Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 32
A Despedida de Blaise


Notas iniciais do capítulo

Tchanã! Falei que não ia demorar e cá estou! Lembrem-se, por favor, de que esses capítulos são de resolução de conflitos e fechamento de buracos no plot. É um capítulo do qual gosto particularmente, apesar de não ter DG diretamente.

— se esconde atrás do sofá-

O capítulo é dedicado à Babi, a Batgirl que ilumina meu dia e, apesar de um mau gosto danado para o futebol, sempre tem os comentários mais espirituosos.

E é para minha querida leitora lusitana. Ju, por sua causa tive a oportunidade de revisitar algumas das minhas histórias DGs favoritas. Obrigada!

E é claro, é também para Rose, minha grande companheira nessa história.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/502149/chapter/32

32 – A Despedida de Blaise

Depois do fim da reunião, Draco sentiu os olhos de Ginevra sobre si e, pondo as mil sensações que aquilo causava em lugares inabitados da sua mente, ele se aproximou da sua mãe, que estava sendo conduzida para fora da sala pela rechonchuda Sra. Weasley.

Molly Weasley estava tagarelando sobre algo que Aries tinha feito e Draco aproveitou a chance para acompanhá-las, se afastando o máximo que podia de todos aqueles Weasley reunidos.

Eles caminharam até um corredor do terceiro andar e, seguindo os passinhos rápidos de Molly Weasley, Draco não pôde deixar de se surpreender com a energia daquela mulher e compará-la com o andar altivo, esbelto da sua própria mãe.

Ele suspirou discretamente.

Comparar sua realidade com a de Ginevra sempre levava a um só resultado: diferença gritante.

Arrancando Draco dos seus pensamentos, Molly parou abruptamente no meio do corredor e abriu uma porta velha e feia, que dava para um quarto mais feio ainda.

"Narcissa, esse é seu quarto. Noite passada não foi possível separar um só para você, mas penso que dormir no quarto de Luna por uma noite não foi um problema." Ela falou mais informalmente agora que estavam longe de todos os ouvidos, dando passagem para Narcissa e depois para Draco.

Apesar da situação tensa, Draco quase não controlou a risada ao pensar na sua mãe como colega de quarto de Luna Lovegood, mesmo que por uma noite.

Narcissa se virou para ele.

"Algo engraçado, Draco?" Ela perguntou friamente e Draco aumentou uma antiga suspeita de infância de que sua mãe era legilimente e nunca tinha contado para ninguém.

"Absolutamente nada, mãe." Ele respondeu formalmente e engoliu a risada que ameaçou a surgir com mais força. "Só estava distraído."

"Crianças..." Molly deu uma piscadela cúmplice para Narcissa – que continuou com sua expressão vazia-, se esquecendo de que Draco tinha idade dos seus filhos e havia passado da infância há muito tempo. "Bem, creio que encontrará tudo que precisa, mas se houver algo mais que deseje, pode me procurar sem pensar duas vezes. Tentarei ajudá-la no que eu puder."

Apesar da oferta gentil, Draco não pôde evitar olhar com desgosto para o ambiente simples ao seu redor, com a testa franzida como se os móveis fossem criar vida para mordê-lo.

"Obrigada, Molly." Sua mãe respondeu com polidez distante enquanto analisava a cama. Então ela estalou os dedos e, um segundo depois, Edril se materializou ao lado dela. "Agora creio que tenho tudo que preciso." E um sorriso rápido cruzou seus lábios.

Como não tinha se lembrado do elfo? Draco pensou dividido entre o desespero e o alívio. Se Voldemort tivesse conseguido aprisioná-lo... Ele sentiu um arrepio incômodo percorrer sua espinha.

Quase deu um beijo na testa da sua mãe em agradecimento. Então, teve que conter um outro sorriso ao imaginar como ela reagiria àquilo.

"Senhora." Edril se curvou obedientemente diante de Narcissa. "Edril se escondeu como foi ordenado."

"Muito bem." Narcissa disse num tom condescendente que surpreendeu Draco e acenou elegantemente com a mão. Edril entendeu aquilo como sua deixa para rearranjar os móveis de forma a agradar sua senhora.

Vendo que não tinha mais nada para fazer ali, Molly se preparou para sair enquanto Narcissa observava o quarto simples com seu rigor tradicional.

Draco respirou fundo.

Era agora ou nunca.

"Sra. Weasley." Ele engoliu em seco quando Molly virou para ele os olhos castanhos, tão parecidos com os de Ginevra. "Pode me dizer onde é que eu vou ficar?"

Ela o olhou como se ele tivesse dito algo errado e Draco detestava aquilo. Aliás, Draco detestava as palavras de forma geral. E gostava menos ainda daquelas que o deixavam sem jeito. "A Gina não te falou onde é que ela vai dormir?"

"Não." Sua voz foi mais firme dessa vez e ele evitou que ela saísse muito arrastada. "Na verdade, eu gostaria de ficar num lugar separado..." Narcissa se virou para olhá-lo curiosamente e ele prosseguiu ignorando sua mãe. "Na Mansão era assim também e eu nunca dividi o quarto com ninguém e -"

Por que estava se justificando, afinal?

"Tudo bem, Draco." Molly o interrompeu gentilmente. "Sempre tivemos quartos para aqueles que necessitam."

Ele concordou aliviado, mesmo diante do fato da mãe de Gina ter usando seu primeiro nome, com tanta... familiaridade, além de olhá-lo daquele jeito conhecedor que o irritava ao extremo.

Antes de sair, Molly se virou mais uma vez para a mãe de Draco. "Narcissa, eu sinto muito." E Draco não soube se era pelo quarto, pela situação, por Bellatrix ou pela guerra.

"Todos nós sentimos, Molly." Narcissa deu um suspiro cansado, aceitando as palavras de Molly. "Todos nós."

Quando ela saiu fechando a porta atrás de si numa despedida muda, Narcissa se sentou na poltrona que Edril tinha limpado obedientemente.

"O que foi isso?" Ela perguntou, levantando uma sobrancelha irritante para Draco.

Ele cruzou os braços e se encostou ao batente da porta do pequeno banheiro contíguo, numa posição claramente interrogativa. "A senhora se refere a...?"

"Não coloquei no mundo um filho idiota, Draco."

"Certamente que não." Draco concordou.

"Então não se comporte como um."

O tom impaciente dela desarmou sua postura arrogante. Ele se lembrava da época em que ela era mais tranquila, mais paciente, como se fossem séculos atrás. De qualquer forma, não causava surpresa nele o fato de que situações estressantes fizessem aflorar o mau gênio da sua mãe. Isso acontecia com ele também.

Eles tinham o sangue dos Black, afinal.

Draco esperou pacientemente que ela prosseguisse.

"Como você já percebeu, estou me referindo ao pedido que você fez para a mãe de Ginevra. É compreensível que você tenha esse comportamento na Mansão, na sua casa, mas aqui… Só está dando fôlego para aqueles que pensam que vocês não estão realmente juntos."

"E não estamos."

"Não? Eu não tive essa impressão, pelo jeito que a garota Weasley olha para você..." Ela espanou uma poeira invisível da capa amassada. "E, principalmente, pelo jeito que você reage quando ela chega perto do Potter."

Draco se empertigou como se tivesse sentido fisicamente a alfinetada.

"Mãe, ela me chantageou!" Ele disse com um tom mais próximo do didático que conseguiu reunir. "Com as lembranças em que você aparecia. Deveria ser a primeira a querer que eu ficasse bem longe dela. Além disso, ela é uma pobretona e traidora de sangue." Ele completou reconhecendo internamente a infantilidade da justificativa.

"Estamos sem acesso a um sicle e claramente traindo os ideais de pureza de sangue." Narcissa esboçou um leve sorriso de escárnio nos lábios pálidos. "Parece que não estamos em uma situação tão diferente, então."

Um silêncio se abateu sobre eles e Draco sentiu o gosto amargo de estar do lado daqueles que ele havia desprezado a vida inteira.

"É, acho que não." Ele respondeu mordendo a parte interna da bochecha, de olhos baixos.

Narcissa observou atentamente a reação hesitante e suspirou tristemente, expondo seu lado maternal.

"Você aprendeu a proteger e blindar tão bem os seus sentimentos que tem medo de deixar que até mesmo você os conheça completamente, querido."

"Tem algo que queira me fazer enxergar especificamente, mãe?" Draco passou uma mão pelos cabelos num gesto que indicava nervosismo e que certamente seria digno de censura da parte dela. "Porque, sinto informar, sua sutileza e meias palavras não estão tendo sucesso."

Ele teve plena consciência de que a frase saiu mais petulante do que seria recomendado com sua mãe e, somado a demonstração prévia de descontrole emocional, Draco esperou a crítica inexorável.

Nada veio de Narcissa.

Os dois permaneceram imersos nos próprios pensamentos, até que Narcissa quebrou o silêncio depois de um momento.

"Sabe, Draco, em situações normais, eu diria que você envergonhou o nome dos Malfoy e dos Black trazendo essa mulher ao seio das nossas famílias. Uma mulher que veio de onde ela veio e que foi capaz de fazer o que ela fez. Diria que você deveria ter resistido à chantagem, se livrado dela de um jeito ou de outro. Empregaria eu mesma uma jornada para garantir que a vida dela fosse miserável. Diria que se comportar como um adolescente apaixonado é inadmissível-"

"Eu não estou apaixonado!" Draco se empertigou sequer esperando sua mãe terminar de falar.

" – mas essa não é uma situação normal, longe disso." Ela continuou friamente, como se não tivesse sido interrompida. "Tampouco eu sou a mesma mulher que fui há alguns anos."

"Não, não é." Draco concordou venenosamente, ainda mal humorado com as hipóteses da sua mãe.

"A única coisa que eu posso te dizer com certeza é que eu daria cada centavo do meu dinheiro, cada minuto de vida que me resta, para ter mais um momento com o seu pai, mais um momento com a imagem dele se despedindo de mim com carinho, mais um momento sem conviver com..." Ela cerrou os punhos sobre o colo, não conseguindo convocar a palavra com facilidade. "Com aculpa."

Narcissa não precisou terminar. Esquecendo totalmente sua rebeldia, Draco descruzou os braços e foi até ela, envolvendo os ombros frágeis num abraço raro e carinhoso, esfregando suas mãos pelos antebraços frios da sua mãe como se assim ele pudesse passar algo que já era raro para si mesmo: calor humano.

"Mãe, não siga por esse caminho." Draco sussurrou, ao mesmo tempo atônito e assustado diante da demonstração de fragilidade daquela mulher que era seu símbolo de força.

"Contudo, nem tudo saiu como eu havia desejado." Ela suspirou e continuou falando, pousando a mão nos cabelos claros de Draco. "Eu fiz uma aposta arriscada em uma chance, em uma possibilidade. E perdi."

"Não ter apostado significaria um destino ainda pior para a nossa família." Draco apertou suavemente os ombros de Narcissa tentando confortá-la, afastar seus pensamentos daquele rumo. "Você fez aquilo que precisava, para tentar ter uma vida melhor, longe de coisas que nos faziam sofrer."

"Sim, eu fiz o que era necessário. Mas, para isso, eu ignorei meus ideais, tradições seculares e mesmo os laços de sangue com a minha irmã, tudo em nome da sua proteção e de Lucio." Ela fechou os olhos brevemente e a imagem da mulher frágil e desequilibrada do St. Mungus passou pelo seu rosto cansado. "O que eu estou tentando te perguntar, Draco, é se você será capaz de fazer o mesmo. Será capaz de deixar tudo aquilo com o que você cresceu, tudo o que Ginevra é e representa, tudo que faz de vocês tão opostos quanto fogo e gelo, em nome daquilo que você ama?"

Narcissa o olhou com seus penetrantes olhos azuis e Draco não soube o que responder.

Não pela primeira vez, ele teve a sensação de que jamais seria tão nobre e corajoso como sua mãe.

***

Não meu filho, por favor, não

Gina buscou os olhos de Draco quando ele saiu da sala com Narcissa e Molly, mas ele havia se fechado novamente em seus pensamentos. Ela sentiu vontade se jogar nos braços dele, se sentindo tão fragilizada depois das descobertas do dia, mas ele estava fugindo.

E você aí esperando de Draco Malfoy uma reação diferente de fugir, huh?, ela pensou melancolicamente.

As pessoas passavam por ela, dando boas vindas, dizendo palavras de saudade e, principalmente, de conforto pelo que todos acabaram de ouvir. Mas a mente dela estava distante, como se uma outra pessoa tivesse tomado o seu lugar e ela estivesse observando a cena de longe.

Não meu filho, por favor, não

Estava atordoada com a revelação da profecia. Havia sido protegida por anos por um engano de Voldemort... Se arrepiou ao pensar que, se ele tivesse sabido de tudo desde o começo, ela provavelmente não estaria lá, com a família, em relativa segurança…

Era como se estivesse num pesadelo – seu pior pesadelo – onde Voldemort estava atrás de seu filho, pronto para sugar a vida para fora do corpo frágil e cheio de vitalidade.

Não meu filho, por favor, não

Sentiu seus olhos arderam e lutou para conter as lágrimas.

Só desejava poder abraçar James, protegê-lo de tudo…

Harry passou por ela, abraçando-a suavemente e interrompendo seus pensamentos desesperados.

"Gin, posso falar com você, mais tarde?" Ele perguntou e ela mal se deu conta que havia assentido até que ele a beijou na testa e a deixou ali, presa num emaranhado de pensamentos.

Não pensaria nisso agora.

Seu filho estava em segurança.

Para que Voldemort conseguisse chegar até James, teria que passar por ela, por toda sua família, por Draco e Harry. Todas as pessoas que ele não conseguira derrotar ou matar durante os últimos vinte e cinco anos.

Sua fortaleza estava nas pessoas. Isso, elas a manteriam protegida. Olhou ao redor para se garantir que ainda estava no mesmo lugar. Segura.

Foi só aí que ela se deu conta que não estava sozinha na sala.

Blaise olhava-a fixamente com sua expressão ilegível. Ela coçou os olhos para evitar que as lágrimas rolassem mais uma vez, se sentindo ainda mais segura.

Blaise também era sua fortaleza, afinal.

"Não quis interromper seus pensamentos." Ele comentou introspectivo, abrindo e fechando a mão direita num gesto que delatava sua vontade de segurar alguma coisa. Uma taça, provavelmente.

O Blaise de verdade, Gina pensou consigo mesma antes de responder.

"Não havia nenhum pensamento agradável, pode ter certeza que não seria um incômodo." Gina disse suavemente, se sentando mais perto dele. "Acho que eu devo minha vida e a dos meus filhos a você, então." Ela sorriu fracamente, tentando se concentrar em algo que não fossem as revelações com as quais ela tinha sido bombardeada nos últimos dois dias.

Blaise deu de ombros, sorrindo, voltando a vestir a máscara que usava para lidar com o mundo. "Eu não resisti e tive que salvar a donzela em perigo."

Ele estava diminuindo o fato, mas ela sabia o que aquilo tinha significado para ele, sabia que agora ele também seria perseguido, caçado. Voldemort não demoraria a riscar do mapa pessoas que pudessem ajudar Draco de alguma forma.

"Blaise, obrigada. Eu nunca poderei pagar a dívida que tenho com você." Ela insistiu.

Ele se limitou a fazer um gesto displicente com a mão, como se aquilo tivesse sido um contratempo no meio de uma viagem de férias.

"Não faça isso." Os olhos de Gina brilharam com uma ferocidade mal contida e quando ele a olhou com uma expressão interrogativa, ela completou. "Ambos sabemos o que essa ajuda vai custar para você."

Um sorriso fraco - mas mais verdadeiro do que os anteriores - cruzou os lábios bonitos de Zabini. "Acho que sempre soube que eventualmente eu teria que tomar partido em alguma situação; só posterguei o máximo que pude."

"Merlin sabe o quanto você evitou isso." Gina sorriu para ele e a lembrança de um enigmático adolescente de dezessete anos e elegantemente vestido para um baile invadiu sua mente.

"Pelo menos fiz por uma boa causa." Ele ficou mais pensativo, como se tivesse finalmente se resignado a chegar naquela conclusão. "De qualquer forma, quem realmente perdeu tudo foi Draco; ele sacrificou tudo para que eu salvasse vocês, se arriscou no meio de uma fuga para me avisar. Talvez seja para ele que seus agradecimentos devessem ir primeiro."

Gina sabia disso. E seu coração doía ao constatar como Draco havia rechaçado qualquer aproximação dela.

"Eu... Eu tentei chegar perto dele... Mas ele está arisco, estranho... Como se eu não significasse nada." As palavras saíram com dificuldade e ela sentiu sua voz falhar. "Nós estávamos bem, quer dizer, tão bem quanto poderíamos estar… Mas agora…" Tinha plena consciência que estava gaguejando, mas não pôde evitar.

Blaise olhou seriamente para ela. Então seus lábios se curvaram imperceptivelmente para cima num sorriso silencioso. Depois de um momento, sua respiração começou a ficar entrecortada e, no instante seguinte, ele estava gargalhando.

Gina o olhou boquiaberta.

Blaise Zabini está gargalhando, Gina pensou estupefata, ok, agora posso dizer que já vi de tudo na vida.

Era a primeira vez que via Blaise rindo daquela forma, com tanta... alma. Era um som tão melodioso e envolvente que Gina pensou seriamente em aconselhar Blaise a fazer aquilo com maior frequência.

Demorou um instante até que ele pudesse se recompor.

"Sabe, vocês dois se merecem mesmo. Nunca tive o desprazer de conhecer duas pessoas tão teimosas e cegas quanto vocês."

"Devo me sentir elogiada?" Gina se empertigou, sentindo seu gênio acender. Tinha desabafado honestamente e Blaise reagia daquele jeito!

"Relaxa, Ruiva." Ele disse quase não contendo outra onda de riso. "Só estou dando um outro empurrãozinho em vocês dois."

"Não ouse, Blaise Zabini!" Gina levantou o dedo indicador ameaçadoramente para ele. "Da última vez, eu acabei com fama de infiel e Draco na cadeia! Você também, aliás!"

"Você me obriga a dizer óbvio, Ruiva." Com algum custo, Blaise se recompôs totalmente e fez um gesto conciliador com a mão para apaziguar Gina. "Conheço Draco desde que nós nascemos. Bom, desde que ele nasceu, já que sou mais velho – e mais carismático e bonito, embora ele seja mais rico. Só um pouco." Gina rolou os olhos e Blaise continuou depois de fazer uma leve careta causada pela admissão de algo onde Draco era melhor do que ele. "Draco está com ciúmes. De você e do Potter. Da sua família, da sua antiga vida."

"Eu não dei razão nenhuma para que ele agisse dessa forma." Gina cruzou os braços defensivamente.

"Isso é passível de discussão." Blaise olhou-a intensamente contendo outro sorriso, dessa vez mais desagradável. "Mas a verdade é que nem precisava de razão. Tudo que Draco Malfoy tentou fazer na vida é esconder sua insegurança absurdamente grande atrás de uma fachada esnobe, desdenhosa, superior. E toda essa situação está fazendo o lado inseguro aflorar com toda a força. Ele só está com medo, aquele bastardo covarde."

Gina abriu a boca e fechou algumas vezes, sem ter o que responder. Como Blaise podia entender Draco com aquela profundidade enquanto ela travava verdadeiras batalhas só para entender o que ele queria dizer nas entrelinhas? Sim, porque, com Draco, tudo deveria ser subentendido, compreendido das suas pequenas demonstrações de pensamentos, de sentimentos. Até mesmo nos momentos mais... íntimos, ela tinha que captar o que ele estava sentindo através de gestos e reações, nunca de palavras.

Ela sentiu suas bochechas ficarem quentes ao se lembrar particularmente daqueles momentos. Então preferiu mudar de assunto e Blaise sorriu, parecendo ler seus pensamentos.

Ela suspirou. "E agora? Também vai ficar conosco? Sabe que é muito bem vindo..."

"Eu agradeço a hospitalidade, mas não." Blaise negou com a cabeça, mostrando cansaço pela primeira vez. "Agora que a justificativa de Draco se provou verdadeira, eu estou livre para ir. Só estou aqui ainda para me despedir de vocês dois e do meu afilhado."

"Se você tem certeza que é isso que quer..." Gina torceu as mãos sobre o colo, temendo pelo que aguardaria Blaise lá fora.

"Estou farto de guerras, de instabilidade, ameaças. Já tive minha cota de tudo isso nos últimos anos. Vou voltar para Itália, talvez. Ou ir para o Brasil, quem sabe. Qualquer lugar com um clima quente e que não tenha tendência a entrar em conflitos."

Gina sorriu pra o amigo. "Será invejado por metade da Inglaterra, tenho certeza."

Eles se encararam sorrindo intimamente, cada qual perdido nas perspectivas sobre o futuro. A ideia de deixar Blaise partir deixava Gina apreensiva, mas, ao mesmo tempo, pedir para que ele ficasse mais tempo – e por consequência escolhesse definitivamente um lado - apenas o privaria de duas das coisas que ele mais amava: sua independência e liberdade. Seria como aprisionar um pássaro raro, só para vê-lo definhar e perder seu encanto.

Então, vendo uma última oportunidade, Gina pigarreou, tentando abordar um assunto que, veladamente, pedia para ser esclarecido. Ela sempre havia desejado fazer isso, mas nunca reunira coragem suficiente pra tal.

"Blaise, sobre aquela noite, em Hogwarts…" Ela chamou a atenção dele gentilmente para si. "Quando você e Draco duelaram."

"Sim…?" Blaise cravou os olhos escuros nela, cheios de um sentimento que ela não soube identificar exatamente. Um misto de tristeza, expectativa e exasperação que comprimiu seu coração.

"As coisas que você me falou, eu-" Ela levou a mão até o peito, como se ainda pudesse sentir resquícios do toque dele. "Eu-"

"Ruiva, faça um favor a nós dois," Blaise a interrompeu com um gesto suave. "Você não vai sinceramente acreditar nas palavras de um bêbado, não é?" Um sorriso zombador passou pelo rosto dele e Gina não soube como reagir.

Sem esperar, ele se levantou graciosamente, beijou a mão dela e, olhando-a de baixo com um brilho de malícia no olhar escuro, ele completou com a boca ainda próxima demais da mão dela. "E, mesmo que as palavras tivessem sido verdadeiras, estou mais feliz assim. Odiaria ter que me prender a qualquer coisa, mesmo que essa coisa fosse tão encantadora quanto você."

"Oh!" Gina exclamou sem saber o que dizer.

"Tenha cuidado, Ruiva." Blaise disse ao soltar a mão dela. "Te perder uma vez, quando achei que você tinha morrido com a sua família, já foi ruim o suficiente."

E, com isso, ele se virou e se foi, escolhendo sair da vida dela e de Draco.

Sim, dolorosamente eu acredito nas palavras de um bêbado, Gina pensou, fechando os olhos e suspirando tristemente.

***

Draco cruzou com Blaise num corredor, quando estava se encaminhando para a areia à beira da praia, num dos únicos ambientes naquele lugar infernal onde não havia um barulho esmagador e ele não precisava se esforçar ao máximo para não apertar os ouvidos e se jogar embaixo da mesa mais próxima para fugir de aglomerações.

Aquela não seria uma atitude muito Malfoy, afinal.

Estava quase suspirando de saudade da Mansão Malfoy e só estou separado dela há dois dias, ele pensou acidamente enquanto se encaminhava até o amigo.

"Vou voltar para Londres agora." Blaise foi direto ao ponto quando Draco parou ao seu lado.

"Acho que essa é a hora que eu digo que estou com muita inveja de você." Draco respondeu e voltou a caminhar, dessa vez mais lentamente, numa indicação de que Blaise poderia acompanhá-lo.

E assim ele o fez.

"Já me disseram algo parecido agora pouco." Blaise respondeu acompanhando seus passos. Seus olhos vagaram até o braço direito de Draco e pararam ali por um momento, onde Zabini pareceu ter se lembrado de algo. "Acho que nunca te pedi desculpas por aquele feitiço cortante."

"Não precisa se preocupar." Draco sorriu de forma prepotente e irritante. "Eu deixei você me acertar."

Blaise assentiu como se não se importasse – ou estivesse acostumado demais – com Draco se vangloriando das coisas que fazia, fossem elas verdadeiras ou não.

Apesar da desconcentração da resposta, o silêncio se impôs mais uma vez, toda a tensão da situação permeando a interação entre eles. Até que Draco suspirou e voltou a falar.

"Sabe que ele virá atrás de você, não é? Que não vai poder ficar na Inglaterra, nem em qualquer lugar minimamente perto da Grã-Bretanha."

Não havia necessidade de especificar quem era o 'ele' e Draco olhou Blaise fixamente, como se quisesse que o amigo entendesse seu ponto.

"Poderia ficar aqui." Blaise deu de ombros, exibindo seu meio sorriso característico.

"Claro." Malfoy zombou ceticamente. "Sem luxos, sem prestígio, sem poder, sem influência. É bem a sua cara, como eu não tinha percebido antes?" Foi a vez de Draco sorrir afetadamente. "Aliás, ainda que eu não fosse obrigado a isso, com certeza também escolheria ficar aqui."

"Esse é o problema dos amigos de infância." Blaise se limitou a olhá-lo com uma expressão divertida, suspirando dramaticamente. "Eles nos conhecem tempo suficiente para fazer suposições –corretas- sobre os nossos comportamentos."

Depois de um momento onde ambos coletaram lembranças esparsas e agradáveis dos mais de vinte e cinco anos de convivência, Draco se obrigou a falar.

"Olha..." Ele engoliu em seco e forçou as palavras a obedecerem suas vontades. "Obrigado por ter salvado minha família. Sem você, todos nós estaríamos condenados. Não que estejamos em situação diferente agora," ele deu de ombros cinicamente, "mas pelo menos ganhamos uma sobrevida."

"E eu achava que já tinha visto muita coisa na vida." Blaise abriu um grande sorriso. "Mas nunca um Malfoy agradecendo sinceramente por algo."

"Não estou acostumado a ter coisas pelas quais não paguei. E, se eu paguei, não preciso agradecer por elas." Draco se justificou friamente.

"Me parece razoável." Blaise concordou e Draco não soube se ele estava sendo sincero ou zombando.

"Entretanto," Ele continuou ignorando o tom dúbio da frase de Blaise. "Eu não paguei pela sua lealdade e, por isso, eu estou agradecido."

"Fiz o que devia fazer." Blaise deu de ombros, como se não houvesse existido outra escolha para ele. "Por você, que sempre foi meu melhor amigo, mesmo na época que andava com Crabbe e Goyle cheirando seu traseiro pálido. E fiz por ela." Ele terminou, com a expressão enigmática que Draco conhecia tão bem, a verdadeira expressão do rosto de Blaise.

Draco sorriu friamente, muito para encobrir uma centelha de ciúmes que o invadiu. "Sabe Blaise, para um sonserino, você é particularmente direto demais."

Blaise respondeu sem hesitação. "Talvez porque, como eu disse, você me conheça bem demais para saber quando e sobre o que estou mentindo. Ser sincero é só um jeito de te dar a informação que eu quero, sem ter que ver você lutando contra as palavras para entrar no meu jogo. Você realmente não é bom com elas."

Os olhos de Draco se estreitaram e tudo que apareceu no seu lugar foram duas perigosas fendas cinzas. "Eu estou em débito com você, Zabini, mas isso não significa que eu aprecie a insolência."

Blaise o encarou divertido. "Você se esquece de que segurei sua cabeça para que pudesse vomitar depois de beber litros de firewhiskey em Hogwarts. Depois disso, é impossível levar suas ameaças a sério."

"Blaise-" Draco sibilou com os dentes cerrados num tom de aviso.

"Considere que estamos quites agora." Ele retrucou introspectivo e Draco ergueu uma sobrancelha questionando-o. Blaise, por sua vez, entendeu a pergunta silenciosa. "Naquela noite em Hogwarts tantos anos atrás, naquele baile ridículo, eu poderia ter contado para ela que você estava procurando-a, mas não o fiz."

"Por quê?!" Draco se sobressaltou antes que pudesse se controlar, sentindo uma ferroada de mágoa no peito.

"Por um motivo que não me agrada totalmente." Blaise respondeu com o maxilar tenso. "Porque, durante alguns momentos da minha vida, eu almejei algo diferente do que tinha planejado para mim mesmo. E, nessas raras ocasiões, deixar que os sentimentos guiassem meus atos foi um erro."

Draco não respondeu nada- sentindo um misto raro de mágoa e empatia -, pensando nas implicações daquela atitude.

"Talvez as coisas tivessem sido diferentes entre vocês se eu não tivesse guardado a informação para mim." Blaise pensou em voz alta.

Draco achou melhor não se aprofundar mais sobre o motivo de Blaise e fez um gesto dissuadindo-o, apesar da inegável tristeza e dos pensamentos de 'e se...' que também invadiram sua mente.

"Não importa, Blaise." Ele respondeu impassível. "Não teria sido diferente. Não é diferente agora."

Blaise estacou, fazendo Draco interromper sua caminhada. Ele buscou os olhos do amigo e subitamente Draco se sentiu extremamente desconfortável sob o escrutínio daqueles olhos escuros e penetrantes.

"Me surpreendo como você pode ser tão idiota, algumas vezes. Acho que a companhia de Goyle por tantos anos deve ter causado algum dano permanente no seu cérebro."

Quando Draco fez menção de responder algo mal educado, Blaise o interrompeu.

"Escute, Draco. Você é como se fosse o irmão que eu não tive e sempre o será - para o meu eterno desgosto -, mas isso não me impede de te dizer algo: cuide bem dela e admita o que você sente, porque se você não o fizer, certamente eu farei, mesmo sabendo que isso seria o maior de todos os erros da minha vida."

"Você-" Draco começou, pensando num jeito de ao mesmo tempo negar as palavras de Blaise, rir dele e azará-lo dolorosamente, mas foi interrompido mais uma vez.

Blaise se aproximou de Draco e o abraçou forte, desarmando-o totalmente.

"Boa sorte, Draco." Blaise disse com a voz abafada pelo cabelo do amigo, sempre mais longo do que seria socialmente adequado. "Eu nunca te pedi qualquer coisa antes, nem cobrei por nada que fiz por você. Contudo, vou me conceder esse pequeno direito agora."

Draco repentinamente ficou imóvel, absolutamente desacostumado com demonstrações de afeto, principalmente vindo de um igual. Tentou puxar da memória a última vez que ele tinha sequer tocado Blaise, mas as lembranças ficaram perdidas nos anos das suas infâncias, entre brincadeiras e provocações nos jardins da Mansão Malfoy.

"Você não seria Blaise Zabini se nunca exigisse nada em troca por aquilo que faz." Draco tentou descontrair e mais sentiu do que viu Blaise sorrindo, muito mais a vontade com aquela - ausência de- distância física do que Malfoy.

"Faça um único favor para mim, sim?" A voz de Blaise voltou ao seu habitual tom constante.

"O quê?" Draco sussurrou em resposta.

"Sobreviva."

Eles ficaram em silêncio até que Draco finalmente retribuiu o abraço de Blaise, se agarrando a ele como se estivesse se agarrando ao último resquício da sua antiga vida, da normalidade.

Blaise também era sua fortaleza, afinal.

"Eu venho fazendo isso há oito anos." Foi tudo o que Draco pode dizer depois de um momento, tentando impedir que sua voz arrastada tremesse por causa da proximidade, da despedida, das mudanças radicais que se acumulavam com o passar dos dias. "Não pretendo mudar de tática tão logo."

Mais uma vez, ele conseguiu sentir quando Blaise assentiu e se apegou forte ao desejo de boa sorte do amigo, sabendo que aquilo era o que ele mais precisaria, para lidar com a Resistência, com a perda de tudo, com a ausência do amigo. Para lidar com Ginevra.

Quando Blaise se afastou para ir embora, Draco o chamou novamente. "E Zabini." Ele disse com sua voz mais arrogante assim que Blaise se virou completamente para ele. "Não é o mais forte que sobrevive. Ou o mais corajoso, por mais que digam o contrário nesse maldito lugar."

Blaise sorriu abertamente, entendendo exatamente onde Draco queria chegar. Sempre entendia.

"Nem o mais inteligente." Ele continuou o raciocínio.

Draco concordou. "Mas sim aquele que melhor se adapta às mudanças."

Blaise levantou uma taça – imaginária - para fazer um brinde – também imaginário – àquela ideia. "O mundo é dos sonserinos!"

"Saúde!" Draco sorriu e imitou o gesto, afastando a sensação de que aquela era a última vez que veria o amigo.

Nem toda despedida tinha que ser um adeus, afinal.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pronto, agora não sei se shippo Draco e Gina, Gina e Blaise, Draco e Blaise ou se escrevo um threesome maneiro e deixo todo mundo feliz, haha



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cinzas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.