."

"Draco, eu-"

"Nós podemos ir hoje mesmo." Ele cortou sua frase, inconscientemente não querendo ouvir o que ela tinha para dizer. "Se qualquer um dos seus infinitos irmãos conseguir uma Chave de Portal para fora da Inglaterra, já será o suficiente: minha família tem contas em outros países, longe da influência do Lorde das Trevas. Só teríamos que pegar minha mãe, os meninos e-"

"Fugir por quê?" Gina o interrompeu suavemente.

Draco fez um esforço monumental para não rolar os olhos. Já não tinha dado razões suficientes?

"Porque estamos vivendo num inferno! E porque precisamos ir para um lugar seguro, nos proteger. Sabe, eu achei que essa fosse a ideia da coisa toda que fez com que chegássemos nesse ponto." Ele apontou para si mesmo e depois para ela, na sequência. "Proteção."

"Só por isso?"

Naquele instante, Draco teve certeza que o cérebro das mulheres era o órgão mais estranho e incompreensível e que nenhum homem deveria se atrever a tentar entendê-lo.

"?! Merlin! Você virou minha vida do avesso por proteção. Me fez casar com você, trair o Ministério e-" Draco respirou fundo para recuperar a paciência. "Certo, o que você quer que eu diga?"

"O que você sente, para começar." Gina olhou dentro dos olhos dele, como se buscasse a resposta para suas perguntas. "Por que quer fugir comigo? Por que quer recomeçar ao meu lado?"

Porque eu te amo.

Draco se apavorou com o pensamento inoportuno e preferiu a resposta mais fácil. Uma meia verdade.

"Droga, Gina." Ele sibilou raivosamente. Era a primeira vez que ele usava aquele apelido ridículo, mas mal registrou o fato. "Porque eu estou com medo!"

Medo de Voldemort, mas, principalmente, medo de te perder, sua idiota cabeça de vento, ele pensou no limite da sua paciência.

Não era o que ela queria ouvir, mais uma vez. Draco soube disso assim que as palavras saíram da sua boca.

Ela queria que ele dissesse que a amava?, Draco se desesperou sem saber o que dizer. Que bem aquilo poderia trazer aos dois naquele momento?

Gina balançou a cabeça graciosamente. "Acho que isso não é suficiente, Draco."

Draco se sentiu ultrajado. Não era suficiente? Ele acabara de dizer que queria ficar com ela, construir uma nova vida ao lado dela e… Ele não sabia mais o que pensar.

"Eu fugi uma vez daqueles que eu amava, em busca de proteção, de paz. Eu não me arrependo sob hipótese alguma, porque me trouxe tantas coisas... Mas me fez perder uma infinidade de outras e agora tenho a chance de recuperar todas elas. Eu só deixaria o amor da minha família por algo tão grande e forte quanto..."

Pelo seu amor.

A frase dela ficou no ar, esperando por ele.

Mas as palavras ficaram presas na sua garganta.

E ela esperou.

E ele hesitou.

Ela esperou.

Ele recuou.

Então Gina se levantou, espanou a areia do vestido e se preparou para partir, com uma expressão que ele nunca tinha visto antes no rosto dela: um terço triste, um terço irritada, um terço cansada.

"Você não quer fugir por causa dele." Draco disse repentinamente, sem olhar para ela. Ainda que ele não quisesse que a frase saísse tão carregada de ciúmes, gostou do efeito que teve nela. Ginevra quase se encolheu como se tivesse sido estapeada; ele queria machucá-la, do mesmo jeito que estava se sentindo machucado.

"Isso não é justo," Ela sussurrou, ainda visivelmente atingida pelas palavras dele.

"Justiça, Ginevra," Ele frisou a palavra com desdém e impiedosamente. "É um luxo para muito poucos."

Gina se empertigou, retomando sua postura desafiadora.

"Quando se deu conta do que sentia, Harry nunca teve medo de contar para mim." Ela respondeu e, pela primeira vez, Draco não pôde perscrutar nada do que se passava com ela.

Com isso, ela seguiu em direção a casa, sem olhar para trás nenhuma vez.

Ela tinha feito sua escolha, Draco pensou e fechou os olhos num gesto instintivo que fazia desde criança, como se, ao não ver o mundo, o mundo também não seria capaz de vê-lo.

***

Gina apertou o passo se afastando da praia. Uma lágrima atrevida escorreu pela sua bochecha e ela a secou com as costas das mãos, num gesto cheio de raiva.

Como você é um grande idiota, Draco Malfoy!, Ela pensou freneticamente. Grande, estúpido e absolutamente idiota.

Alguma parte racional da mente dela dizia que ter reagido de forma hesitante ao convite dele - sem dar maiores explicações - também não tinha sido uma das suas atitudes mais nobres, mas Gina não deu atenção a ela, preferindo focar sua atenção em falar mal de Draco como podia.

Até mesmo ela podia perceber que havia alguma coisa ali, que finalmente Draco tinha demonstrado algo do que sentia, algo relacionado a ela, mas Gina precisava desesperadamente ouvir aquilo dele. Saber claramente o que ele sentia, saber que ela não estava sozinha naquele amontoado de sentimentos loucos que a assolava nos últimos meses.

Precisava estar segura para pensar em deixar sua família, deixar a convivência com eles. Já tinha deixado aqueles que amava para trás uma vez e tinha sido tão doloroso, tão desolador… Ela não os abandonaria novamente por sentimentos subentendidos, desejos deixados nas entrelinhas e promessas do que poderia acontecer.

Segura, ao lado de Draco Malfoy? Uma vozinha na sua cabeça zombou e Gina suspirou. Por que tudo tinha que ser tão difícil? Por que eles tinham que tornar as coisas tão difíceis?

Queria se afastar de tudo e se isolar em algum lugar para pensar, mas logo suas expectativas foram frustradas quando viu Harry vindo em sua direção.

Ela parou e fechou os olhos cansada. Num só dia, teria que lidar com Blaise Zabini, Harry Potter e Draco Malfoy. Achou que estava no seu legítimo direito simular um desmaio e passar os próximos seis meses trancada no quarto, mas desistiu na sequência. Não era hora para aquilo.

"Olá, Gin." Ele sorriu para ela e acenou amigavelmente. "Te procurei em todos os lugares, mas não encontrei. Esse lugar é bem louco." Ele apontou para a construção monstruosa que antes tinha possuído a simplicidade do Chalé das Conchas.

"Acho que construir casas proporcionais nunca foi um talento natural dos Weasley." Gina sorriu fracamente em resposta. "Você disse que queria falar comigo?"

"Erm, sim, mas não só com você." Harry tomou um ar um pouco mais sério antes de completar. "Se incomoda de caminhar comigo até o jardim de Fleur?"

Ela negou com a cabeça e eles se encaminharam para o pequeno e aconchegante jardim.

"Tantas coisas aconteceram e eu não tive tempo de falar com você, de te pedir perdão." Gina disse gentilmente. "Acho que hoje é meu dia de pedir desculpas para as pessoas. Ainda há algumas pessoas na lista." Seu tom foi descontraído, quase divertido, mas por dentro Gina pensava nos seus pais e em Narcissa, na necessidade quase sufocante de se desculpar com eles também.

"Gin, não seja tão rigorosa assim. Você-"

Gina sorriu, mas interrompeu Harry quando ele fez menção de protestar diante da afirmação dela. "Eu não tinha o direito de usar suas memórias, ainda mais para fazer chantagens. Foi inescrupuloso."

"Você fez isso para proteger nosso filho, então só posso agradecer." Harry tentou dar um sorriso, que morreu quando se lembrou das consequências daquela chantagem. Do envolvimento dela com Draco, para começar.

"Sinto muito por elas terem sido destruídas também." Gina comentou levemente envergonhada.

Harry deu de ombros. "A Sra. Malfoy me procurou hoje pela manhã e me entregou as memórias que ela tinha dos nossos encontros." Ele comentou pensativo e Gina arregalou os olhos espantada. "Ela disse que não precisava mais delas e que não queria se lembrar do que havia acontecido."

"Isso foi realmente inesperado." Gina afirmou pensativa. Narcissa Malfoy era sempre uma fonte de surpresa para todos.

"Nem me fale." Harry concordou, ainda um pouco chocado com a atitude da mãe de Draco. "E ainda há mais: ela disse que somente eu possuía o direito de tê-las e mais ninguém. Que era uma questão de justiça."

Harry balançou a cabeça como se de repente o mundo tivesse saído dos eixos e Gina assobiou admirado.

"Então agora eu sei o que aconteceu, graças a ela." Harry continuou depois de alguns instantes de um silêncio surpreso. "Uma mulher e tanto, não é?"

"Eu nem imaginava o quanto." Gina respondeu se lembrando de todas as surpresas e nuances que o caráter da sua sogra lhe trouxe nos últimos meses.

Chegaram ao jardim onde flores e plantas eram dispostas de maneira harmoniosa, no único local com aquela simetria no Chalé das Conchas. Encontraram James sentado num banco ao lado de Fleur, fingindo que ouvia a francesa que falava animadamente, com um bebê quase da idade de Aries no colo. Gina não pôde evitar sorrir para o sobrinho, mesmo que seu coração tivesse se apertado diante da visão de James, tão abatido.

"Eu pedi que Fleur trouxesse ele aqui, para conversarmos." Harry sussurrou para ela. "Nós três."

Sentindo a aproximação dos dois, Fleur se levantou e deu um beijo de despedida em James, acenou para Harry e Gina e seguiu de volta para a casa, levando o pequeno Dominique consigo, que balbuciava animadamente.

Gina sorriu mais abertamente pensando que, definitivamente, os homens ainda eram maioria naquela família.

Ela se sentou de um lado de James, passando os braços por cima do ombro do garoto que, por sua vez, não se mexeu. Harry sentou do outro lado e um silêncio estranho se instalou entre eles.

"Ele é meu pai, não é?" James perguntou sem olhar para Gina, quebrando o silêncio ensurdecedor.

Gina fechou os olhos. Achou que estaria pronta para aquilo, para confessar que tinha mentido, escondido tantas coisas do filho. Mas não estava.

Contudo, não havia mais escolhas para ela.

"Sim, querido."

"Meu nome é Harry Potter." Harry disse e pousou suavemente a mão no joelho do menino que tremeu diante do contato, mas não se afastou. "Nunca imaginei que teria um filho, ainda mais um corajoso como você. Estou muito feliz por te conhecer, James."

"Como você sabe se sou corajoso mesmo?" James perguntou cheio de descrença.

"Você foi trazido para um lugar que não conhecia, cheio de pessoas que podem parecer hostis e estranhas, sem saber ao certo a razão. Parece bem assustador para mim." Harry argumentou com simpatia. "E não vi você demonstrar medo nenhuma vez, muito pelo contrário."

Ainda sem aceitar totalmente as palavras, James se remexeu inquieto.

"Potter..." O menino experimentou o nome – o seu nome de verdade -, como se estivesse tentando se acostumar com a sonoridade dele. Ele levantou os olhos para o pai pela primeira vez e Gina pode ver as marcas roxas de cansaço e tristeza embaixo dos olhinhos verdes. "Onde você estava? Eu pensei que estávamos sozinhos… É ruim imaginar que a gente não tem ninguém."

Gina suspirou… James havia sido privado de uma família e ela só conseguia medir a dimensão daquilo naquele momento. Apertou mais o menino contra si, que se manteve imóvel, distante dela.

"Eu sei como é difícil, filho." Harry também experimentou o gosto da palavra na boca pela primeira vez e Gina sentiu seus olhos arderem com lágrimas contidas, sabendo que ele se referia a própria infância, quando Harry não tivera ninguém. "Eu estava... incapacitado de ir atrás de vocês." Ele hesitou diante da palavra, como se não tivesse achado outra melhor ou tivesse vergonha de explicar que, em parte, aquele afastamento tinha sido culpa dele também. "Mas sempre há pessoas que cuidam da gente, às vezes de um jeito que não estamos acostumados ou desejamos. Mas a verdade é que elas estão sempre lá, junto conosco. Como sua mãe, por exemplo."

James fez um som que se assemelharia muito ao um fungar desdenhoso que era tão incomum nele e Gina se encolheu.

"Como Della." O menino disse depois de uns instantes.

"É, como Della." Harry concordou.

Pela primeira vez, James se virou completamente para Harry.

"Tio Rony disse que você também tinha um elfo, que morreu tentando te salvar." Ele pareceu ponderar por um minuto, antes de apontar para o próprio coração. "Isso passa?"

Harry automaticamente entendeu a referência à dor que o menino estava sentindo.

"Não completamente." Ele respondeu com sinceridade dolorida. "Mas, com o tempo, a dor fica menor e dá espaço para outras coisas, como as lembranças boas."

"Tio Jord... Tio Jorge," James se corrigiu automaticamente e Gina viu como ele tinha olhado para ela de relance, com um brilho de acusação no olhar por ela ter mentindo sobre o nome de Jorge, no que pareciam séculos atrás. "me disse mais ou menos isso. Acha que ele perdeu alguém também?"

"Todos nós perdemos." Gina respondeu antes que Harry pudesse fazê-lo, mais para si mesma do que para eles.

Ainda doía tanto pensar em Fred...

Depois de alguns minutos onde os três passaram imersos nos próprios pensamentos, James se levantou, saindo do abraço de Gina e olhando para Harry. "Acho que eu gosto de você. Sabe jogar quadribol?"

Harry deu um sorriso maroto. "Um pouco, mas devo estar enferrujado. Você gostaria de praticar comigo?"

O sorriso do garoto se iluminou pela primeira vez desde a morte de Della.

"É claro! O Sr. Malfoy me ensinou a voar, você vai ver!" James disse e Gina agradeceu Harry mentalmente quando ele não deixou transparecer para o menino o desagrado que com certeza estava sentindo.

Entretanto, rapidamente o sorriso morreu quando seu filho pareceu se lembrar de algo. "Mas promete que não vai mentir para mim? Eu acho que-" Ele tomou coragem, erguendo o nariz arrebitado, como a própria Gina fazia. "-que não gosto muito quando me contam mentiras."

Se era possível, Gina se encolheu ainda mais.

"Prometo, James." Harry falou e ofereceu a mão para o menino como se eles estivessem fazendo um acordo. "Eu não devo contar mentiras."

James a apertou com ar de adulto e sorriu levemente.

"E como prova da minha confiança em você, tenho algo para te mostrar." Com um gesto suave da varinha, Harry parecia ter conjurado algo. Gina e James olharam atentamente, não encontrando nenhum objeto. Então Harry passou a mão pelo colo, levantando algo entre as mãos. Algo leve, fluído, macio. Algo invisível.

A Capa da Invisibilidade!, Gina pensou franzindo a testa. Havia necessidade de mostrar a capa para James, naquele momento?

"O que é isso?" James perguntou passando a mão na capa e vencido pela curiosidade.

"É uma capa da invisibilidade. Vem passando por gerações e gerações da minha família." Harry jogou a capa por cima dos ombros do menino, que só ficou com a cabeça visível. James deu um gritinho de contentamento olhando para si mesmo. "Gostou?"

"Demais!" James se empolgou totalmente fascinado pelo artefato mágico. "Então ela vai ser minha algum dia!?"

"No momento certo." Harry sorriu, retirando a capa dos ombros do filho. "Até lá, podemos usar juntos para ter livre acesso à cozinha da sua avó antes do jantar. O que acha de alguns bolinhos de caldeirão agora?"

James acenou a cabeça vigorosamente, animado com a idéia. Na sequência pareceu se lembrar dos bolinhos de caldeirão de Della e murchou visivelmente.

"Outro dia, eu acho." Ele mudou de opinião, cabisbaixo.

Harry assentiu, respeitando a vontade do filho. James acenou para se despedir dele com um sorriso triste, ainda ignorando Gina.

Com isso ele seguiu para a casa, ainda contagiado pelo luto pela sua amiga.

A reação de James desviou a atenção de Gina de todos os comportamentos que a utilização da capa poderiam causar.

"Ele vai superar, Gin." Harry se aproximou dela no banco e segurou na sua mão de maneira reconfortante. "Só precisa de um tempo."

Era evidente que a relação entre Gina e James tinha sido abalada, até mesmo para Harry, que mal conhecia o filho. Gina se limitou a olhar para as flores à sua frente, suspirando.

"Pensando bem, eu também preciso de um tempo..." Harry continuou, dando um sorriso triste antes de completar baixinho. "Ter um filho que vê no Malfoy a figura mais próxima de um pai me deixa um pouco… confuso."

Gina assentiu; teve medo de que se dissesse qualquer coisa, iria se desmanchar em lágrimas. Toda aquela situação com Draco, com James e com sua família estava deixando-a prestes a ter um ataque de nervos.

"Eu sinto muito por ter te envolvido nisso tudo." Harry disse pesaroso. "A profecia de que Malfoy falou-"

"Não tínhamos como saber, Harry." Gina o interrompeu, fungando para não chorar. "E mesmo se eu soubesse, não teria evitado conceber James. Ele é uma das duas coisas mais preciosas que eu tenho."

Harry sorriu.

"Prometo que vou resolver isso. Proteger nosso filho…" Ele virou o rosto de Gina para si, passando o polegar pela bochecha riscada por uma lágrima que tinha escorrido do olho dela. "Proteger você."

"Eu acredito." Ela abaixou o olhar e pousou a mão gentilmente na mão dele. Queria ir procurar James e esclarecer tudo que ele quisesse saber, destruir qualquer segredo que ainda pudesse haver entre eles, mas Harry foi mais rápido.

Ele aproximou o rosto do dela e seus lábios tocaram nos de Gina.

Ela enrijeceu subitamente. No instante seguinte, não soube se foi a raiva que estava sentindo de Draco, a necessidade esmagadora por contato e apoio ou se tinha sido simplesmente alguma parte dela que ainda se perguntava 'e se a situação com Harry tivesse sido outra?', mas a verdade era que ela simplesmente cedeu, permitindo que a língua dele se envolvesse na sua e seu corpo se deixou levar até os braços dele.

Foi doce. A Gina Weasley dentro dela sorriu meigamente, se lembrando nas tardes nos jardins de Hogwarts, das brincadeiras em volta do lago, da noite nos dormitórios da Lufa-lufa.

Entretanto, aquilo não agradou a Ginevra Malfoy.

Ela não queria, mas inevitavelmente seu corpo traiçoeiro fez as comparações indevidas: O beijo de Harry era como uma brisa leve batendo no rosto, refrescante, bem-vinda, reconfortante.

Mas não era suficiente, porque ela já havia experimentado a tempestade tumultuosa do beijo de Draco; beijos desesperados, possessivos, devastadores, que a deixavam sem fôlego, rendida. Que sempre a deixavam querendo mais.

Gina fechou os olhos contendo o pensamento, mas não sabia se aquilo tinha ajudado. Pensar em Draco sem estar perto dele só fazia a necessidade que sentia por ele muito mais envolvente, muito mais visceral.

Ia além de uma questão puramente física. Era quase como se, antes, não houvesse nada.

Gina não estava simplesmente apaixonada. Ela o amava.

E constatar aquilo beijando Harry quase fez com que ela risse de desespero.

Se afastou gentilmente quebrando o beijo e Harry pareceu levemente confuso.

"Acho que estou enferrujado com relação a isso também." Ele comentou interpretando erroneamente a reação de Gina e sorrindo gentilmente.

Gina retirou a mão dele que estava no seu rosto e a segurou carinhosamente. "Não, Harry," Foi a vez dela sorrir. "Você – e seu beijo – continuam tão bons quanto antes. Acho que quem acabou mudando fui eu."

A expressão de Harry ficou sombria automaticamente quando ele entendeu as implicações do que ela queria dizer.

"Não me diga que isso tem a ver com o Malfoy, Gina." Ele se encostou no banco como se buscasse apoio adicional e tirou os cabelos negros do rosto. "Não faz o menor sentido. Você - ele - juntos."

"E desde quando sentimentos são guiados pela razão?" Ela perguntou e se entristeceu ao se lembrar da conversa com Draco, de como ele havia desprezado tudo que não podia racionalizar.

E, naquele momento de mágoa, Gina desejou fazer o mesmo, controlar suas emoções e arrancar Draco da sua alma.

Queria poder ter continuado amando Harry, sabendo que assim tudo seria tão mais fácil... Draco e ela estariam livres, longe das convenções de um casamento feito pelas razões erradas. Poderiam enfim seguir caminhos separados, pondo uma pedra em cima daqueles tempos.

Mas, desde muito cedo, Gina aprendeu que quase nunca tinha aquilo que queria.

Estava irremediavelmente presa a Draco Malfoy e não por questões legais.

Harry não respondeu a pergunta dela, preferindo uma abordagem diferente.

"Eu vi o jeito que ele te trata, todo mundo viu. Achamos que era tudo... fachada."

Gina quase rolou os olhos. A família dela e Harry continuavam preferindo acreditar no que era mais fácil, no que era mais aceitável.

"Harry, eu não fiz Aries com o dedo." Gina atestou friamente, não se importando com a brutalidade da afirmação. "Onde você acha que está a encenação nisso?"

Harry enrubesceu levemente. "Você entendeu o que eu quis dizer. Eu pensei que... que agora que eu voltei e você está com a sua família, protegida, nós poderíamos ficar juntos..." Ele abaixou o olhar, mirando seu colo. "Eu achei que você me esperaria."

E a frase saiu num misto de vergonha, mágoa e comiseração que Gina achou bem injusta.

Talvez justiça seja mesmo um luxo para poucos, ela pensou triste.

"Harry, eu nem sequer sabia que você estava vivo..." Ela disse em tom de desculpa e Harry se sentiu culpado porque, em partes, ele tinha escolhido se isolar dentro de si mesmo, se afastando de Gina no processo. "E então Draco apareceu..."

Ele fez uma mais uma tentativa, não querendo ouvir nada sobre Malfoy, sobre o que tinha acontecido com eles naquele último ano e meio.

"Nós podemos fazer isso dar certo, Gin." Ele apertou a mão dela, tentando passar segurança. "Eu sei que você está confusa. Entende, ele não se casou com Gina Weasley, podemos dar um jeito de anular tudo."

"Não estou confusa, Harry." Ela tentou explicar, enquanto negava as hipóteses dele com a cabeça. "Não é o casamento que me faz continuar ao lado dele."

Harry arregalou os olhos verdes.

"Você está jogando tudo que vivemos - nós dois - no lixo, por causa de Draco Malfoy?" Harry murmurou ainda incrédulo. "A pessoa que nos perseguiu desde os onze anos, que nos prejudicou de todas as formas possíveis, que instaurou um caos em nossas vidas desde que abriu as portas de Hogwarts para os seus colegas Comensais?"

Gina se encolheu a cada frase sentindo a ferroada das suas próprias mágoas refletidas nas palavras de Harry. Entretanto, não se deu por vencida; nem por Harry nem pelas suas inseguranças. "Você mesmo disse que ele não quis matar Dumbledore. Ele foi tão preso e acuado nessa guerra quanto nós fomos." Harry fungou com escárnio, mas Gina se obrigou a continuar. "São fardos diferentes, Harry, mas não significa que seja fácil carregar qualquer um deles."

"Isso não muda quem ele é, quem ele foi criado para se tornar, no que ele acredita." Harry insistiu.

"Pessoas podem mudar." Gina afirmou e encarou Harry com toda a convicção que conseguiu reunir. "Você mais do que ninguém sabe disso, pelo que me contou sobre o Professor Snape."

Harry estremeceu diante da menção ao ex-odiado Professor e só voltou a falar depois de instantes. "É verdade, as pessoas podem mudar. Se estiverem dispostas a isso. Você acha que Draco Malfoy - de todas as pessoas - está disposto a mudar por você?"

"Não sei." Gina respondeu com sinceridade. "Na verdade, eu nem sei se quero que ele mude por mim. Eu me apaixonei por Draco pelo que ele é, mesmo com todos seus defeitos – que são muitos, não posso negar. A questão é que esses defeitos fazem parte dele e ajudaram a construí-lo como pessoa. E é essa pessoa que eu amo. Sem qualquer uma dessas características, ele não seria Draco, não é?" Ela sorriu gentilmente, aceitando a tarefa quase hercúlea de dar um ar mais leve para aquela conversa.

"Seria uma pessoa mais agradável, posso garantir." Harry passou a mão pelos cabelos, desorganizando-os ainda mais. "Isso é um fim, então?"

Gina sorriu tristemente para ele. "Eu me doei completamente para você enquanto estivemos juntos e foi tudo tão bonito, Harry. Te dei meu primeiro amor, minha inocência e meu coração. Mas, infelizmente, eles se foram para sempre. A guerra se encarregou de acabar com os dois primeiros e o terceiro pertence a outra pessoa."

"Malfoy." Harry grunhiu, controlando ao máximo a decepção que borbulhava dentro de si.

"Sim." Gina respondeu simplesmente. E, mesmo estando com raiva de Draco e desconfiando de que talvez ele nunca pudesse correspondê-la, ela verbalizou seus sentimentos em voz alta, afirmando com convicção o que já havia ficado explícito na conversa. "Eu amo Draco Malfoy."

Harry se encolheu visivelmente diante da afirmação, mas não respondeu nada. Então, passando a mão levemente pelo rosto de Harry em despedida, Gina se levantou e partiu em busca de alguma paz de espírito.

***

Movido pela impetuosidade e a ferocidade que só a raiva podia proporcionar, Draco se encaminhou para o covil monstruoso que os Weasley chamavam de quartel da Resistência, com passos rápidos e decididos.

Não ia se deixar levar mais um minuto por aqueles sentimentos. Desde quando ser vulnerável dessa forma tinha trazido algo de bom para mim?

Não, ele contaria apenas com sua frieza para lidar com os problemas.

Sem promessas infantis, sem propostas de fugas.

Nada daquilo era para ele e nunca tinha sido.

Draco era um sobrevivente bem-sucedido. E só o tinha sido até ali porque não tinha a megera ruiva para se preocupar, para nublar sua razão.

Colocando no rosto seu sorriso mais insolente, ele entrou como um furacão – sem bater - na sala em que os coelhos faziam as reuniões da Resistência, chamando a atenção de todos para si e criando um silêncio cheio de expectativas.

Estavam todos lá, o coelho-pai; aquele que não teve capacidade de se tornar um lobisomem depois de ser mordido por um; o ex-gêmeo maligno; o pomposo que parecia que tinha um prego no traseiro e o Weasley lambe botas do Potter, aquele que Draco mais odiava. Além da Sangue-Ruim, é claro, e todos os amigos puxa-saco da porcaria da Ordem completando a festa.

Graças a Merlin Potter não estava lá também e Draco reteve uma careta ao pensar onde ele estava.

Junto com ela.

Tinha seguido Ginevra depois da discussão que eles tiveram, ainda que não tivesse certeza se era para ofendê-la, irritá-la ou beijá-la até que ela perdesse a capacidade de falar coisas que o aborreciam, mas, como sempre, o universo não tinha conspirado ao seu favor.

Viu como o Cicatriz odioso havia cercado-a e levado-a para o jardim da vella francesa. Viu como eles tinham se sentado lá, se juntando a James e formando a família perfeita e incorruptível.

Draco sentiu sua expressão se fechar, endurecida. Ele sabia que devia ter virado as costas e partido, mas então James tinha se levantado, falado algo com Cicatriz e ido embora, ignorando Ginevra.

E aquilo, de alguma forma bizarra, tinha chateado Draco num nível que ele nunca seria capaz de admitir. Não queria que a situação entre Ginevra e o menino ficasse naqueles termos.

Ele quis intervir, consolar Ginevra que claramente estava abalada pelo comportamento do menino – que Draco não poderia condenar, sob hipótese alguma. Ela tinha mentido para o garoto durante anos, afinal -, mas o Potter Perfeito chegou primeiro e se aproximou dela com aqueles braços de grilo desnutrido...

Ela não o afastou.

Ela definitivamente não o afastou.

E Draco sentiu como se estivesse sendo lentamente apunhalado, com um frio pegajoso percorrendo sua espinha.

Então fechou os olhos, antecipando o que viria. E, mesmo que não tivesse enxergado realmente o que aconteceu, ele soube.

Você faz suas escolhas, então arca com elas, ele pensou contendo aquela sensação devastadora.

Na sequência, reunindo o que restava da sua dignidade, ele girou nos calcanhares e foi procurar o resto da corja ruiva daquele lugar.

Ela tinha feito sua escolha.

Voltando ao presente menos doloroso – mas não tanto assim - foi justamente Rony, ou assim Draco supôs que os outros o chamavam, que semicerrou perigosamente os olhos verdes para ele. Entretanto, foi o pai de Gina que tomou a palavra.

"Há algo que possamos fazer por você, Draco?" Ele perguntou num tom solícito que aborreceu o rapaz.

Todos os outros desviaram os olhos dele como se estivessem constrangidos. Jorge Weasley, nem isso: debruçado sobre uma mesa onde estavam projetados pontos estratégicos de ataques sobre um mapa do país, ele nem se deu ao trabalho de olhar para Draco, como se o sonserino não fosse divertido o suficiente.

Ele estremeceu ao ser tratado com intimidade pelo pai de Ginevra e não ignorou que eles haviam parado a reunião para que ele não ouvisse nada do que estava sendo dito.

Claro, eles nunca diriam nada das conversinhas confidenciais da nobre e ética Resistência para mim, por mais que agora eu esteja livre, Draco pensou retendo uma careta. Eu, que só estou aqui porque estou preso por um voto perpétuo ao filho do maldito Potter.

"Na verdade, há sim." Ele arrastou as palavras, tentando soar o mais desagradável possível – e obtendo sucesso na tentativa. "Preciso mesmo de uma coisa."

Dessa vez Rony deu uma sonora risada, olhando-o com uma expressão de 'você perdeu o juízo?'. Então, resolveu naquela cabeça de cenoura que ele podia verbalizar seus pensamentos sobre o assunto.

"E por que você acha que faríamos qualquer coisa por você?"

Draco cruzou os braços e o olhou friamente.

"Porque vocês me devem." Ele falou devagar, arrastado, como se quisesse que todos eles registrassem cada palavra.

Todos os presentes levantaram a cabeça, choque estampado em todas as faces.

"Ooooi?" Jorge quebrou o momento de surpresa, pela primeira vez se distraindo dos seus mapas estratégicos, desvanecendo-os com um gesto hábil da varinha e chamando a atenção de todos para si. "Talvez eu não tenha ouvido direito." Ele fez uma conchinha com a mão posicionando-a sobre a orelha que faltava. "Como exatamente nós ficamos devendo a você, Malfoy?"

Depois de abrir e fechar a boca algumas vezes totalmente incrédulo, Rony conseguiu emitir uma frase que fizesse sentido, a expressão de surpresa dando lugar a uma raiva que quase distorceu suas feições. Draco registrou com satisfação o fato de que ele tinha cerrado os punhos ao lado do corpo. Pelo menos ele não seria o único a estar transbordando de raiva naquele dia.

"Oh Jorge," Rony estalou os dedos antes que Draco pudesse responder, como se tivesse se lembrado de algo naquele instante. "Talvez a gente deva a ele por ter deixado os Comensais da Morte entrarem em Hogwarts, não é?" Sem esperar a resposta de Jorge, ele se virou para seu outro irmão mais velho. "Você acha que deve a ele o contato com Fenrir Greyback, Gui? Acha que deve a ele suas cicatrizes?"

"Rony, não acho que-" Gui começou, mas foi interrompido pela fúria avassaladora do irmão.

"Ou talvez devamos a ele a morte de Dumbledore, que indiretamente foi sim culpa dele, mesmo que ele não tenha tido a coragem para terminar o serviço." Rony estava quase gritando, anos de mágoa represada sendo jogados violentamente para fora. "É isso, Malfoy? Te devemos por toda dor, sofrimento e morte que você nos causou? Porque se for isso, essa é uma dívida que teremos prazer em pagar na mesma moeda."

A cada palavra Draco sentia seus joelhos ficando mais fracos e teve a horrorosa sensação de que estava empalidecendo. Aquele era um período que certamente tinha contribuído para a formação do adulto que ele se tornara, de quem ele era, mas que Draco evitava pensar a todo custo, pelo medo, pelo horror, pelo desespero... Pela culpa.

E tudo ficava pior quando a Di-Lua Lovegood não parava de observá-lo fixamente com aqueles olhos claros e esbugalhados.

Um clima pesado se instalou na sala e Minerva McGonagall estremeceu visivelmente diante da menção à Dumbledore. Hermione se levantou rapidamente, parando ao lado de Rony.

"Não acredito que essa seja a abordagem mais inteligente, Ronald-" Ela o puxou inconscientemente para perto dela, num gesto suave e protetor. "Dada a atual situação, nós-"

"Ele era nosso irmão, Hermione." Jorge interrompeu com os dentes cerrados e sem olhá-la, apoiando as palavras de Rony e encarando Draco fixamente. Ninguém na sala ousou perguntar a quem ele estava se referindo. "Merlin, ele era meu irmão."

Era realmente muito estranho ver Jorge Weasley sem o brilho de travessura nos olhos.

"Definitivamente, Weasley," Draco apontou para Rony e depois para Jorge – não sem antes reter uma careta de desgosto ao se dar conta que sua mão tremia, "eu não serei seu maldito bode expiatório."

"Não creio que Draco tenha algo a ver com a morte de Fred..." Luna entrou na discussão com sua voz sonhadora. "Talvez estejamos alimentando as mágoas do passado interminavelmente e usando-as como armas na primeira oportunidade. Não é muito saudável, se querem saber."

"E que vida saudável nós levamos, não é?" Jorge murmurou sombriamente.

"O passado," Luna continuou com uma estranha áurea de autoridade bondosa. "está dado. Cabe a nós escolhermos se vamos fugir dele ou revivê-lo," Ela disse suavemente para então se virar diretamente para Draco fazendo-o se arrepiar, como se ela estivesse lendo os recantos mais profundos da sua alma, "ou ainda, se vamos aprender com ele. Não concorda, Draco?"

"Qual é, Luna!" Rony jogou as mãos para o alto, não permitindo que Draco sequer pensasse em responder com medo que sua voz saísse fina ou esganiçada. "Você acha que ele é um santo agora? Depois de passar anos nos perseguindo, na escola, durante a guerra."

Luna pareceu considerar seriamente a questão por um momento, inclinando a cabeça pensativamente.

"Não, não um santo..." Ela disse se dando ao trabalho de responder de boa vontade a uma questão retórica. "Ele apenas é humano."

"Do pior tipo." Alguém que Draco não pôde reconhecer tossiu no fundo da sala, mas ele ignorou a ofensa.

O comentário fez desencadear uma onda de outros – polidos ou não - sobre a presença de Draco ali, sobre tudo que ele tinha feito e até mesmo sobre como ele tinha provavelmente lançado uma Maldição Imperius em Ginevra.

Draco fechou os olhos, subitamente se sentiu tão cansado de ser condenado sem sequer um julgamento justo, sem ninguém ao menos se preocupar em perguntar pelo que ele tinha passado.

Ele não era um santo, realmente. Mas tampouco era um monstro, não é? Ele espalmou as mãos diante de si discretamente enquanto eles discutiam como se ele não estivesse na sala, tentando enxergar nelas algo que revelasse quem ele realmente era.

"Eu não gosto da postura do Sr. Malfoy, tampouco gosto das suas ações que nos fizeram... chegar até aqui." McGonagall estava dizendo quando Draco conseguiu se concentrar mais uma vez na conversa. "Mas acho que devemos manter a civilidade ao discutir. Agir com base na vingança e ressentimento nos coloca no mesmo nível daqueles contra quem lutamos." Ela não resistiu a lançar a ele um olhar carregado de um sentimento não definido de mágoa e pena.

"De acordo, Minerva." Kingsley tinha os braços cruzados sobre o peito largo. "Estamos dispostos a ouvi-lo, Sr. Malfoy. Por que nós – seja lá quem você esteja colocando nessa categoria – deveríamos te ajudar?"

"Vocês me devem!" Draco repetiu com mais veemência, para o caso dos estúpidos não terem entendido da primeira vez. Quando toda a resposta que teve foi mais olhares incrédulos e expressões de cinismo, ele decidiu que não podia contar com a sutileza.

Malditos grifinórios, diretos e incapazes de ler as entrelinhas, ele pensou cheio de rancor.

"Me devem por ter salvado a sua vida!" Ele apontou para Percy com toda crueldade que pôde reunir, levantando o dedo indicador e o médio na sequência, como se eles não pudessem contar. "Duas vezes."

Percy levantou os olhos, ajeitando os óculos que tinham escorrido para a extremidade do nariz pontudo. "Considerando o fato que eu acabei estuporado nas duas vezes..."

"Preferia que eu deixasse meu pai lidar com você?" Draco levantou uma sobrancelha zombadora. "Ou preferia ficar no Ministério, aguardando a benevolência do Lorde das Trevas?"

Quando sua pergunta encontrou somente silêncio e Percy abaixou os olhos decretando derrota, Draco ganhou mais confiança para continuar falando.

Não são só vocês que sabem machucar com a verdade, não é?, ele pensou cheio de rancor.

"Me devem por ter salvado aquele maldito amante de dragões." Ele continuou falando sem misericórdia, se deleitando com a forma que a maioria dos presentes se remexia desconfortável em suas cadeiras. "Por não tê-lo arrastado de volta para a Inglaterra quando eu pude. E eu garanto a vocês que, como líder da Resistência no exterior, Askaban seria uma colônia de férias em comparação com o que ele iria passar."

No auge da sua fúria gelada, Draco se regozijou ao ver Arthur Weasley estremecer e seus filhos desviarem o olhar diante da perspectiva de ver um irmão sofrendo. Ele sorriu como um predador e chegou a abrir a boca para dizer 'vocês me devem por salvar Ginevra', mas, subitamente, se deu conta de que não tinha feito aquilo por eles.

Tinha salvado Ginevra algumas vezes simplesmente porque ele não conseguia mais conceber o mundo sem a vitalidade, a força e a determinação de Gina Weasley.

Então Draco fechou a boca e sentiu uma onda de desânimo o invadir, pensando naquilo que se tornara seu mantra nos últimos minutos.

Ela fez sua escolha.

E está na maldita hora de eu fazer as minhas, Draco pensou e cruzou os braços sobre o peito, retomando a postura arrogante.

"O que você deseja de nós, Sr. Malfoy?" Kingsley falou e sua voz de barítono tinha um inegável ar de cansaço de quem admitia derrota.

Draco passou os olhos cinzas por tudo os presentes, fazendo seu ponto absolutamente claro.

"Eu quero ir embora daqui." Ele exigiu como se estivesse entediado. "E quanto antes melhor."


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